Salomé Fernandes Manchete SociedadeAlerta para possível escassez de magistrados no Ministério Público No relatório de 2020, o Ministério Público diz que o curso de formação de magistrados poderá aliviar a falta de recursos humanos, mas que a curto-prazo pode haver uma “escassez crescente” na magistratura. Além disso, apela à criação de uma plataforma de dados sobre processos e assuntos de justiça O Ministério Público (MP) voltou a apontar problemas aos recursos humanos de magistrados, pelo menos até os estagiários concluírem o curso de formação de magistrados, para o qual foi aberto novo concurso. O alerta consta do relatório do MP referente a 2020. “Depois da aposentação de dois magistrados no ano 2021, o número de magistrados do Ministério Público em exercício reduzirá de 39 para 37, e atenta a probabilidade de alguns poderem requerer a aposentação voluntária nos termos da lei, poderá vir a verificar, em curto prazo, uma escassez crescente de recursos humanos na magistratura do Ministério Público”, pode ler-se no relatório. Até ao final de Dezembro do ano passado, o MP contava com 39 magistrados. Destes, três desempenhavam funções noutros órgãos públicos, e outros três eram de nacionalidade portuguesa, em regime de contrato. O MP observa que já se iniciou um novo concurso para admissão ao curso de formação de magistrados e que quando terminar “a situação de escassez” de recursos humanos poderá “ser atenuada”. Mas ressalva que “até os magistrados estagiários concluírem o seu estágio, os magistrados em exercício (…) enfrentarão uma maior pressão no seu trabalho”. Os funcionários de justiça do MP aumentaram de 46 para 136, desde a transferência de soberania. Um número que o organismo entende “satisfaz basicamente a necessidade”. No entanto, com o aumento da quantidade e complexidade dos processos, o relatório refere a necessidade de aperfeiçoar, por exemplo, os requisitos de habilitações académicas de oficiais de justiça. Além disso, apela à revisão “em tempo oportuno” do “recrutamento, selecção e formação dos funcionários de justiça” e do “estatuto dos funcionários de justiça”, bem como da introdução de um regime de prémios e incentivos ao desempenho. O objectivo é “assegurar a estabilidade da equipa” dos funcionários de justiça e “elevar a qualidade e a eficiência” do seu trabalho. Partilha de dados Os avanços tecnológicos também foram alvo de atenção. O MP indica que o progresso tecnológico gera “enorme mudança” para o sistema de governação social e acarreta “desafios” ao funcionamento do processo judicial. O MP espera que o Governo arranque com “as medidas legislativas respeitantes à informatização dos processos judiciais, de modo a elevar o grau de partilha de dados entre os órgãos de polícia, o Ministério Público e o Tribunal, e criar uma plataforma de dados no âmbito de processos e assuntos de justiça da RAEM”. Em causa está a “união de recursos judiciários e melhor eficiência judiciária”. Vale também notar que entre os trabalhos para o futuro do MP está a “interpretação correcta da política de ‘Um País, Dois Sistemas’ e defesa espontânea da segurança do Estado”. É ainda sugerido um regime de formação “sistemático” dos magistrados, quando houver um volume razoável de recursos humanos, e mencionada a necessidade de reforçar a fiscalização da integridade dos trabalhadores do MP. Menos inquéritos O número de inquéritos autuados diminuiu 27 por cento para 10.852 no ano passado. Uma tendência justificada com o impacto da covid-19, que levou à redução do fluxo de pessoas e actividades sociais. No entanto, verificou-se uma “subida na intervenção nos julgamentos do Tribunal de Última Instância, entre os quais cerca de 30 por cento se relacionam com litígios derivados da recuperação de terrenos”. Deu-se uma diminuição de quase 79 por cento das autuações relacionadas com crimes ligados ao jogo ilícito e de cerca de 27 por cento nos crimes contra a autoridade pública. Por outro lado, constatou-se “um crescimento notável no âmbito de pornografia de menor e abuso sexual de menor” comparativamente ao ano anterior.
Hoje Macau PolíticaMagistrados | Comissão terminou análise na especialidade [dropcap]A[/dropcap] 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa concluiu a discussão sobre a proposta de alteração ao regime do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público. Vai agora ser elaborado o parecer. Uma vez concluído, a versão final da proposta será submetida para votação na especialidade, em plenário. O presidente da Comissão indicou que as alterações introduzidas pelo Governo na nova versão são focadas na redacção. “O regime em vigor não tem rigor”, disse ontem Chan Chak Mo. Com a proposta de alteração em cima da mesa, as pessoas que pretenderem candidatar-se a uma vaga passam precisar de ter dois anos de experiência profissional. Nos casos de promoção em comissão de serviço, serão necessários 10 anos de serviço efectivo na RAEM. O presidente da 2ª Comissão frisou que as exigências vão ser aumentadas e observou que a experiência profissional foi introduzida porque “é o momento de aumentar a qualidade”. No entanto, sobre a possibilidade, sugerida por alguns, de aumentar a duração desta experiência para cinco anos, o deputado alertou para a possibilidade de não haver candidatos ao curso. Por outro lado, a proposta prevê também uma alteração ao Estatuto do Magistrado. De acordo com Chan Chak Mo, o Governo disse que ouviu os conselhos envolvidos em 2016, e que antes de voltar a submeter o documento ao Conselho Executivo voltou a consultá-los.
