Haitong | Investimento chinês será debatido mas mantém-se com Bolsonaro

[dropcap]O[/dropcap] administrador-executivo do Haitong Banco de Investimento do Brasil, Alan Fernandes, considerou ontem que a relação comercial entre Pequim e Brasília se vai manter, mas admitiu que o Presidente eleito brasileiro, Jair Bolsonaro, vai discutir o tipo de investimento.

“Sem dúvida que vão acontecer discussões sobre a característica do investimento, nomeadamente na propriedade de terras”, afirmou, em Pequim, Alan Fernandes, que é também administrador executivo do Haitong Portugal, o antigo Banco Espírito Santo Investimento (BESI).

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro classificou o investimento chinês no Brasil de predatório, face à aquisição de empresas e activos estratégicos por firmas do país asiático.
“A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil. Você vai deixar o Brasil na mão do chinês”, disse.

Em declarações à agência Lusa, Fernandes admitiu que, pela “característica nacionalista” de Bolsonaro, existe uma “preocupação” com o investimento chinês, mas ressalvou que há “muita coisa que é parte da campanha” e que “não dá para ignorar” os dados da relação comercial.

“A China é o maior parceiro comercial do Brasil: 25% de todo o comércio exterior brasileiro está ligado à China. Você não pode simplesmente maltratar quem compra ou vende um quarto de tudo o que você consome ou produz”, observou.

Em 2017, o comércio entre o Brasil e a China atingiu 87,53 mil milhões de dólares, uma subida homóloga de 29,55%. A China vendeu bens no valor de 29,23 mil milhões de dólares e importou mercadorias no montante de 58,30 mil milhões de dólares, segundo dados das alfândegas chinesas.

No terreno

Alan Fernandes lembrou ainda que um potencial proteccionismo de Bolsonaro face ao investimento chinês é apenas viável numa empresa estatal, já que as privadas podem fazer uma negociação bilateral.
“Não existe nenhum instrumento que permita ao Governo travar a aquisição por uma empresa estrangeira, de qualquer origem, de um activo [privado] no Brasil”, afirmou.

O administrador considerou que o “tempo vai trazer a manutenção do relacionamento comercial” com a China, mas previu uma mudança nos laços de Brasília com o mundo emergente.

“A política do antigo Presidente Lula [da Silva], de ligação com países em desenvolvimento, principalmente em África e na América Latina, como Venezuela ou Cuba, deve mudar, mas em relação à China não”, disse.
Alan Fernandes desloca-se à China “quatro ou cinco vezes por ano” para acompanhar o trabalho de uma equipa de chineses, montada em 2017, dentro do Haitong Securities, que se dedica às operações do Haitong Bank.

8 Nov 2018

Jornal oficial chinês adverte Bolsonaro do peso da China para a economia brasileira

[dropcap]U[/dropcap]m jornal oficial chinês lembrou que o Presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, “não tem motivos” para perturbar as relações com a China, lembrando o peso do país asiático para a economia brasileira.

Em editorial, o jornal China Daily admite que as autoridades em Pequim e empresas chinesas a operar no Brasil estão a questionar-se até que ponto o novo líder do Brasil vai afectar as relações entre os dois países.

“É uma questão pertinente”, afirma o jornal, apontando que, durante a campanha, Bolsonaro “não pareceu nada amistoso” para com a China.

Bolsonaro acusou o país asiático de ter uma atitude predatória nos investimentos realizados no Brasil e tornou-se, em fevereiro passado, o primeiro candidato presidencial brasileiro a visitar Taiwan, desde que o Brasil reconheceu Pequim como o único Governo chinês, em 1979.

O jornal oficial em língua inglesa China Daily lembra, no entanto, que “virar as costas à China talvez sirva algum propósito político”, mas que os “custos para a economia brasileira podem ser duríssimos”.

“Temos a sincera esperança de que, após assumir a liderança da oitava maior economia do mundo, Bolsonaro vai olhar de forma objetiva e racional para o estado das relações China-Brasil”, escreve o jornal, que se refere a Bolsonaro como “Trump Tropical”.

“Ele estará ciente de que a China é o maior mercado para as exportações brasileiras e a maior fonte de superavit no comércio externo brasileiro”, acrescenta o China Daily, lembrando que as duas economias são “verdadeiramente complementares” e “dificilmente concorrentes”.

Em 2017, o comércio entre o Brasil e a China atingiu 87,53 mil milhões de dólares, uma subida homóloga de 29,55%. A China vendeu bens no valor de 29,23 mil milhões de dólares e importou mercadorias no montante de 58,30 mil milhões de dólares, segundo dados das alfândegas chinesas.

O país asiático é ainda o principal investidor externo no país sul-americano, tendo comprado, nos últimos anos, ativos estratégicos nos setores da energia ou mineração.

“Apesar de Bolsonaro ter adotado o estilo do Presidente dos Estados Unidos, com um discurso chocante e explícito, para capturar a imaginação dos eleitores, não há motivos para copiar as políticas comerciais de Trump”, conclui o China Daily.

4 Nov 2018

Casa Branca diz que Trump “há só um” perante comparações com Bolsonaro

[dropcap]A[/dropcap] porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, reagiu com cepticismo às comparações entre o Presidente norte-americano, Donald Trump, e o mandatário eleito no Brasil, Jair Bolsonaro, vencedor das eleições de domingo no país sul-americano. “Só há um Donald Trump, na minha opinião”, afirmou Sanders durante uma conferência de imprensa na Casa Branca.

Bolsonaro foi apelidado durante a campanha eleitoral de Donald Trump brasileiro, devido à sua confessa admiração pelo Presidente norte-americano e o seu extenso historial de declarações de teor machista e racista, além do hábito de rebater as críticas, classificando-as de ‘fake news’ (notícias falsas).

Sanders também respondeu a uma pergunta sobre se a Casa Branca planeia exigir garantias ao novo governo de Bolsonaro de que respeitará os direitos humanos e as normas democráticas.

“Promovemos os direitos humanos em todo o mundo. Valorizamos a nossa longa relação com o Brasil e veremos que o acontece a partir de agora”, acrescentou a porta-voz.

Trump falou no domingo por telefone com Bolsonaro, pouco depois de se confirmar a vitória nas urnas, e hoje deu conta dessa conversa através da sua conta oficial no Twitter.

“Tive uma boa conversa com o recém-eleito Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que ganhou as eleições por uma margem substancial. Acordámos que os EUA e o Brasil trabalhem estreitamente em matéria comercial, militar e tudo o resto”, escreveu Trump.

“Excelente chamada, expressei-lhes as minhas felicitações”, acrescentou. Por seu lado, a porta-voz do Departamento de Estado, Heather Nauert, disse em comunicado que os EUA e o Brasil “partilham uma colaboração vibrante baseada no compromisso mútuo de promover a segurança, a democracia, a prosperidade económica e os direitos humanos”.

 

Ministro da Casa Civil prevê dias difíceis para o novo Governo

O actual ministro brasileiro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou hoje que o novo Governo liderado por Jair Bolsonaro terá um caminho árduo pela frente e sublinhou a necessidade de união no país. “Não teremos dias fáceis não, teremos dias de dificuldade e precisaremos de estar unidos”, afirmou Padilha em entrevista à imprensa brasileira, segundo a Agência Brasil.

Entre as dificuldades apontadas pelo ministro está a negociação da reforma da Previdência no Congresso, que o governo de Jair Bolsonaro pretende iniciar, sob uma nova forma, em 2019. Padilha disse acreditar que o período de adaptação, estimado de 90 a 120 dias, entre o novo Presidente da República e o poder Legislativo não será suficiente para aprovar um novo modelo de reforma.

“Vai precisar de mais de 90 dias para o fazer. Seria bom aproveitar esses 60 dias [ainda do governo de Michel Temer] para ver até onde se avança”, recomendou Eliseu Padilha, ministro que atua como articulador político desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Padilha quis ainda relembrar que “o Congresso é soberano e só ele decide” as questões fundamentais do país. “O Executivo tem limitações e o Congresso pode não sancionar o que o novo governo quer”, observou o atual ministro da Casa Civil.

O político afirmou também que “a eleição de Bolsonaro não se fundou em alianças partidárias” e que o Presidente eleito terá de conversar com os partidos e não apenas com as bancadas temáticas, como a evangélica, a ruralista e da segurança, tal como Bolsonaro fez durante a sua campanha.

“Ele [Bolsonaro] veio sem aliança. Agora chegou a vez de dialogar com o Congresso Nacional e isso terá de ser feito via partidos, pois são eles que controlam os seus deputados e os seus votos”, afirmou.

O ministro apontou ainda dois grandes desafios para o novo governo: reduzir o défice público e a criação de empregos. “Nós (Governo de Temer) já geramos 800 mil empregos este ano, chegaremos a um milhão, mas isso precisa de continuar e acelerar”, disse.

Eliseu Padilha será substituído pelo deputado federal Onyx Lorenzoni, do partido Democratas, que tem feito o trabalho de articulação política de Bolsonaro e foi já indicado para a ocupar o Ministério da Casa Civil que, segundo a lei brasileira, deve apoiar direta e imediatamente o Presidente da República no desempenho das suas atribuições.

30 Out 2018

Andrés Malamud, académico: “O Brasil está refém da China”

Andrés Malamud vai estar hoje na Fundação Rui Cunha, às 19h, para falar do futuro do Brasil depois da eleição de Jair Bolsonaro. Para o especialista em ciência política, a democracia pode não estar em risco, mas a vida democrática sim, com a possível perseguição a determinados grupos sociais

[dropcap]J[/dropcap]air Bolsonaro é o novo presidente o Brasil. O que se pode esperar?
Para começar uma fase de lua-de-mel. Apesar de tudo, o candidato, que era tão controverso, gerou expectativas e esperança. Sei que isto é polémico. Mas, a curto prazo, se não houver acontecimentos muito graves, como assassinatos, bullying, etc., a expectativa é que a situação corra bem

E depois?
Não sabemos. Vai depender muito da reacção de Bolsonaro e das forças estruturais dos actores institucionais do Brasil perante as suas acções. A situação internacional não é perigosa para o Brasil mas é turbulenta, sobretudo, na fronteira com a Venezuela. Por outro lado, Bolsonaro tem minoria no Congresso e para governar vai precisar de ter leis aprovadas. Para isso precisa de uma maioria. Como é que a vai construir? No passado, fazia-se com trocas. Por exemplo, o presidente oferecia ministérios em troca de apoio legislativo. Mas Bolsonaro vai reduzir o número de ministérios para 15. Desta forma, fica sem muito que distribuir. Outra maneira de conquistar a passagem de leis no passado era com dinheiro. Era uma forma de comprar apoio. Mas não se aplica agora. O que Bolsonaro vai dar? Vai dar prestígio, como fez Donald Trump. Trump tem o apoio do Partido Republicano, porque os legisladores republicanos precisam dos eleitores que são pró-Trump. Eles podem não gostar dele mas para manter o eleitorado manifestam-se a favor. É provável que Bolsonaro apele a medidas muito populistas, aprovadas pelas maioria das pessoas. Essas medidas podem vir a ser desagradáveis e mesmo violentas para muita gente, mas podem ser “simpáticas” para a maioria. Isto vai forçar os senadores a apoiar as leis que precisam de aprovação.

Isso não é assustador?
É. Mas a questão é a seguinte: muitas vezes perdemos de vista que o Brasil tem 3 por cento da população mundial e 15 por cento dos homicídios. Bolsonaro não chega por acaso. Chega em parte porque há muita violência. Ele aparece como um garante de ordem. Se para conseguir a ordem tiver de usar mão dura, o saldo até pode ser positivo. Ele pode matar algumas pessoas para que estas pessoas não matem tantas outras também. O que estou a dizer é terrível. Mas o eleitor brasileiro pensa desta forma. Estou apenas a tentar explicar porque é que Bolsonaro ganhou e como pode vir a governar.

FOTO: Sofia Mota

O Brasil saiu de uma ditadura em 1985. É muito recente. Como se explica esta “ausência de memória”, se é que se pode chamar assim?
Sim, é isso mesmo. O Brasil teve uma ditadura que durou 21 anos, de 1964 a 1985. Naquela altura, todos os países da América do Sul viviam uma ditadura e as outras ditaduras tinham duas características que a brasileira não teve. Primeiro, mataram muito mais, sendo que cada vida vale o mundo. Depois, os os militares chilenos e argentinos eram neoliberais e privatizaram a economia enquanto os brasileiros foram desenvolvimentistas, ou seja modernizaram a economia. Por isso, a memória da ditadura brasileira não é tão trágica como a memória das ditaduras vizinhas. Isso permitiu que Bolsonaro tenha reivindicado a ditadura em oposição à suposta desordem. O próprio Lula recorreu aos militares, não à ditadura mas aos militares. Podemos dizer que, no fundo, a ditadura do Brasil foi uma ditadura suave – não soa bem, eu sei. Mas podemos dizer que a ditadura portuguesa também o foi. A ditadura de Salazar foi horrível, mas foi bem mais suave do que a de Franco.

