Evitemos a “quebra de palavra”

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo noticiava no passado dia 5 o CHINAXIAOKANG.COM, um destacado membro do Governo de Hong Kong, o Secretário de Estado das Finanças, Zeng Junhua, ter-se-ia recusado a responder a algumas questões postas por escrito pelos deputados do Conselho Legislativo, Liang Guoxiong, Luo Xiaoli, Luo Guancong e Yao Songyan. A posição de Zeng estará relacionada com o processo administrativo movido pelo Governo de HK contra aqueles quatro deputados.

Como é sabido, uma das funções do Conselho Legislativo é a monitorização do desempenho do Governo. Esta monitorização é principalmente feita através de interpelações orais. As interpelações escritas são usadas raramente, ao contrário do que acontece em Macau onde ambas as formas são frequentes.

Como foi referido, a recusa de responder às interpelações está relacionada com o processo administrativo que o Governo moveu aos deputados. Há algumas semanas atrás, o Congresso Nacional Popular fez uma análise explicativa do artigo 104 da Lei Básica de Hong Kong. Nesta análise encontram-se indicações sobre a forma como o juramento de lealdade deve ser feito, o que valida um juramento, e em que circunstâncias pode ser aceite. De acordo com o espírito do documento, o Governo da RAEHK concluiu que os juramentos de lealdade destes quatro deputados eram inválidos e, desta forma, iniciou-se o processo administrativo. Se o Governo ganhar o processo os deputados serão afastados do Conselho Legislativo definitivamente.

Dado que a legitimidade das suas funções está a ser posta em causa, parece razoável que Zeng tenha ignorado as questões que lhe colocaram. Mas a atitude do Secretário de Estado das Finanças foi severamente criticada no Conselho Legislativo. Os seus opositores não encontraram razões válidas para o seu comportamento. No entanto Zeng considerou que o silêncio, nestas circunstâncias, era a resposta adequada visto que as capacidades legais dos referidos deputados estão a ser postas em causa pelo Governo local. Zeng avançou que a omissão de resposta tinha sido aconselhada pelo Secretário de Estado da Justiça.

Mas surpreendentemente, da parte da tarde, Zhang Bingliang, Secretário de Estado da Habitação e Transportes, manifestou a sua vontade de responder às questões dos quatro deputados, durante a reunião do sector da Habitação. Zhang afirmou que se a sua resposta não interferisse no processo administrativo, estaria disposto a dá-la. Esta mudança de posição oficial levou as pessoas a questionarem porque é que de manhã Zeng se tinha recusado a responder às perguntas.

Estas posições contraditórias dos dois membros do Governo indiciam a forma como o Executivo está a lidar com este processo. O silêncio do Secretário de Estado das Finanças reafirma a convicção de que a capacidade legislativa dos deputados está a ser posta em causa. Responder-lhes seria reconhecer-lhes essa capacidade e desvalorizar o processo em curso.

Para justificar esta posição Zeng alegou ter recebido “conselho legal para se manter em silêncio”. Mas, perante as críticas, o Governo da RAEHK reviu a sua posição e, na pessoa do Secretário de Estado da Habitação e Transportes, surge a vontade de responder “se a sua resposta não interferir no processo administrativo”. Desta vez o que se salienta é a não interferência no processo administrativo.

E será que esta argumentação vai ser aceite em Tribunal? Provavelmente sim. No Direito Civil, existe uma figura legal chamada “Quebra de Palavra”, que basicamente obriga ao cumprimento da palavra dada. Se houver “quebra de palavra”, a parte lesada pode pedir uma indemnização.

As preocupações do Governo de Hong Kong são compreensíveis. Se o Governo responder aos deputados, o Tribunal pode ser levado a crer que as suas capacidades legais estão a ser reconhecidas. Parece ser uma posição prudente. Mas quando muda de postura e afirma desejar responder “desde que não haja interferência no processo administrativo”, afigura-se-nos que está a agir de forma mais adequada, garantindo a função supervisora dos deputados e ao mesmo tempo não descurando o processo administrativo em curso.

Do ponto de vista legal o silêncio é a melhor forma de evitar a quebra de palavra, mas do ponto de vista social não cai bem. O silêncio do Governo perante as questões dos deputados pode ser encarado como falta de respeito pelo Conselho. Neste caso, o equilíbrio entre a lei e o interesse público terá de ser remetido para um Conselheiro Jurídico.

13 Dez 2016

Justiça | Ho Chio Meng começou a ser ouvido e nega acusações

Começou o julgamento de Ho Chio Meng. No dia da leitura da acusação, o antigo líder do Ministério Público tentou explicar por que razão havia uma sala, no mesmo prédio onde funcionava o seu gabinete, com equipamentos para massagens e uma mesa de bilhar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] antigo procurador de Macau, Ho Chio Meng, negou a prática dos crimes de que é acusado no arranque do seu julgamento no Tribunal de Última Instância (TUI). “Não correspondem à verdade os factos constantes da acusação”, declarou Ho Chio Meng, 61 anos, depois de revelar que ainda não conseguiu acabar de ler o processo, devido aos constrangimentos decorrentes do facto de estar detido preventivamente, como ter de consultar os documentos sob “luz muito fraca” à noite na casa de banho. O ex-responsável pelo Ministério Público (MP) sublinhou que, como arguido, tem direito a conhecer a base em que se sustenta a acusação.

O presidente do TUI, Sam Hou Fai, reconheceu que a questão do tempo foi levantada por o arguido estar detido, mas realçou que foi concedido um prazo de três meses para a preparação da defesa e que, no decurso do julgamento, poderá continuar a consultar o processo, sendo “impossível” aguardar mais devido ao prazo máximo previsto para a prisão preventiva.

Ho Chio Meng, que liderou o MP entre 1999 e 2014, está detido desde Fevereiro, estando acusado de mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou co-autoria com outros nove arguidos. Apesar das ressalvas, Ho Chio Meng optou por responder em tribunal.

