“À China não interessa o conflito”

O historiador e presidente do Observatório da China lança, em breve, o livro “China na Nova Era: o papel vital da China na contribuição da resolução dos desafios do século XXI em prol do restabelecimento da paz”, que analisa também os desígnios saídos do último congresso do Partido Comunista Chinês. Rui Lourido elogia a política de zero casos covid e diz que o país não está interessado em invadir militarmente Taiwan

 

 

O livro “China in the New Era: China’s vital role contributing to solve the challenge of XXI Century to re-establish the peace” [China na Nova Era: o papel vital da China na contribuição da resolução dos desafios do século XXI em prol do restabelecimento da paz] sai em breve e nasce de um convite da Academia das Ciências Sociais da China. Quais os passos para dar corpo a este projecto?

É um livro que tenta reflectir sobre que conquistas são válidas e com que impacto para a China e o Ocidente e qual o papel do Partido Comunista Chinês (PCC) na condução desta grande nação. É uma obra com cinco capítulos e surge no âmbito da realização do XX Congresso do PCC. A Academia convidou vários investigadores internacionais para que dessem a sua perspectiva sobre a China. O primeiro capítulo reflecte sobre o regime político democrático chinês e o seu respeito pelos direitos humanos, e o papel da China.

 

E que papel é esse?

O facto de a China ter colocado os interesses da população no centro da acção política do próprio Governo permitiu este sucesso na eliminação da pobreza que foi conseguido em Dezembro de 2020, quando se ultrapassaram os 800 milhões de pessoas retiradas da pobreza extrema. No segundo capítulo, faço uma reflexão sobre o desenvolvimento económico e social da China e as contradições para a comunidade internacional decorrentes destas conquistas do país que são a vários níveis.

 

Em que sentido?

Nós, no Ocidente, damos conta dos avanços que a China fez na sua sociedade e do facto de ter contribuído com mais de 30 por cento para o desenvolvimento económico mundial. Há também um desenvolvimento científico no país. O facto de a educação e a população terem sido colocados no centro da orientação política leva a que possamos passar a um terceiro capítulo que pretende explicar a luta contra a pandemia, que é muito mal-entendida no Ocidente. A China foi pioneira na descodificação do DNA do vírus SARS-Cov-2 e na divulgação imediata desses resultados junto da comunidade internacional. Isso permitiu que os laboratórios do Ocidente rapidamente pudessem desenvolver vacinas. Temos depois um quarto capítulo sobre a integração de minorias étnicas, como o Tibete ou o Xinjiang, e o conceito “um país, dois sistemas” que tem permitido trazer a Macau e a Hong Kong uma participação no desenvolvimento económico da China muitíssimo substancial e com grandes privilégios para todo o comércio, que se pode integrar na Grande Baía. Temos ainda o lado educativo, pois a Universidade de Macau já está também na área da Grande Baía. Esta abertura à China vai permitir estabilizar as questões de Hong Kong.

 

Como?

A juventude pode agora comprar casas a um preço muitíssimo mais barato mesmo nas tradicionais fronteiras de Hong Kong e isso é uma válvula de escape muito grande, pois sabemos que Macau e Hong Kong não têm mais espaço para uma expansão urbana. Falo também da situação de Taiwan e dessas relações antigas e históricas com Xinjiang e Tibete. Em relação ao último capítulo falo das relações internacionais da China e as propostas para a paz, sendo essa uma pré-condição para a inclusão de todos os países, sejam eles sub-desenvolvidos, em desenvolvimento ou desenvolvidos. O projecto “uma faixa, uma rota” é, também ele, de dimensão global e tem permitido o desenvolvimento dos países onde se tem inserido. Há ainda outra plataforma fundamental para a China que é os BRIC’s. [Brasil, Rússia, Índia e China].

 

Aborda também no livro a relação da China com Portugal e os restantes países lusófonos.

Sim. A nossa parceria estratégica com a China tem de ser preservada a todo o custo. Temos mais de 500 anos de relacionamento com Macau e Portugal tem, de forma muito inteligente, de continuar com os seus aliados, como os EUA e a Grã-Bretanha, mas não pode alienar o património histórico com a China, um país que sempre tratou Portugal de forma correcta, tendo em conta os interesses em comum.

