Paternidade | Encontra pai biológico e arrisca-se a perder residência

Uma jovem universitária fez tudo para saber a identidade do pai biológico e como este não era residente na altura do registo de nascimento perdeu o direito a ser residente de Macau. Secretária Sónia Chan aprovou ordem de expulsão, mas o caso está nos tribunais

 

[dropcap]U[/dropcap]ma estudante de 23 anos está em risco de perder o direito de residência e ser expulsa da RAEM, onde nasceu e vive, porque pediu para alterar o nome do pai da certidão de nascimento, após ter descoberto que o que constavam no registo não era o progenitor biológico. O caso está a decorrer no Tribunal de Segunda Instância e foi revelado ontem pela Rádio Macau.

De acordo com a informação relevada foi apenas quando chegou ao ensino superior que a aluna ficou a saber que estava registada como filha de um homem que não era o seu pai biológico. Face à dúvida abordou a mãe, que se mostrou indisponível para ajudá-la, e acabou por pedir uma perícia através das autoridades. Em 2017, o tribunal concluiu que o pai biológico era efectivamente outro homem.

À luz deste dado, a jovem pediu para corrigir o seu registo. Foi nesta altura que o problema com o estatuto de residente surgiu, uma vez que este lhe tinha sido atribuído por alegadamente ser filha do pai não-biológico. Com a informação corrigida, e como na altura do registo os pais biológicos da aluna ainda não eram considerados residentes locais, o Governo cancelou o passaporte de Macau e o registo da jovem de 23 anos. Segundo a explicação do Executivo, ao alterar a identidade do pai a jovem perdeu o único fundamento que lhe tinha dado direito à residência. A decisão foi posteriormente confirmada pela secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan.

Face a perda de residência, a jovem levou o caso para o tribunal que é decidido em primeira instância pelo TSI. Em caso de recurso, a decisão sobe para a Tribunal de Última Instância.

Providência cautelar

Neste processo a estudante viu decidida a seu favor uma providência cautelar, que fez com que não tivesse de deixar Macau imediatamente. A decisão foi tomada por unanimidade do TSI e contou com o apoio do Ministério Público (MP).

Segundo a justificação, citada pela Rádio Macau, seria “uma violência desmedida e uma desumanidade sem tino escorraçar a jovem enquanto aguarda pela decisão final da Justiça. No mesmo documento é sublinhado que a jovem teria de sair sozinha da RAEM, “carregando uma cruz de uma culpa que jamais pode ser sua”.

No acórdão não consta a relação entre a estudante e o pai não-biológico, mas é escrito que todas as partes envolvidas estavam convictas que o homem seria mesmo o pai. A jovem de 23 anos tem toda a família em Macau, inclusive os pais que tiveram direito à residência em 2003. Segundo o MP, a jovem pode pedir um BlueCard, mas que a decisão não reduz o sofrimento e o vexame social do direito a residir naquela que é de facto a sua terra.

9 Dez 2019

Paternidade | Encontra pai biológico e arrisca-se a perder residência

Uma jovem universitária fez tudo para saber a identidade do pai biológico e como este não era residente na altura do registo de nascimento perdeu o direito a ser residente de Macau. Secretária Sónia Chan aprovou ordem de expulsão, mas o caso está nos tribunais

 
[dropcap]U[/dropcap]ma estudante de 23 anos está em risco de perder o direito de residência e ser expulsa da RAEM, onde nasceu e vive, porque pediu para alterar o nome do pai da certidão de nascimento, após ter descoberto que o que constavam no registo não era o progenitor biológico. O caso está a decorrer no Tribunal de Segunda Instância e foi revelado ontem pela Rádio Macau.
De acordo com a informação relevada foi apenas quando chegou ao ensino superior que a aluna ficou a saber que estava registada como filha de um homem que não era o seu pai biológico. Face à dúvida abordou a mãe, que se mostrou indisponível para ajudá-la, e acabou por pedir uma perícia através das autoridades. Em 2017, o tribunal concluiu que o pai biológico era efectivamente outro homem.
À luz deste dado, a jovem pediu para corrigir o seu registo. Foi nesta altura que o problema com o estatuto de residente surgiu, uma vez que este lhe tinha sido atribuído por alegadamente ser filha do pai não-biológico. Com a informação corrigida, e como na altura do registo os pais biológicos da aluna ainda não eram considerados residentes locais, o Governo cancelou o passaporte de Macau e o registo da jovem de 23 anos. Segundo a explicação do Executivo, ao alterar a identidade do pai a jovem perdeu o único fundamento que lhe tinha dado direito à residência. A decisão foi posteriormente confirmada pela secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan.
Face a perda de residência, a jovem levou o caso para o tribunal que é decidido em primeira instância pelo TSI. Em caso de recurso, a decisão sobe para a Tribunal de Última Instância.

