João Santos Filipe Manchete SociedadeCovid-19 | Dois terços do pessoal médico do São Januário vacinados Segundo os dados do Governo, entre seis e 10 por cento das pessoas que fazem marcações para ser vacinadas não comparecem na altura da inoculação A taxa de vacinação entre os trabalhadores do Hospital Conde São Januário é de dois terços. O número foi revelado ontem por Tai Wa Hou, médico adjunto da direcção do Centro Hospitalar Conde São Januário, que considerou esta taxa elevada, quando comparada com a restante população. “A taxa de vacinação é de 66 por cento, dois terços, o que é número relativamente alto comparando com a restante população”, afirmou Tai Wa Hou. “Temos obrigação, melhor dizendo o dever de sermos vacinados, porque é uma profissão com alta exposição. Por isso, apelo a quem ainda não foi vacinado que adira ao plano de vacinação”, acrescentou. O também responsável pelo plano de vacinação defendeu ainda que o pessoal médico entende as suas responsabilidades e que há “uma certa barreira imunológica”. Quanto ao terço do pessoal médico por vacinar, Tai apontou que houve pessoas que não foram vacinadas devido a gravidez, precaução face a reacções alérgicas e outras condições que levaram ao aconselhamento da não vacinação nesta fase. Até ontem, tinham sido administradas 109.255 doses da vacina a 71.719 pessoas. Entre estas, 37.674 tinham sido inoculadas com as duas doses e 34.045 com apenas com a primeira dose. Tai Wa Hou revelou ainda que diariamente entre seis e 10 por cento de quem faz marcação para ser vacinado não comparece nas consultas. Sem 21 dias de quarentena Também ontem, foi anunciado que a partir da meia noite de hoje os estrangeiros que não tenham o estatuto de residente passam a poder entrar na RAEM, desde que se encontrem no Interior e tenham sido autorizados pelos Serviços de Saúde de Macau, devido a motivos familiares. Os não-residentes não ficam dispensados da autorização dos SSM, nem de provar que a entrada se deve a motivos familiares. Foi ainda apresentado um novo formato do portal/aplicação móvel que permite entregar os pedidos de autorização junto das entidades competentes. “É uma medida para facilitar a circulação de pessoas entre Macau e o Interior”, explicou Leong Iek Hou, coordenadora do Núcleo de Prevenção e Doenças Infecciosas e Vigilância de Doença. CCTV nos quartos Na conferência de imprensa das autoridades de saúde, foi confirmado que quem cumpre o isolamento no Centro de Saúde do Alto de Coloane está sujeito a videovigilância 24 horas por dia. O único sítio onde não se é vigiado é dentro das casas-de-banho dos quartos. Segundo o Governo, a videovigilância serve dois propósitos. Para evitar a entrada do pessoal médico dentro dos quartos, que exige procedimentos como vestir um fato especial, e ainda proteger a saúde das pessoas em observação. “Não queremos vigiar as pessoas, mas queremos diminuir a e entrada do pessoal médico, que precisa de vestir um fato especial para a entrada nos quartos. A CCTV permite acompanhar a condição das pessoas, sem ter de se entrar nos quartos”, disse Leong Iek Hou. Por sua vez, Tai Wa Hou destacou que as pessoas no Alto de Coloane estão em condições especificas, como em recuperação de fases terminais de cancro ou de operações, que exigem uma monitorização permanente. Os SSM admitem ainda que as pessoas podem pedir para desligar a CCTV, mas que a última decisão é sempre do Governo.
Diana do Mar Manchete SociedadeMenino de 4 anos com prognóstico reservado após encefalite associada à gripe É reservado o prognóstico de uma criança, diagnosticada com uma encefalite associada à gripe, um caso muito raro mas grave, que atinge quatro em um milhão e apresenta uma elevada taxa de mortalidade [dropcap]E[/dropcap]ncontra-se em “estado crítico” um menino de 4 anos e meio internado, no fim de semana, no Centro Hospitalar Conde de S. Januário (CHCSJ), onde lhe foi diagnosticada uma encefalite associada à gripe A. O caso foi tornado público ontem, em conferência de imprensa, pelos Serviços de Saúde. A encefalite foi uma consequência “secundária” da gripe, algo “extremamente raro” , com “quatro casos em um milhão”, explicou Jorge Sales Marques, responsável do Serviço de Pediatria e Neonatologia do CHCSJ, dando conta da ausência de ocorrências do tipo em Macau nos últimos anos. “O prognóstico é reservado”, indicou o médico, apontando que, “além do risco de mortalidade” – a taxa de sobrevivência é de 30 por cento no Japão –, a probabilidade de sequelas, em concreto, lesões cerebrais, afigura-se “enorme”. “Vamos ver o que vai acontecer”, observou, dando conta de que o processo de tratamento “vai ser longo”. Da gripe à encefalite A criança foi admitida pela primeira vez nas urgências do CHCSJ na noite de sexta-feira, dia 4, com sintomas como febre, rinorreia ou tosse. Um teste rápido confirmou tratar-se de gripe A e foi-lhe prescrito Tamiflu. Porém, no dia seguinte, os pais voltariam ao hospital com o filho, não só porque a febre continuava a subir – atingiu 41,5 graus –, mas também devido aparecimento de outros sintomas, como crises de convulsão. Uma ressonância magnética viria a confirmar o diagnóstico de encefalite. O menino, que tinha viajado com a família para Taiwan nos últimos seis dias de Dezembro, não foi vacinado contra a gripe, um facto realçado pelos Serviços de Saúde, com Jorge Sales Marques a “chamar a atenção para a importância” da vacina contra a gripe, que pode ser administrada às crianças a partir dos seis meses de idade. “É fundamental nesta altura do ano”, sublinhou, colocando a tónica em particular nas crianças. “A vacina é extremamente importante, porque é uma forma de prevenir quadros graves como este”, enfatizou. Vinte e sete alunos da turma que o menino frequenta na Escola de Santa Teresa também apresentaram sintomas de gripe, à semelhança do que sucedeu com o seu irmão, de 8 anos, que recuperou após ser sujeito a tratamento médico, explicou o chefe do Centro de Prevenção e Controlo da Doença, Lam Chong. 13 casos graves desde Setembro Além do menino de 4 anos, encontra-se também internado um idoso, de 86 anos, embora com um quadro clínico estável. Dois casos graves de gripe de um universo de 13, sinalizados desde Setembro. Dos 13 (dez homens e três mulheres), dez não foram vacinados. Os Serviços de Saúde encomendaram 150 mil doses da vacina contra a gripe sazonal 2018-19. Desde o início do plano, em Setembro, até segunda-feira, 118.881 pessoas foram vacinadas. A taxa de vacinação entre as crianças até 3 anos correspondia a 43,3 por cento; enquanto as das que frequentavam o ensino infantil foi era de 79,5 por cento. Já nas escolas primárias e secundárias a taxa foi de 76,5 e 65,9 por cento, respectivamente. Mais baixa foi a taxa de vacinação entre os residentes com mais de 65 anos – 32,3 por cento –, embora nos lares de idosos tenha atingido 91,2 por cento, segundo dados dos Serviços de Saúde.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadePartos no hospital público podem custar nove vezes mais para não residentes Os Serviços de Saúde anunciaram ontem que pretendem aumentar em nove vezes as taxas moderadoras a pagar pelas grávidas portadoras de blue card e também para as que são portadoras de passaporte estrangeiro. Com a medida, um parto normal passa a custar mais de oito mil patacas para quem é não residente. Associações falam de injustiça e discriminação, mas há quem concorde com o Executivo [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois dos autocarros, os partos no hospital público. O Governo prepara-se para implementar uma medida que, aos olhos de muitos, é discriminatória para quem é portador do visto de trabalho, o chamado blue card. De acordo com a Rádio Macau, os Serviços de Saúde (SS) apresentaram uma proposta ao secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, para aumentar as taxas moderadoras dos partos realizados no Centro Hospitalar Conde de São Januário, não só para as turistas que aqui vêm ter os seus filhos como para as trabalhadoras não-residentes (TNR). Na prática, é um aumento nove vezes superior aos preços que já são praticados. Uma TNR paga, actualmente, 957 patacas para ter o seu filho no São Januário, mas, se Alexis Tam aprovar a medida, passa a pagar 8.755 patacas. Caso necessite de uma cesariana, passa a ter de desembolsar 17.550 patacas em vez das actuais 3.900 patacas. Se uma mulher com passaporte do exterior se deslocar ao hospital público para dar à luz, o valor a pagar será bem superior. Um parto normal deixa de custar 1.950 patacas e sobe para 17.550 patacas. Quanto às cesarianas, passam a custar 35.100, em vez das 3.900 patacas actuais. Mais sorte têm as mulheres que são casadas com residentes que não pagam qualquer taxa, tal como as mulheres residentes, que têm o direito a ter os seus filhos gratuitamente. A medida pretende controlar o número de nascimentos de mães que não são naturais de Macau, como explicou Ho Ioc San, subdirectora dos SS, em declarações reproduzidas pela Rádio Macau. “Com o aumento da necessidade dos serviços é difícil acompanharmos