Descanso para convidados

O primeiro ponto abordado foi a designada “sala de descanso para docentes” – relativamente à qual lhe são imputados nove crimes de burla qualificada ou nove de abuso de poder –, localizada em fracções no edifício Hotline, arrendadas entre 2006 e 2014 pelo gabinete do procurador, que funciona no mesmo prédio, as quais seriam alegadamente destinadas ao uso pessoal de Ho Chio Meng.

Segundo a acusação, nessa sala foram encontrados, em Janeiro de 2015, uma televisão de ecrã panorâmico, mesa de ténis-de-mesa e de bilhar, equipamentos de massagem, sauna, colchões, móveis de pau-rosa e de outras madeiras valiosas e também colecções do próprio arguido.

Além disso, diz a acusação, os trabalhos relacionados com a referida sala foram classificados como confidenciais e não havia nada que a identificasse como sendo do MP. Terão sido dadas instruções para que os telefones nem sequer constassem da lista interna de contactos e para que o acesso àquele espaço fosse vedado a outros funcionários.

Ho Chio Meng afirmou que a referida sala do 16.º andar do edifício não foi um “contrato independente”, havendo outras instalações no mesmo piso interligadas.

O arguido contestou a acusação, explicando que a criação da “sala para descanso de docentes” teve que ver com “o desenvolvimento” do próprio MP, uma vez que depois da transferência de Macau de Portugal para a China, em 1999, a formação tinha especial importância.

A acusação diz que o gabinete que dirigia nunca usou aquela sala para convidar docentes do exterior para efeitos de formação de pessoal do MP, algo que Ho Chio Meng negou: “Há provas de que funcionários tiveram formação no local – pelo menos dez”. Deu ainda o exemplo de uma palestra proferida pelo director da Faculdade de Direito de Pequim no local, onde também teria reuniões e receberia convidados, como membros do Governo ou magistrados, outros de fora e até do Tribunal Superior de Justiça da China, mas também associações de Macau.

Além disso, afirmou que era onde recebia “informadores” que evitavam o processo de identificação necessário à entrada do gabinete do procurador, pelo que o espaço era para “uso exclusivo” do exercício de funções – como “existe noutras entidades”, apontando que no gabinete do TUI há uma sala semelhante.

Sobre os contratos de arrendamento da sala, afirmou ter-se limitado a assiná-los: “Não tenho qualquer relação com os senhorios, não tenho qualquer relação com as rendas”.

As buscas

Essa “sala de convidados” foi “arrombada” a 23 de Janeiro de 2015 pelo actual procurador, Ip Song Sang, pouco antes de Ho Chio Meng ter ido buscar coisas que ali armazenara, como mobílias, aquando de uma mudança de casa, dado que depois de terminar o mandato como procurador, teve de abandonar a residência oficial, em “finais de Março” do ano passado.

Ho Chio Meng questionou, por isso, por que razão a porta foi arrombada, passado um mês, sem o informarem, queixando-se por o procedimento das buscas não ter tido em conta que nem ele, nem nenhum representante seu estava presente. Alegou que houve pertences seus que desapareceram, falando de uma caixa de documentos dos tempos em que trabalhou no Alto Comissariado Contra a Corrupção, na década de 1990.

Confrontado com a possibilidade de apresentar uma denúncia, Ho Chio Meng afirmou que nunca falou em furto, acrescentando que pode haver várias razões para explicar o desaparecimento.

O Ministério Público de Macau apresentou um pedido cível de indemnização de 76,19 milhões de patacas ao antigo procurador que continua a ser ouvido hoje.

12 Dez 2016

Justiça | Manuela António alerta para falta de transparência  

A falta de transparência na justiça é o problema maior do sector. A advogada Manuela António salienta a necessidade de um melhor entendimento entre advogados e magistrados

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] maior problema da justiça local é a forma de relacionamento entre os seus intervenientes, nomeadamente entre magistrados e advogados. A constatação foi feita por Manuela António, à margem de uma conferência sobre a protecção de dados pessoais, iniciativa que assinala a comemoração dos 30 anos do escritório da advogada.

Para Manuela António, as relações no seio do sistema judicial passaram de “excelentes” a “distantes”, o que coloca questões no que respeita à transparência no sector.

“Quando comecei a advogar em Macau, as relações entre magistrados e advogados eram excelentes, de um grande respeito e reconhecimento recíprocos. Hoje as portas dos tribunais, e sobretudo dos magistrados, estão completamente fechadas para os advogados”, lamenta.

A advogada não compreende a distância dos magistrados relativamente aos causídicos, “porque os advogados têm uma experiência e uma cultura de um bom e respeitoso relacionamento com os magistrados e não é salutar o que se está a passar”. “É necessário definir uma estratégia clara ao nível da justiça e da forma como a querem tratar em Macau”, remata.

Ainda assim, Manuela António considera que os problemas de relacionamento entre as partes são mais um obstáculo na história do sector em Macau e que, como tem acontecido, poderá ser eficazmente resolvido.

A par da transparência, a advogada não deixa de mencionar outros problemas na área da justiça. “Há problemas de morosidade, de pouca independência, sobretudo relativamente à Administração”, explica, sem deixar de referir a escassez de recursos humanos que ameaça a prossecução da boa e rápida justiça.

Ho Chio Meng: Tempo para tudo

Manuela António acha surpreendente que “Ho Chio Meng tenha tido tempo, sem que ninguém à sua volta tenha dado conta, para cometer mais de 1500 crimes”. Relativamente ao facto de a defesa do ex-procurador ter visto ser recusada a confiança do processo, Manuela António considera que é mais um facto “lamentável”. “Não se compreende porque é que os tribunais podem ter o tempo que entendem para tomar as suas decisões, e que muitas vezes ultrapassa os prazos legais, e que a defesa tenha de cumprir os prazos e sem acesso ao exercício dos seus mais elementares direitos.” A situação, na perspectiva de Manuela António, reforça a desigualdade entre os agentes da justiça. “Todos têm prazos para praticar os seus actos. As partes, quando não os praticam dentro dos prazos, perdem o direito aos actos. Os magistrados não perdem o direito e praticam-no sem qualquer consequência”, explica.