Estamos também a falar da eleição democrata de um candidato que se manifestou muitas vezes como anti-democrata. Não é um contra-senso?
Há duas explicações possíveis e acho que a realidade é uma mistura das duas. Uma é que a situação é tão má que as pessoas acabam por aceitar o sacrifício. Há tanta corrupção, tanto homicídio que se prefere uma ordem ditatorial a continuar com a mesma situação. A segunda é o que se chama de dissonância cognitiva, o mecanismo psicológico pelo qual uma pessoa pode manter duas crenças contraditórias simultaneamente.

Um sistema democrático deve aceitar a anti-democracia?
Esse é um grande dilema desde a chegada do Hitler ao poder: Se a democracia deve ou não permitir os anti-democratas. É um paradoxo sem resolução interna. Há duas respostas: Se o permitir, permite a sua auto-destruição, se não o fizer, está-se a limitar. Não há uma solução e por isso é um dilema porque tem duas soluções sendo que nenhuma é completamente satisfatória. A decisão da Alemanha, por exemplo, depois do nazismo, foi a de não tolerar os intolerantes.

O que podemos esperar da economia brasileira?
A economia brasileira caiu nos últimos dois anos cerca de 3,5 por cento, ou seja, vem do fundo do buraco. O que quer dizer que este senhor já vai apanhar uma economia em crescimento. Só podemos esperar que melhore mas não é mérito do Bolsonaro. Ele vem com um legado favorável. Ele pode estragar isso e até foi explícito ao dizer que não entendia nada de economia. Aliás, é por isso que se tem feito acompanhar nesta área por um neo-liberal. Isto é interessante. Até há uns anos, Bolsonaro era um nacionalista desenvolvimentista e virou liberal. Não entendia nada de economia e as pessoas que o apoiaram, nomeadamente as forças armadas, exigiram que fosse liberal. Ele virou porque precisava deste apoio. Bolsonaro não é um homem que pratique aquilo que diz. Ele é um tipo esperto, não é tonto, o que não é necessariamente bom. Ele é mais mau do que tonto. As coisas que ele diz não são coisas de uma boa pessoa, mas não faz sentido fazer aqui uma avaliação moral. O importante é que não é tonto e não o sendo adapta-se. Ele adaptou-se à demanda dos brasileiros. Os brasileiros estavam a pedir o fim das igualdades. O Bolsonaro encarna também a luta contra a nova ameaça à segurança no Brasil e que não vem de uma potência estrangeira mas sim do narcotráfico. Esta luta acontece, essencialmente, nas favelas e nas prisões. Não me surpreenderia se agora houvesse algum massacre nas prisões. Nas favelas é mais difícil porque tem de ser um ataque explícito. Mas nas prisões basta uma retracção dos serviços penitenciários para que isso aconteça.

Mas a evolução social não deveria ir no caminho da igualdade?
A evolução é em forma de espiral em que os avanços se dão às voltas. Estamos a falar de uma população de 210 milhões de pessoas, das quais mais de sete milhões são empregadas domésticas. É a subordinação social quotidiana em que os empregados nem são notados, não andam nos mesmo elevadores sequer. É uma sociedade muito marcada por esta hierarquia. O PT tentou diluir estas diferenças e foi quando começou o medo e a rejeição das pessoas que não querem andar no mesmo elevador do que os seus empregados.

Medo de perder o estatuto?
Sim. Chama-se perca relativa e status. Aliás, foi esta a causa que levou também ao voto no Trump, nos Estados Unidos.

Como fica o Brasil no contexto da América Latina?
Se o Brasil fosse um país pequeno acabaria ostracizado. Como é grande, os presidentes dos vários países já o reconheceram e felicitaram. E agora estão à espera. Penso que o vão tentar normalizar. Vão trata-lo como normal, para que actue normalmente.

O que podemos esperar das relações com os Estados Unidos da América?
O Brasil está muito dependente da China. Bolsonaro não pode pedir ao Presidente americano para lhe comprar o que o Brasil vende à China. Isto não se faz politicamente. Por isso poderá haver uma aliança política entre o Brasil e os Estados Unidos, mas não penso que possa existir uma aliança económica.

E as relações com a China?
Bolsonaro na campanha eleitoral apenas mencionava estados com os quais tem alguma ligação político-eleitoral, como Israel ou os Estados Unidos. O Brasil precisa da China e agora a questão é a margem que tem para jogar com isto ou para esconder isto. O Brasil pode fazer política com os EUA e comércio com a China. 25 por cento das exportações do Brasil são para a China e não podem ir para o outro lado porque mais ninguém compra essas quantidades de soja e de ferro. Chama-se interdependência assimétrica. O Brasil está refém da China. É previsível que Bolsonaro venha a ter algum discurso político de afastamento. Mas acho que o afastamento económico é impossível.

A democracia vai resistir no Brasil?
Espero mais micro-violência do que macro-violência. Não espero o fim da democracia, mas sim uma redução da qualidade da vida democrática. A democracia vai manter-se e os governos vão continuar a ser eleitos pelo povo, mas os indivíduos e grupos particulares vão sofrer agressões e censura. A democracia vai ser muito pior.

30 Out 2018

Bolsonaro quer aproximar-se de Taiwan, mas China deu-lhe os parabéns

[dropcap]A[/dropcap] China felicitou hoje Jair Bolsonaro pela eleição, lembrando que os dois países são parceiros estratégicos, apesar da aproximação do Presidente eleito do Brasil a Taiwan e críticas feitas ao investimento chinês durante a campanha.

“A China e o Brasil mantêm uma parceria estratégica abrangente; desenvolver os laços entre a China e o Brasil é um consenso geral dos dois países”, afirmou hoje à agência Lusa o porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, Lu Kang.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro acusou a China de manter uma atitude “predatória” nos investimentos realizados no Brasil. “A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil. Você vai deixar o Brasil na mão do chinês”, disse.

Bolsonaro tornou-se ainda o primeiro candidato presidencial brasileiro a visitar Taiwan desde que o Brasil reconheceu Pequim como o único Governo chinês, em 1974, aderindo ao princípio ‘uma só China’, visto pelo regime chinês como garantia de que Taiwan é parte do seu território.

Pequim considera Taiwan uma província chinesa e defende a “reunificação pacífica”, mas ameaça “usar a força” caso a ilha declare independência. Já a ilha onde se refugiou o antigo Governo nacionalista chinês depois de os comunistas tomarem o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China.

Lu Kang lembrou que o princípio ‘uma só China’ é um “consenso” da comunidade internacional, que está na base do desenvolvimento das relações externas de Pequim.

“A China está pronta a seguir o princípio do respeito pelos interesses fundamentais dos dois países para trabalhar com o Brasil e avançar com a nossa parceira estratégica”, disse.

O porta-voz chinês lembrou que a cooperação entre Pequim e Brasília, em instituições multilaterais como o BRICS [bloco de grandes economias emergentes, que inclui ainda Rússia, Índia e África do Sul] “servem os interesses comuns dos países em desenvolvimento e mercados emergentes”.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil e o principal investidor externo no país sul-americano, tendo comprado, nos últimos anos, ativos estratégicos nos setores da energia ou mineração.

O candidato do Partido Social Liberal (PSL, extrema-direita) Jair Messias Bolsonaro, 63 anos, capitão do Exército reformado, foi eleito no domingo, na segunda volta das eleições presidenciais, o 38.º Presidente da República Federativa do Brasil, com 55,1% dos votos.

De acordo com dados do Supremo Tribunal Eleitoral brasileiro, Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), conquistou 44,9% dos votos, e a abstenção foi de 21% de um total de mais de 147,3 milhões eleitores inscritos.

França e Rússia parabenizam

O chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, também felicitou Jair Bolsonaro e manifestou vontade de continuar a cooperação com o país “no respeito” pelos “princípios democráticos”. Em comunicado, a presidência francesa referiu que Macron felicitou Bolsonaro, da extrema-direita, acrescentando “a França e o Brasil têm uma parceria estratégica baseada nos valores comuns de respeito e de promoção dos princípios democráticos”. “É no respeito por este valores que a França deseja continuar a sua cooperação com o Brasil”, referiu-se no comunicado.

Já o chefe de Estado russo, Vladimir Putin, manifestou o seu desejo de desenvolver ainda mais as “relações construtivas” entre os dois países, divulgou o Kremlin. Num telegrama enviado a Bolsonaro, Putin referiu que “aprecia muito a experiência tão significativa de cooperação mutuamente benéfica para em vários campos no âmbito da associação estratégica”.

O líder russo manifestou a sua “confiança no desenvolvimento de todo o tipo de relações russo-brasileiras, bem como na cooperação construtiva no marco das Nações Unidas, no G20, nos BRICS e outras organizações multilaterais na defesa do interesse dos povos da Rússia e do Brasil”, referiu-se na nota do Kremlin.

29 Out 2018

Brasil/Eleições: Bolsonaro vence na votação de brasileiros em Timor-Leste e na região

[dropcap]A[/dropcap] comunidade de eleitores brasileiros em Timor-Leste votou maioritariamente a favor de Jair Bolsonaro para a Presidência do Brasil na segunda volta das eleições de ontem, tendência que se repetiu nos países da região. Dos 44 votantes que participaram na eleição de hoje em Díli, 27 votaram a favor de Bolsonaro e 11 de Fernando Haddad, tendo-se registado cinco votos nulos.

Na primeira volta e dos 41 eleitores que votaram, Bolsonaro tinha obtido 26 votos e Haddad apenas dois. Resultados de outras votações na região confirmam a vitória ampla de Bolsonaro, que obteve 63,35% dos votos em Sydney, na Austrália (1196 votos) contra os 734 de Haddad (34,64%), tendo-se registado 224 votos brancos ou nulos.

Em Melbourne Bolsonaro obteve 131 votos e Haddad 75. Fotos distribuídas nas redes sociais de documentos afixados em locais de votação confirmam igualmente a ampla vitória de Bolsonaro no Japão e na Nova Zelândia.

29 Out 2018

Os idiotas úteis

[dropcap]A[/dropcap] penúltima cena do filme Sicario, de 2015, mostra um dos protagonistas da história, um advogado de acusação mexicano chamado Alejandro Gillick – protagonizado por Benicio del Toro –, a participar numa operação da CIA que culmina na invasão da mansão de Fausto Alarcón, capo de um dos cartéis de droga mais sangrentos do México.

Alejandro, separado da equipa da CIA que lhe permitiu descobrir o caminho para a casa de Alarcón, tem um motivo muito pessoal para não desistir da perseguição: este, quando Alejandro era um incómodo advogado de acusação, mandou matar-lhe a filha e a mulher.

Quando chega à mansão de Alarcón, Alejandro encontra-o a jantar no jardim, tranquilamente, com a sua mulher e os seus dois filhos adolescentes. Fausto Alarcón, reconhecendo o antigo advogado de acusação e os motivos que o levam a estar ali, diz: “à frente dos miúdos, não”. Alejandro, como resposta, mata a mulher e os filhos de Alarcón antes de atirar sobre o capo di tutti capi.

Brazil, 2018. Bolsonaro terá sido eleito chefe de Estado da República Brasileira ontem mesmo. Multiplicam-se as dezenas de análises políticas versando sobre as condições que levaram a que isso pudesse acontecer. Uma coisa é clara: muitos daqueles que votaram Lula e Dilma em eleições anteriores votaram agora Bolsonaro. O povo brasileiro, diz-se, ou ensandeceu ou eclodiu em fascismo.

Não sendo politólogo, graças a Deus, posso avançar com o meu bitaite descomprometido de necessidade de rigor conceptual acerca do que vem acontecendo um pouco por toda a parte no mundo ocidental. Os partidos de consenso – o centrão, como sói dizer-se – têm vindo a distanciar-se cada vez mais uns dos outros e dos cidadãos. A política do possível, aquela que aproxima a vontade de partidos de eleitorados distintos e que permite a negociação de interesses opostos, foi substituída pela política de claque: confrontos hostis entre forças de esquerda e de direita fazem com que a zona de consenso tenha sido terraplanada. Ao invés de negociações e permutas, que fazem a democracia funcionar sem sobressaltos, porque se atendem a petições de sectores muito diferenciados da sociedade, temos imposições de agendas únicas: a esquerda é cada vez mais esquerda (ainda que esta esquerda de causas e de identidades não seja a esquerda de há 50 anos) e a direita cada vez mais direita. E ambas são cada vez mais surdas às necessidades de quem não lhes pertence ideologicamente. O bom senso deu lugar à radicalização. As razões de fundo a razões de forma. O apelo à calma ao apelo à turba. Há cada vez mais eleitores a não se sentirem representados por ninguém. A sentirem-se injustiçados. Há cada vez mais pessoas solidárias com o gesto aparentemente redentor de Alejandro Gillick.