Salomé Fernandes PolíticaMagistratura | Curso de formação pode abrir ainda este ano Quando a alteração ao regime do curso e estágio de formação para ingresso na magistratura for aprovada, o Governo pretende abrir um curso. Segundo André Cheong, a formação dos novos magistrados pode começar já este ano [dropcap]O[/dropcap] Executivo planeia abrir um curso para formação de magistrados assim que for aprovada a proposta de alteração ao regime do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público, bem como outro regulamento administrativo que vai ser revisto. “Logo que tenha esses dois diplomas feitos vamos abrir um novo concurso para formação dos magistrados”, disse André Cheong, secretário para a Administração e Justiça. O curso poderá abrir ainda este ano. As declarações foram feitas à margem da reunião de ontem com a 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, que está a discutir a proposta de lei. De acordo com o presidente da comissão, o deputado Chan Chak Mo, “os trabalhos estão a decorrer sem sobressaltos”. O foco da reunião de ontem foram os requisitos de candidatura para admissão ao curso e estágio. “O Governo explicou claramente a sua ideia, quer tornar mais rigorosos os requisitos de candidatura. (…) Quer rigor na qualidade e não na quantidade”, disse Chan Chak Mo. Entre os requisitos conta-se a necessidade de experiência profissional de dois anos. Alguns deputados perguntaram se, no caso desta experiência ser relacionada com a área do Direito se podia encurtar o prazo requerido, ou alongar caso seja noutras vertentes. No entanto, “o Governo disse que não é necessário aplicar esta distinção”, explicou o presidente da Comissão. Entrevista afecta classificação Quanto à entrevista profissional, passo novo que não vai ter carácter eliminatório, Chan Chak Mo explicou que “vai afectar a posição do candidato no ranking, mas não vai resultar na sua exclusão”. O presidente da Comissão explicou ainda que neste momento há cinco juízes contratados no estrangeiro. O Governo não deu uma resposta definitiva sobre a possibilidade de contratar magistrados de Portugal que estejam a desempenhar essa função, “mas disse que se houver necessidade vai contratar”. Recorde-se que no relatório de trabalho referente a 2019 o Ministério Público se focou na abertura do curso e estágio de formação para solucionar a falta de recursos humanos, não fazendo menção ao recrutamento de magistrados portugueses. Por outro lado, aos indivíduos que pretendam ser promovidos em comissão de serviço, passam a ser precisos 10 anos de serviço efectivo na RAEM, em vez de cinco, num trabalho que exija licenciatura em Direito. Chan Chak Mo explicou que o Governo quer manter esta flexibilidade “para não afastar futuros talentos”. Desde a transferência de soberania só cinco pessoas foram promovidas ao abrigo deste mecanismo.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaFunção Pública | Magistrados continuam no fim da tabela Os mais recentes dados dos recursos humanos na Função Pública mostram que os magistrados estão em menor número no total de cargos desempenhados na Administração. São apenas 80, sendo que a maioria tem quase 50 anos [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á muito que se alerta para o facto do sistema judicial local possuir poucos magistrados para que a justiça funcione de forma mais rápida e parece que o problema está longe de ser resolvido. Dados mais recentes sobre os recursos humanos da Administração, até 31 de Dezembro de 2015 e divulgados pelos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), mostram que os magistrados continuam a estar no fim da tabela em relação aos cargos existentes na Função Pública. São apenas 80 os magistrados existentes, o que representa somente 0,3% do número de funcionários, sendo que não há qualquer magistrado a trabalhar nas Forças de Segurança. Mais de metade dos magistrados são homens, a maioria, 42, tem uma idade compreendida entre os 40 e 49 anos, enquanto 16 estão quase a atingir a idade da reforma, com idades entre os 50 e 59 anos. Há apenas seis magistrados jovens, com idades até os 29 anos. Em termos de antiguidade, 65% dos magistrados efectivos desempenham funções há mais de 16 anos. Apenas quatro magistrados trabalham na área da justiça há 31 anos. Olhando para os tribunais e Ministério Público (MP), também eles constam na lista de entidades públicas com menor número de trabalhadores. Há apenas 501 funcionários nos tribunais, uma percentagem de 1,68%, e 320 funcionários no MP, ou seja, 1,07%. A Função Pública continua a ser dominada pelo pessoal técnico de apoio, o qual representa 27,7%, seguindo-se o pessoal de Segurança, 25,1%. A direcção e chefia representa apenas 2,7% dos efectivos. Temas quentes A possibilidade de magistrados portugueses, em comissão de serviço no território há anos, terem de regressar a Portugal foi um dos assuntos quentes deste ano, por pôr ainda mais em causa o funcionamento da justiça. Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), chegou a apelidar a decisão de um “desastre completo”. “Se Macau recruta poucos e se Portugal não deixa vir nenhuns, de facto, é um desastre completo. É um dano muito grande. (…) Mesmo que em Portugal haja falta de magistrados, e admito que haja, não faz sentido nenhum porque não são seis ou sete magistrados que vão colmatar as falhas de dezenas ou centenas”, afirmou. A medida anunciada pelo Conselho Superior do MP de Portugal acabou por ser contornada com a vinda da procuradora-geral, Joana Marques Vidal, ao território e a adopção de alterações ao protocolo já existente. Ficou delimitado que Portugal passa a ter os magistrados possíveis e necessários, por um período de quatro anos. Essa comissão de serviço só poderá ser renovada uma única vez.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeMagistrados | Acordo para profissionais ficarem em Macau até máximo de oito anos Os magistrados portugueses que desempenhem em funções em Macau só poderão fazê-lo por um período máximo de oito anos e terão de se candidatar para o efeito, sendo escolhidos pela RAEM. Joana Marques Vidal chegou ontem a acordo com o MP – todos os magistrados serão substituídos e os números dos que para cá vêm podem variar [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]vinda da procuradora-geral da República portuguesa a Macau resultou num acordo sobre o trabalho de magistrados portugueses na RAEM. Estes vão continuar a vir para o território mas com regras mais definidas: serão nomeados por uma comissão de quatro anos, a qual só será renovada uma vez. Ficam no máximo oito anos e, findo esse período, Portugal irá substituir esse magistrado, caso Macau assim o pretenda. Para virem para Macau os magistrados terão ainda de se candidatar, sendo posteriormente escolhidos pelo Ministério Público (MP) da RAEM com base nos seus currículos. Segundo Joana Marques Vidal, Procuradora-geral portuguesa, são precisas estas regras mais claras para a vinda destes profissionais, já que o Conselho Superior do MP em Portugal já era responsável por autorizar as comissões de serviço. “Muda a forma de critério para o recrutamento, pois não estava nada definido. Fica mais claro o tempo limite adequado para a permanência do magistrado e há um procedimento mais transparente”, explicou Joana Marques Vidal em conferência de imprensa à margem do encontro com o Conselho de Magistrados e todos os magistrados da RAEM, ontem. Números não definidos Apesar de garantir que é importante continuar a manter a cooperação já existente, Joana Marques Vidal garantiu que não foi definido um número de magistrados que virão para Macau. “Não foi estipulado um número porque neste momento não temos muitos quadros [no MP em Portugal], mas nos próximos três ou quatro anos poderemos ter mais quadros, o que nos vai permitir ponderarmos a possibilidade de virem mais ou menos magistrados. Temos circunstâncias de funcionamento que não são as mais fáceis. Esse número vai variar de época para época, até de mês para mês. Vai ser analisado caso a caso”, disse. Estágios em Lisboa A formação foi outro dos assuntos abordados na reunião de ontem. “Há um interesse por parte do MP e disponibilidade por parte do MP português em permitir que os seus magistrados possam ir fazer acções de formação [em Lisboa]. Há também a possibilidade para o MP em Portugal receber por períodos a definir estágios de natureza mais prática”, frisou. Joana Marques Vidal considerou que a “cooperação é importante para a manutenção dos princípios fundamentais do sistema jurídico e que são respeitados pela República Portuguesa e pela RAEM”. Por definir está ainda a situação dos três magistrados portugueses depois da saída de Vítor Coelho, conforme noticiou o HM, exigida por Portugal. Um dos magistrados aguarda que o MP em Portugal decida a sua permanência ou saída da RAEM, enquanto que dois magistrados estão com uma licença sem vencimento. Ip Son Sang, procurador-geral do MP em Macau, garantiu que foi “respeitado o acordo com o Conselho Superior do MP em Portugal, ambas as partes tiveram um bom entendimento”. Ip Son Sang não quis avançar o número de magistrados que poderão chegar de Portugal, nem se os mesmos poderão chegar este ano. “Tudo vai depender da situação concreta”, frisou. Combate ao branqueamento de capitais Joana Marques Vidal garantiu que irá continuar a cooperação ao nível do combate à corrupção e do branqueamento de capitais. “Foi abordada essa questão de forma genérica, tendo sido considerado que da parte do MP em Portugal há toda a disponibilidade para essa cooperação e para o seu aprofundamento, através da formação.” Reunião com Chui Sai On A visita da comitiva do MP de Portugal a Macau incluiu um encontro com o Chefe do Executivo, tendo este referido que os “magistrados da República Portuguesa que servem em Macau têm obtido o reconhecimento e maior respeito por parte da população”, sendo que o novo acordo “representará um importante factor para os dois territórios”. Já a Procuradora-geral da República garantiu que Portugal vai “continuar a assumir o compromisso, destacando magistrados portugueses para trabalhar em Macau”.