GPDP: Não há datas para comissariado

A conferência de ontem, subordinada ao tema da protecção de dados pessoais, foi marcada pela ausência de agenda no que respeita a uma revisão do diploma actual e para a passagem do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais (GPDP) a comissariado. Acerca da legislação, Vasco Fong, director do GPDP, reitera que “ao fim de mais de dez anos da entrada em vigor do diploma em causa, há alguns aspectos que se revelam insuficientes em relação à realidade com a qual temos de lidar”. “Se tiverem reunidas as condições, não se afasta a possibilidade de se avançar com um projecto de revisão da lei”, diz. No entanto, não há planos concretos e tudo depende de várias condições, em que se incluem os recursos humanos do gabinete e da agenda legislativa”. O mesmo acontece com a passagem do gabinete a comissariado, em que “depende da agenda do Governo”. “O diploma está basicamente concluído e tudo depende do Governo. Posso dizer que o diploma está concluído.” Relativamente aos desafios no que respeita à protecção de dados, Vasco Fong considera que “são grandes” e que, “com o aperfeiçoamento e introdução de equipamentos mais sofisticados, a vida está mais facilitada, mas os seres humanos passam também a estar controlados por estes equipamentos”.

18 Nov 2016

Mandatários de Ho Chio Meng não tiveram confiança do processo

Um dia depois de o Tribunal de Última Instância ter dado a entender que Ho Chio Meng teve tempo para se defender, os advogados do ex-procurador da RAEM falam nas dificuldades de acesso ao processo. Há mais de 30 mil páginas para ler em muito pouco tempo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mandatários de Ho Chio Meng, antigo procurador da RAEM, só podem preparar o julgamento durante o horário de funcionamento do Tribunal de Última Instância (TUI). De acordo com o que apurou o HM, foi-lhes negada a confiança do processo, ou seja, os advogados não podem levar os volumes referentes ao caso para o escritório, de modo a prepararem o julgamento.

“Temos o direito de requerer a confiança do processo”, apontou a advogada Lee Kam Iut, que confirmou que o pedido foi feito na semana passada, um dia antes de ter sido tornada pública a data de início do julgamento, marcado para 5 de Dezembro. “Só podemos consultar o processo nas instalações do tribunal.”

O caso de Ho Chio Meng arrisca-se a entrar para a história judicial de Macau como sendo o maior de sempre, em termos físicos: são mais de 30 mil páginas, contando com os 36 volumes da acusação principal e os 81 volumes de apensos. Só o despacho de pronúncia tem mais de mil páginas. Ao todo, o ex-procurador responde por 1536 crimes.

Atendendo à complexidade e tamanho do processo, o tempo escasseia para os mandatários. “Para defendermos um cliente, temos de estudar bem um processo. Se não o fizermos, não temos dados suficientes”, assinala a advogada, questionada sobre a possibilidade de a defesa de Ho Chio Meng estar, desde já, comprometida.

As dificuldades sentidas pelos mandatários começaram logo na fase da instrução. Diz a lei processual de Macau que, após a notificação da acusação, o arguido tem dez dias para requerer a abertura da instrução. Durante esta fase, explica Lee Kam Iut, só foi autorizada a consulta do processo nas instalações do tribunal – mais uma vez, no horário de expediente do TUI – sem que tivesse havido a possibilidade de serem tiradas fotografias ou cópias. Ou seja, as notas que os mandatários recolheram foram escritas à mão. “Não conseguimos analisar bem o processo”, diz Lee Kam Iut. “Até ao debate instrutório, não conseguimos consultar todo o processo.”

A dimensão do caso e o facto de os volumes não saírem do edifício do TUI torna ainda mais difícil a existência de uma contestação à acusação, que teria de ser feita até ao próximo dia 29.

Outra versão

Os esclarecimentos de Lee Kam Iut surgem na sequência de uma nota à imprensa feita pelo TUI na passada segunda-feira, em resposta “a alguns órgãos de comunicação social portuguesa” que reflectiram “a preocupação de alguns advogados pelo facto de a audiência de julgamento do ex-procurador da RAEM se iniciar a 5 de Dezembro próximo”.

No comunicado, o tribunal presidido por Sam Hou Fai não só explicava que os julgamentos com arguidos presos têm prioridade em relação aos restantes, como salientava que o TUI tem em mãos apenas um julgamento em primeira instância para fazer – aquele que tem, como único arguido, Ho Chio Meng.

Foram também deixadas algumas datas sobre o processo: o arguido requereu a abertura da instrução no passado dia 29 de Agosto, tendo sido declarada a 6 de Setembro. Desde essa data que “os advogados [de Ho Chio Meng] têm tido pleno acesso ao processo” no TUI. “O processo foi consultado muitas vezes, simultaneamente, por vários advogados do arguido”, escreveu ainda o tribunal. “Aliás, até à data, nunca o arguido ou os seus advogados se queixaram de falta de acesso ao processo.”

16 Nov 2016

Ausência de lei sindical e crise do Jogo provocaram aumento de processos laborais

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]unca os tribunais de Macau registaram tantos processos laborais como agora. O presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, lançou o alerta mas não falou das razões. Especialistas explicam: conflitos devem-se à crise do sector do Jogo e à falta de uma lei sindical que faça a mediação entre patrões e empregados

As receitas baixam, as salas VIP fecham, os patrões despedem, os empregados não ficam contentes, nem mesmo aqueles que ajudam diariamente a construir os casinos em crise. Também estes se sentem injustiçados e falam de salários que ficam por pagar e despedimentos que acontecem de um dia para o outro.

Este tem sido o cenário sócio-económico e laboral do território dos últimos anos e que vários especialistas ouvidos pelo HM garantem estar na origem do aumento de processos laborais nos tribunais nos últimos anos. O alerta foi deixado por Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), na abertura do ano judiciário, que falou de uma fase em que se enfrenta uma “judicialização da política”.

“À medida que surgiram na RAEM diversas contradições e problemas enraizados, registou-se um crescimento evidente no número de processos que envolvem questões socialmente sensíveis ou avultados interesses económicos, tendo-se verificado uma tendência de judicialização da política. Os tribunais desempenham cada vez mais um papel na salvaguarda da ordem e estabilidade sociais”, disse o presidente do TUI.