Frente a Fausto Alarcón, frente ao sistema que as injustiçou e que as torna mais indefesas e minúsculas que formigas à mercê de uma bota, há cada vez mais pessoas que não têm dúvidas: antes o fascismo, antes a anarquia, antes o sangue do que isto. Do que este estado ignominioso de coisas que parece beneficiar apenas e sempre os mesmos. Os do sistema. Os votos em Trump e em Bolsonaro são votos anti-sistema. São votos anti-surdez. São votos de um profundo desencanto com o estado de decomposição a que o sistema e a política que o sustenta chegou. E não perceber isso, rotulando de doidos ou de fascistas inúmeros milhões de brasileiros e de americanos que elegem fascistas ou extremistas, é não perceber sequer porque é que o vizinho insiste em não pendurar a roupa do avesso. É estar tão intoxicado de superioridade moral que se dispensam todas e quaisquer perguntas ao outro e às suas razões. Chegamos terrivelmente a este ponto por nossas próprias mãos, quando nos convencemos de que o outro – e não estou a falar dos fachos e dos nazis, que são uma minoria – é apenas um idiota útil a quem não endereçamos perguntas, mas reprimendas, quando ele age como não esperamos ou queremos que ele aja.

29 Out 2018

Jair Bolsonaro eleito Presidente do Brasil com 55,15% dos votos

[dropcap]O[/dropcap] candidato da extrema-direita às eleições presidenciais brasileiras Jair Bolsonaro (PSL) venceu a segunda volta da votação, domingo, com 55,15%, quando o apuramento está praticamente fechado (99,99% das urnas apuradas), segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.

De acordo com os dados oficiais, Jair Messias Bolsonaro foi eleito 38.º Presidente da República Federativa do Brasil com 57.765.131 votos (55,15%), enquanto Fernando Haddad (PT, esquerda), conquistou nesta segunda volta 46.969.763 votos (44,85%).

Os resultados praticamente finais foram divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral cerca das 21h00 locais, duas horas após o fecho das últimas urnas. Jair Bolsonaro sucede a Michel Temer como Presidente da República.

Capitão do exército reformado e defensor da ditadura militar – regime que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985 -, Jair Messias Bolsonaro nasceu a 21 de março de 1955 (63 anos) e iniciou a carreira política como uma figura caricata de posições extremas e discursos agressivos em defesa da autoridade do Estado e dos valores da família cristã.

Chamado de “mito” e “herói” pelos seus apoiantes e de “perigo à democracia” por críticos e adversários, Jair Bolsonaro está na política brasileira há 28 anos e foi eleito deputado (membro da câmara baixa) sete vezes consecutivas, mas sem nunca ter ocupado um cargo importante no Parlamento.

Bolsonaro ganhou notoriedade nos últimos anos e transformou-se num líder capaz de mobilizar milhares de eleitores desiludidos com a mais severa recessão económica da história do Brasil, que eclodiu entre os anos de 2015 e 2016, ao mesmo tempo em que as lideranças políticas tradicionais do país têm sido envolvidas em escândalos de corrupção.

As promessas

Jair Bolsonaro anunciou que a intenção de “reduzir a estrutura e burocracia” do Governo e comprometeu-se a “respeitar a federação” brasileira, transferindo os recursos federais diretamente para os estados.

Numa declaração à porta de sua casa, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, o candidato do Partido Social Liberal (extrema-direita) declarou-se empenhado em “construir um futuro melhor”, que disse passar por um Governo que “crie condições para que todos cresçam”. “Isso significa que o Governo federal dará um passo atrás, reduzindo a sua estrutura e a burocracia, cortando desperdícios e privilégios, para que as pessoas possam dar muitos passos à frente”, afirmou.

Bolsonaro adiantou que o seu executivo “vai quebrar paradigmas”. “Vamos confiar nas pessoas, vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão e o empreendedor tenha mais liberdade para criar e construir o seu futuro. Vamos desamarrar o Brasil”, declarou. O 38.º Presidente brasileiro referiu, como “outro paradigma a quebrar”, que o executivo que irá liderar “respeitará, de verdade, a federação”. “As pessoas vivem nos municípios, portanto os recursos federais irão diretamente do Governo central para os estados e municípios. Colocaremos de pé a federação brasileira”, declarou.

Além disso, prometeu também que o seu Governo “será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade”. “Faço de vocês minhas testemunhas de que este Governo será um defensor da Constituição, da democracia, e da liberdade. Isso é uma promessa, não de um partido, não é uma palavra vã de um homem, é um juramento a Deus”, afirmou o candidato (Partido Social Liberal, extrema-direita) às eleições presidenciais do Brasil, numa declaração à imprensa à porta da sua casa, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

Haddad apela à “coragem” dos brasileiros nos próximos quatro anos

O candidato presidencial do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda) Fernando Haddad afirmou que os mais de 45 milhões de eleitores que votaram na sua candidatura presidencial, derrotada nas urnas, “têm outro projeto de Brasil na cabeça” e apelou à “coragem” do povo nos próximos quatro anos.

Fernando Haddad falava em São Paulo, minutos depois de Jair Bolsonaro, o candidato da extrema-direita (PSL), ter feito o discurso da vitória, como 38.º Presidente da República Federativa do Brasil, eleito este domingo na segunda volta da eleição presidencial, com mais 11 milhões de votos que o candidato do PT.

“Talvez o Brasil nunca tenha precisado mais do exercício da cidadania do que agora. Eu coloco a minha vida à disposição deste país, tenho a certeza que falo por milhões de pessoas”, afirmou Haddad, numa intervenção de cerca de oito minutos, durante a qual nunca se referiu Jair Bolsonaro.

“A soberania nacional e a democracia como nós a entendemos é um valor que está acima de todos nós. Nós temos uma nação, nós temos que defendê-la daqueles que de forma desrespeitosa pretendem usurpar o nosso património, o património do povo brasileiro”, disse ainda Fernando Haddad.

 

Michel Temer convicto de que Bolsonaro fará um Governo de “paz e harmonia”

O Presidente brasileiro, Michel Temer, mostrou-se convicto de que o seu sucessor, Jair Bolsonaro, “fará um governo de paz e harmonia” que o Brasil precisa. “Tenho a convicção de que o presidente eleito fará um governo de muita paz e harmonia que é o que o nosso país necessita”, disse Temer numa conferência de imprensa no Palácio do Planalto, sede da Presidência da República.

Temer afirmou já ter cumprimentado o Presidente eleito e que percebeu, através do seu entusiasmo e das declarações que Bolsonaro já fez ao país que “busca a unidade, a pacificação e harmonia do país que seguramente todos desejam”.

Assinalou ainda que as “eleições são o momento adequado para o povo exercitar o seu poder”, o que se deu “com tranquilidade e harmonia”. Temer acrescentou que a “transição vai iniciar-se já a partir de amanhã” e disse que espera continuidade das políticas já em curso no plano económico, bem como das políticas de natureza ambiental, educacional e na saúde.

29 Out 2018

Braco, a alegria do espargo

[dropcap]D[/dropcap]obra quase um século sobre o que o poeta T. S. Eliot escreveu «Onde está a sabedoria,/ que se perdeu com o conhecimento?/ Onde está o conhecimento/ que se perdeu com a informação?»

Vivemos sob a orbe de uma sociedade da informação cujos fluxos são disparados, com consentimento ou não, e quantas vezes basta conectarmo-nos à Internet para colher os frutos de um maravilhoso pomar de dados, embora tema que estejamos mais isolados e intolerantes.

E talvez o mais vital não se situe na comunicação, mas no conhecimento. Que é? Temos demasiada pressa para o identificarmos enquanto nos lambuzamos nos novos hábitos de recolectores da informação. Radicará nesta falsa aurora, como um remix de fragmentos chegados de fora de nós, a facilidade para nos julgarmos com opinião sobre tudo, presumindo que agora a esfera pública está confinada às irrelevâncias que nos permitimos em privado? Morreu a esfera pública, ou emudeceu, como a crítica.

Entretanto, enquanto o velório prossegue, faço meu um dito de Ezra Pound: «Quero dizer que há ideias, factos, noções, que podeis procurar numa lista telefónica ou numa biblioteca e outras que estão dentro de nós, como o estômago ou o fígado.» A comunicação é tudo que está exterior a nós, na horizontal, já o conhecimento atinge-nos como uma reminiscência, abrindo horizontes na vertical como se raiasse de dentro. O que só acontece pela duração e não na instantaneidade da comunicação porque o tempo é suado e denso e não superficial e rápido, como o mercado ou as redes sociais afirmam.

E isto ocorre no rasto da mudança de paradigma na nossa relação com a palavra. A tendência niilista que se manifesta nesta reviravolta política para uma direita populista advém entre outros factores de uma desvalorização da palavra e de um descarrilamento na trivialização.

Aparentemente estamos mais conectados, contudo ao ser-nos repetido que tudo se mercantiliza descremos do valor da palavra e caímos no cinismo.

É sintomático que o actual guru de maior sucesso na Europa seja Braco, o Mudo. Braco o Contemplador, que cura as pessoas olhando-as por alguns minutos. Centenas afirmam que os seus padecimentos desapareceram por completo após terem fitado os seus olhos pacíficos. Parece que também funciona em animais, que provoca látegos de ternura nos frangos congelados e orgasmos nas ervilhas. O croata de 46 anos é popularíssimo na Europa e já é um fenómeno crescente nos EUA.

Ele não fala em público nem dá entrevistas; só se ouve a sua voz “amorosa” através de seu DVD. Consta que perderia os seus poderes especiais se falasse.

Um jornal americano chamou-lhe «o guru de uma nova era sem nada para dizer». Explicitamente, o seu silêncio é uma inscrição oracular onde cada um vê, encontra, o que julga precisar. Ressalta daí que já não se busca nem se acredita numa experiência partilhável pela mediação da palavra, que seja comum, pública: estar a sós com a mudez do olhar de guru basta.

Hoje, morta a esfera pública, as convicções e crenças pessoais repudiam os factos. Um dia, em 2007, na universidade em Maputo, cheguei à aula e os meus planos foram furados por uma reportagem televisiva que urgia, diziam os alunos, ser debatida. Nos subúrbios, uma rapariga parira um bule e duas chávenas. Metade da turma rejeitava a hipótese, alguns hesitavam e outros defendiam a sua possibilidade. Foi inútil explicar-lhes as leis da biologia e o que fosse o ADN.

Contra convicções não há factos: faça-se silêncio sobre séculos de ciência. O olhar de Braco desautoriza Einstein.

Igualmente, o inexplicável no fenómeno das fake news (que “industrializou” uma prática que se ocultava) é que face à sua motivação política tão descarada a sua implaubilidade concite afinal adesões tão maciças, sem que o crédulo interrogue os efeitos de se institucionalizar a mentira. O militante crê, afasta qualquer crivo de análise: basta-lhe o olhar bovino do candidato, daquele que prescindiu de debates, e tudo devém credível.

É absurdo que no fito de exprimirmos a insatisfação contra um sistema estabelecido aceitemos um conservador autoritário que usa processos desonestos e nem cumpre as regras do jogo, alheando-nos de que ele nos está a avisar que não tem valores e o seu programa viverá da vantagem, do oportunismo e da violência; para ele o passado não é uma inscrição na memória mas narrativa morta, que qualquer alusão revisionista desmancha, reverte e desclassifica.

As pessoas sérias da direita democrática não separam o trigo do joio? O ensaísta Bruno Carvalho, professor de Harvard, mete o dedo na ferida: «O facto de o eleitorado mais de direita optar por um radical, ao invés de outros candidatos da direita mais comprometidos com a democracia, indica uma necessidade urgente de autocrítica entre elites conservadoras e liberais».

A confirmar-se a eleição de Bolsonaro a hecatombe não é só para a esquerda, a direita democrática fica sem legitimidade ou recuo moral.

Reagia Bolsonaro às acusações sobre a Caixa 2: embora reconheça a ilegalidade do acto, no fundo é uma vítima da liberdade das pessoas que se organizam para divulgar mensagens em massa em seu benefício, sejam militantes ou empresários… pelo que é inocente. Há alguma coisa de que este homem se sinta responsável?

É uma resposta tão cínica e destituída do factor humano como a reacção de Trump à queda das Twin Towers: «A Trump Tower voltou a ser a mais alta!»

Por que é que se fica cego a estas evidências, achando que são apenas minudências de um orador desastrado, um mal menor? Porque na generalidade as pessoas vêm preferindo a trivialização da comunicação ao conhecimento, que exige outro comprometimento e a manutenção duma esfera pública: ou seja, de critérios fora de nós.

Há décadas que Bauman preveniu que a paulatina primazia que se dá à segurança sobre a liberdade pode resultar na paranoia que anseia por liquidar o exterior, o espaço público. Que São Braco, Deus dos espargos, nos acuda!

25 Out 2018

Brasil/Eleições | Académico chinês admite que China está “apreensiva” com ascensão de Bolsonaro

[dropcap]U[/dropcap]m especialista chinês em relações sino-brasileiras admitiu que Pequim está “apreensivo” com a aproximação a Taiwan do candidato presidencial brasileiro Jair Bolsonaro, que pode romper com décadas de aliança política entre as duas potências emergentes.

“Existe alguma apreensão e preocupação”, disse à agência Lusa Zhou Zhiwei, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ciências Sociais, a principal unidade de investigação do Governo chinês, sob tutela do Conselho de Estado.

“É preciso esperar para ver como [Bolsonaro] agirá caso vença as eleições. Mas tendo em conta as suas atitudes anteriores, como a viagem a Taiwan, na verdade, estamos perante vários desafios”, explicou Zhou.