Filipa Araújo Manchete SociedadeManuela António, advogada: “Há indícios sérios de falta de independência da justiça” Sem papas na língua, a advogada Manuela António fala novamente sobre o que considera errado na justiça de Macau – desde o tráfico de influências, às pressões e às leis mal feitas. A jurista diz que o maior problema é nada se fazer [dropcap]C[/dropcap]omo comenta a prisão do ex-procurador Ho Chio Meng? A minha apreciação é de que é lamentável o que está a acontecer, mas não é surpreendente. Já há muito se sabia – e se comentava em geral e em particular no sector jurídico e judicial – que havia problemas ao nível do MP. Havia processos, eu própria tive vários, onde tinha sido declarado já pelo Tribunal existirem documentos falsos. Apresentávamos queixa-crime quanto aos autores desses documentos e os processos ficavam parados dez anos. Houve um caso concreto [que esteve parado] até que o potencial arguido tivesse morrido e o processo foi arquivado por isso. Havia claramente a noção de processos [no MP] que não andavam propositadamente, porque existiam instruções superiores para não andarem. E outros processos andavam excessivamente rápido. Estamos a falar de tráfico de influências? No mínimo. Isso era grave porque se percebia que não era da autonomia dos agentes do MP. Eram instruções, era algo que estava institucionalizado. Portanto é surpreendente que seja por umas obras e por uma corrupção “pequena” ou simples que o ex-procurador tenha sido preso. É surpreendente. Mas ainda é mais surpreendente que a Secretária para a Justiça [Sónia Chan] tenha vindo dizer que isto é um sinal excelente e que é sinal de que a justiça funciona. É o contrário? Claro. Acho é que é um sinal de que a justiça não funciona, ou que funcionou durante dez anos com um dos principais responsáveis que vem a ser preso. Se pensamos que se a pessoa não era íntegra quando estava diariamente a encomendar obras, dificilmente era íntegra no exercício das suas funções. Acho lamentável, é um erro de casting. A pessoa oferecia, ou parecia oferecer, condições de ser uma pessoa séria, honesta. Mas foram dez anos que esta pessoa exerceu o cargo e toda a gente falava e sabia que existiam problemas no MP. Eu própria fiz reclamações para o procurador a dizer que os processos não andavam. Teve resposta? Nunca. Nunca se fez rigorosamente nada. Não é motivo para estarmos contentes o facto deste senhor ter sido preso. É motivo para estarmos extremamente preocupados e inquietos pelo facto de a justiça ter funcionado durante dez anos com o principal responsável da procuradoria a revelar não ser uma pessoa íntegra. É preocupante. Não podemos dizer que a justiça funciona.É preciso ver o que temos de alterar no sistema para garantir que as pessoas que estão a exercer funções o fazem com independência. É claro que o sistema actual não é o sistema adequado. Porquê? Porque não funcionam as inspecções, ainda não vi até hoje nenhum magistrado ter sanções. Admito e sei, reconheço, que uma grande parte dos magistrados é capaz, competente, e as coisas funcionam, mas há, como em todas as profissões, magistrados que não são competentes. Não deixa de ser estranho que desde 1999 até hoje não tenha havido nenhum magistrado que não tenha sido censurado pela maneira como exerceu as suas funções. São todos excelentes? Isto é muito estranho. Acho que o sistema que está em vigor não é um sistema que assegure a confiança e bom funcionamento do sistema judicial. Pelo contrário. Independência posta em causa? Há indícios sérios de falta de independência da justiça, sobretudo quando em causa estão magistrados ainda com pouca experiência e do outro lado está a Administração, o Governo ou os Secretários-adjuntos. Estou a fazer uma estatística, nos últimos seis meses, e praticamente não há nenhum recurso contra um Secretário-adjunto, contra o Chefe do Executivo, ou contra um serviço público que tenha sido procedente. Não há. Como é que se justifica? Isto é espantoso. Quer dizer, ou é uma Administração perfeita, que nunca comete erros e nunca se engana, ou temos de concluir que se calhar há aqui alguma coisa que tem de ser escrutinada e tem de se ver o que está a passar. O tráfico de influências continua, então, a acontecer? Acho que há tráfico de influências, há instruções e acho que há um risco muito grande da justiça estar a ser cada vez menos independente. Sim, há. Principalmente quando está em causa a Administração VS. administrados. Tenho, pessoalmente, casos contra a Administração em que tudo se provou, o próprio MP disse que lamentavelmente não conseguiu fazer a prova de que – neste caso – as Obras Públicas não tinham razão e a juíza quando foi responder aos requisitos estava tudo comprovado contra nós. Portanto… é assim. Somos uma sociedade que não pode confiar na justiça? É uma sociedade em perigo. Continuamos a querer tapar o sol com a peneira. A mim impressionou-me muito quando a Secretária para a Justiça vem dizer que está satisfeita. Isto não é aceitável. Isto é de facto muito lamentável e assustador. A história do ex-procurador não bate certo? Isso também é assustador. A decisão e os termos da decisão para o manterem preso. Por exemplo, dizem que ele está preso porque não era magistrado, estava a exercer as funções de não magistrado, mas ao mesmo tempo está a ser avaliado pela [Última] Instância e não pelo Tribunal de Base, porque é magistrado. Não terá sido uma opção para não o libertarem? Não. Não porque um cidadão comum quando é preso, quem decide é o Tribunal de Primeira Instância. Portanto aqui eles estão a entender que ele vai ser julgado, ao que parece, pela Segunda e Última Instâncias, por ser magistrado, mas ao mesmo tempo alegam que não é magistrado. Mas a pessoa deixa de ser magistrado porque está a exercer funções numa comissão ou porque é Secretário ou Chefe do Executivo? Não, ele não deixa de ser magistrado. Não percebo. Mais um vez, acho isto preocupante. Mas não é de hoje, nem de ontem, é de há muito tempo. Continuamos a não querer ver o que é evidente, o que é óbvio. Como é que se pode limpar a casa? Temos de mudar o sistema, que tem que se tornar claramente independente do Governo. Os magistrados não podem continuar a ser eleitos definitivamente pelo Chefe do Executivo. Os magistrados estão na dependência do Governo e quando isto acontece estes agentes ou são pessoas com uma capacidade ética quase divina ou então é muito difícil não se resistir às pressões. Aliás é muito interessante, porque durante a Administração portuguesa era semelhante. Tivemos aqui uma coisa: o Tribunal Administrativo – que era o tribunal que aprovava a realização de despesas e os actos da Administração – onde as pessoas que faziam parte dele eram nomeadas pelo Governador. Acabaram por deixar de ser porque se constava exactamente que havia ali dificuldades em ser independente. É natural. Não quer dizer que não haja magistrados que não o consigam ser, nem possam ser, mas é difícil. É difícil conseguir resistir e ser isento, objectivo, e decidir contra quem no fundo vai nomear ou não nomear. É complicado. É um sistema que não funciona. Não é um sistema para um território desta dimensão. Macau é pequeno demais. Insistimos em escolher pessoas dentro de Macau. Não é possível. Se olharmos para Hong Kong e Singapura verificamos que as coisas funcionam de outro modo. Há uma abertura para a contratação de estrangeiros, há uma abertura para se encomendar estudos lá fora. Macau sofre de entorses e estrangulamentos graves com este alegado princípio de