Entrevista MancheteRoy Choi, membro da Novo Macau e fundador da Macau Concealers Leonor Sá Machado - 15 Jan 2016 [dropcap style=’circle’]T[/dropcap]em estado envolvido numa série de actividades de promoção de um regime democrático em Macau. O que mais o marcou desde o início dessa luta? A manifestação contra o Regime de Garantias de 2014, sem dúvida. Foi um dos eventos que mais influenciou esta minha procura de conhecimento e de informação. Outra iniciativa foi o movimento do ‘referendo civil’ que não organizei, mas que apoiei. Eu e o jornalista Leung Ka Wai fomos detidos por usar o símbolo da PJ numa publicação. Esse foi também um momento marcante, pelas circunstâncias em que teve lugar. Olhando para trás, como vê a sua detenção? Acho natural que o Governo e as autoridades tenham querido combater a realização do ‘referendo’, mas as pessoas assistiram a tudo com muita atenção, não só em Macau como em Hong Kong. Foram dois sítios onde o movimento teve muito eco. A minha detenção foi feita numa altura essencial do movimento, mesmo no fim, antes dos resultados serem conhecidos. Acredito que a detenção já estava prevista, mas na verdade, apenas veio trazer mais expressão aos resultados porque as pessoas viram que as autoridades estavam a reprimir a acção. O caso não chegou sequer a ser retirado do Ministério Público, ainda que a investigação já não esteja a decorrer há um ano. Além de mim, vários outros membros da ANM também foram considerados suspeitos neste caso e em vários outros que dizem respeito a acções de crítica ao Governo. Já fui detido, considerado suspeito, mas nada me aconteceu. Acho estranho que o caso não tenha ainda sido encerrado, mas também que ainda nada me tenha acontecido – a condenação ou algo do género. Isto é perseguição política e intensificou-se bastante com o ‘referendo’. Como é que analisa a perspectiva social sobre este caso? O mais importante é um dia conseguir sentir a aceitação da população, ganhar essa aceitação. Sinto que correspondo às necessidades da sociedade, porque quero promover os ideais e regimes da democracia. No entanto, entendo que a sociedade local está a dar mais atenção aos problemas sociais, a assunto relacionados com as próprias pessoas. No que respeita a assuntos políticos e à democracia, não vejo as pessoas muito atentas. Têm conhecimentos muito básicos. Além disso, o nível de conhecimento dos direitos e deveres das pessoas também é extremamente reduzido. Tendo isto em conta, às vezes é difícil promover este tipo de ideias porque as pessoas sentem que não são assuntos que lhes digam respeito. Poucas pessoas entendem ou aceitam as nossas ideias, é esta a maior dificuldade com que me deparo. Como é possível aumentar esse grau de aceitação das pessoas? Um bom exemplo é usar o meio digital para chamar a atenção, como plataformas de Facebook da Macau Concealers e da Associação Novo Macau. Aqui e nos websites não falamos apenas sobre democracia e seus benefícios, mas também sobre os problemas da sociedade. Inicialmente, o nosso foco era criticar determinadas figuras através do Facebook, satirizando discursos, fotografias, letras de músicas, aproximando assim a política da população. Em Macau, este método funciona porque promove conhecimento sobre assuntos sérios de formas mais relaxada, engraçada. Daí foi apenas um passo para aquilo que agora fazemos: notícias realmente verdadeiras, com sentido. E as pessoas estão efectivamente mais atentas ao que fazemos. Antigamente, este modelo não ia fazer sentido, porque as pessoas preferiam ler notícias em jornais de Hong Kong. Através do que fazemos hoje, tentamos mostrar às pessoas as causas para as injustiças que têm lugar no território. Os valores e o pensamento geral da população ainda não estão ao nível que desejávamos, de aceitação de ideias de maior liberdade e igualdade. Faz em Agosto dois anos desde o ‘referendo civil’, no qual as pessoas afirmaram que não confiavam em Chui Sai On. Acredita que esta tendência continua a ter expressão? De uma forma geral, não creio que a população tenha muita confiança no poder de liderança e gestão de Chui Sai On. Recentemente com mais ênfase, com o suceder de vários acontecimentos. Chui é um Chefe do Executivo invisível porque não vemos qualquer trabalho efectivo com a sua assinatura, apenas os cargos abaixo dele fazem algo. Exemplo disso são os Secretários. Chui Sai On existe para cumprir funções protocolares. Um estudo recente feito em Hong Kong aponta para o crescimento, ainda que mínimo, da confiança das pessoas no líder da RAEM, mas não acredito que isto seja representativo de melhorias no seu desempenho. Significa apenas que Chui Sai On não se viu envolvido em problemas, o seu nome não surgiu na ribalta. E porque acha que Chui Sai On está a ter menos expressão enquanto líder? Chui Sai On já não tem de se preocupar com um próximo mandato porque este é, à luz da lei, o último possível. É a recta final. Já pensou em alguém que poderá ser o próximo líder do Governo? Prefiro não fazer previsões. Que balanço faz do desempenho dos Secretários? Cada um tem o seu nível, mas de forma geral, acho que estão a fazer um melhor trabalho do que os anteriores. Quando se fala de desempenho, penso que são mais activos. Alexis Tam é teimoso porque só faz aquilo que quer. O Secretário quer apresentar demasiados resultados e ser considerado extraordinário, mas acaba por realmente não usar a opinião da