Pequim considera Taiwan uma província chinesa e defende a “reunificação pacífica”, mas ameaça “usar a força” caso a ilha declare independência. Já a ilha onde se refugiou o antigo governo nacionalista chinês depois de os comunistas tomarem o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China.

O princípio ‘Uma só China’ [visto por Pequim como garantia de que Taiwan é parte do seu território] é considerado pelas autoridades chinesas como um pré-requisito e base política para manter relações diplomáticas com outros países.

Mas a proposta de programa de governo do candidato da extrema-direita à segunda volta das presidenciais brasileiras, este domingo, refere Taiwan como um país por quatro vezes e, em fevereiro passado, enquanto deputado do Congresso, Bolsonaro visitou Taipé, onde se encontrou com o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros taiwanês, José Mria Liu, como parte de um périplo pela Ásia.

“A nossa viagem por Israel, Estados Unidos, Japão, Coreia e, agora, Taiwan, bem demonstram de quem nos queremos aproximar”, afirmou, na altura, o candidato de extrema-direita.

A visita resultou numa carta de protesto enviada pela embaixada chinesa em Brasília à Executiva Nacional dos Democratas, na qual as autoridades chinesas afirmam encarar a visita de Bolsonaro a Taipé com “profunda preocupação e indignação”.

Na mesma nota, a embaixada chinesa considerou a viagem uma “afronta à soberania e integridade territorial da China”, que “causa eventuais turbulências na Parceria Estratégica Global China-Brasil, na qual o intercâmbio partidário exerce um papel imprescindível”.

Zhou Zhiwei, que é também pesquisador visitante no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, considerou que Bolsonaro terá de “equacionar como vai o Brasil desenvolver as suas relações com a China”.

“Nós temos princípios que outros países não podem violar”, disse.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil e o principal investidor externo no país sul-americano, tendo comprado, nos últimos anos, ativos estratégicos nos setores da energia ou mineração.

Mas o candidato de extrema-direita, que disputa com Fernando Haddad (PT) a segunda volta das eleições presidenciais, advertiu já os investidores chineses.

“A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil”, afirmou, advertindo: “Você vai deixar o Brasil na mão do chinês”.

Bolsonaro prometeu ainda repensar a filiação do país ao BRICS [bloco de grandes economias emergentes, que inclui ainda China, Rússia, Índia e África do Sul], pondo em causa mais de uma década e meia de diplomacia brasileira baseada em alianças com o mundo emergente.

Severino Cabral, diretor do Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico, lembra, porém, que a parceria entre Pequim e Brasília é “muito antiga” e “estabelecida em acordos e entendimentos muito sólidos” e que a eleição presidencial do Brasil é uma escolha brasileira que a China tem que aceitar.

“Da mesma forma que nós não ficamos apreensivos quando há uma mudança no Estado chinês, os chineses não devem ficar apreensivos com uma mudança que é natural no curso da História do nosso país”, disse à agência Lusa, em Pequim.

O académico lembrou que “o facto de um candidato ter dito algo, que pode soar como estranho, é coisa da campanha, que deve ser entendida assim”.

“Uma coisa é o presidente, a visão de estadista, outra coisa é o dia-a-dia das posições”, defendeu.

24 Out 2018

Facebook encerra 68 páginas e 43 contas ligadas a Bolsonaro

[dropcap]O[/dropcap] Facebook anunciou ter encerrado 68 páginas e 43 contas ligadas ao ultraconservador Jair Bolsonaro, candidato favorito a vencer as eleições presidenciais de domingo, devido a violações da política de autenticação

“Como parte dos nossos esforços contínuos para proteger a nossa comunidade e a plataforma contra o abuso, o Facebook removeu 68 páginas e 43 contas associadas ao grupo brasileiro Raposo Fernandes Associados (FRG), devido a violações da nossa política de autenticação e de e-mails indesejados “, esclareceu a rede social num comunicado divulgado na segunda-feira.

“As pessoas da RFA criaram páginas usando contas falsas ou várias contas com os mesmos nomes” para publicar “uma grande quantidade de artigos” onde redirecionaram os conteúdos para páginas fora do Facebook.

O jornal Folha de São Paulo revelou há dez dias que as páginas e contas controladas pela RFA formaram uma enorme rede de apoio a Jair Bolsonaro.

Segundo a pesquisa do jornal paulista, essas páginas geraram 12,6 milhões de interações – reações, comentários e partilhas, nos 30 dias anteriores à publicação do artigo no jornal, muito mais do que as interações observadas no mesmo período nas contas de celebridades como o jogador de futebol Neymar ou as cantoras pop Anitta e Madonna.

As redes sociais desempenharam um papel fundamental na ascensão de Bolsonaro na corrida presidencial, que se encontra bem colocado para vencer Fernando Haddad.

Jair Bolsonaro fez quase toda a sua campanha através do Facebook, Twitter e Instagram, onde tem 14 milhões de seguidores, contra 2,8 milhões de Haddad.

O final da campanha eleitoral para a segunda volta das presidenciais de 28 de outubro no Brasil tem registado a abertura de várias investigações contra empresas que supostamente criaram ilegalmente mensagens difamatórias que foram disseminadas pela plataforma Whatsapp.

O objetivo da divulgação de milhões de mensagens tem como objetivo propagar conteúdos falsos contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e o candidato, Fernando Haddad, para favorecer o líder da extrema direita Jair Bolsonaro.

No domingo, o governo brasileiro alertou que “não existe anonimato na internet” para os responsáveis pelas “notícias falsas” que têm como intenção provocar dúvidas sobre a credibilidade do sistema eleitoral ou para difamar os candidatos presidenciais.

“Não há anonimato na internet, não existe, não há possibilidade. Aqueles que tenham a intenção de cometer crimes contra a credibilidade do sistema eleitoral”, disse o ministro da Segurança, Raul Jungmann.

23 Out 2018

O monstro do id

[dropcap]M[/dropcap]onstros não têm faltado ao cinema, abundantes em forma e proveniência, quase sempre barulhentos e escamudos, mas todos alardeando um incorrigível mau-feitio, dedicados a escangalhar a vida à humanidade. Quase nunca dão explicações acerca dos motivos da sua grande arrelia e, na verdade, nem é preciso: basta serem monstruosos para ficarmos esclarecidos quanto ao mal que aí vem.

Deste vasto bestiário uma galeria de celebridades incrustou-se no imaginário popular contemporâneo como ícones das nossas piores e recônditas inseguranças. Contudo uma das criaturas malévolas mais tenebrosas, e sobretudo surpreendentes, está hoje infelizmente um tanto esquecida. Talvez uma certa particularidade do “monstro do Id” dificulte recordá-lo: era invisível.

Pode-se especular que essa invisibilidade foi um belo truque da MGM, relutante em gastar demasiado dinheiro nos efeitos especiais. Para mais, sendo evidente a incipiência e a inverosimilhança da figuração dos monstros naqueles anos 50 – a tecnologia coeva não dava para mais – a MGM não desejava que a inaptidão dos recursos técnicos contrariasse a chancela de qualidade que imprimia em todas as obras saídas dos seus estúdios.

Do “monstro do Id” temos direito a ver por instantes tão só uma silhueta eléctrica, já perto do final de “Planeta proibido” o filme de 1954 em que ele (não) aparece. É por volta desse momento que a verdade nos é revelada. O bicho-papão descontrolado, implacável e autónomo que tinha vindo a dizimar a tripulação da nave espacial é fruto dos terrores inconscientes do Dr. Morbius, o guardião do planeta e pai da virginal Altaira por quem os garbosos astronautas ficaram pelo beiço. Incapaz de reprimir a sua involuntária e insubmissa criação Morbius acabará por entender que só morrendo o avatar será eliminado.

A ideia de um monstro criado e nutrido pelos nossos piores sentimentos, doutro modo ciosamente coibidos pelo ferrolho do sub-consciente, é um adorável achado. Mas sumamente arguto é preconizar que tarde de mais consigamos perceber sermos nós próprios a fonte de alimentação da energia maléfica, de tão iludidos que estamos pelo narcisismo da nossa consciência. Retardar esta descoberta inflige no espectador um sentimento de culpa – sem darmos conta todos calamos um “monstro do Id” à espera de algum proveito se recorta e guarda dos filmes que sirva para nos orientarmos.

Dispensada a sarja freudiana, que não passa de má literatura, que eloquente metonímia é este “monstro do Id” se o empregarmos na compreensão de certas aventesmas políticas a emergirem por todo o lado. A última delas esse desalumiado, e tudo indica que também desalmado, capitão Bolsonaro.

A democracia liberal atravessa um mau momento.

Cresce e já não se retrai o pressentimento de ser ela incapaz de corresponder aos anseios dos cidadãos, acumulando promessas falhadas, disfunções orgânicas e, sobretudo uma inquietante incapacidade para dar respostas a problemas sentidos e cada vez mais prementes. Inquietante porque os protagonistas da democracia liberal, aquelas que a governam, aparentam uma completa alienação em face deste maus augúrios.

Acomodaram-se às rotinas administrativas, aos processos e soluções do costume, por mais ineficazes e estéreis que se tenham demonstrado e afadigam-se em malabarismos eleitorais para captarem um voto crescentemente céptico e funcional (há quantos sufrágios andamos a votar “útil”?)

Se os políticos nem sequer percebem que há um problema, como poderiam resolvê-lo?

E não percebem porque estão formatados para desperceber. Paulatinamente vão divergindo as competências necessárias à querela política das competências da governação. O Estado foi governamentalizado, ou seja, foi sequestrado e instrumentalizado pelos profissionais da política que fazem carreira nos partidos para através dos governos ocuparem o aparelho estatal. Nesta circularidade – como ratos na roda – procedem como uma corporação que, conforme ao género, cuida desveladamente das suas conveniências como parte interessada.

Agora Bolsonaro, mas antes Trump, Le Pen e demais réplicas, são cabeças de uma mesma Hidra, gerada e cevada, larvar e latente no interior da democracia liberal, que irrompem como repelentes monstros do seu Id. Ansiosamente se deseja que a ela não caiba sorte igual à do Dr. Morbius que foi a de ter que morrer para os matar.

19 Out 2018

Um milhão resto zero

[dropcap]E[/dropcap]stou realmente divertido e explico-vos: foi dada ao camarada Trump uma oportunidade para se rir com a sua ignorância.

Lembram-se do famoso milhão que o pai lhe havia dado, um milhão conta redonda; afinal subtraído dos impostos? Sei de onde picou a lenda, foi do primeiro vigarista que aparece a Lemuel Pitkin, a cândida personagem de Nathanael West, no comboio para New York – da curta e delirante farsa Um Milhão Conta Redonda ou Lemuel Pitkin a desmantelar-se, que Trump há-de ter lido a pensar que versava sobre casinos. Mr. Mape, penteava os cabelos no reflexo dos seus sapatos de janota e contou a Lemuel: «O meu pai deixou-me um milhão, conta redonda, e por isso não preciso de trabalhar». Claro que endrominava Lemuel para lhe esmifrar os parcos trinta dólares que ele tinha no bolso.

Todavia, devido ao vício com que Trump pinta as suas histórias, abana com um milhão conta redonda à esquerda e à direita, entre promessas, astúcias e gracejos. Agora, morreu pela boca. Há uns meses, partira os pratos com a senadora democrata Elizabeth Warren porque a loura criatura reivindicava uma origem índia. Trump dobrou o riso e chamou-lhe Pocahontas. O que acintosamente repetiu em várias ocasiões, como quem aponta A Louca da Casa. E num comício em Julho, a infabilidade do seu feeling levou-o ao temerário desafio:”Darei um milhão de dólares, conta redonda, à sua organização de caridade favorita, se ela fizer um exame e demonstrar que é indígena. Tenho a impressão de que ela dirá que não!”, sentenciou.

Tivesse o incauto como eu uma filha absolutamente sueca parida por uma mãe indiana e teria pressentido que a genética presta boas partidas. Foi o que lhe sucedeu. A Pocahontas provou a veracidade de sua origem indígena depois de submetida a um teste de DNA que apresenta “forte evidência” de que tem ancestrais nativos. Os resultados confirmam “a existência de um ancestral nativo americano puro”, informa o jornal The Boston Globe.

Vai arder o presidente com um milhão, conta redonda.

Estou realmente deprimido com o que se passa no Brasil e são dispensáveis as explicações.

A irracionalidade e a desinformação galopam para uma calamidade que representará um retrocesso civilizacional. Não se trata unicamente da derrota de um partido ou da repulsa contra o PT, a vitória de Bolsonaro institucionalizará a violência: os comportamentos irracionais que já instalaram o medo e o ódio no país multiplicar-se-ão num “estado de excepção” protegido pelo poder do voto. É presumível que se seguirá um clima de guerra civil e uma repressão geral em nome da segurança, e só tarde demais os ingénuos que queriam sobretudo castigar o PT ao votar contra Haddad descobrirão que há portas que não se devem abrir; de antemão as que permitem que a «besta negra» e o impensado penetrem no nosso condomínio.

Vejo duas motivações erróneas para tal descalabro.

A primeira prende-se a um aspecto que as democracias se alheiam de discutir e que só uma aposta intensiva no domínio da educação poderá eventualmente atenuar. O relativo desenvolvimento das democracias e o incremento dos media como “quarto poder” foi disfarçando até ao fim do século XX o que o poder das redes sociais destapou e tornou visível: é que não vivemos todos no mesmo tempo histórico.