Ao HM, o advogado Álvaro Rodrigues não tem dúvidas de que os números se devem à quebra das receitas do Jogo e não ao estabelecimento do juízo laboral no Tribunal Judicial de Base (TJB).

“Isso tem a ver com a queda das receitas do Jogo e consequentemente com o encerramento de várias salas VIP dos casinos. Não foi a criação do juízo laboral que levou ao aumento de casos. Esse aumento deve-se à “crise” no sector do Jogo, à diminuição das receitas e também à diminuição da vinda dos jogadores, sobretudo do sector VIP, que provocou o encerramento de várias salas o que levou ao despedimento de centenas, para não dizer milhares, de funcionários.”

Álvaro Rodrigues não tem dúvidas de que o número de processos laborais nos tribunais vão continuar a subir, porque os tempos são outros. “Hoje em dia os trabalhadores já têm uma maior consciência e conhecimento dos seus direitos, e é por via disso que têm aumentado o número de processos, porque vão aos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) e depois esses processos acabam todos em tribunal”, adiantou o advogado.

O que faz falta

Para Agnes Lam, docente universitária e anterior candidata às eleições legislativas, o sector do Jogo não é o único que mais desencadeia estes processos. Na sua óptica, o sector da construção civil tem sido outra área problemática. Nos últimos meses têm sido comum as idas à DSAL de grupos de trabalhadores que se dizem despedidos sem justa causa e sem receber os montantes a que têm direito, fazendo-se acompanhar por deputados. Os protestos também alertam para este facto.

“Há mais casos ligados a subconcessionárias no sector da construção civil, e é por isso que temos muitos casos em tribunal. Isso acontece sempre quando há uma quebra na economia e as pessoas não conseguem chegar a acordo”, disse Agnes Lam.

Contudo, nesta equação não entra apenas a economia. “Há um lado económico nisto tudo, mas se olharmos para outro aspecto não temos um mecanismo que impeça estes casos de conflito, devido à ausência de uma lei sindical. O Governo tem vindo a promover a mediação como uma maneira de resolução de conflitos fora dos tribunais, mas não sei se é o melhor método, uma vez que não vemos muitos casos a serem resolvidos por via da mediação. Quando falamos em mediação, se não temos uma lei sindical os trabalhadores nunca terão ninguém forte o suficiente que consiga falar por eles e defender os seus direitos junto do patronato. Ainda não temos o mecanismo certo e penso que a mediação, neste momento, não vai trazer nenhum contributo.”

Agnes Lam acredita que, se não houver uma alteração de fundo no actual sistema, os processos laborais vão continuar a encher os tribunais. “Os trabalhadores têm hoje uma maior noção dos seus direitos laborais. Há muitos trabalhadores da construção, que quando são despedidos ou não recebem salários, queixam-se de imediato e não aceitam essa situação. Penso que haverão mais casos, devido ao facto da legislação e da estrutura actual necessitarem de alterações.”

Até ao limite

A Forefront of Macau Gaming foi a associação de defesa dos direitos dos trabalhadores do Jogo que mais barulho trouxe às ruas nos últimos três anos, ainda que se tenha notado um decréscimo nas suas acções de luta. A manutenção dos croupiers locais e dos pagamentos de subsídios e regalias têm sido as suas bandeiras. Ieong Man Teng, secretário-geral da associação, fala de um novo paradigma nas relações do trabalho.

“Sobretudo nos últimos dois anos devido ao mau desempenho da economia as relações laborais inclinaram-se mais para o lado dos empregadores e notamos que aconteceram cada vez mais casos injustos para com os trabalhadores. Os empregadores são mais exigentes em relação aos trabalhadores e fazem mais pedidos irrazoáveis, e os trabalhadores só quando não conseguem aguentar mais é que vão procurar apoio jurídico.”

Hoje há mais queixas, o que, devido à falta da lei sindical, faz com que os casos vão parar à barra dos tribunais. “Recebemos muito mais queixas relativas aos casos de alegados despedimentos sem justa causa . O número das queixas aumentou imenso nos últimos anos. No passado os empregadores não se atreviam a despedir ou a dar razão aos trabalhadores, não é por causa do aumento da consciência dos trabalhadores em relação aos seus direitos e interesses, é porque os patrões estão mais exigentes. A falta de uma lei sindical faz com que não haja uma plataforma de comunicação entre patrões e empregados, e já pedimos uma legislação nesse sentido há alguns anos. Esperamos que a nova lei possa ser implementada”, rematou Ieong Man Teng.

O último protesto ligado a questões laborais aconteceu em Setembro, quando um grupo de trabalhadores se manifestaram à porta da DSAL por alegados despedimentos nos empreendimentos Lisboa Palace, da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), e do Wynn Palace, ambos no Cotai, em prol de trabalhadores não residentes. A DSAL apenas promete mediar os conflitos e apoiar os desempregados na busca de um novo emprego.


Pereira Coutinho diz que tribunais estão a ser usados como “instituições de governação”

Teve a iniciativa de apresentar por um punhado de vezes a lei sindical na Assembleia Legislativa, e todas elas resultaram num chumbo da proposta. Ao HM, José Pereira Coutinho, deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública (ATFPM), disse não estar surpreendido com as declarações de Sam Hou Fai.

“As declarações do presidente do TUI não são surpreendentes. Há violações grosseiras e diárias face à inexistência de uma lei sindical. A culpa recai essencialmente no Governo face à composição da AL que não tem condições para apoiar uma lei destas, cabendo ao Governo apresentar o projecto de lei o mais brevemente possível.”

Para Pereira Coutinho a ausência de uma lei sindical faz com que os processos se acumulem em tribunal. “Os tribunais estão a ser utilizados como instituições de governação em Macau. Está-se a chutar para os tribunais processos que deviam ser resolvidos na sociedade, na DSAL, mas com os mecanismos de negociação colectiva, com base numa lei sindical. Há mais de uma década que o Governo tem sido irresponsável, chutando para os tribunais batatas quentes sobre questões que têm a ver com a falta de leis e inexistência de mecanismos para a resolução dos conflitos. Essa questão, se não for resolvida pelo Governo, se este não assumir as suas responsabilidades, os processos laborais vão continuar a acumular-se nos tribunais.”