 

Voltando atrás. Como é que o seu livro defende que existe uma democracia na China?

Sem dúvida nenhuma que há uma democracia na China. Não existe um tipo único de democracia no mundo, porque a democracia que é seguida nos EUA é uma democracia tal como aquela que existe na China, que é popular com características socialistas chinesas, baseada em duas organizações principais na cúpula do Estado, que é o parlamento chinês, a Assembleia Popular Nacional, com oito partidos diferentes do PCC. Estes comprometeram-se com o PCC a encabeçar o desenvolvimento da China. São partidos que têm uma voz própria e têm cerca de 900 deputados num todo em representação das várias classes sociais e grupos económicos e sociais. Todas as regiões autónomas, bem como Macau e Hong Kong, têm a sua voz representada no parlamento. Na APN existe uma participação cívica da população com eleições directas e representativas.

 

Terminou recentemente o XX Congresso do PCC. Tem existido alguma evolução no sistema político chinês nos últimos anos?

A grande alteração é a implantação da RPC em 1949 e a capacidade que a China teve, depois com Deng Xiaoping, de se abrir ao mundo, e encetar um processo de 150 anos de tratados desiguais e de um roubo imenso ao património chinês que foi feito ao longo desses anos. Essa aceleração trouxe um enorme desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida à população chinesa, que é depois acelerada pelas propostas de Xi Jinping, em 2013, com a nova rota da seda. A China é hoje o principal cliente do Brasil e de alguns países sul-americanos e isso tem contribuído para o desenvolvimento desses países, porque existe sempre uma perspectiva win-win [de ganhos mútuos]. Para mim, Xi Jinping consegue, neste mundo em convulsão, uma grande evolução, que foi a retirada de milhões de chineses da pobreza extrema. Só em oito anos ele tirou 100 milhões de pessoas da pobreza extrema e uma evolução histórica desta dimensão não aconteceu em nenhum outro país do mundo. Essa é a primeira grande conquista da China. A segunda é a modernização do país de uma forma sustentável nas áreas científica, sócio-económica e ao nível ambiental. Há também o desenvolvimento político, pois o PCC tem-se sabido renovar com jovens. Em relação à pandemia, a China foi o país que melhor a combateu, uma vez que todos os outros países têm mais casos e mortes.

 

Mas a política de zero casos covid tem sido contestada pela comunidade científica internacional e pela própria Organização Mundial de Saúde.

Sou português e europeu. Como historiador consigo verificar os resultados de ambas as políticas. Do ponto de vista humano, prefiro que um país preserve a vida dos seus cidadãos. A China atingiu, ao longo destes anos, atingiu a fasquia de poucos milhares de mortos, enquanto nos EUA atingiu-se a fasquia de um milhão de mortos. Para a própria população é preferível estar mais atento e ter uma política contra a covid-19 mais severa. Para a China tem sido bom do ponto de vista do apoio popular.

 

E do ponto de vista económico?

Como têm tido um enorme desenvolvimento económico, eles conseguiram retirar das zonas mais ricas, como Cantão, Xangai e Pequim, as suas mais valias e financiar as regiões mais pobres. São as vantagens de um sistema planificado e centralizado. Penso que tem resultado.

 

Em relação a Taiwan, a tensão com a China parece ter voltado a subir de tom.

A questão com Taiwan é simples. A China é um dos países com maior antiguidade em matéria de navegação e desde esses tempos que a presença chinesa mercantil é imensa. Isso permitiu a ligação entre o país e as ilhas do mar do sul da China. Depois houve movimentos migratórios para países como a Indonésia ou Filipinas. Com Taiwan, essa tradição marítima vem de há muito tempo. Com a dinastia Ching, Taiwan foi invadida pelos japoneses que derrotaram o exército chinês. Tal levou a China a apoiar os aliados. Por isso se chama “o aliado esquecido à China”, porque o Ocidente nunca fala no esforço imenso que a China fez, mesmo do ponto de vista humano, na luta contra os japoneses. [Essa resposta da China] permitiu que os japoneses não se expandissem mais para o Ocidente, que prometeu a devolução à China de Taiwan e não cumpriu a sua promessa, pelo que teve de acontecer, mais tarde, essa reconquista. Ainda na dinastia Ching, o próprio território da ilha de Taiwan passou a ser considerado como estando na dependência da província de Fujian. Na dinastia Ching, 50 anos depois, ela passa a ser mesmo uma província directamente dependente do Governo Central. Taiwan é território chinês sem qualquer dúvida. Uma parte do partido Kuomitang abriga-se em Taiwan e essa guerra civil continua com este conflito. Não aceitaram a derrota e declararam-se com uma administração autónoma. É abusivo e perigoso o que os EUA estão a fazer, com a venda de armas ofensivas a Taiwan. Mas essa é uma tentativa de desestabilizar a China e impedir o seu desenvolvimento harmonioso.