Aquilo que para Walter Benjamin era um sinal de esperança: a saber, que a cada momento se colocaria a hipótese de que a face do presente surpreendesse porque afinal recuperava pontos de vista “derrotados” no passado e reemergidos ao arrepio de uma concepção linear e previsível da História, desencadeando uma lógica do reverso que transmitiria aos movimentos sociais uma maior complexidade e arejava a saturada polarização das narrativas oficiais; essas “anacronias” que segundo Benjamin injectariam na actualidade do presente um factor mais humano – posto que a perspectiva do passado deixa de ser um facto objectivo para passar a ser uma cunha da memória, menos técnica e mais emocional -, essas “anacronias” mostram que podem padecer igualmente de um lado negro.

O Brasil é uma sociedade clivada por diversos e inconciliáveis níveis de consciência da realidade e sem um desígnio transpessoal que apazigue as tensões no rasgado tecido da memória histórica. O que separa um votante de Bolsonaro do de um Haddad não é uma mera diferença de opiniões: vivem isolados por antagónicas percepções do seu tempo histórico.

O que se observa, por entretenimento, nos risíveis e delirantes grupos no FB que defendem a Terra Plana, toma no plano político perspectivas sombrias e traz à tona anacronismos perigosos para uma época de “relativismo”, de perda de universais e de pensamento débil. Quando não se reforça a educação é o que acontece.

A segunda motivação ao lado prende-se com a crédula fulanização com que se associa a corrupção ao PT. O PT ficou evidentemente refém na armadilha do polvo e julgou que só podia fazer passar algumas leis contra o atavismo dos costumes alimentando o monstro, em vez de ter intentado mudar o sistema. Porém, o problema da corrupção é mais endémico do que se julga e continuará com Bolsonaro; o seu governo, que há-de ser fortemente corporativo, só aumentará o problema.

Faz anos que Alain Badiou diagnosticou de que modo a corrupção se tornou a lei íntima das sociedades actuais, a sua fissura invisível, e que é para dissimular essa corrupção sistémica que o escândalo aponta aquilo ou aquele que, no fim de contas, não passam de bodes expiatórios. Numa sociedade que tem no lucro o único motor viável para fazer funcionar a sociedade, a corrupção é um seu efeito capilar.

O problema prende-se com a orfandade dos valores e é gravíssimo mas não nasce com o PT e julgo aliás que muitos votantes do Bolsonaro não serão contra a corrupção, sentiam-se apenas excluídos da rede.

O que tornará mais violento o despertar.

18 Out 2018

Brasil/Eleições | Bolsonaro diz que limitará privatizações na energia e ações da Eletrobras caem

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] candidato às presidenciais brasileiras Jair Bolsonaro disse, na noite de terça-feira, que não irá privatizar os ativos na área da energia elétrica, declarações que causaram uma queda acentuada nas ações da empresa Eletrobras.

Jair Bolsonaro disse que “de jeito nenhum” era capaz de vender os ativos de produção de energia elétrica, uma posição contrária aos planos do governo atual de Michel Temer, com a emissão de ações e diminuição da participação na Eletrobras – empresa dona de subsidiárias do setor como a Furnas e a Chesf.

Como consequência das declarações do candidato, as ações da Eletrobras recuaram cerca de 14%, enquanto que as da empresa petrolifera Petrobras caíram 3,7%. Segundo o candidato da extrema-direita, é possível “conversar” sobre privatização do setor de distribuição de eletricidade, mas não dos de geração.

No caso das distribuidoras de energia elétrica, o atual governo já privatizou quase todas as companhias da Eletrobras, à exceção da unidade no Amazonas, cujo leilão está previsto para 25 de outubro, e a de Alagoas, uma operação suspensa provisoriamente por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro mostrou-se ainda preocupado com a venda de ativos de energia elétrica para empresas chinesas, que têm realizado aquisições de diversas companhias privadas, como a CPFL Energia, hoje controlada pela State Grid, uma empresa estatal chinesa de eletricidade.

“Quando se vai privatizar, privatiza-se para qualquer capital do mundo? A China não está a comprar no Brasil, ela está a comprar o Brasil. Vamos deixar o Brasil nas mãos dos chineses?” – questionou Bolsonaro.

“Suponha que você tem um galinheiro no fundo da sua casa e vive dele. Quando privatiza, você não tem a garantia de comer um ovo cozido” comparou Bolsonaro. “Nós vamos deixar a energia nas mãos de terceiros?” – questionou ainda, segundo o jornal Folha de São Paulo.

Bolsonaro afirmou que o Brasil tem cerca de 150 empresas estatais, e prometeu que, caso seja, eleito, as que “dão prejuízo” serão vendidas imediatamente, ou até extintas. “Para mim, na energia elétrica não vamos mexer”, disse o candidato do Partido Social Liberal (PSL) à segunda volta das presidenciais.

No caso da petrolífera estatal, a Petrobras, Bolsonaro afirmou que o “miolo tem que ser conservado”, mas lembrou que a companhia não tem recursos para explorar o “pré-sal”, uma área de reservas petrolíferas a grande profundidade, que fica debaixo de uma profunda camada de sal.

“Rebentaram com a Petrobras. E daqui, 20, 25, 30 anos, a energia será outra. Nós temos tecnologia, mas não temos recursos para explorar”, afirmou Jair Bolsonaro. O candidato do PSL disse ainda ser favorável à redução de impostos de combustível: “O país não pode ter uma política predadora no preço do combustível para salvar a Petrobras e matar a economia brasileira”.

Haddad diz-se disposto até a ir a uma enfermaria para debater com Bolsonaro

O candidato presidencial do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), Fernando Haddad, disse que está disposto a ir até a uma enfermaria para debater com o seu opositor, Jair Bolsonaro, que tem evitado ações públicas por indicação dos médicos.

“Nós temos que passar a limpo muita coisa” e, para isso, “vou à enfermaria de sua escolha, não tem problema, os brasileiros precisam saber a verdade, se houver informações falsas, vamos cuidar disso como adultos e não fazendo criancices na internet contando com a boa-fé das pessoas que são crédulas””, afirmou Haddad, numa conferência de imprensa com a imprensa internacional.

“Muita gente acredita no que recebe no WhatsApp. Você não tem o contraditório, no debate você tem. Vou em qualquer ambiente que ele quiser, no mais cómodo, eu prometo inclusive moderar o tom, não vou stressar [com] ele, vou falar da forma mais calma possível, docemente”, disse Fernando Haddad, reagindo à notícia de hoje que indica que o Bolsonaro não irá participar no debate agendado para quinta-feira.

Bolsonaro foi vítima de um atentado em setembro durante um comício na cidade brasileira de Juiz de Fora e, desde então, permanece afastado de compromissos públicos seguindo recomendações médicas. Uma equipa médica avaliou o estado de saúde do candidato e recomendou que falte ao primeiro debate da segunda volta das presidenciais, marcado para a próxima quinta-feira.

Em resposta, Haddad disse estar disponível para qualquer solução que permita a discussão das propostas políticas para o país. “Faço o que ele quiser para ele falar o que pensa e debater pelo país”, acrescentou.

Sobre a polarização que divide Brasil, palco de confrontos entre apoiantes de esquerda e direita nas redes sociais e em ações de rua, Haddad admitiu que o país enfrenta um problema. “Estamos enfrentando um enorme desafio, porque todo ‘establishment’ brasileiro [empresários, agentes do mercado e forças conservadores] apoiam a candidatura da extrema-direita”, disse.

Contudo, “se conseguirmos unir os partidos progressistas, enviaremos uma mensagem importante para o país, que enfrenta muitos riscos hoje, e não podemos perder a oportunidade de dizer um ‘basta’ para a escalada da violência”, acrescentou.

Na entrevista, o candidato de esquerda também falou sobre a crise na Venezuela, defendendo uma maior liderança diplomática do Brasil para mediar a resolução dos conflitos naquele país.

12 Out 2018

Brasil/Eleições | Sondagem dá maioria a Bolsonaro na segunda volta

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] candidato às eleições presidenciais brasileiras Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), recolhe 58% das intenções de voto, enquanto Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), tem 42%, segundo uma sondagem ontem divulgada.

Este é o resultado da pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, a primeira relativa à segunda volta das eleições presidenciais, que utiliza o critério dos votos válidos, ou seja, exclui votos brancos nulos e indecisos.

Na primeira volta das presidenciais brasileiras, Bolsonaro obteve 46% dos votos válidos e Haddad 29%. Quando se leva em conta a intenção de voto total, contando votos brancos e nulos e indecisos, Bolsonaro conquista 49% das intenções de voto e Haddad regista 36%, nesta sondagem hoje realizada.

Brancos e nulos somam agora, segundo o Datafolha, 8%. Outros 6% dos entrevistados declaram-se indecisos. A sondagem auscultou 3.235 pessoas em 227 municípios do Brasil. A margem de erro é de dois pontos.

Cinco partidos declaram-se neutros

Mais cinco partidos políticos anunciaram ontem que permanecerão neutros na segunda volta das presidenciais brasileiras de 28 de outubro, numa disputa entre o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro e o socialista Fernando Haddad.

As formações políticas que anunciaram a decisão de não apoiar qualquer um dos dois candidatos foram o Partido da República (PR), o Democratas, o Partido Republicano Brasileiro (PRB), o Partido Popular Socialista (PPS) e o Podemos.

A maioria destes partidos fazia parte da coligação de apoio ao candidato presidencial Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que, na primeira volta do sufrágio, no passado domingo, ficou em quarto lugar, com 4,6% dos votos, apesar de ter contado com o apoio de vários partidos de centro.

O próprio PSDB, um dos partidos mais tradicionais do Brasil e que governou o país entre 1995 e 2002, com Fernando Henrique Cardoso, anunciou nesta terça-feira a sua decisão de permanecer neutro na segunda volta, por não ter intenções de apoiar nenhum dos candidatos na corrida presidencial.

No mesmo dia, o Partido Novo, do candidato presidencial João Amoêdo, anunciou a sua neutralidade na segunda volta das eleições, tendo declarado que não apoiará Jair Bolsonaro(PSL) e ser “absolutamente contra o PT”, cujo candidato é Fernando Haddad.

De acordo com um comunicado, o Novo manifestou-se descontente com o cenário presidencial na segunda volta. “Não é aquele que desejávamos”, informou o partido.

O comunicado justificou os motivos do posicionamento contra o Partido dos Trabalhadores (PT), sendo as “ideias e práticas opostas”, mas não explicou os motivos contra o apoio a Bolsonaro.

A maioria dos partidos que se declarou neutro esclareceu que não apoia as propostas do candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, polémico por ser um defensor da ditadura militar que vigorou no país entre 1964 e 1985 e pelas suas declarações de teor machista, racista e homofóbico.

No entanto, também não expressam apoio ao candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad, o sucessor do ex-Presidente brasileiro que se encontra preso por corrupção, Luiz Inácio Lula da Silva.

11 Out 2018

Brasil | “Prefiro uma prisão cheia de bandidos a um cemitério cheio de inocentes”, diz Jair Bolsonaro 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, vencedor da primeira volta das presidenciais brasileiras, disse ontem que prefere uma “prisão cheia de bandidos a um cemitério cheio de inocentes”.

“Vamos encher a prisão de bandidos. Isso é errado? Basta não fazerem a coisa errada. Eu prefiro a prisão cheia de bandidos do que um cemitério cheio de pessoas inocentes”, disse Bolsonaro, numa entrevista à rádio Jovem Pan.

O candidato do Partido Social Liberal (PSL) alcançou 46% dos votos válidos na primeira volta das eleições deste domingo e enfrentará no próximo dia 28 de outubro o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) Fernando Haddad, que conquistou 29% da preferência dos brasileiros.

Bolsonaro, um polémico capitão na reserva, ganhou vantagem na corrida presidencial, apesar das manifestações contra si, que levaram milhares de brasileiros às ruas em protesto, principalmente mulheres e representantes das minorias, na véspera das eleições.

Nos protestos “havia um terrível cheiro a canábis, as mulheres iam com as axilas peludas. Eles são ativistas de minorias, não estou a generalizar”, disse o candidato da extrema-direita, acrescentando que, caso seja eleito presidente, “não haverá dinheiro público para alimentar esse tipo de pessoas, eles terão que trabalhar”.

Nesse sentido, Bolsonaro afirmou que “acabará com esse ativismo xiita (segundo maior ramo de crentes do Islão)”, que, na sua opinião, vive “em grande parte com o dinheiro das ONG”.

“Eu acho que você tem que defender a sua posição, mas sem ir ao radicalismo tal como eles fazem, isso tem que acabar, o ativismo não é benéfico e nós temos que acabar com isso”, disse o candidato do PSL.

Durante a entrevista, Bolsonaro acusou também alguns meios de comunicação social de fazerem uma “campanha descomunal” contra si e classificou novamente o seu rival, Fernando Haddad, como um “mentiroso”.

Bolsonaro, defensor da liberalização do mercado de armas no Brasil e apoiante da ditadura militar que atravessou o país de 1964 até 1985, reiterou que os atos de tortura no período autoritário foram casos “isolados”.