O deputado eleito pela via directa acrescentou ainda que a DSAL “não é uma instituição para resolver conflitos laborais”. “A DSAL é um serviço público que se limita a cumprir a lei, e mais nada. Precisamos de instituir mecanismos justos entre o patronato e os trabalhadores, e não havendo uma lei sindical acreditamos que os abusos contra os trabalhadores e a exploração dos direitos fundamentais vão continuar a existir por muito tempo.”

24 Out 2016

Corrupção | Ex-chefe da DSAT condenado a 12 anos e meio de prisão

O Tribunal Judicial de Base decidiu condenar Lou Ngai Wa, ex-chefe de divisão de Gestão de Transportes dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, a 12 anos e seis meses de prisão por ter manipulado contratos de concessão em auto-silos. Os restantes seis arguidos foram considerados culpados

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi ontem lida no Tribunal Judicial de Base (TJB) a sentença que condenou o antigo chefe de divisão de Gestão de Transportes da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) a 12 anos e seis meses de prisão, bem como ao pagamento de 30 mil patacas. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, Lou Ngai Wa viu ser-lhe aplicada a pena pelo crime de corrupção, por ter manipulado contratos de concessão em parques de estacionamento públicos. Pun Ngai, segundo arguido e também ex-funcionário da DSAT, foi condenado a sete anos e nove meses de prisão. Chan Chi Biu, empresário e terceiro arguido, foi condenado a seis anos e três meses, tal como a sua esposa Chan In Sheong, condenada a quatro anos e seis meses de prisão. Já Leong Ion Fai e Yan Wo Shun foram condenados a quatro anos de prisão.

O tribunal considerou que Lou Ngai Wa recebeu subornos e cometeu actos ilícitos, aproveitando-se do facto de ser funcionário público, sendo que tal pôs em causa a justiça, a competitividade e a honestidade dos actos, afectando ainda a credibilidade das autoridades. De acordo com o canal chinês da Rádio Macau, o TJB disse ainda que a intenção de Lou Ngai Wa em cometer os crimes foi elevada e que os seus actos foram predatórios.

Foram confiscados cerca de 10,5 milhões de patacas de subornos recebidos por Lou Ngai Wa e Pui Ngai, seu subordinado, tendo sido exigido aos acusados o pagamento do montante equivalente aos bens adquiridos através dos actos ilícitos. Os cerca de cinco milhões de patacas do interesse económico partilhados por Lou Ngai Wa, Pun Ngai, Chan Chi Biu e Leong Ion Fai também foram objecto de confisco.

Entre 2012 e 2015, Lou Ngai Wa e Pun Ngai terão ajudado três empresas de gestão de parques de estacionamento a ganharem os contratos de concessão do Governo, sendo que os auto-silos envolvidos representavam 70 por cento de todos os estacionamentos públicos disponíveis. Os subornos pagos pelas empresas a estes ex-funcionários da DSAT ascenderão a 20 milhões de patacas, incluindo outros montantes ligados a actos ilícitos. O antigo chefe de divisão da DSAT terá ainda praticado o crime de branqueamento de capitais com a compra de bens no interior da China, incluindo apostas de futebol feitas fora de Macau e transferências de dinheiro feitas para a conta bancária da sua amante, a residir no interior da China. Os arguidos foram detidos em Abril do ano passado.

18 Out 2016

China | Julgamentos em directo pela internet

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China vai transmitir pela Internet vários julgamentos, desde divórcios a casos de assassinato, uma medida que pretende aumentar a transparência judicial. Segundo a BBC, o site permite que os utilizadores acedam ao mapa da China e seleccionem a província onde o julgamento que pretendem assistir está a ocorrer. O público pode assistir a algumas sessões ao vivo, enquanto que outras são gravadas. Após escolher um julgamento, o utilizador terá uma visão geral de cada uma das sessões – a perspectiva da defesa, juízes e advogados.
“Os julgamentos ao vivo serão utilizados para cobrir vários casos e salvaguardar melhor os direitos do povo de saber e supervisionar”, disse Zhou Qiang, chefe do Supremo Tribunal Popular da China, citado pela agência de notícias Xinhua. De acordo com Zhou Qiang, esta iniciativa irá melhorar o processo de julgamento, garantindo imparcialidade e justiça. No entanto, alguns julgamentos de casos políticos e polémicos continuarão a ser realizados em privado.
A advogada Lu Miaoqin é uma das apoiantes da transmissão ao vivo de julgamentos porque “faz com que os advogados sejam mais profissionais”. Outros advogados são mais cautelosos, como é o caso de Liang Xiaojun, que não considera que a iniciativa seja “apropriada”, visto que “muitas das pessoas envolvidas nesses casos provavelmente não querem partilhar as suas informações pessoais com o público”.
O advogado Zhang Yangfeng diz que a transmissão ao vivo de julgamentos é “uma forma de garantir que a Justiça não seja corrupta e de prevenir qualquer manipulação” mas, por outro lado, “pode usurpar a privacidade das pessoas”.
A província de Jiangsu e a província de Cantão são pioneiras desta iniciativa – já o Tibete, Xinjiang e outras áreas mais remotas ainda não transmitem sessões ao vivo.

6 Out 2016

Justiça | Direito a recurso “não deve ser limitado” a penas reduzidas

A possibilidade de recorrer a instâncias superiores, independentemente do limite da pena, é uma das questões levantadas pelo livro “Estudos comemorativos – 20 anos do Código Penal e Código de Processo Penal de Macau”. A sugestão é dada no fecho da obra e pretende um processo penal mais equilibrado