Providência cautelar

Neste processo a estudante viu decidida a seu favor uma providência cautelar, que fez com que não tivesse de deixar Macau imediatamente. A decisão foi tomada por unanimidade do TSI e contou com o apoio do Ministério Público (MP).
Segundo a justificação, citada pela Rádio Macau, seria “uma violência desmedida e uma desumanidade sem tino escorraçar a jovem enquanto aguarda pela decisão final da Justiça. No mesmo documento é sublinhado que a jovem teria de sair sozinha da RAEM, “carregando uma cruz de uma culpa que jamais pode ser sua”.
No acórdão não consta a relação entre a estudante e o pai não-biológico, mas é escrito que todas as partes envolvidas estavam convictas que o homem seria mesmo o pai. A jovem de 23 anos tem toda a família em Macau, inclusive os pais que tiveram direito à residência em 2003. Segundo o MP, a jovem pode pedir um BlueCard, mas que a decisão não reduz o sofrimento e o vexame social do direito a residir naquela que é de facto a sua terra.

9 Dez 2019

Paternidade | Número de crianças registadas sem progenitor quase duplica

Entre Janeiro e Outubro 94 mães recusaram identificar os pais dos recém-nascidos. Segundo a lei, os casos em que um do progenitores está em falta têm de ser relatados aos tribunais, que este ano já resolveram 34 casos

 

[dropcap]O[/dropcap] número de recém-nascidos que foram registados sem pai está quase a duplicar face ao ano passado. Segundo os dados fornecidos pela Direcção de Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ) ao HM, só nos primeiros dez meses deste ano foram registados 60 bebés sem pai, quando no ano anterior o número tinha sido de 34 recém-nascidos.

Se a tendência de seis registos sem pai por mês for mantida em Novembro e Dezembro o valor vai chegar às 72 ocorrências, o que representa um aumento de 38 registos com pai desconhecido.

O valor dos primeiros dez meses deste ano também já ultrapassou o total de 2017, quando foram feitos 50 registos de crianças sem pai. Por este prisma, percebe-se que depois de haver uma quebra de 16 registos entre 2017 e 2018, este ano voltou a haver um aumento na tendência dos registos de crianças com pai incógnito. Os números mencionados dizem respeito aos casos em que não foi possível apurar a paternidade, apesar da intervenção das autoridades pelos meios legais disponíveis.

O código civil de Macau estabelece que sempre que haja um registo de nascimento tem de constar o nome do pai e da mãe. Por isso, os funcionários do registo ficam obrigados a remeter as situações em que tal não acontece para os tribunais que depois tentam averiguar oficiosamente a identidade do pai.

Das investigações

Nos primeiros dez meses deste ano houve 94 mães que recusaram identificar o pai na altura do registo. Por isso, segundo o decreto-lei 65/99/M, os casos são remetidos para os tribunais onde é feita uma investigação oficiosa e confidencial, conduzida pelo MP.

Após o relatório da investigação do MP, o tribunal tem de decidir se arquiva o caso ou se arranca um processo, desta forma oficial, para apurar a identidade do progenitor em falta.

Em relação aos 94 casos relatados este ano, os progenitores foram identificados por 15 vezes devido às investigações dos tribunais, que tiverem de fazer valer a prova da investigação. Em outras 19 ocorrências, os pais acabaram fornecer os seus dados e assumir a paternidade “voluntariamente”, numa segunda fase, quando questionados pelas autoridades.

Também as situações em que os pais assumem a paternidade num segundo momento foram menos frequentes este ano. Por exemplo, em 2017 houve 44 pais a dar os dados e a declararem-se progenitores. O número destas situações aumentou para 57, no ano passado, mas está novamente em quebra.

Em relação aos casos em que os tribunais completaram o registo, houve 24 situações em 2017 e 18 no ano passado.

Ainda de acordo com os dados fornecidos pela DSAJ, entre 2017 e Outubro deste ano não houve nenhuma criança registada com mãe desconhecida.

4 Dez 2019

Paternidade | Número de crianças registadas sem progenitor quase duplica

Entre Janeiro e Outubro 94 mães recusaram identificar os pais dos recém-nascidos. Segundo a lei, os casos em que um do progenitores está em falta têm de ser relatados aos tribunais, que este ano já resolveram 34 casos

 
[dropcap]O[/dropcap] número de recém-nascidos que foram registados sem pai está quase a duplicar face ao ano passado. Segundo os dados fornecidos pela Direcção de Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ) ao HM, só nos primeiros dez meses deste ano foram registados 60 bebés sem pai, quando no ano anterior o número tinha sido de 34 recém-nascidos.
Se a tendência de seis registos sem pai por mês for mantida em Novembro e Dezembro o valor vai chegar às 72 ocorrências, o que representa um aumento de 38 registos com pai desconhecido.
O valor dos primeiros dez meses deste ano também já ultrapassou o total de 2017, quando foram feitos 50 registos de crianças sem pai. Por este prisma, percebe-se que depois de haver uma quebra de 16 registos entre 2017 e 2018, este ano voltou a haver um aumento na tendência dos registos de crianças com pai incógnito. Os números mencionados dizem respeito aos casos em que não foi possível apurar a paternidade, apesar da intervenção das autoridades pelos meios legais disponíveis.
O código civil de Macau estabelece que sempre que haja um registo de nascimento tem de constar o nome do pai e da mãe. Por isso, os funcionários do registo ficam obrigados a remeter as situações em que tal não acontece para os tribunais que depois tentam averiguar oficiosamente a identidade do pai.