que está a ser governado pelas suas gentes. Na verdade não está. Estamos cada vez mais afastados do “um país, dois sistema”? É visível na direcção que os próprios cursos de Direito estão a tomar? Isso é outra coisa gravíssima. Com o rumo que a Faculdade de Direito está a seguir, nomeadamente com outras faculdades que não estão a formar pessoas em Direito, e muito menos no Direito de Macau, – e não obstante o esforço sério da UM de querer manter um curso a formar gente capaz – acho que era preferível fechar a faculdade e enviar as pessoas para a China. E assumidamente aprenderem o Direito da China e dizerem de uma vez por todas que não há “dois sistemas”, pelo menos juridicamente. A autonomia de Macau e a individualidade de Macau resulta exactamente de se ter um sistema que tem raízes históricas na Europa. E a China anterior, antes de Mao, seguia este sistema continental. Acho que neste momento querer aplicar-se o Direito de Macau e querer ensinar-se o Direito da China não é possível. O Direito de Macau precisa de ser interpretado à luz dos ensinamentos de Portugal e a Europa. Isto fica um sistema completamente desnaturado e desvirtuado, porque é um sistema aparentemente de inspiração portuguesa mas interpretado sem as nossas regras. A forma e as soluções a que temos chegado são desastrosas. Como a reversão dos terrenos? O que se está a fazer com os terrenos é um esbulho. O que o Governo está a fazer é um esbulho, é expropriação sem pagamento. O que o Governo fez foi fazer uma proposta da lei que vai premiar a inércia e a incapacidade do Governo em decidir as coisas a tempo e horas. Dou-lhe um exemplo: o Governo tem diversos projectos parados. Em 2006 o Governo disse aos concessionários que tinham de suspender as obras porque iam estudar um plano. Nove anos depois não existia o plano. As pessoas pararam por culpa exclusiva do Governo, não aproveitam por culpa [dele] e agora o Governo é premiado fazendo reverter os terrenos com uma lei que o próprio fez. O Governo faz o que quer, faz uma lei que sanciona a concessionária. Isto não é concebível. O que se está a passar com os terrenos e com esta obstinação em querer manter aquela norma que diz que as concessões não podem ser renovadas acontece por desconhecimento. Não acredito que o Governo da China saiba que os concessionários não aproveitaram os terrenos porque a Administração os impediu e que agora a própria faça reverter os terrenos. Não consigo perceber. Há variados casos. O da Polytec é exemplo? É um caso escandaloso. Se o Governo tencionava por em prática a [Lei de Terras], devia ter a tempo e horas, sem dar a licença, avisado os concessionários e ainda mais: proibia-os de vender. Eles foram autorizados a vender, fizeram os contratos, prometeram vender e agora o Governo vem e diz para parar as obras porque vai reverter o terreno. Tinha no mínimo a obrigação de avisar as pessoas, a tempo e horas, para não comprar. Ou definir na lei? Sim, uma norma provisória para situações que existiam. Porque a lei sai, é um regime novo, para situações que já existem. Isto é uma aplicação retroactiva da lei. Isto é uma violação absoluta do sistema português. Isto não é “um país, dois sistemas”, é sim “um país, um sistema”. É ao que estamos a assistir. Que tem consequências… Gravíssimas. A menos que o Governo não queira internacionalizar e só queira investidores da China. A falta de confiança no sistema legal e no sistema judicial é extremamente nefasta. Esta aplicação da lei é retroactiva. Quando as pessoas prometem comprar, estão numa concessão que é provisória, mas que a lei permite que seja renovada. Na pendência disto, muda a lei e é aplicada a estas situações. Como é que isto se faz? Como é que o Governo não diz que isto acontece assim desde que seja culpa do concessionário? Se a concessão está provisória e não foi feito o aproveitamento por culpa da concessionária é revertido. Se não é por culpa, a lei não pode ser interpretada. Acho isto tudo muito perigoso, muito lamentável. É uma pena, porque tínhamos todas as condições de ser um território exemplar. Depois de 32 anos de Macau, está desiludida com a justiça? Bastante. Muito. Acho que se podia fazer muito melhor. A Administração portuguesa não era boa, principalmente a última. Mas as novas Administrações não têm sido melhores, muito pelo contrário. São francamente piores. A capacidade técnica dos dirigentes dos serviços, dos membros do Governo, é claramente inferior, em geral, à capacidade dos portugueses que aqui estavam. Claramente. Porquê? Porque temos de recrutar em e de Macau, que é extremamente pequeno. Ou convence-se as pessoas que estão na actividade privada, que é o que faz Singapura, e elas são pagas como se estivessem no privado. Porque há aqui muita gente capaz e boa. Mas é muito difícil. Acho que estamos a perder muito. Concorda com a ideia de que a sociedade não conhece os seus direitos? Isso é um falso problema, porque em todos os países os cidadãos não conhecem as suas normas. As pessoas não lêem as leis, por isso é que existem juristas e advogados. Não é normal que a população leia as leis. Só quando precisam. Elas têm é de ter um sentido de direito e do seu Direito. Acho que a população de Macau tem essa consciência e sabe. Casamentos, regimes de bens, divórcio, filhos, trabalhadores. Não acho que a população conheça menos a lei cá do que noutros sítios. Antes pelo contrário. Aqui, em regra, havia a preocupação de perceberem a lei por estar redigida noutra língua. Até acho que é precisamente o contrário. Tive essa experiência durante anos, quando a lei só era aplicada em Português – as pessoas tinham a preocupação de vir ter connosco para perceber o que dizia. Coisa que em Portugal não acontece. É difícil para os advogados não serem falantes da língua chinesa? Acho que as dificuldades não são pela língua. Refiro-me principalmente no mundo dos negócios e na área da consultadoria, sinto que uma grande parte das matérias não é em Chinês. A língua chinesa não é uma língua fácil para ser trabalhada juridicamente, porque não é exacta. Os caracteres não permitem uma interpretação literal, daí que seja muito difícil ser rigoroso quando os documentos são em Chinês.A maior dificuldade que temos é vir num Chinês imperceptível. As pessoas não são tecnicamente muito boas. Não há, em rigor, bilingues verdadeiros. Em regra, não há. Ainda ontem estávamos com uma peça que veio em Chinês e foi feita a tradução para Português. Não consegui perceber. Grande parte estava mal feita. E as leis estão a ser bem feitas? Não. Pior que ter a lei noutra língua, é ter a lei mal feita, mesmo na própria língua. Porque a pessoa olha para a lei pensa que sabe o que diz e não sabe. As leis actualmente feitas em Macau, grande parte delas, estão mal feitas. São leis difíceis de interpretar, mesmo em Chinês. Tenho aqui advogados chineses que não conseguem entender o que está escrito. Isto está a acontecer. Porque a lei é feita, grande parte das vezes, por quem tem competência técnica, mas depois chega à AL e é alterada por quem não sabe – a maior parte dos deputados não sabe de Direito. E basta fazer uma alteração que pode alterar o espírito do sistema e tornar impossível a interpretação. Mas os juristas portugueses não fazem nada? Cansam-se de dizer. Cansam-se. Mas há uma necessidade de fazer crer uma realidade que não é. Que não existe. Há uma necessidade permanente de mascarar as coisas, de chamar atenção para o acessório e não para o essencial. Isto é o que se passa com o sistema legal e com a maior parte