João Paulo Cotrim h | Artes, Letras e IdeiasA tua voz ao volante Santa Bárbara, Lisboa, 11 Setembro [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] palavra podia ser esquadro, ou fio-de-prumo, esta contendo em si a tensão e o peso, toque na parede, na pedra, concreto, matéria tão porosa sem o parecer, a outra evoca a abstração de uma contagem uma geometria recortada (na memória: Nove-filhos era o stor de geometria descritiva, a linha de terra empre suja) os anos contam-se, mas não valem certos minutos, não valem nem aquele tom ou a palavra dita no momento exacto navalha, de ponta de mola, de barbeiro, antes de ser pedaço de lâmina substituída porque não querias que fosse eu a desfazer-te a barba ferida, que ferida te fiz eu? sei das que me fizeste, mas não trarei freud, que rima com fraude, para o assunto menos kafka, que não será o caso. quantas cartas ao pai se escreveram já? quantos pais se perderam nas cartas nem me atrevo a releituras, afinal, como ele, nem sou assim tão literato ofereceu-me Os Três Mosqueteiros, edição de abrir páginas com lâmina os lombos a sobrarem barbados, espada que se ergue marcador de aventuras sonhos, sonhos fizeste-me sócio do Círculo de Leitores a troco da tabuada debitada, inútil de que serve, para que sirvo soube calcular impedâncias perdidas nas volutas do esquecimento, raízes quadradas rabiscadas matemática de corrida vieram Herculanos no ritmo das quinzenas ou assim o Bobo orgulhavas-te que os filhos não te tratassem por tu deste-me a escolher bicicleta ou máquina de escrever aprendi o gosto da tinta nos chocos, mas começaste pelas lulas não tantos as luas essa foi na casa das avenidas já não tão novas no ano da mana o preto de branco a piscar, perto do Sidónio de parede aquela lua fez-me sonhar em tocá-la nem em papel lá cheguei a revista foi, afinal, de treta, coisa fruste sem a solidez da matéria sem fios-de-prumo a desenhar verticais a madeira tocando a superfície, a tensão do fio vibrando ouves? vês? e o traço com trabalho há-de sustentar muro, parede trabalho, interstício nas férias dos outros o trabalho estava feito ética que nos justificava, fazer a preguiça era dos outros, os dos cafés somos éramos das obras, serventias sem outro jeito talvez tivesse, mas era a preguiça levava para as esquinas do sonho nem bola, apenas a rua a inventar com outros histórias mundos que podiam mudar, além de rodar tinhas casas por construir, desenho a caneta, ideias a rodar nos pneus do autocarro na noite que começaram com a égua anabela, a rodar em círculo nas histórias malandras, longe já e tão perto dos os pés na terra, na neve a fome, a tua, mítica, mitigada com o pão, pouco mais a minha, apenas do fiambre burguês, que a manteiga ainda era possível a poupança, em nome dos tempos difíceis, para confortar futuros, semeando sementes invariáveis de trabalho no hoje, na terra, na linha de terra titubeante, rasurada, horizonte líquido o cinto castigando desobediências sujas de lápis peças de lego contadas na lata, continente redondo de latão a sentir logo o tempo e a humidade a casa absorvia as águas das nuvens, na rua era melhor haveria de acontecer a preço de esforço a tua casa que querias de todos na rua passaram novelas e revoluções, carrinhos de esferas navalhas de tempo a passar nunca te dei a ver o filme sobre infância, oblíquo a frontalidade vem de outro norte, não serve nesta descida ou subida gostavas de histórias, fazias o passado acontecer ali quantas ruas de lisboa desenhavas as carreiras abriam a cidade que nem fruto figo laranja maçã brabo de esmolfe castanha cereja cada fruto seguido de espécie, que nada pode ser apenas isso os carvalhos desdobram-se em soutos, os pássaros poupam-se pelo cantar geometria de volante e esquadro e prumo (o fio-de-prumo utiliza a lei da gravidade para indicar que a posição de um elemento construtivo é realmente vertical. A corda suspensa com o peso que tem na sua parte inferior deverá ser vertical e perpendicular a qualquer outro plano de nível com o qual se cruze.) foste perpendicular aos planos que contigo se cruzaram pontapeaste o cão-polícia que te atacava contrariando a greve agrediste o outro que atazanou noite inteira, arrependeste-te gastaste as derradeiras energias em conflito com a autoridade as autoridades ajuda-me a levantar, vamos à gomes freire, o gnr que aviei, coitado, deitado de pé viste comboios a passar desafiando a tua fome em direcção à frente vizinha no sangue corriam desobediências ancestrais, antígonas da beira, ventos e águas da gardunha cidadãos livres, coluna vertebral fio-de-prumo perpendicular a outro plano de nível linha de terra irregular, tocada pelos pés descalços, madeira contra a matéria a definir a gravidade da história, que percorreste com o devido alheamento, olhos e dedos nos jornais, do fundão, que não abandonaste na proibição, orgulhosamente o orgulho é uma linha de terra ao alto o século era jornal antes de ser contagem a esquadro do tempo, longos lençóis que lembro o teu avô foi para o céu o avô da burra, o avô do farrusco foi o que não se diz neoplasia em escape o teu centro a explodir na lentidão a fugir do entendimento abrindo brancas buracos de escopro na matéria cinzenta quase indignado, barba por fazer tinhas medo da minha lâmina? perguntaste à enfermeira, se não me conhecia a mim, «o homem que fez o funeral ao Salazar» fi-lo aos quadradinhos não tinha jeito para nada o da leira, as batatas, a poda, coisas breves de puto, a vindima, mas com jeito sempre a sonhar, a lua, todo o dia a lua as palavras atiradas ao chão da boca agora na graça o avô da perna direita, invergável, propõe-me pacto de silêncio, inviolável não bebemos nada, pois não?, o de três bate no meu de ginginha, saudades de beber assim os segredos a bengala batendo nas pedras da calçada rimando com as águas descendo a serra em direcção ao milho lençóis do século as crónicas do drummond no jornal do fundão a noite inteira abrindo regos os fios aprendendo a electricidade que me levaria à lua que jamais me levarão à lua que nem quis saber conduzir olha freud, diz lá, antes do kafka, por que me queima o volante a velocidade não me amarga nem a preguiça a preguiça é incestuosa irmã da velocidade e o riso, o riso da mãe a mãe na tela da janela a ver destinos, a comentá-los o vento que penteia o quadro e a rua continua a descer o obama pulou de um contentamento só desadivinhando partidas os contentamos devem conter chegadas, talvez luas, toques no tronco e apertas-me a mão com um desespero que adivinhava final choraste lágrimas gotas de granito escorrendo resto de rosto sabias como perguntar à pedra o que ela podia ser, lias-lhe os veios, marcas da água, do tempo, verticalidades, ajeitava-la entre pernas e de maceta e escopro extraías bloco não de urgência uma verticalidade de enfrentar ventos o teu destino foi de pedra dobram sinos nas donas a dizer que a pedra era agora nuvem como só os sinos podem vi mais lágrimas, ouvi as palavras escândalo e ânimo e parede a fazerem-se promontórios na penha e na serra sussurram-me sem número de perfumados é a vida por acaso falando de morte, mas com raízes por momentos, a sós apesar da mana, a mão que apertaste tocou a madeira do caixão era carga eléctrica, cesta de balão, árvore ligada à terra (continua)