Das investigações

Nos primeiros dez meses deste ano houve 94 mães que recusaram identificar o pai na altura do registo. Por isso, segundo o decreto-lei 65/99/M, os casos são remetidos para os tribunais onde é feita uma investigação oficiosa e confidencial, conduzida pelo MP.
Após o relatório da investigação do MP, o tribunal tem de decidir se arquiva o caso ou se arranca um processo, desta forma oficial, para apurar a identidade do progenitor em falta.
Em relação aos 94 casos relatados este ano, os progenitores foram identificados por 15 vezes devido às investigações dos tribunais, que tiverem de fazer valer a prova da investigação. Em outras 19 ocorrências, os pais acabaram fornecer os seus dados e assumir a paternidade “voluntariamente”, numa segunda fase, quando questionados pelas autoridades.
Também as situações em que os pais assumem a paternidade num segundo momento foram menos frequentes este ano. Por exemplo, em 2017 houve 44 pais a dar os dados e a declararem-se progenitores. O número destas situações aumentou para 57, no ano passado, mas está novamente em quebra.
Em relação aos casos em que os tribunais completaram o registo, houve 24 situações em 2017 e 18 no ano passado.
Ainda de acordo com os dados fornecidos pela DSAJ, entre 2017 e Outubro deste ano não houve nenhuma criança registada com mãe desconhecida.

4 Dez 2019

Eterna aprendizagem

[dropcap]A[/dropcap] minha mãe tinha um hábito que eu, em criança, detestava. Quando me levava a uma consulta médica ou a um bailarico de imigrantes – ocasiões nas quais nos era exigido um aprumo suplementar – humedecia a ponta dos dedos com a língua e alinhava-me as grossas – e perpetuamente desarrumadas – sobrancelhas. Era tanto um gesto de cuidado como um tique incontrolável. Anos mais tarde, ao levar o meu filho à escola – ele que herdou de ambos lados da família umas sobrancelhas de nível florestal – dou por mim a mimetizar o gesto materno: antes de ele entrar na aula, componho-lhe as calças, ajeito-lhe o cabelo e alinho-lhe as sobrancelhas com um dedo húmido de saliva. Como numa das mais belas canções da Elis Regina: “Minha dor é perceber / Que apesar de termos feito tudo o que fizemos / Ainda somos os mesmos e vivemos / Ainda somos os mesmos e vivemos / Como os nossos pais…”

Não foi só esse gesto que herdei da minha mãe; devo-lhe igualmente a teimosia, uma boa porção de sarcasmo, a capacidade de me rir de mim próprio e, tentando futilmente pôr de parte a inevitável lamechice que vem à tona sempre que falo da minha mãe, provavelmente as melhores partes de mim. Do meu pai recebi a propensão a não saber quando estar calado, o gosto pela caça, pelo tabaco e pelo álcool e uma tendência a não acabar algumas das tarefas que me disponho a fazer, sobretudo se implicarem construir ou arranjar qualquer coisa.

Só percebi verdadeiramente os meus pais quando eu próprio fui pai. Sobretudo de todas as vezes em que falho ser pai, em que sou demasiado pequeno ou demasiado fraco para a tarefa incessante de educar e de cuidar de alguém. Nessas alturas lembro-me dos rostos fechados deles, tolhidos pela vergonha de não estarem à altura e pelo medo de nunca o conseguir estar. Conheço agora por dentro esses rostos. Essa declinação visual da impotência que todos os pais e mães desde sempre conheceram e exprimiram. A vivência da paternidade reperspectiva a condição de filho; de repente estamos do outro lado da fronteira, mal preparados, como quase em tudo na vida, e vivemos finalmente o interior dos gestos e das decisões de que víamos apenas, e mal, a casca. De repente percebemos as limitações, a angústia, o cansaço e, sobretudo e de uma forma completa e vertiginosa, o amor e a sua urgência complexa.

A minha mãe nunca percebeu porque é que eu quis tirar filosofia ou escrever. Não aprovou muitas das minhas escolhas na vida, nomeadamente as que implicavam uma relação de custo-benefício no mínimo duvidosa. Mas nunca fez mais do que opor-se-lhes verbalmente. Nunca fez por me condicionar a escolha do caminho ou por me cercear a liberdade. Essa é a majestade suprema do amor materno: amar aquilo que não compreendemos, amar mesmo aquilo que exprime o que não gostamos.

Enquanto pai, sei que nunca vou estar à altura da tarefa que me coube. Nunca ninguém está. Como escreve Philip Larkin, no poema This Be The Verse: “They fuck you up, your mum and dad / They may not mean to, but they do.” A minha módica esperança é a de nunca achar-me na posse da ilusão do conhecimento suficiente para ser pai. De achar-me sempre aquém, em falta e em dívida – sem que estas me esmaguem – para querer ser sempre melhor pai do que o sou hoje. Porque esse é o tributo maior que posso prestar ao meu pai e à minha mãe. Esse é talvez o único tributo possível.

11 Jan 2019