das normas. Durante anos, o presidente da Associação de Advogados fazia uma análise do funcionamento da justiça que era radicalmente oposta à do procurador. Como é que isto é possível, se são os mesmo operadores de Direito? Talvez fosse melhor parar e pensar. As pessoas insistem obstinadamente em seguir o seu caminho sem se melhorarem, sem a preocupação de transformar Macau naquilo que podia ser – um oásis. Temos todas as condições, recursos, uma população laboriosa, com vontade de fazer. Só precisamos de reconhecer que não podemos fazer tudo com tão pouca gente e trazer assessores e consultores que saibam. Mas está-se a afastar os portugueses. Portugueses e estrangeiros. Esta semana foi noticiado que o Instituto de Promoção do Comércio de Macau (IPIM) aprovou este ano 84 pedidos de residência de especializados. Isto é lamentável. Então só precisamos de sete especialistas por mês a entrar em RAEM? Quantos entram em Singapura? Quantos entram em Hong Kong? Esta notícia que foi dada como uma coisa boa, não o é. É má. Com o crescimento que se quer e se pretende, com a sofisticação e a evolução que se pretende, só precisamos de sete estrangeiros especializados? Acho isto extraordinário. Concorda com a proposta da Associação de Advogados para a vinda de advogados de Portugal? Discordo, discordo com tudo. Acho que há uma coisa que se tem que assumir à partida. Em regra, os advogados de língua materna portuguesa são melhores que os de língua materna chinesa e com os estagiários passa-se a mesma coisa. Mas porque não dominam o Português. O que está a acontecer é que os estagiários chineses fazem exames em Chinês e depois fazem o estágio. Os advogados portugueses, já o são em Portugal, têm de fazer um exame que não é apenas de adaptação, é como se fossem começar. Não se quer assumir que eles são incomparavelmente melhores, em regra. Mas depois também não concordo com o que a AAM está a fazer – tem um exame adiado para advogados portugueses desde Junho ou Julho. Isto é extraordinário. As coisas estão complicadas. É preciso assumir que se se quiser um sistema como o que está em vigor é preciso existirem advogados que saibam e dominem o Português. Não é possível manter um sistema que tem de ser interpretado à luz da regras de Portugal sem conhecer o que a doutrina fez e faz. Não é possível. Sente restrições na contratação de advogados? Sinto, claro. Tenho dois advogados à espera que a AAM marque o exame. A única maneira de termos bons advogados em Chinês é termos em Português. Se não tiver advogados que dominem o Português e portugueses tenho de fechar o escritório, porque é impossível manter a qualidade. Não é possível termos bons profissionais sem advogados portugueses, com as limitações actuais. Quando queria um bom advogado ia a Portugal buscá-lo, ele vinha, adaptava-se, e ao fim de três meses estava excelente. Mas, estou com a Administração de Macau e tenho de me sujeitar às pessoas de cá. Não há. Toda a vida fiz isto: ia buscar a Portugal e depois eram integrados com os advogados chineses, para aprenderem. Ao final de oito, nove anos tinha advogados excelentes. Deixei de poder fazer isso, porque eles estão à espera para fazer o exame – fizeram o curso, exames, passaram e o exame final é adiado? Assim não funciona. Como é que a AAM justifica isto? Não se pode justificar o injustificável. O presidente, Neto Valente, já lho disse pessoalmente, está a tentar justificar o que não possível. Aspira ocupar o cargo de presidente da AAM? Nunca. Nunca quis, nem gostava. Nem quero ser. Acho que é um trabalho muito difícil que esteve a ser bem exercido pelo Neto Valente até ao ano passado, depois disso, neste último ano, não o tem feito convenientemente. Pressões? Acho que está a ceder às pressões em prejuízo da qualidade dos advogados. Acho que fez um papel excelente até ao ano passado. Sempre disponível, representou muito bem. Tem uma indiscutível capacidade técnica e política. Representava-nos extraordinariamente, mas acho que a partir do ano passado cedeu excessivamente às pressões em prejuízo da qualidade dos advogados. Acho que este adiamento do curso dos advogados que fizeram os módulos não tem qualquer justificação. Sente que o impacto da queda do Jogo afecta o exercício do Direito Comercial? Acho que não. Quando há uma recessão, há sempre um impacto em todos os sectores da economia, mas as vezes até nem é negativo. Isto pode significar, e significa, que há mais processos. O que acontece é uma mudança: em vez de ajudar os clientes a fazer novos contratos, a criarem riqueza e a terem mais negócios, passamos a ajudar os clientes a recuperar dívidas que não são cobradas. Isto afecta sempre, mas não tem de ser negativamente. A afectar mais está a incerteza criada pelo comportamento do Governo com, por exemplo, a Lei de Terras. Ou o facto do sistema não funcionar. Uma das primeiras perguntas que nos fazem quando querem vir aqui, ou quando os bancos estão interessados em financiar, é como funciona o sistema legal. Quanto tempo demora uma decisão, qual a qualidade das decisões, qual a independência dos tribunais, há ou não há corrupção. Estas são as questões. Quando aplicamos uma lei que vem contra toda a prática da RAEM, inclusivamente do tempo de Mao, não se fizeram expropriações ou confiscos, isto é que afecta. E afecta os próprios escritórios, porque às tantas já não sabemos o que aconselhar, ou como o devemos fazer. As leis têm má qualidade, são difíceis de interpretar em Português e Chinês, entre outras coisas. A incerteza jurídica afecta muito mais o comércio, os escritórios dos advogados e a imagem do território do que a queda as receitas. Até porque isto é cíclico. Já assisti no mínimo a seis crises. Macau é corrupta? Não sei se é corrupção, no dia-a-dia não me deparo com corrupção. O que posso achar é que há, ou pode haver em certas situações, tráfico de influências. Acho que continua a existir. Nos processos não noto que haja [corrupção], nos serviços públicos não há de todo, não se nota, não sentimos, não me parece que haja. O que há é efectivamente tráfico de influências. O Direito de Macau liga a China aos países lusófonos, mas a China já tem relações sólidas com outros PLP. Deixámos de ser precisos? Acho que a China nunca precisou de nós. Não precisa obviamente de Macau nem de Portugal, mas sempre reconheceu Portugal, e continua, como um país amigo e que a compreende melhor do que todos os outros países europeus, em particular os ingleses. A nossa relação sempre foi uma relação menos conflituosa do que foi a relação entre Inglaterra – Hong Kong – China. Acho que os chineses sempre entenderam que os portugueses os compreendem melhor do que os outros países. Grande parte dos grandes investimentos que estão a ser feitos na Europa foram feitos em Portugal. Não é por acaso. Somos um país pequeno, humilde e sabemos a dimensão da China. É uma relação mais amistosa, claramente. A China sempre compreendeu Macau e gostou que existisse como região de administração portuguesa. Acho esta presença ocidental aqui foi sempre exótica. A China soube aproveitar, respeitar e tirou as vantagens que podia. Não houve guerra, não houve invasão, tivemos refugiados da China. Macau foi aproveitado como porto para negócios com o exterior. Macau foi-lhe útil e continua a ser para a reunificação com Taiwan. É capaz de mostrar que a China sabe respeitar os dois sistemas. A China não precisa de Macau, mas sabe que não é inútil. Este espinho que está aqui faz parte de uma rosa. É bom para Macau, é bom para China.