“Se houvesse tanta tortura quanto eles dizem, você não estaria aqui”, afirmou o candidato dirigindo-se ao jornalista.

Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) irão defrontar-se na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras no dia 28 deste mês, após terem obtido 46% e 29% dos votos, respectivamente.

10 Out 2018

Brasil/Eleições: Analista alerta para aproximação de Bolsonaro a Taiwan

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m analista político brasileiro radicado na China avisou que a proximidade do candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro a Taiwan pode afetar as relações entre o Brasil e Pequim.
Uma visita a Taipé em fevereiro passado de Bolsonaro, favorito na segunda volta presidencial, resultou num protesto formal da diplomacia chinesa e o seu programa de governo refere Taiwan como um país por quatro vezes.

“É importante que Bolsonaro tenha consciência de que o princípio ‘Uma só China’ é soberano e inegociável para Pequim”, afirma José Medeiros da Silva, doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, na costa leste da China.

Pequim considera Taiwan uma província chinesa e defende a “reunificação pacífica”, mas ameaça “usar a força” caso a ilha declare independência. Já Taiwan, a ilha onde se refugiou o antigo governo nacionalista chinês depois de os comunistas tomarem o poder no continente, em 1949, assume-se como República da China.

O princípio ‘Uma só China’ [visto por Pequim como garantia de que Taiwan é parte do seu território] é considerado pelas autoridades chinesas como um pré-requisito e base política para manter relações diplomáticas com outros países.

“Se Bolsonaro decidir tratar Taiwan como um país, não há dúvida que haverá um rompimento, não apenas diplomático, mas também comercial, em todas as dimensões”, afirma Medeiros da Silva. “A China não negoceia esse princípio”, realça.

O ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, revelou, em março passado, uma carta de protesto enviada pela embaixada chinesa em Brasília à Executiva Nacional dos Democratas, na qual as autoridades chinesas afirmam encarar a visita de Bolsonaro a Taipé com “profunda preocupação e indignação”.

Na mesma nota, a embaixada chinesa considerou a viagem uma “afronta à soberania e integridade territorial da China”, que “causa eventuais turbulências na Parceria Estratégica Global China-Brasil, na qual o intercâmbio partidário exerce um papel imprescindível”. Durante a visita a Taiwan, Bolsonaro reuniu com membros do governo taiwanês.

José Medeiros da Silva considera, no entanto, que Bolsonaro não reconhecerá Taiwan como um país caso for eleito, apontando a importância do mercado chinês para a economia brasileira.

“Parte da base de apoio que deverá conduzir à sua eleição está ligada ao agronegócio, que é o grande exportador para a China, e ao setor mineiro”, refere.

“Num momento de crise económica, puxar para si uma crise diplomática dessas proporções, não faria muito sentido”, defende.

Desde da ascensão ao poder em Taiwan, em maio de 2016, da presidente Tsai Ing-wen, do Partido Democrata Progressista, pró-independência, um total de cinco países romperam relações com Taipé, incluindo São Tomé e Príncipe, passando a reconhecer Pequim como o único governo de toda a China.

A ilha tem atualmente relações diplomáticas com apenas 17 países em todo o mundo.

Os países da União Europeia mantêm relações não oficiais a nível governamental com Taiwan. Em Portugal, funciona um Centro Cultural e Económico de Taipé.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil e o principal investidor externo no país sul-americano.

Em 2017, o comércio entre o Brasil e a China atingiu 87,53 mil milhões de dólares, uma subida homóloga de 29,55%. A China vendeu bens no valor de 29,23 mil milhões de dólares e importou mercadorias no montante de 58,30 mil milhões de dólares, segundo dados oficiais chineses divulgados pelo Fórum de Macau.

As exportações brasileiras para o país asiático são compostas, sobretudo, por petróleo, soja e minério de ferro.

Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais brasileiras deste domingo, com 46,7% dos votos, seguido de Fernando Haddad (PT), com 28,37%, resultado que ditou a necessidade de uma segunda volta entre os dois candidatos, já que nenhum obteve mais de 50%.

A decisão sobre o sucessor de Michel Temer como 38.º Presidente da República Federativa do Brasil fica assim adiada para 28 de outubro.

9 Out 2018

Brasil/Eleições: Resultado final dá 46% dos votos a Bolsonaro e 29% para Haddad

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) irão defrontar-se na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras no dia 28 deste mês, tendo cada um obtido 46% e 29% dos votos, respectivamente.

Com 99% das secções de voto apuradas, Jair Bolsonaro conquistou o voto de cerca de 49 milhões de brasileiros, seguido por Haddad que chegou perto dos 30 milhões, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que começaram a ser divulgados às 19h00.

Ainda de acordo com os dados praticamente finais do TSE, em terceiro lugar ficou o candidato Ciro Gomes (PDT) com 12% dos votos válidos do eleitorado, o que correspondeu a cerca de 13 milhões de votos.

Como nenhum candidato atingiu na votação deste domingo a marca de 50% dos votos válidos, o próximo Presidente da República do Brasil será eleito na segunda volta, a decorrer dentro de três semanas, a 28 de outubro.

Os últimos números foram divulgados perto das 22:15 (02:15 em Lisboa) e confirmaram a disputa final entre Jair Bolsonaro, o candidato da extrema-direita brasileira, e Fernando Haddad, que substituiu Lula da Silva na liderança da candidatura do PT (esquerda).

Neste domingo, 147 milhões de brasileiros foram às urnas para escolher um novo Presidente, membros do Parlamento (Câmara dos Deputados e Senado), além de governadores e legisladores regionais em todo o país.

Bolsonaro apela aos eleitores para não darem um “passo à esquerda” perante o “caos”

Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil está à beira do caos, apelando aos eleitores para não darem um “passo à esquerda”, numa referência a Fernando Haddad, seu opositor na segunda volta da corrida presidencial.

“O nosso país está à beira do caos, não podemos dar mais um passo à esquerda, o nosso passo agora é de centro-direita”, afirmou Jair Bolsonaro, numa mensagem na rede social Facebook, discurso menos agressivo do que o habitual, com referências às minorias sexuais, mulheres e moradores do país que costumam votar PT, como é o caso do Nordeste do país.

Agora, para a segunda volta, a 28 de outubro, “temos que unir os cacos que nos fez o governo da esquerda no passado, botando de um lado negros e brancos, jogando nordestinos contra sulistas, pais contra filhos, até mesmo quem tem opção sexual homo contra heteros”, acrescentou o candidato, que venceu a primeira volta da corrida eleitoral, disputada este domingo.

“Vamos colocar um ponto final nos activismos” e “desregulamentar muita coisa, desonerar a folha de pagamento” dos salários, afirmou Bolsonaro, num discurso de 15 minutos, em que elencou o poder económico do PT, que diz ter “bilhões para gastar” e o “controlo social” dos ‘media’ brasileiros.

“O que está em jogo é a nossa liberdade, é a manutenção da operação ‘Lava Jato’”, numa referência ao processo judicial que colocou na prisão Lula da Silva, antigo Presidente brasileiro, dirigente histórico do PT e primeira escolha do partido para estas eleições presidenciais.

“O nosso juiz Sérgio Moro não vai ser jogado na lata do lixo”, afirmou, acrescentando, sobre a corrupção no Brasil: “Vamos reduzi-la o máximo possível”.

Haddad diz que pacto constitucional está em causa na segunda volta

O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), Fernando Haddad, afirmou que na segunda volta das presidenciais brasileiras está em causa o pacto constitucional de 1988, que assinalou a normalização democrática do país.

Dentro de três semanas, na segunda volta, em que irá enfrentar o candidato populista de extrema-direita Jair Bolsonaro, Haddad considera que “há muita coisa em jogo, o próprio pacto da constituinte de 88 está hoje em jogo”.

“Vamos ser vitoriosos no segundo turno”, afirmou Fernando Haddad, admitindo que esta é uma “eleição muito diferente de todas” as anteriores.

Agora, “muito respeitosamente nós vamos para o campo democrático com uma única arma: o argumento”, disse Haddad, esperando que o seu opositor esteja disponível para debater, numa referência ao facto de Bolsonaro ter recusado participar no último debate televisivo.

“Não vou abrir mão dos meus valores” e o “segundo turno é uma oportunidade de ouro para discutir frente a frente”, afirmou.

Marina Silva e Geraldo Alckmin avaliam apoios para segunda volta

Os candidatos da Rede, Marina Silva, e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Geraldo Alckmin, à primeira volta das presidenciais brasileiras anunciam em breve as suas posições face à segunda volta, marcada para 28 de outubro.

Marina Silva, que partiu como uma das principais candidatas e acabou em nono lugar na primeira volta das presidenciais, disse no seu discurso após a divulgação dos resultados que ainda irá conversar com membros da Rede sobre qual a posição a adotar na segunda volta.

Já o candidato do PSDB (centro-direita) Geraldo Alckmin, que ficou em quarto lugar na primeira volta das presidenciais brasileiras, realizadas estes domingo, remeteu hoje para terça-feira uma decisão de apoio na segunda volta, que será disputada entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT).

“A executiva nacional em Brasília” do PSDB já foi agendada para terça-feira, onde será feita uma “avaliação do processo eleitoral e tomada uma posição quanto ao segundo turno”, afirmou.

A nossa convicção na essência do regime democrática não tem poder que não seja legitimado pelo voto e pela expressão popular”, acrescentou, mostrando ter uma “fé inquebrantável no Braisl, esse país maravilhoso”.

A candidata da Rede, Marina Silva (Rede) afirmou ainda que estará na oposição independentemente de quem seja o vencedor.

“Independentemente de quem seja o vencedor, nós estaremos na oposição. O Brasil vai precisar de uma oposição democrática. Podemos assegurar: estaremos na oposição porque é a única forma de quebrar o ciclo vicioso”, declarou.

Surpresas para governadores em São Paulo, Rio e Minas Gerais

Mudanças de última hora marcaram as eleições para os governos dos estados mais populosos do Brasil – São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – que terão na segunda volta candidatos que não eram considerados favoritos.

Em São Paulo, a disputa será entre o candidato João Dória do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) que teve 31,7% dos votos válidos e o candidato Márcio França do Partido Socialista Brasileiro, que obteve 21,53%.

França venceu uma das corridas mais apertadas destas eleições, superando o candidato Paulo Skaff do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), derrotado com 21,09% dos votos que apareceu em segundo lugar em todas as sondagens de intenção de voto antes das eleições.

No Rio de Janeiro o juiz Wilson Witzel do Partido Social Cristão (PSC) foi a grande surpresa da eleição regional.

Com uma campanha voltada para a crítica dos problemas de segurança pública do Rio de Janeiro e o apoio do presidenciável Jair Bolsonaro, Wilson Witzel chegou em primeiro lugar com 41,2% dos votos e superou o candidato que liderava as sondagens, o ex-prefeito da capital ‘carioca’ Eduardo Paes, do Democratas, que chegou à segunda volta com apenas 19,5% dos votos.

Em Minas Gerais, o PT foi afastado da liderança do governo estadual. O empresário Romeu Zema, do Partido Novo, que se candidatou pela primeira vez, liderou a votação com 42% dos votos contra Antonio Anastasia do PSDB, que aparecia na dianteira de todas as sondagens, obtendo 29% dos votos.

Também haverá uma segunda volta nos estados brasileiros do Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Sergipe, Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe.

Nas eleições de domingo, treze governadores regionais dos 27 estados brasileiros foram eleitos na primeira volta.

No estado do Acre foi eleito governador Gladson Cameli (Partido Progressista, PP), em Alagoas Renan Filho (MDB), no Paraná Ratinho Junior (Partido Social Democrático, PSD) e no Espírito Santo Renan Casagrande (PSB).

O novo governador de Goiás será Ronaldo Caiado do Democratas, em Mato Grosso está eleito Mauro Mendes também do Democratas, na Paraíba João Azevedo do PSB e no Tocantins Mauro Carlesse do Partido Humanista da Solidariedade (PHS).

Rui Costa do Partido dos Trabalhadores (PT) irá governar por mais quatro anos o estado da Bahia, Camilo Santana do PT foi reeleito no Ceará, Flavio Dino do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foi reeleito no Maranhão, o governador do Piauí Wellington Dias (PT) acabou por ser reeleito, assim como o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB).

8 Out 2018

Eleições/Brasil: Total de 147 milhões de eleitores decidem hoje futuro do Brasil

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m total de 147,3 milhões de brasileiros são chamados este domingo a votar nas eleições em que estarão em disputa o cargo de Presidente mas também representantes no parlamento (Câmara dos Deputados e Senado) e nos governos regionais.

As urnas serão abertas pelas 08h00 (12h00 em Lisboa) e têm o seu encerramento previsto para as 17h00 de cada fuso horário. As últimas urnas electrónicas a fechar serão no Estado do Acre, 21h00 em Lisboa.

Se houver uma falha na urna eletrónica e na impossibilidade de substituição por outra do mesmo tipo, será utilizado o sistema tradicional de voto de boletim em urna.

Jair Bolsonaro, candidato do Partido Social Liberal (PSL) é quem lidera, de acordo com as últimas sondagens, a corrida às presidenciais, com 35% das intenções de voto dos brasileiros, contra 22% do segundo colocado, Fernando Haddad, que encabeça o Partido dos Trabalhadores (PT).