 

Que ilações tiramos deste XX Congresso?

A China mostra que é necessário respeitar a soberania territorial de todos os países e defender a não ingerência nos assuntos internos, além de que se dever respeitar as escolhas dos vários países nas suas vias de desenvolvimento e os sistemas sociais, sempre mantendo os propósitos da Carta da ONU. Afasta-se a mentalidade de Guerra Fria, a oposição ao multilateralismo e dizer não à política de criação de blocos geopolíticos. Estas propostas do XX Congresso são fundamentais para a tal ideia da criação de um futuro partilhado para a humanidade, com a estabilização económica.

 

O poder de Xi Jinping sai reforçado neste congresso. Qual será o futuro do país?

O trabalho do partido e do Estado em prol do desenvolvimento económico, e o combate à pandemia, mostrou à população chinesa a capacidade de resolução de problemas que afectaram o mundo como um todo, mas de onde a China se saiu bem e melhor graças à sua organização interna. Esta organização é apoiada pelo PCC e sai reforçada. Se não houver provocações mais graves com Taiwan da parte dos EUA… pois à China não interessa o conflito. Do ponto de vista pragmático e da defesa da Carta da ONU, veremos uma China activa no mundo. A China é hoje considerada pelo Ocidente como uma ameaça, o que não tem lógica para o desenvolvimento da Europa.

13 Nov 2022

PCC | Nomeado novo responsável pela propaganda internacional

Pequim nomeou ontem um membro de confiança do Partido Comunista Chinês para dirigir as operações de propaganda internacional, numa altura em que a China se tenta promover como uma grande potência responsável

 

[dropcap style=’circle’]X[/dropcap]u Lin, antigo responsável pelo regulador chinês para a Internet, estará encarregue de promover a imagem da China no exterior, numa altura em que o país é alvo de críticas por práticas comerciais injustas, violações dos direitos humanos e militarização do Mar do Sul da China, que reclama quase na totalidade.
A escolha de Xu para director do Gabinete de Informação do Conselho de Estado surge numa altura em que o país reclama a posição de grande potência, capaz de preencher o vazio na governação das questões globais, alegadamente deixado pelos Estados Unidos com a ascensão ao poder de Donald Trump. Desde que Trump foi eleito, em 2017, Washington rasgou compromissos internacionais sobre o clima, comércio livre, migração ou nuclear, permitindo a Pequim reclamar a liderança nestas áreas.
A “solução chinesa” materializa-se na “Nova Rota da Seda”, um gigantesco plano de infra-estruturas lançado pelo Presidente do país, Xi Jinping, e avaliado em 778 mil milhões de euros, visando reactivar as antigas vias comerciais entre a China e a Europa através da Ásia Central, África e sudeste Asiático.

Outro lado da medalha

Críticos lembram, no entanto, que a China continua a ser a mais proteccionista entre as principais economias e o maior emissor de gases com efeito de estufa. Pequim, que há muito se queixa que a imprensa ocidental domina o discurso global e alimenta preconceitos contra o país, investiu nos últimos anos milhares de milhões de euros para convencer o mundo de que a China é um sucesso político e cultural.
Xu, de 55 anos, estava encarregue pela Administração do Ciberespaço da China, organismo que controla o conteúdo disponível para os mais de 700 milhões de internautas chineses e exerce vigilância sobre as empresas do sector da Internet.

23 Ago 2018