população, simplesmente mostra que a pede. Quanto a Raimundo: inicialmente, duvidámos do seu eventual controlo pelo sector comercial, porque alterou uma série de dirigentes de pastas e departamentos, incluindo o director da DSSOPT. No entanto, com o tempo, fomos percebendo que não era bem assim, já que mostrou – por exemplo no caso do Pearl Horizon – ter pulso firme e uma posição determinada. Por outro lado, também desiludiu em algumas matérias, como a dos passes mensais dos parques, em que disse que ia acabar com eles, mas depois manteve [os já emitidos]. Lionel Leong é um governante discreto e por isso não creio ter muito a acrescentar sobre a sua performance. Já Wong Sio Chak é claramente íntimo do Governo Central: nasceu na China e tem boas relações com o Governo chinês. Isso faz-me ficar preocupado com a preservação dos direitos humanos na RAEM. No entanto, devo dizer que tenho notado um maior combate ao crime. No que respeita a Sónia Chan, devo dizer que é bastante diferente da Secretária anterior, ainda que também seja, como Wong, próxima do Governo Central. Está a retirar uma série de pessoal efectivo dos cargos da sua tutela, de pessoas que estavam na Administração desde os portugueses. A Revolução dos Guarda-chuva teve um grande impacto em Hong Kong e até mesmo a nível internacional. Acha que se vai repetir? Não, pelo menos não num futuro próximo. Foi, no fundo, uma derrota da parte dos organizadores e participantes. Já que prejudicou quem luta pela democracia e pela votação por sufrágio. É preciso ponderar os prós e contras deste tipo de iniciativas, perceber se isto realmente funciona. Acho que antes das próximas eleições para a Assembleia Legislativa da RAEHK nada do género se vai repetir. Mas não foi positivo enquanto movimento de reivindicação? Este movimento escalou de forma negativa muito rapidamente. Inicialmente, era uma iniciativa com sentido e bem estruturada. No final, deixou de ser uma coisa que fizesse sentido. Os manifestantes passaram de activos para passivos. A ideia de lutar pelo sufrágio universal transformou-se numa coisa negativa. Até os candidatos a deputados da AL deixaram de promover o sufrágio, como fizeram no início do movimento. Discorda do que motivou as manifestações – o Governo Central escolher os candidatos antes da população poder votar num deles? Discordo, como é óbvio. E se essa proposta fosse feita em Macau? Acho que, a ser oferecida uma proposta pelo Governo Central, terá a mesma natureza e modelo. Isto é aquilo que a China entende como sendo democracia. Deve ser mais fácil promover isto em Macau do que em Hong Kong, porque aqui as pessoas não são tão contra a China, mas continuo a não considerar que seja um modelo perfeito. Um dos dois deputados da ANM mostrou-se aberto a esta ideia, mas afirma que é preciso melhorá-la no futuro. Em princípio, não concordo, mas porque a minha prioridade é que a população se eduque mais em termos de política. É que mesmo que o Governo Central promova este modelo aqui, as pessoas não vão ter conhecimentos suficientes para saber o que fazer. Na verdade, este modelo não traz qualquer forma de sufrágio, porque a população pode exercer o direito de voto, mas continua a não ter poder de escolha. Relativamente à questão dos livreiros alegadamente desaparecidos: que razões podem estar por trás disto? O que eu entendo é que a livraria também funciona como editora de livros sobre escândalos de governantes do continente e os seus segredos. De facto, o Governo Central não fica satisfeito com a publicação deste tipo de matérias. A livraria em questão já existe há vários anos. Isto é claramente uma ameaça para impedir que sejam publicados mais livros deste teor. Isto assemelha-se a situações que já aconteceram na China, de pessoas que criticaram o Governo e “desapareceram”. O maior problema nisto tudo é que este livreiro encontra-se fora das fronteiras e por isso devia ter mais liberdade de expressão, mas não. Isto mostra que a censura já ultrapassa fronteiras, violando o princípio de Um País, Dois Sistemas. As autoridades da China supostamente levaram o livreiro para lá, mas esta não é a única forma de coagir alguém. Isto pode acontecer em Macau? Até agora ninguém faz a edição e publicação de obras deste teor em Macau. Ainda assim, há um certo nível de risco porque a nova geração de pró-democratas é diferente da anterior. Hoje em dia há um maior grau de crítica aos governos, não só mais forte, mas mais directa e isso antigamente não acontecia. Em casos em que achamos que os direitos humanos estão a ser violados, nós – geração mais nova – somos mais abertos. Já sofreu na pele alguma perseguição do Governo Central? Muitos de nós, incluindo Jason Chao, fomos contactados por inspectores do departamento de Segurança Nacional da China. Parte destes agentes falaram connosco enquanto autoridades, mas outros estavam à paisana, ainda que nos tenhamos apercebido. Há quem tenha mesmo fingido ser jornalista, professor ou investigador. O departamento marcou uma reunião individual com cada membro da ANM para saber as actividades que temos desenvolvido. A resposta que demos é que todas as informações da Associação estão disponíveis a título público. As visitas destes agentes aconteceram com muito mais frequência na altura da Revolução dos Guarda-Chuva. Quando foi a última visita? No ano passado, na altura da votação para a Assembleia Legislativa de Hong Kong.