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]questão ligada ao recorrer de sentenças para determinadas instâncias superiores e em circunstâncias definidas é um ponto que poderia ser alvo de revisão em Macau. A sugestão é dada por Luís Pessanha, jurista da Assembleia legislativa (AL) no artigo “Perspectivas de Futuro para o Código de Processo Penal de Macau – Breves Notas sobre o que ficou talvez por fazer na Revisão de 2013”. A reflexão fecha o livro que assinala o vigésimo aniversário de código Penal e Código do Processo Penal de Macau e incide sobretudo “numa opinião pessoal relativa ao limite imposto quando se pretende recorrer a tribunais superiores”, adianta o jurista ao HM.
“Este tipo de problema existe dada as limitações de recursos humanos”, refere Luís Pessanha enquanto explica, a título de exemplo, que quando um sujeito não é considerado culpado por um tribunal de base, o Ministério Público pode recorrer para a instância seguinte. Caso seja condenado em segunda instância, esta representa efectivamente a “primeira decisão condenatória e quando a pena é relativamente reduzida, é aplicada a regra de que já existiram duas instâncias de julgamento, pelo que não se justifica a aceitação de recurso para instancia superior”.
Para Luís Pessanha esta regra não será a mais equilibrada sendo que se justifica que “quando há uma primeira decisão condenatória e independentemente do valor da pena, deverá ser admitida a possibilidade de recurso, porque pode existir de facto algum erro, na medida em que é, efectivamente, o primeiro julgamento condenatório”.
Apesar de entender que esta é uma forma de filtragem para evitar o amontoado de processos em últimas instâncias de julgamento, o jurista da AL considera ainda que e trata de uma medida que poderá ser ponderada, até porque “estes processos não serão muito comuns pelo que e nesse casos se justifica admitir o recurso independentemente da pena aplicada”.
Em 2013, data da última revisão do Código do processo penal, “esta alteração não foi considerada pelo que é ainda uma ideia actual que poderá ser analisada”, remata Luís Pessanha.

Duas décadas em reflexão

Celebra-se este ano o vigésimo aniversário da entrada em vigor do código penal e da aprovação do código do processo penal de Macau. A iniciativa é celebrada pela Fundação Rui Cunha com a apresentação de um conjunto de reflexões por parte dos profissionais do Direito do território.
“Estudos comemorativos – 20 anos do Código Penal e Código de Processo Penal de Macau” partiu da ideia de possibilitar uma reflexão e um diálogo através de um convite extensivo a profissionais quer de formação portuguesa quer chinesa, para que as pessoas tenham um conhecimento mais alargado do que se vai produzindo a nível legal nesta matéria”, refere Paulo Sena, coordenador científico da publicação e jurista da Assembleia legislativa (AL).
A obra conta com artigos genéricos e mais gerais até à reflexão acerca de casos particulares e é apresentada numa edição bilingue que reúne cerca de 1000 páginas escritas por juristas portugueses e chineses.
A ideia é fundamentar a necessidade de “uma doutrina própria da RAEM porque vivemos ainda muito sob o direito de Portugal e esta é uma obra que já implica uma reflexão local acerca dos códigos de Macau”, explica Paulo Sena.
A apresentação do livro tem lugar a 29 de Setembro na Fundação Rui Cunha pelas 18h30.

27 Set 2016

Sistema judiciário | João Miguel Barros com livro no consulado

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] advogado João Miguel Barros lançou ontem o livro “Sistema Judiciário” no consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, o qual chama a atenção para a possibilidade de Macau vir a tirar partido da experiência vivida em Portugal, no âmbito da revisão da Lei de Bases de Organização Judiciária. O projecto, ainda em análise pelo Executivo, deveria ser alvo de uma revisão integrada, defendeu João Miguel Barros.
“São sistemas independentes, ainda que assentes na mesma matriz. Há uma diferença acentuada entre o que existe em Portugal e em Macau. Mas há uma metodologia que poderia ser utilizada em Macau e a mensagem que gostaria de passar é que podemos olhar para o sistema judiciário de Macau a partir de pressupostos diferentes daqueles que foram utilizados no passado, porque o sistema judiciário é uma unidade. Quando o legislador e as pessoas responsáveis pelas políticas públicas de justiça resolvem fazer reformas, normalmente tratam de partes do sistema e nunca olham para o sistema como um todo. É aí que pode ter algum interesse para Macau”, disse João Miguel Barros ao HM.
“Em Macau temos uma lei que tem alguns princípios mas tem situações que estão completamente desactualizadas e desajustadas daquilo que deve ser um sistema judiciário moderno. A lei precisa de ser alterada e muito modernizada, mas o grande erro é se se fizer a revisão dessa lei fora do contexto de análise do código processo civil e de outros códigos processuais e toda a parte tecnológica que pode ajudar a colaborar com os tribunais”, disse ainda.

Águas mansas

Se em Portugal a revisão da Lei de Organização do Sistema Judiciário originou um intenso debate da classe, desde advogados a juízes, em Macau o processo pode ser bem mais calmo. “Admito que estas propostas não sejam consensuais. Macau, mais do que Portugal, é uma terra que tem os processos de decisão muito próprios e estruturados, e não é fácil fazer alterações. A alteração que sugiro só foi possível em Portugal porque havia um poder político forte. Não acredito muito na capacidade de intervenção da AAM e os juízes não estão organizados como estão em Portugal. O processo de decisão é pouco participado”, rematou o advogado, que possui uma larga experiência em Portugal e na RAEM.

28 Jun 2016

Justiça | Presidente do TUI diz que juízes sofrem pressões sociais

Na abertura do Ano Judiciário, foi claro o aviso deixado por Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância: os juízes devem “reforçar a auto-disciplina” e rejeitar “seduções e perturbações” da sociedade. Sam Hou Fai disse que os juízes sofrem pressões por Macau ser um espaço pequeno

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ugir às tentações. É o que Sam Hoi Fai quer que os juízes dos tribunais de Macau façam. Na habitual sessão solene de abertura do Ano Judiciário 2015/2016, o presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) deixou recados claros aos juízes do território, para que não se deixem corromper no exercício das suas profissões. Disse ainda que os profissionais da Justiça sofrem pressões.
“Devem todos os juízes e funcionários da Justiça, com firmeza e determinação inabaláveis, rejeitar categoricamente toda a espécie de seduções e perturbações, cumprindo fielmente as funções em que somos investidos, a fim de honrar a missão de servir da última barreira de protecção dos direitos e interesses dos cidadãos que nos é confiada por lei”, disse no seu discurso. “Tem particular sentido reiterar hoje a exigência ao pessoal judicial de fortalecer a capacidade de resistência à corrupção e às seduções”, acrescentou.
Sam Hou Fai exigiu ainda aos juízes mais “auto-disciplina” e um melhor relacionamento entre as relações interpessoais e a justiça. “É necessário manter certa distância com a sociedade, como se existisse um muro de vidro entre os juízes e a sociedade”, apontou. Sobre a expressão, Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), ironizou. “Com paredes de vidro não vamos ver nada, que o vidro é fosco.”
O presidente do TUI lembrou ainda que, numa sociedade pequena como a de Macau, é fácil corromper e ser-se corrompido. “À medida da evolução e mudança das condições sociais, políticas e económicas de Macau (…), os tribunais e os juízes estão a enfrentar desafios sem precedentes. Acresce que Macau é uma sociedade pequena que valoriza o relacionamento interpessoal, na qual os juízes estão inseridos, daí que seja imaginável a pressão com que os juízes se confrontam”, revelou.