Joana Freitas Manchete SociedadeMagistrados | Portugal diz que comissões “devem ser limitadas”. Procuradora vem a Macau A licença de magistrados fora de Portugal deve ter um limite temporal. É o que defende o Conselho Superior do Ministério Público, que justifica assim a decisão de fazer regressar magistrados portugueses na RAEM ao país. Não implica que não possam vir outros, diz o organismo, que confirma a chegada a Macau de Joana Marques Vidal [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ortugal quer que as comissões de serviço de funcionários públicos portugueses na RAEM sejam limitadas. Isso mesmo foi o que deu origem, segundo resposta do Conselho Superior do Ministério Público português ao HM, à exigência do regresso de magistrados que trabalhavam em Macau a Portugal. Mais de um mês depois do HM ter avançado com a notícia de que magistrados portugueses a exercer na RAEM teriam de regressar a Portugal, por não verem a sua autorização de trabalho renovada, as autoridades lusas esclarecem a decisão. O nosso jornal transcrevia o exemplo de Vítor Coelho, magistrado que trabalhava no território há 16 anos e que acabou por regressar a casa, ao contrário do que desejava tanto o profissional, como o Ministério Público de Macau. A questão está, afinal, na questão do tempo. “O Conselho Superior do Ministério Público tem entendido que as comissões de serviço devem ter uma duração limitada no tempo, tendo mesmo deliberado no sentido da duração da comissão de serviço ser, por regra, de três anos”, começa por explicar o organismo português. “[Essa comissão] pode ser renovada por igual período e pode ainda ser autorizada, depois, por motivos de excepcional interesse público, nova renovação até ao limite máximo de três anos.” [quote_boxleft]“O Conselho Superior do Ministério Público tem entendido que as comissões de serviço devem ter uma duração limitada no tempo, tendo mesmo deliberado no sentido da duração da comissão de serviço ser, por regra, de três anos”[/quote] A renovação foi o que aconteceu, aliás, no caso de magistrados portugueses na RAEM. A decisão seria sempre do organismo português, mas no caso de Vítor Coelho e dos outros três magistrados na mesma situação, não era esperada, devido não só ao longo período em que estão em Macau, como ao facto de ter sido tão repentina. Ainda assim, o Conselho assegura ao HM que há sempre disponibilidade para virem mais profissionais para o território. Só não serão os mesmos. “Respeitando integralmente o Acordo de Cooperação no âmbito da Declaração Conjunta Luso Chinesa sobre a questão de Macau, [o Conselho] sempre manifestou empenho em aprofundar a cooperação estabelecida entre os dois Ministérios Públicos. E, consequentemente, empenho também na manutenção de magistrados do MP português na RAEM, como forma de salvaguarda da cultura e do sistema judiciário português [no] território. Assim, e como os magistrados do MP português que exercem funções no MP da RAEM se encontram em comissão de serviço, entende o Conselho que, como acontece em todos os outros casos, tais funções devem ter limitações temporais. Isto, sem prejuízo da total disponibilidade do Conselho para autorizar outros magistrados, com iguais qualificações, para o exercício dessas funções”, explica o organismo ao HM, numa resposta escrita. Sem licença A falta de magistrados na RAEM é uma das queixas mais ouvidas pelos profissionais da área e o facto de a licença especial – autorização que a maioria das pessoas ligadas a Portugal que trabalha nos vários organismos da Função Pública de Macau possui – estar a ser negada faz com que os contratos que cheguem ao fim não possam ser renovados. Esta licença permitia aos trabalhadores com vínculo a Portugal exercerem em Macau com as mesmas regalias de lá e, porque não estava a ser renovada, passou a não ser a única via utilizada pelos magistrados para cá ficarem. No entanto, essas outras vias – como as “licenças de longa duração” e a licença sem vencimento – deixaram de poder ser usadas. Os magistrados que optaram por cá ficar sem a licença especial não foram promovidos e não tiveram qualquer progresso na carreira e, actualmente, estarão dois magistrados com licenças sem vencimento e um ainda com a licença especial, renovada antes da decisão de Portugal – e estes deverão seguir o mesmo caminho de regresso. Procuradora-geral em Macau “nos próximos meses” O MP de Macau já tinha dito ao HM que convidou Portugal a vir falar do assunto à RAEM, algo que o organismo português diz ter aceite. O assunto vai fazer com que Joana Marques Vidal venha a Macau nos próximos meses. “Na sequência de um convite, que já aceitou, a Procuradora-Geral da República realizará, nos próximos meses, uma visita oficial à RAEM, constando como assunto a abordar no decurso da referida deslocação a prestação de serviço de magistrados do Ministério Público português no Ministério Público da RAEM”, confirma o organismo ao HM.
Joana Freitas Manchete SociedadeMagistrados | José Cesário questiona governo português sobre possibilidade de renovação de licenças O antigo Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas questionou directamente o governo português se pondera renovar as licenças especiais dos magistrados, para que continuem a exercer em Macau [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]osé Cesário, antigo Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, questionou o governo de Portugal sobre a possibilidade de serem renovadas as licenças especiais para os magistrados portugueses que exerciam na RAEM e que se vêem, agora, obrigados a deixar o território. O também deputado do Partido Social-Democrata (PSD) enviou uma carta ao Primeiro-Ministro, onde alerta para a importância de preservar a língua e cultura nacionais. “Admite o Governo adoptar uma orientação geral no sentido de serem renovadas as licenças especiais que têm permitido a permanência em Macau de diversos quadros da nossa administração, particularmente em áreas como a magistratura, a segurança ou a saúde, que possam colaborar com as autoridades do território, ajudando assim a preservar a nossa língua e cultura?”, questionou. Recorde-se que, tal como o HM avançou, quatro magistrados portugueses que exercem em Macau – alguns deles com mais de uma década de trabalho no território – serão obrigados a regressar a Portugal, uma vez que o Conselho Superior do Ministério Público não autoriza a renovação das licenças especiais, nem de outras vias, para que possam continuar a exercer na RAEM. Mesmo que o Ministério Público local queira renovar os contratos. José Cesário recorda que esta não é a primeira vez que casos como estes acontecem, ainda que “noutros casos relativos a funcionários de outros sectores da Administração Pública, nomeadamente na área da saúde”. Cesário diz que a decisão está revestida de uma grande relevância não só administrativa, como política e diplomática. “A manutenção de funcionários portugueses em Macau é unanimemente reconhecida como vital para a nossa ligação prática com aquele território e para a manutenção da Língua Portuguesa ao nível dos organismos oficiais. Não se discute quem devem ser tais funcionários, nem sequer os critérios para a sua selecção, que deverão ser da responsabilidade dos órgãos executivos directamente implicados. Porém, parece-nos absolutamente indiscutível a relevância do exercício de funções na administração de Macau por parte de quadros portugueses, o que nem sequer implica custos directos para o nosso orçamento”, frisa, na carta enviada à Assembleia da República. José Cesário não se fica por aqui, pedindo que o governo português faça “sentir ao Conselho Superior do Ministério Público a importância e o interesse público na manutenção em Macau dos magistrados” e ainda que pense se há mesmo a possibilidade de equacionar o aumento do número de funcionários ali colocados nestas condições de forma a garantir uma maior aproximação a Macau. De Portugal – de quem o HM tem tentado, sem sucesso, obter declarações – ainda nada foi falado sobre o caso, passado duas semanas do HM ter dado a conhecer a história de Vítor Coelho, um dos magistrados nesta situação. Já o MP de Macau já assegurou que vai abordar com as autoridades portuguesas a questão. Lei da Nacionalidade Os deputados social-democratas José Cesário e Carlos Gonçalves querem saber mais sobre a Lei da Nacionalidade. Numa pergunta dirigida à ministra da Justiça, Francisca Van Dúnem, e ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, Cesário e Carlos Gonçalves questionam sobre “quando pretende o Governo proceder à regulamentação da Lei Orgânica nº 9/2015, de 29 de Julho, no que respeita à definição das condições em que os netos de cidadãos nacionais, nascidos no estrangeiro, podem aceder à nacionalidade originária”. O Governo admite “a possibilidade de contemplar, como laços de efectiva ligação à comunidade nacional, a participação em associações e colectividades portuguesas, existentes em Portugal ou no estrangeiro?”, questionam ainda. À tutela dos Negócios Estrangeiros, os deputados do PSD dirigem as mesmas duas perguntas mas acrescentam uma terceira: “Que autonomia será atribuída aos chefes dos postos consulares para a confirmação do domínio da língua portuguesa e a verificação de outros laços de ligação à comunidade nacional?”. Segundo os dois subscritores, as questões surgem porque a Lei Orgânica n.º 9/2011, de 29 de julho, que altera a Lei da Nacionalidade, não foi regulamentada pelo anterior Governo, devido aos condicionalismos do período eleitoral, então em curso, existindo “um significativo número de cidadãos que legitimamente anseiam pela concretização do direito expresso na Lei” referida.