Esta é já considerada uma das eleições mais atípicas das últimas décadas, com uma forte polarização política entre a extrema-direita e a esquerda.

Caso nenhum candidato atinja este domingo a marca de 50% dos votos válidos, haverá uma segunda volta com os dois primeiros colocados, que está marcada para o dia 28 deste mês.

Centenas de manifestantes contra Bolsonaro em São Paulo

No sábado centenas de pessoas manifestaram-se contra o candidato Jair Bolsonaro, na cidade de São Paulo. Organizado por grupos de mulheres nas redes sociais, este é o segundo protesto contra o candidato de extrema-direita, que lidera as sondagens para as presidenciais de domingo.

Bolsonaro suscitou inúmeras polémicas por declarações machistas, racistas e homofóbicas e tem sido contestado por mulheres que lançaram em setembro a campanha “Ele não”.

No protesto, os gritos de “Ele não” eram acompanhados por cantos de guerra como “fascistas, machistas não passarão” e “vem para rua, vem contra o fascista”.

Vitória Tavares, de 18 anos, disse á Lusa que compareceu no protesto por discordar das ideias defendidas por Bolsonaro. “Não concordo com nada que o Bolsonaro diz ou prega. Ele é contra as mulheres e as minorias.”, declarou.

A estudante disse acreditar que Bolsonaro não vencerá a eleição na primeira volta, mesmo reconhecendo que ele esta aumentando sua popularidades com os ataques que faz contra o Partido dos Trabalhadores (PT).

“O voto contra o PT favorece o Bolsonaro, mas ele não tem capacidade de mudar o Brasil”, afirmou. Carolina Spinoza, 33 anos, também disse que aderiu ao protesto das mulheres porque não acredita nas promessas do candidato de extrema-direita.

“Infelizmente tem muita gente votando em um candidato que é contra e tem muitos aliados que desejam tirar os direitos das minorias”, avaliou.

“O sentimento de ‘antipetismo’ [como é chamado o movimento contra o PT] tem influenciado muito. Essas pessoas querem mudança e não estão pensando nas consequências que está mudança trará depois”, concluiu.

Marcelo Rebelo de Sousa deixou apelo ao voto

O Presidente da República apelou ao voto nas eleições presidenciais no Brasil, dirigindo-se aos portugueses com dupla nacionalidade e aos brasileiros que vivem em Portugal.

“Espero que os portugueses, muitos, que vivem no Brasil e que têm a dupla nacionalidade não deixem de exercer o direito de voto, é o mesmo apelo que faço cá dentro ao voto e até já fiz ontem, à participação no voto no ano que vem”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, que falava, em Vila Real, à margem da cerimómia de entrega do Prémio D.Diniz ao escritor Helder Macedo.

O Presidente disse ainda, por outro lado, que espera também que os “muitos brasileiros que vivem em Portugal participem no exercício do direito de voto”.

“Porque isso é bom, nós formamos uma comunidade que é a comunidade de língua portuguesa, que é uma comunidade que não é só de cultura ou de economia ou de finanças, é uma comunidade de pessoas e será tanto mais forte quanto maior for a participação das pessoas, todas elas, em termos políticos, dentro da comunidade”, salientou.

7 Out 2018

Sondagens dão vitória a Bolsonaro na segunda volta das presidenciais

Este domingo os brasileiros vão às urnas escolher o próximo Presidente da República. A principal esgrima política é entre Haddad, e um Partido Trabalhista ferido por vários escândalos, e o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, que lidera nas sondagens. O HM falou com eleitores e auscultou as suas expectativas para um dos mais importantes actos eleitorais da curta história da democracia brasileira

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] ebulição política no Brasil não é de agora, mas pode estar prestes a atingir o clímax. Desde a destituição de Dilma Rousseff, e mesmo durante o curto mandato de Michel Temer, o fantasma da extrema-direita tem pairado por cima do panorama político brasileiro, criando terreno fértil para a ascensão política de Jair Bolsonaro.

De acordo com uma sondagem da Datafolha, que tentou levantar o véu sobre uma provável segunda volta, Jair Bolsonaro recolhe 44 por cento dos votos, contra 42 por cento de Fernando Haddad, uma diferença que está dentro da margem de erro e que constitui empate técnico. Os restantes 14 por cento dos inquiridos mostraram-se indecisos ou inclinados a votar em branco ou nulo, uma vez que o voto é obrigatório.

Uma sondagem do Instituto Ibope revela que na primeira volta Bolsonaro reúne 31 por cento das intenções de voto, dez pontos percentuais à frente de Haddad. Em terceiro lugar surge Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista, com 11 por cento. Mais abaixo surge Geraldo Alckmin, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), com 8 por cento, e Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, com 4 por cento. A confiar nesta projecção, a segunda volta, ou turno como se diz com sotaque brasileiro, acontecerá no dia 28 de Outubro. No entanto, é de referir que Bolsonaro tem vindo a subir nas sondagens. Nesta matemática de intenções, importa recordar que em 2014 quase 25 por cento do eleitorado decidiu a direcção do voto no próprio dia da eleição. Outro dos dados a reter é a subida dos eleitores que afirmam que jamais vão votar em Jair Bolsonaro (45 por cento), o antigo capitão do exército que tem proferido inúmeras declarações racistas e misóginas. Como sinal da crescente polarização política que o Brasil atravessa, também a rejeição total de Haddad se cifra nos 42 por cento.

Primeiro será necessário ir a votos este fim-de-semana. Por cá, Roberval Teixeira e Silva já marcou o domingo para exercer o seu direito. “Vou a Hong Kong votar no consulado brasileiro. É um momento bastante especial no mundo e no Brasil com uma luta radical contra o conservadorismo que tem aparecido em todo o lado”, revela o director do Centro de Pesquisa para os Estudos Luso-Asiáticos da UM.

O académico, que vive em Macau há 13 anos, encara esta eleição como um momento decisivo na história do país. “Luto contra a extrema-direita que está a tentar chegar perto do poder através da presidência e do voto. Vou exercer o meu direito de evitar que isso aconteça, esse é o meu objectivo”, explica Roberval Teixeira e Silva.
Cácio Borges Inhaia está no polo oposto. Apesar de não poder votar, o gerente empresarial adianta que, se pudesse, o seu voto iria para Jair Bolsonaro. “Ele não tem qualquer escândalo. Estou confiante que ele ganhe já no primeiro turno. Vejo pelos meus amigos que o Brasil quer mudança.”

Apelo do abismo

Quanto às características de Bolsonaro que mais seduzem Cácio Borges Inhaia, a ideia de integridade surge no topo, nomeadamente quanto às políticas de família. “Ele preza muito a família, algo que no Brasil está muito perdido”, refere o brasileiro residente em Macau. Quando confrontado com algumas propostas do candidato da extrema-direita, como o corte nas licenças de maternidade, o residente de Macau refere que não leu sobre isso e descreve a forma como os meios de comunicação social escrevem mentiras sobre o seu candidato de eleição. É de referir que Bolsonaro proferiu algumas declarações polémicas quanto à natalidade de famílias pobres. “Devemos adoptar uma rígida política de controle da natalidade. Não podemos mais fazer discursos demagógicos, apenas cobrando recursos e meios do governo para atender a esses miseráveis que proliferam cada vez mais por toda esta nação.” As palavras são de Jair Bolsonaro, que se declarou a favor da pena de morte e de políticas de restrição da natalidade entre os pobres como forma de controlar a criminalidade e baixar o custo dos apoios sociais.

Um pouco à imagem da eleição que conduziu Donald Trump à Casa Branca, os campos partidários no Brasil estão extremamente polarizados, reduzindo a troca de argumentos e ideias a insultos, desinformação e propaganda.
Cristina Sant’Anna, empresária e activa opositora da ditadura militar, refere precisamente a falta de qualidade da discussão política. “Qualquer debate sobre candidatos é conversa de surdo. Ninguém ouve ninguém. Cada um já tem seu candidato e será refractário a qualquer informação, notícia, evidência contra ele. E é só ódio daqui pra frente. Minha preocupação é que essas eleições romperam o lacre da cultura de ódio às minorias, que faz parte da cultura brasileira desde sempre”.

A residente de São Paulo é da opinião de que Bolsonaro trouxe à tona e legitimou o ódio aos negros, gays, pobres, mulheres e a “ideia de que uma elite branca, masculina, preconceituosa e discriminatória tem o direito de subjugar os demais sectores da sociedade aos seus mandos e desmandos”.

História a repetir-se

Com um passado de defesa da democracia, que lhe valeu uma curta estadia na prisão durante a ditadura militar, Cristina Sant’Anna encara a actual situação política do Brasil com apreensão. No entanto, não baixa os braços. “Não tivemos escolha no golpe promovido pelo exército, que resultou na ditadura. Mas agora temos”.

A candidatura de Bolsonaro, que repetidas vezes manifestou desdém quanto ao processo democrático, assusta a empresária e alguns dos seus amigos. Em particular, uma amiga cujos pais foram perseguidos durante o fascismo ao ponto de terem de se exilar. Curiosamente, o pai da sua amiga chegou a cônsul do Brasil, mesmo no exílio. A actual campanha ressuscitou fantasmas de tempos de forte repressão política. “Se o desgraçado for eleito o que faremos? Teremos de fugir? Vai haver perseguição, porque afinal estamos todos expondo nossas ideias nas redes sociais? A mãe da minha amiga nem dorme mais. Tem sequelas até hoje, stress pós-traumático”, confessa a empresária.

A violência também assusta Cristina Sant’Anna, além das palavras de Jair Bolsonaro até à realidade nas ruas. “Os grupos de direita, skinheads aí incluídos, estão atacando quem se manifesta nas ruas. Espancaram a criadora de um grupo chamado Mulheres contra Bolsonaro, que já tem mais de 3 milhões e meio de mulheres.”

A tirar um doutoramento em História, com particular incidência na ditadura militar, Gisele Lobato entende que o fascismo não se desvaneceu totalmente em 1985. “Nunca acabou simbolicamente. Houve uma abertura política, redemocratização feita lenta e gradualmente pelos próprios militares, uma amnistia que impediu qualquer julgamento dos crimes que cometeram… faltou a ruptura”, teoriza a também jornalista que divide casa entre São Paulo e Lisboa.

Quando fala de ditadura, Gisele Lobato não o faz no sentido literal, até porque o controlo das altas patentes militares não se sente na sociedade brasileira como no passado. “Falo das estruturas sociais, da violência estatal (vide nossas polícias, que têm apoio para matar diante do desespero da população com a violência urbana)… E a falta de ruptura impediu a revisão dessas estruturas, e ficou o mito de que a ditadura era boa, de que os comunistas estão por aí e são maus.”

Sem preferência

Também à imagem da eleição que tornou Donald Trump Presidente dos Estados Unidos, o sufrágio de domingo também deixa grande parte do eleitorado face à decisão de qual o mal menor, além da fadiga resultante da falta de identificação com qualquer candidato. Roberval Teixeira e Silva destaca esta particularidade nos eleitores que vivem em Macau. “Há quem diga que é melhor deixar para lá, votar em branco, não ir, existe essa postura de desistência. Especialmente entre as pessoas que têm uma relação menos próxima com o Brasil.”

O restante eleitorado brasileiro que reside à beira do delta do Rio das Pérolas divide-se entre Bolsonaro, ou anti-PT e os anti-bolsonaristas. Entre as pessoas que convivem com o académico, a maior tendência é para votar contra o candidato da extrema-direita, sem qualquer expectativa de eleger um candidato com quem se identifiquem em absoluto. “Nenhum partido é puro, não existe essa ilusão, todos entram em jogos e esquemas de todos os tipos que nem imaginamos. De maneira geral, as pessoas parecem não ter um candidato ideal. muitas vezes, os votos vão mais contra alguém do que a favor de alguém. A minha posição é contra o fascismo.”

5 Out 2018

Brasil/Eleições: No centro do poder, eleitores querem mudança

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] menos de uma semana das eleições presidenciais, considerada uma das mais atípicas das últimas décadas, em Brasília, centro do poder brasileiro, “mudança” é a palavra de ordem que ecoa por toda a cidade.

Num momento de polarização política entre a esquerda com Fernando Haddad e a extrema-direita representada por Jair Bolsonaro, são muitos os brasileiros que esperam encontrar nas eleições de 07 de outubro o regresso à “Ordem e Progresso”, lema nacional do Brasil.

Michella Medeiros mora em Brasília há cerca de 20 anos, é professora de ensino especial e sofre de duas doenças degenerativas. Em entrevista à agência Lusa, disse sentir-se “desacreditada” com a classe política brasileira.

“Formei-me na área na educação pensando em mudar o Brasil, porém, estou desacreditada”. Hoje, “olho para o Planalto central, olho para o poder, para a Câmara legislativa, para o poder judiciário, para o Senado e não vejo nenhuma mudança”, lamentou Michella.

Quando confrontada com as sondagens que mostram o candidato da extrema-direita na liderança da corrida presidencial, a professora de ensino especial classifica o resultado de “vergonhoso”, admitindo que não irá exercer o seu voto.