e satisfazermos totalmente esta necessidade. A intenção do hospital é orientar e levar estas pessoas para os locais onde supostamente devem dar à luz”, afirmou. No mesmo grupo de pessoas inserem-se não apenas as TNR que têm residência e trabalho no território como as mulheres do exterior que vêm a Macau de propósito para dar à luz, situação bastante comum também em Hong Kong, território escolhido por muitas chinesas do continente. Os SS avançaram ontem dados que mostram que apenas oito por cento dos partos foram de mães TNR a morar em Macau, enquanto que os partos realizados a mulheres do exterior representaram 20 por cento do total. A subdirectora dos SS acrescentou que o fim da política do filho único na China trouxe o receio de que poderá haver mais partos em Macau, além de que o decreto-lei de 1986, que regula o acesso aos cuidados de saúde, dá o privilégio aos residentes, explicou. Na conferência de imprensa de ontem, foi também revelado que não só não haverá uma consulta pública sobre a matéria como foram ouvidas apenas duas associações tradicionais de Macau, que não representam as trabalhadoras migrantes: a Associação Geral de Moradores (kaifong) e a Associação das Mulheres, ligadas aos deputados Ho Ion Sang e Wong Kit Cheng. “Se fôssemos ouvir as opiniões deles claro que estariam contra. Ninguém gosta de aumentos”, justificou a sub-directora dos SS. Sair de Macau é opção Ana Fivilia, representante de uma associação ligada à comunidade filipina, e que se insere na plataforma “Umbrella Migrant Workers”, criticou duramente esta postura dos SS ao não ouvir associações que poderiam ter uma opinião diferente. “É muito injusto que o Governo não tenha ouvido as nossas associações. Estamos registados e temos trabalhado em prol do desenvolvimento das condições de trabalho em Macau, é muito injusto”, defendeu ao HM. Apesar dos partos das trabalhadoras migrantes representarem apenas oito por cento dos partos efectuados no serviço de obstetrícia do São Januário, esta medida afecta quem cá mora e não ganha, muitas vezes, mais do que quatro mil patacas por mês. “Claro que será algo muito difícil [de suportar] para aqueles que são TNR”, disse Ana Fivilia. “A maioria preferem ter os seus filhos no hospital público porque os valores são mais baixos do que nos hospitais privados. Uma vez que o Governo agora quer aumentar as taxas moderadoras, e falo em nome das portadores de blue card, será muito complicado para estas mulheres.” Caso os aumentos sejam aprovados, Ana Fivilia não tem dúvidas de que a única opção para estas mulheres é dar à luz nos seus países de origem, tal como os SS pretendem. “Talvez tenham de regressar a casa, será a melhor opção. Mesmo as mulheres que têm blue card sabem que os seus filhos não terão direito ao BIR, por isso é uma medida que não faz qualquer sentido. Acho que é uma boa maneira para controlar os nascimentos de quem vem do continente, mas não para quem vive em Macau.” No universo TNR não cabem apenas trabalhadoras migrantes de origem filipina, indonésia ou vietnamita, mas também mulheres das comunidades de expatriados, incluindo portuguesas. A advogada Amélia António criticou duramente esta medida. Para a também presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), esta é uma proposta que vai contra muitas leis em vigor, incluindo a Lei Básica que define, claramente, que não deve existir discriminação social. “Não se pode meter tudo no mesmo saco, turistas e TNR. Sabemos que aqui pode haver um certo abuso da vinda a Macau para usufruírem dos benefícios do tratamento médico e essa distinção entendo, porque são pessoas que não fazem parte do território. Os TNR, sejam eles de que origem for, não acho que seja admissível fazer esse tipo de discriminação. São pessoas que são fundamentais para a economia e que, normalmente, são as mais mal pagas.” Amélia António fala de sinais graves de uma mudança social que tem vindo a acontecer em Macau, de que a proposta de aumento das tarifas de autocarros é apenas um exemplo. “Essa discriminação, mais uma vez, vai agravar a situação [dos trabalhadores] e insere-se num conjunto de coisas que têm vindo a acontecer e que notamos que, por detrás delas existe um espírito discriminatório. Até um bocadinho mais.” Amélia António, radicada há mais de três décadas no território, confessou que nunca viu estas situações acontecerem, uma vez que Macau sempre foi conhecida por receber bem. “Estou há 35 anos em Macau e era impensável ouvir as coisas que se têm ouvido ultimamente, deste ponto de vista