Joana Freitas Manchete SociedadeMagistrados | MP vai “discutir” questão de regresso com autoridades O MP vai discutir com Portugal a questão de regresso de magistrados, mas de lá ainda não se ouviram quaisquer declarações sobre o caso [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Ministério Público (MP) assegurou ontem em resposta ao HM que vai discutir com Portugal a questão do regresso de magistrados portugueses em Macau ao país. Numa resposta que chegou tardia face ao pedido de esclarecimentos feito pelo HM na semana passada, o MP não adiantou pormenores sobre quando o irá fazer. “Com base no regulado pela Lei de Bases da Organização Judiciária e Estatuto dos Magistrados, o Ministério Público da RAEM irá discutir atempadamente com Portugal sobre este assunto”, pode ler-se na resposta, que não adianta, contudo, se Macau foi informado da decisão de Portugal anteriormente. A notícia avançada pelo HM na semana passada dava conta, recorde-se, que Portugal não está a renovar as licenças para que os magistrados possam exercer em Macau, fazendo com que não tenham outra hipótese se não o regresso ao país – isto porque também outras licenças e vias estão a ser negadas. Da parte de Portugal ainda não há – apesar das diversas tentativas do HM – um esclarecimento. O HM sabe que, além de Vítor Coelho, também Joaquim Teixeira de Sousa se terá de despedir de Macau em Agosto de 2016. Os outros dois magistrados estão na mesma situação, ainda que tenham outras vias que ainda lhes permitam cá ficar mais tempo do que Coelho e Teixeira. Já Macau garante querer magistrados portugueses por cá. “Existem quatro magistrados do Ministério Público de Portugal que estão a prestar serviço no Ministério Público da RAEM, dois dos quais vão voltar para Portugal no fim deste ano e em Agosto de 2016, respectivamente. Considerando a relação histórica entre Macau e Portugal, são bem-vindos os magistrados de Portugal para virem trabalhar em Macau”, pode ler-se. Em declarações à Lusa na sexta-feira, o presidente da Associação dos Advogados de Macau confirmou que há menos licenças emitidas e renovadas por Portugal para magistrados e funcionários públicos exercerem funções em Macau, o que considerou “um desastre” para a presença portuguesa na região.
Joana Freitas SociedadeMagistrados | Neto Valente apelida regresso de “desastre” Neto Valente já reagiu à notícia avançada pelo HM sobre o regresso de magistrados portugueses ao país: é um desastre e não se coaduna com a cooperação. Portugal ainda não respondeu [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]presidente da Associação dos Advogados de Macau confirmou na sexta-feira que há menos licenças emitidas e renovadas por Portugal para magistrados e funcionários públicos exercerem funções em Macau, conforme avançou o HM na semana passada. Jorge Neto Valente considera a medida “um desastre” para a presença portuguesa na região. O advogado português falou com a Agência Lusa na sequência do artigo pelo nosso jornal que adiantava que Portugal está a exigir aos magistrados portugueses em Macau que regressem ao país, não lhes renovando a licença especial para exercerem no território e ao abrigo da qual mantêm as regalias do vínculo à administração portuguesa. O presidente da Associação dos Advogados de Macau disse à Lusa ter conhecimento de várias situações e colocou a questão em duas vertentes: dos magistrados e dos funcionários públicos. Em relação à primeira, Neto Valente alega que “o número de magistrados em Macau é incrivelmente baixo” e que “deveriam vir mais de Portugal”. “Agora, se Macau recruta poucos e se Portugal não deixa vir nenhuns, de facto, é um desastre completo. É um dano muito grande. (…) Mesmo que em Portugal haja falta de magistrados, e admito que haja, não faz sentido nenhum porque não são seis ou sete magistrados que vão colmatar as falhas de dezenas ou centenas”, afirmou. Para Neto Valente, a medida do Conselho Superior do Ministério Público de Portugal causa “uma grande pressão para acabar com o uso da língua portuguesa nos tribunais” do território. “A identidade de Macau passa também pelo sistema jurídico, que é único. Este sistema só pode funcionar se tiver portugueses. Não quer dizer que tenha a maioria, não é uma questão de quantidade, mas tem de ter portugueses. Não há razão nenhuma para se falar português nos tribunais se não houver magistrados portugueses. Não é só por causa dos advogados, [que] não têm força suficiente”, vincou. “Este prejuízo concreto da magistratura é gravíssimo. Dificilmente arranjariam pior prejuízo”, afirmou Neto Valente, a propósito das consequências para a presença de Portugal em Macau. À espera Neto Valente argumentou ainda que as manifestações culturais de matriz portuguesa que perduram no território “são iguais em todo o mundo” e que “isso não é identificativo de Macau”. “O sistema identitário da região é o sistema jurídico, porque é único – não é igual ao da China, de Taiwan, ou de Hong Kong – e é um sistema jurídico muito mais próximo do português do que qualquer um”, acrescentou. Por outro lado, referiu que também “têm sido levantadas muitas dificuldades para os funcionários [de Portugal] virem [para Macau]”, ao abrigo da licença especial, por períodos de dois anos renováveis, estabelecida pelo decreto de lei 89-G/98. “Eu sei que tem havido menos licenças concedidas e isso faz diferença”, observou, sublinhando que se para Portugal o número de funcionários em causa “é uma gota no oceano”, para Macau, “a ‘meia-dúzia’ de portugueses que aqui há faz muita falta”. Apesar de este ser um assunto da competência do Ministério Público, Neto Valente manifestou “esperança” de que a situação mude com o novo governo português e criticou a alegada incoerência do discurso político: “Andarem a dizer que querem que Macau (…) tenha uma comunidade [portuguesa] pujante e que Portugal está preocupado com o evoluir de Macau e que se interessa muito, é mentira. Como se vê todos os dias: vêm aí uns sujeitos fazer uns negócios e mais nada. Se não forem as exportações, não querem saber de Macau para nada”, afirmou. Recorde-se que o HM deu a conhecer a situação do magistrado Vítor Coelho, há 16 anos em funções em Macau que regressa ainda este mês, para Portugal. Segundo o magistrado e o que HM conseguiu apurar não há possibilidade nenhuma de renovar a licença, uma vez que não foi apenas a especial que foi recusada. O HM continua à espera de respostas pela parte do Conselho Superior do MP em Portugal, do Ministério dos Negócios e Estrangeiros e do MP de Macau.