Imprensa maldita

As pressões de que fala Sam Hou Fai também dizem respeito a comentários feitos nos meios de comunicação social, algo criticado pelo presidente do TUI. “Há grupos ou indivíduos que utilizaram os meios de comunicação social para fazerem comentários aos órgãos e sentenças judiciais e até mesmo aos processos que estão a ser julgados. É claro que devemos reconhecer as influências positivas das observações, mas há também outras críticas que não são minimamente fundadas”, frisou, sem especificar de que casos falava.
De resto, Sam Hou Fai não deixou de apresentar dados sobre o sistema: até Agosto deste ano estavam pendentes nos tribunais quase 10.500 processos, sendo que no ano judiciário de 2014/2015 deram entrada 22.199 processos. No mesmo ano, foram concluídos 20.493.

Processos sobre acidentes de trabalho aumentam

No seu discurso, Sam Hou Fai chamou a atenção para o elevado aumento de processos relacionados com acidentes de trabalho, recebidos no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base (TJB). “Deu-se um acréscimo acentuado no número de processos de acidente de trabalho. Entraram no Juízo Laboral do TJB 543 processos de acidente de trabalho, um acréscimo de 53% face ao ano judiciário anterior, daí que a segurança na produção industrial seja uma questão digna da atenção especial de todos.” Quanto aos crimes relacionados com o Jogo mantém-se a tendência de subida. Verifica-se que o número de processos de natureza criminosa resultantes das actividades periféricas com o Jogo (tais como a usura, jogo ilícito, sequestro e burla) sofreu um acréscimo significativo, mantendo a tendência que se tem vindo a verificar”, referiu.

Prazos processuais contestados

Sobre a já falada lentidão na justiça, Sam Hou Fai referiu que o tempo de espera para julgamento, em processos com arguidos presos, é de 57 dias úteis, algo que foi contestado por Neto Valente. “Não sei onde é que foi buscar isso. Tenho julgamentos marcados para Maio do próximo ano. Estão a marcar diligências para Maio do ano que vem.”

15 Out 2015

TJB | Documento da China recusado na RAEM por divergências de regime

Um residente de Macau está prestes a ficar sem os seus bens adquiridos enquanto era ainda solteiro porque a sua agora ex-mulher está a requerer a sua parte, como bem manda a comunhão de bens de qualquer matrimónio contraído na China. O problema está no facto dos tribunais de Macau não reconhecerem um documento notarial

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m acordo autenticado no interior da China e que conta com as assinaturas de um casal não foi aceite pelo Tribunal Judicial de Base (TJB) de Macau. O ex-marido, Crystal Lei, queixou-se de ter perdido metade das propriedades para a sua ex-mulher. Um advogado ouvido pelo HM, Chan San Chi, justificou que o regime nacional de casamento do continente só permite a contracção do matrimónio em regime de comunhão de bens no que diz respeito a propriedades de terrenos.
Crystal Lei é residente de Macau e casou-se com uma mulher – proveniente da China – em 2005, tendo nessa altura declarado que ambos assinaram um “Acordo de Propriedades entre Casal” para complementar o direito às propriedades em 2007. O conteúdo do documento refere que ambos têm direito a partes iguais das propriedades que comprarem. O acordo foi autenticado no cartório notarial da cidade de Jiangmen, na província de Guangdong. No entanto, depois de se divorciarem em 2013, a ex-mulher instaurou um processo no TJB, alegando ter direito a metade dos bens que Lei comprou na RAEM antes de ter contraído o matrimónio.
O registo do casamento que a ex-mulher mostrou é aceite em Macau, mas Crystal discorda desta divisão das suas propriedades, tendo entregue ao TJB um comprovativo de que os bens em causa apenas a si pertenciam. Contudo, segundo duas decisões do Juízo Cível do TJB, emitidos em 2013 e neste mês, o acordo é considerado um documento de cariz privado e não notarial.
“O importante é perceber se o ‘Acordo das Propriedades entre o Casal’, assinado no cartório notarial de Jiangmen teria outro peso se fosse feito em forma de escritura”, referiu o jurista no momento do julgamento. O TJB citou ainda o artigo 1578º do Código Civil, que dita que “a convenção pós-nupcial produz efeitos entre os cônjuges a partir do dia da sua celebração, sendo nula qualquer estipulação em contrário”. Ainda assim, o residente voltou a pedir ao notário da cidade chinesa que emitisse um novo comprovativo.

Zona nebulosa

O TJB considera ainda que a lei da República Popular da China não regulamenta claramente as formas notariais. Contudo, no Código do Notariado de Macau, são classificados claramente os tipos de documentos emitidos pelo notário ou aqueles que contam com a intervenção deste órgão: podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial. 
Crystal citou ainda o Acordo sobre a Confirmação e Execução Recíprocas de Decisões Judiciais em Matéria Civil e Comercial entre o Interior da China e a RAEM, assinado em 2006 pela ex-Secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan. Este Acordo dita que “os documentos originais, cópias e traduções redigidos ou autenticados pelos serviços públicos, incluindo os notários, competentes de cada parte ficarão isentos de qualquer forma de legalização para serem utilizados na outra parte”. 
O queixoso considera que o TJB ignorou a força deste acordo, argumentando que pode vir a perder metade das propriedades que comprou em Macau, caso o documento não venha a ser aceite no território. Crystal Lei promete recorrer ainda ao Tribunal da Segunda Instância (TSI).
Em esclarecimento ao HM, o advogado Chan San Chi explicou que segundo o regime nacional do casamento do interior da China, os casais não podem casar-se através do regime de separação de bens, a menos que peçam ao Governo a divisão destes antes de efectivarem o casamento.
“Esse acordo sobre as propriedades divididas do casal foi feito depois do casamento e este não pode contrariar o regime nacional, que não permite que as propriedades de um casal sejam divididas. Portanto, mesmo que seja o documento autenticado, não prova que as propriedades adquiridas depois do casamento são fraccionadas entre os dois”, rematou. 