“É vergonhoso. Não acredito e por isso não votarei em ninguém. Sinto-me envergonhada”, porque “todos são corruptos. Aliás, acredito em poucos candidatos, que são aqueles que estão com zero pontos”, afirmou Michella Medeiros.

Jerson Spinola, contador de profissão e apoiante da candidata Marina Silva, partilha da mesma opinião de Michella acerca de Jair Bolsonaro.

“Preocupação geral é o que sentimos. Temos uma probabilidade muito grande de voltarmos a uma ditadura, na pior das hipóteses”, afirmou Jerson.

Porém, muitos dos entrevistados dizem acreditar em Jair Bolsonaro como o candidato capaz de fazer a diferença pelo país, como é o caso de Luís Carlos, um terapeuta que confia no candidato do Partido Social Liberal (PSL).

“Realmente o Bolsonaro está na frente e o Brasil está cansado da antiga política do PT (Partido dos Trabalhadores) que não teve um bom resultado e queremos mudança através de Jair Bolsonaro”. Hoje, “nós acreditamos que Bolsonaro vai ganhar as eleições na primeira volta”, disse Luís Carlos.

As propostas conservadoras do candidato do PSL fizeram a diferença no momento de escolher o próximo Presidente da República, segundo o terapeuta.

“Bolsonaro é a favor da família, da educação, é contra o aborto, contra a ideologia de género, é contra o kit gay escolas”, o programa proposto para debater a homossexualidade no ambiente escolar. “Jair Messias Bolsonaro tem uma proposta conservadora para dirigir o país e colocar as coisas no trilho”, afirmou o apoiante do candidato da extrema-direita.

Para João Santos, um publicitário que também apoia Bolsonaro, a ascensão do candidato da extrema-direita deve-se ao descontentamento que o povo brasileiro sente em relação aos vários anos de governo do PT.

“Durante estes 13 anos da esquerda no poder, do PT, nós criamos uma resistência do bloco internacional lá fora. O nosso país vive de investimentos externos e nós temos esse problema externo, fora os problemas internos que também temos”, disse o publicitário.

João Santos acrescentou ainda que “Bolsonaro é o representante que tende a acabar com todo ranço de aglomerado de partidos”. O candidato é “novo no sentido de romper com a política velha” que existe e “levou o país a tornar-se quase numa Venezuela”.

O projetista mecânico Felipe Rossi concorda com a visão de que foi o próprio PT a colocar Bolsonaro na frente da corrida às presidenciais.

Apesar de o seu voto pertencer ao candidato populista, o projetista mecânico acredita que Bolsonaro “não é um Deus que irá mudar o Brasil a 100%” mas pensa que é o único candidato capaz de colocar o país “nos eixos”.

Já José Júnior, um jovem vendedor de 24 anos, contou à agência Lusa que vai votar em Jair Bolsonaro, por não estar ligado à corrupção.

“Ele é ficha limpa. Eu acho que o Brasil precisa de pessoas sérias, de pessoas que entrem para fazer a diferença”, afirmou o jovem brasileiro.

Acerca das acusações que o candidato do PSL tem recebido de ser racista e homofóbico, José Júnior fez saber que concorda com a ideologia de Bolsonaro e que não quer que a sua filha cresça a pensar “que é certo um homem casar com outro homem, ou uma mulher casar com outra mulher”, disse.

Jair Bolsonaro é mesmo o candidato que reúne a maior percentagem de intenções de voto em Brasília. A primeira volta das eleições Presidenciais está marcada para dia 7 de outubro, enquanto que a segunda volta decorrerá a 28 deste mês.

3 Out 2018

#elenão

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]le – não. Não é um ele qualquer, é um ele muito particular do contexto brasileiro. Um tal de Bolsonaro candidato à presidência. Pois, ele não. Dia 29 de Setembro várias mulheres (e homens) juntaram-se para reclamar que não o querem. Porque segundo certas pessoas ele é homofóbico, machista e racista.

O movimento #elenão, liderado pelo grupo de mulheres contra Bolsonaro, ecoou pelas ruas no último sábado em, pelo menos, 18 capitais de estado, outras 65 cidades no Brasil, e também em Portugal. Mas existe uma oposição também, que não é de admirar. O #elenão tem um #elesim ou um #mulherescombolsonaro de resposta. A guerra política também é digital. Há ataques por hackers, há ondas de popularidade que tentam ser travadas, há trolls da internet a causar reboliço na secção de comentários, de posts, de videos, de artigos do jornal. Estão todos em pé de guerra porque uma secção da população o acha absolutamente desadequado para o papel de Presidente, e uma outra secção acho que aquilo que poderia ser desadequado, não o é de todo.

Até o Stephen Fry já veio à comunicação social pedir que os brasileiros ponderem muito bem os seus candidatos nas presidenciais que se avizinham. Entrevistou Bolsonaro em 2011 a propósito do esforço do dito em não permitir que passassem uma legislação referente à educação para o género e orientação sexual nas escolas. Este era um pacote, um ‘kit gay’ como eles lhe chamavam, para contribuir para a prevenção da homofobia e a violência associada, nas camadas mais jovens. O ‘gringo’ do Fry teve dos momentos mais estranhos de sempre porque não é fácil falar com um homofóbico que não se considera homofóbico. Sendo ele homossexual, ainda mais estranho ficou quando o Bolsorano diz que o que é preciso é uma marcha do orgulho heterossexual e que ele não seria convidado!

O que uma secção do Brasil julga é que este candidato traz resoluções simples para temas complicados, como o de tentar resolver o assustador aumento da criminalidade no país armando civis. E isso fá-lo popular, isso e não só, porque ele fala ‘francamente’ sobre temas que uma secção da população sempre quis discutir mas sentia que o ‘politicamente correcto’ esquerdista não lhes permitia. O pôr em causa um kit gay nas escolas, é um dos exemplos. Em vez de fornecer mais e melhor informação sobre a diversidade sexual, muitos julgavam que esta era uma estratégia de ‘recrutamento’ sexual para tornar as crianças tão naturalmente hetero e cisgénero em homossexuais. Essa secção do país encontrou o seu representante, que diz coisas polémicas e duvidosas, em plena esfera pública, e que acha que educação sexual inclusiva está a produzir homossexuais. Fantástico.

Há boas hipóteses que ele possa tornar-se no próximo Presidente do Brasil – e digam-me lá se tudo isto não vos faz sentir um grandessíssimo déjà vu? A pergunta que permanece sempre – sempre – é quem é que vota nestas criaturas que parece que só disparam um discurso de ódio, violência e exclusão? Como (e porquê) é que a democracia se torna perigosa para si própria? A pergunta mantém-se mais pertinente do que nunca.

E se a solução fosse uma boa educação para o sexo? Leram bem. Vou atirar agora com uma proposta fantasiosa a partir do testemunho de um ex-republicano norte-americano que agora virou democrata. Eu perguntei-lhe o que tinha acontecido para virar a moeda. Moeda esta bem delimitada nas suas caixinhas políticas – e ele disse-me que foi uma aula sobre género e sexualidade na faculdade. Isto não é fabuloso? O pessoal tem medo do sexo e das suas variâncias porque o sexo é transformador! Porque obriga a descobrirmos coisas sobre os nossos corpos, as nossas relações e sobre como vemos o mundo, e tudo isto é inerentemente político. Um ex-republicano que nos dias que correm poderia muito bem ter votado Trump não o fez porque aprendeu o sexo na Universidade. O sexo intelectual, o pensante, ou o reflexivo. Vou continuar a ter esperança de que o sexo saudável é o que vai mudar o nosso mundo.

#elenão

3 Out 2018

Brasil | Lula renuncia e apresenta Haddad como candidato às presidenciais 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ex-ministro da Educação Fernando Haddad vai ser o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) às eleições presidenciais do Brasil, na sequência da exclusão pelo Tribunal Superior Eleitoral da candidatura de Lula da Silva.

Impedido pelo Tribunal Superior Eleitoral de se candidatar ao sufrágio de 07 de outubro, o ex-Presidente brasileiro renunciou à candidatura, que entregou a Haddad, precisamente na data limite determinada pela justiça eleitoral para apresentação de candidatos.

O anúncio foi feito pelo PT junto à sede da Polícia Federal, em Curitiba, onde o antigo chefe de Estado se encontra preso a cumprir uma pena de 12 anos e um mês de prisão.

Além da aprovação de Fernando Haddad como novo candidato do PT, também a deputada Manuela D’Ávila, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi admitida como vice-presidente pelo partido, segundo a plataforma de notícias UOL.

Luiz Inácio Lula da Silva reiterou que está a ser vítima de injustiças e que foi impedido de disputar a eleição de outubro, mas realçou a importância da continuidade de seu projeto político com Haddad como candidato, de acordo com o jornal Folha de São Paulo.

A candidatura do ex-presidente do Brasil, que cumpre na prisão uma pena de 12 anos e um mês por corrupção, foi registada pelo PT e depois vetada pelo Tribunal Superior Eleitoral, com base na lei que proíbe alguém condenado em duas instâncias de concorrer a qualquer cargo eleitoral.

Lula da Silva foi condenado em duas instâncias judiciais, num processo em que foi acusado de ter recebido um apartamento de luxo na cidade do Guarujá da construtora OAS, em troca de favorecer contratos da empresa com a estatal petrolífera Petrobras.


Perfil | Fernando Haddad, o intelectual que sucede a Lula da Silva

[dropcap]O[/dropcap] ex-ministro da Educação e antigo-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, anunciado na terça-feira candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) às eleições do Brasil, é um intelectual que tem a difícil tarefa de ganhar a presidência do país. Haddad nasceu em São Paulo há 55 anos. Em 1983, filiou-se ao PT.

Licenciado em Direito na Universidade de São Paulo, fez depois um mestrado em Economia e um doutoramento em Filosofia, tendo ficado a dar aulas como professor de Ciência Política nesta instituição de ensino superior.

Em 2001, Fernando Haddad foi nomeado subsecretário das Finanças e Desenvolvimento Económico da cidade de São Paulo, sob chefia de Marta Suplicy, cargo que ocupou até 2003. Neste ano foi chamado para trabalhar em Brasília como assessor especial do Ministério do Planeamento e Finanças.

Um ano depois começou a ganhar protagonismo político quando, sob o governo de Lula da Silva, aceitou o convite do então ministro da Educação, Tarso Genro, e assumiu o cargo de secretário-executivo da pasta.

Em 2005 Haddad assumiu o Ministério da Educação, ficando neste cargo até 2012, já no governo de Dilma Rousseff. Então, deixou o lugar para disputar as eleições municipais de São Paulo, que ganhou. Quatro anos depois não conseguiu o mesmo feito, perdendo, na primeira volta, para João Doria, que se candidatou pelo Partido da Social Democracia Brasileira.

Filho de libaneses que emigraram para o Brasil, Haddad assume como ter como grande influência o avô, Cury Habib Haddad, que morreu dois anos antes do seu nascimento. Cury Habib ficou famoso na luta no Líbano contra o domínio francês, após a I Guerra Mundial, segundo relata o jornal Estado de São Paulo.

Intelectual, pensador e académico, o candidato presidencial do PT foi descrito por Juan Arias, escritor e correspondente do El País no Rio de Janeiro, como muito diferente de Lula da Silva.

“Haddad não poderia ser mais diferente de Lula, seja no seu caráter e peculiaridades, quanto na sua biografia. Enquanto Lula se consolidou no sindicalismo, que condicionaria fortemente o partido dele nascido, tornando-se um líder carismático e popular sem outra formação senão a da vida, Haddad é um académico, com vários diplomas, doutorado em Filosofia, especialista em Marxismo e com uma visão mais europeia do que tropical da política”, afirmou o escritor.

O nome de Haddad já vinha a ser avançado há meses como possível substituto de Lula da Silva como candidato do PT às eleições presidenciais de 7 de Outubro. E, como Lula da Silva, também Fernando Haddad não escapou à nuvem de corrupção.

No início deste mês, o ex-governante foi denunciado pelo Ministério Público pelos crimes de corrupção, branqueamento de capitais e associação criminosa a propósito de uma investigação que envolve a UTC Engenharia, empresa de construção envolvida na Operação Lava Jato.

Segundo a procuradoria, Ricardo Pessoa, dono da construtora, teria transferido em 2012, sem declarar, 2,6 milhões de reais (cerca de 560 mil euros), para a campanha do então candidato a prefeito de São Paulo.

Impedido pelo Tribunal Superior Eleitoral de se candidatar ao sufrágio de 07 de outubro, o ex-Presidente brasileiro Lula da Silva renunciou à candidatura, que entregou a Haddad.

A candidatura do ex-presidente do Brasil, que cumpre na prisão uma pena de 12 anos e um mês por corrupção, foi registada pelo PT e depois vetada pelo Tribunal Superior Eleitoral, com base na lei que proíbe alguém condenado em duas instâncias de concorrer a qualquer cargo eleitoral.

Lula da Silva foi condenado em duas instâncias judiciais, num processo em que foi acusado de ter recebido um apartamento de luxo na cidade do Guarujá da construtora OAS, em troca de favorecer contratos da empresa com a estatal petrolífera Petrobras.

12 Set 2018