Joana Freitas Manchete SociedadeJustiça | Portugal está a exigir que magistrados portugueses em Macau regressem ao país O objectivo será preencher os quadros do MP em Portugal. O Conselho Superior português não está a autorizar a renovação das licenças dos magistrados portugueses em Macau e está a fazer com que os profissionais não tenham outra escolha senão o regresso a casa Vítor Coelho, magistrado português a viver há 16 anos em Macau[dropcap style=’circle’]V[/dropcap]ítor Coelho é magistrado do Ministério Público (MP) e trabalha em Macau há 16 anos. Ainda este mês tem de deixar o território, por vontade do Conselho Superior do Ministério Público português, que está a repescar os magistrados que há anos trabalham na RAEM. E não é o único. A cooperação entre Macau e Portugal ao nível do Direito é um tema constante entre os dois governos e a falta de magistrados na RAEM é uma das queixas mais ouvidas pelos profissionais da área. Mas a questão parece agora adensar-se. É que a licença especial – autorização que a maioria das pessoas ligadas a Portugal que trabalha nos vários organismos da Função Pública de Macau possui – está a ser negada e, por consequência, a fazer com que os contratos que cheguem ao fim não possam ser renovados. Mesmo que tanto o magistrado, neste caso, como a RAEM assim o pretendam. “Não se percebe muito bem porque é que vou embora querendo ficar e quando, da parte de Macau, fui até convidado a ficar”, começa por explicar ao HM Vítor Coelho, um dos magistrados nesta situação, enquanto mostra uma carta onde é convidado pelo procurador do MP a ficar e a tratar da renovação da licença portuguesa. “O que se passa é que não há possibilidade nenhuma [de renovar] e já me foi negada a licença especial uma vez. Este ano já não tive essa licença.” A licença especial permite aos trabalhadores com vinculo a Portugal exercerem em Macau com as mesmas regalias de lá e foi terminada. Passou a não ser a única via utilizada pelos magistrados para cá ficarem mas, como ela, também as outras formas deixaram de funcionar. “Este ano estive com uma licença chamada de ‘longa-duração’ com base numa nova lei. Havia a licença sem vencimento, mas também acabou no ano passado”, descreve o magistrado, explicando que, já no último ano – em que conseguiu a renovação do contrato com a RAEM por mais 365 dias -, as condições da licença eram diferentes. “Não me deixavam descontar para aposentação, por exemplo.” Também os magistrados que optaram por cá ficar sem essa licença especial não foram promovidos e não tiveram qualquer progresso na carreira. Um 2016 negro Ao que o HM apurou, Vítor Coelho não é o único nesta situação. Actualmente, estarão dois magistrados com licenças sem vencimento e um ainda com a licença especial, renovada antes da decisão de Portugal. E até estes deverão seguir o mesmo caminho de regresso. Nas justificações do Conselho Superior – escritas em acórdãos a que o HM pediu acesso -, já disseram que seria a última vez que renovavam também esta licença especial. Até porque, assumem, para o ano será pior, porque haverá falta de profissionais. “As justificações nos acórdãos são de renovação de quadros e da necessidade do preenchimento dos quadros por causa de aposentação. É normal que seja para preencher os quadros lá, mas se é assim, então é para não vir mais ninguém para cá?”, questiona o magistrado. E se recusar regressar? “Não tenho essa hipótese”, explica Vítor Coelho ao HM. “O Conselho Superior é o nosso órgão de gestão e disciplina. Suponhamos que aceitava: aqui estaria tudo bem, eles até queriam que ficasse, mas não poderia ficar sem a licença desse órgão de gestão. Seria, na prática, uma espécie de abandono do lugar. Sou magistrado do MP em Portugal, sou procurador-geral adjunto e, não tendo licença para estar aqui, em Portugal era como se abandonasse o lugar, saía demitido, perdia a minha carreira. Para isso já basta este ano, que já estive a penar um bocado com isso.” E o futuro? O problema da não renovação das licenças está a acontecer apenas com magistrados do MP. Vítor Coelho explica que nunca presenciou situações semelhantes noutro órgão até porque, diz, sendo a China a pedir quadros de Portugal, isso deveria ser motivo de orgulho. “Os acórdãos dizem que, a partir de 2016, há-de ser muito difícil renovar ou conceder licenças para Macau, o que para mim é uma coisa incompreensível. Tanto quanto sei, essa licença especial concedida pelos órgãos em Portugal nunca foi negada. Acontece que a mim e também a colegas magistrados, de há quatro anos para cá, o Conselho Superior do MP começou a pôr muitas reservas e muitos entraves à renovação desta licença especial, que por norma era renovada – através de um pedido ao Conselho – de dois em dois anos.” O problema é pura e somente com o MP de Portugal e a situação não existe da parte da RAEM, sendo que Vítor Coelho só aceitou falar com o HM precisamente para terminar com os “rumores” de que o problema seria made in Macau. “A coisa é clara: o senhor procurador pretendia renovar. Fui eu que não pude, porque não tenho condições, caso contrário ficaria. Se tivesse licença ficaria. Não foi Macau, Macau queria que eu ficasse.” Apesar da dificuldade na renovação ter sido “previsível” para Vítor Coelho, o magistrado não sabe ainda para onde vai trabalhar quando aterrar em Portugal. Para o profissional, os entraves podem estar a acontecer porque o Conselho Superior gostaria de ter alguma palavra a dizer sobre os magistrados que cá chegam, uma vez que quem os nomeia é a China. “É normal que a China queira que estes magistrados fiquem devido à experiência e até pela estabilidade. (…) Isto é de uma inconsistência atroz. Há sempre uma grande cooperação e o país tem compromissos importantes com a China em relação ao preenchimento dos quadros dos magistrados aqui. Não entendo, mas respeito, tenho de respeitar e, por isso, vou obviamente regressar.” A grande questão que se coloca agora é se Portugal vai continuar a colaborar no envio de magistrados portugueses para Macau – algo que o HM está a tentar perceber junto do Conselho Superior do MP português, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Ministério da Justiça que, até ao fecho da edição, não nos enviaram resposta. Também quisemos saber junto do Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça e da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça da RAEM se existe conhecimento do caso, mas não foi possível. PERFIL Vítor Coelho não nega que Macau foi a sua casa durante 16 anos. Uma casa da qual “gostou muito” e onde se integrou “muito bem”. Adepto do desporto, o magistrado confessa ao HM que pertencia ao Clube de Ciclismo Recreativo da RAEM, onde tinha um cargo superior, e também ao Clube de Atletismo Fung Loi, tendo até participado na meia maratona de Macau deste ano. À parte destes ciclos, e das “jogatanas” de ténis, Vítor Coelho fala em amigos de várias nacionalidades que vai deixar para trás. “Temos sempre os nossos altos e baixos, mas Macau dá-nos muito e começamos a reflectir nisso. É uma sociedade muito próspera, nunca me faltou nada.” Ficaria, se pudesse, até porque está “muito ligado a Macau”. “Macau deu-me muito e fico satisfeito e conto cá voltar, de vez em quando, até porque tenho interesses emocionais.”