17 Set 2015

Tribunais | Independência judicial garantida, diz Sam Hou Fai

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), Sam Hou Fai, disse num evento público que, à luz do Estatuto dos Magistrados, “os juízes exercem o seu poder judicial nos termos da lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções”, uma vez que “a independência judicial é o pressuposto e base da justiça imparcial”.
Sam Hou Fai não deixou de referir no seu discurso que “a justiça imparcial é um valor contido no próprio estado de Direito”, admitindo contudo que se verificam “vários factores que restringem a concretização da justiça imparcial, principalmente o factor institucional”.
Falando na cerimónia de abertura do 3º Fórum de Alto Nível da Justiça dos dois lados do Estreito de Taiwan, Hong Kong e Macau, Sam Hou Fai defendeu que, desde a transferência de soberania, que as autoridades se têm “vindo a esforçar para criar um sistema judiciário mais completo e compatível com a situação efectiva de Macau”.
Sam Hou Fai disse ainda que os tribunais trabalham “incessantemente para o melhoramento da eficiência judicial, o aumento de transparência judicial e o reforço da cooperação judiciária”. Para o presidente do TUI, o sistema judicial de Macau “consegue alcançar a devida posição e dignidade, sendo confiado pelos cidadãos de Macau e comentado positivamente pela comunidade internacional”.

Ser imparcial

O presidente do TUI considera ser “fundamental para a concretização da justiça imparcial a constituição de um sistema judiciário moderno e um mecanismo para o seu funcionamento, com vista a garantir institucionalmente a imparcialidade”. Sam Hou Fai frisou ainda a criação do Conselho Administrativo, “ao qual compete apreciar e aprovar os orçamentos dos tribunais das três instâncias”. “Do sistema financeiro independente resultou uma base financeira solidificada para a justiça imparcial”, concluiu.
Lançando um olhar sobre a reforma judicial no continente, Sam Hou Fai considerou esta “de grande envergadura”, com “impactos profundos”, tendo em vista a tentativa de “resolver as contradições e os problemas profundos que afectam a justiça imparcial e restringem a capacidade judiciária”. Para o presidente do TUI, tal reforma no interior da China visa “garantir a legalidade, independência e justiça no exercício do poder jurisdicional pelos tribunais, impulsionando a constituição do estado de Direito chinês”.

28 Jul 2015

A difícil arte de caçar votos

Os dois arguidos da Aliança do Povo de Instituição de Macau, associação dos deputados Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei, vão conhecer em Julho a sentença sobre a alegada oferta de refeições e transporte gratuito durante a última campanha eleitoral. MP diz que há provas

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oram conhecidas esta terça-feira as alegações finais do caso de alegada corrupção durante a campanha eleitoral de 2013, que envolve os arguidos da Aliança do Povo de Instituição de Macau, associação dos deputados Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei, os quais acabaram por ser eleitos para a Assembleia Legislativa (AL). Segundo o jornal Ou Mun, o Ministério Público (MP) considerou existirem provas de oferta de refeições e transporte gratuito a eleitores.

A última sessão em tribunal antes de ser lida a sentença final serviu para ouvir sete testemunhas, incluindo os colegas do primeiro arguido – de apelido Ho e funcionário da associação. Ho é suspeito de telefonar aos membros da Aliança do Povo de Instituição de Macau como forma de apelar ao voto para os três candidatos, oferecendo em troca refeições e transporte para o restaurante do Golden Dragon e Hotel Taipa Square. Ho terá ainda pedido a outra arguida, Wong, para também ligar aos membros.

[quote_box_right]Ho é suspeito de telefonar aos membros da Aliança do Povo de Instituição de Macau como forma de apelar ao voto para os três candidatos, oferecendo em troca refeições e transporte[/quote_box_right]

Os colegas de Ho terão referido que foi oferecido transporte para os membros da associação, mas que não houve refeições grátis. O juiz referiu que “se os funcionários já tinham dito que não iam oferecer refeições, porque não esclareceram isso nas chamadas telefónicas?”. As testemunhas explicaram que apenas o chefe efectuou essas chamadas.

O MP disse ainda que foi o primeiro arguido que telefonou para a testemunha do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) a denunciar a oferta de refeições no dia 15 de Setembro de 2013, tendo disponibilizado uma lista de chamadas telefónicas feitas , a qual “poderia provar que os dois arguidos ofereceram transporte gratuito com o intuito de disponibilizar refeições gratuitas, para agradecer os votos feitos pelos membros”.

Palavra da Defesa

O advogado de Ho rejeitou esse argumento do MP, apontando que apenas dez testemunhas confirmaram a existência de refeições gratuitas, sendo que a associação ligou para mais de dois mil membros. O advogado considerou que “seria impossível ganhar a maioria desses votos”, apontando ser impossível confirmar que o arguido foi o responsável pelas chamadas.

Já o advogado da segunda arguida – de apelido Wong e voluntária da associação – disse que a sua cliente não tinha qualquer relação com os três deputados e, uma vez que apenas dez testemunhas confirmaram as chamadas, não se trata de uma acusação “racional”, e que “não se podem considerar chamadas como actos de corrupção e crime”. Para esta advogada, a investigação feita pelo MP “não foi completa nem suficiente”, acusando este órgão judicial de “apenas investigar o restaurante nem a respectiva associação”, tendo exigido a retirada da acusação. A sentença final será conhecida a 17 de Julho.

11 Jun 2015