social, de discriminação e uma maneira xenófoba de olhar para quem não é chinês. A maioria das pessoas que emite essas opiniões esquece-se que eles também não são de Macau, vieram para cá, com a família ou não. Os chineses de Macau não tomam esse tipo de posições, nunca tomaram e não têm essa educação.” Quem tem vindo a propor estas medidas “são gerações mais novas que vieram para Macau em circunstâncias similares às dos TNR”, teoriza Amélia António. Problemas familiares Se em Macau os preços para ter filhos passam a ser proibitivos para as famílias de trabalhadores migrantes, impera a obrigatoriedade das grávidas se dirigirem aos seus países de origem, deixarem temporariamente os seus empregos e os seus familiares e só voltarem meses depois. Na visão de Ana Fivilia, isto pode gerar problemas sociais e familiares. “Nas Filipinas, ou na Indonésia, as mulheres pagam muito pouco para terem os seus filhos, comparando com o que se paga aqui. Tudo vai depender do acordo que se estabelece com o empregador, porque as trabalhadoras terão de ficar uns meses fora. Se os patrões concordarem, penso que não haverá problemas. Pelo que sei, os patrões costumam arranjar uma outra empregada doméstica para a substituir durante esse período.” Também Amélia António teme casos de turbulência social. “É evidente que isto gera problemas, porque se as pessoas estão aqui a trabalhar, têm de interromper o seu trabalho para ter o filho fora e depois não os podem trazer de volta. Tudo isso vai gerar problemas sociais, familiares, dramas pessoais, que não favorecem as pessoas em si nem a sua prestação de trabalho no território. Isso também é mau para a economia, além do ponto de vista humano.” Amélia António considera “pior que caricato” o facto dos SS não terem ouvido outras associações. Até porque tanto os Kaifong, como a Associação Geral das Mulheres “estão pouco preocupados com quem vem nessas circunstâncias [grávidas do continente]. Quem vem do continente para ter aqui os seus filhos se calhar até pode pagar. E é por isso que não se pode olhar para esta situação como um todo.” A advogada espera que Alexis Tam não aprove estes aumentos. “Tenho alguma esperança que esta medida não passe nestes termos, porque nem é próprio da maneira de estar e de olhar para o mundo do secretário, pelo que conhecemos dele.” Primeiros os autocarros Eric Lestari é presidente da Overseas Workers Association, mais ligada à comunidade indonésia. Ao HM, disse que muitas das mães optam por ter os seus filhos fora de Macau, porque, à partida, não são aconselhadas a ter filhos durante o período contratual. Sofia Margarida Mota “São poucos os patrões ou empresas que permitem às mulheres engravidar durante o contrato e muitos optam por despedi-las se descobrem que estão grávidas, ou então são enviadas de volta para os seus países para terem os seus filhos e depois regressam ao trabalho.” Ainda assim, Eric Lestari critica duramente a postura do Executivo. “Primeiro foram as tarifas dos autocarros, agora as taxas moderadoras para os partos, e o que é que vão fazer connosco a seguir? É uma pena [esta proposta] e é simplesmente discriminatório. Há dez anos que pedimos aumentos salariais e não temos resposta em relação a uma maior protecção laboral”, frisou. Eliana Calderon, presidente da Macau Child Development Association, referiu que estamos perante “uma injustiça social e uma discriminação para os pais e filhos também”. “Macau não se desenvolveria, as pessoas não poderiam ter trabalhos se não fosse a comunidade de migrantes. As leis internacionais dizem que não se pode discriminar uma mulher grávida. O Governo não tem capacidade para dar resposta nem sequer para os locais.” Os que concordam O HM ouviu também Rebbecca Glade, presidente do International Ladies Club de Macau (ILCM), uma associação com fins de caridade e apoio social que representa, na sua maioria, mulheres expatriadas. Rebbecca Glade não quis comentar a possível injustiça para com as mães migrantes com baixos salários, tendo defendido a medida proposta pelo Governo. “Apoiamos a decisão do Governo, uma vez que coloca o hospital público na mesma linha dos restantes hospitais em termos de taxas moderadoras para partos. Não tenho filhos, mas sei que muitas mulheres que fazem parte do ILCM tiveram os seus bebés no hospital São Januário e que foram boas experiências com o pessoal de enfermagem e os restantes funcionários. Muitos dos nossos membros expatriados têm seguro de saúde que deverá cobrir estes aumentos”, referiu. Num comunicado divulgado, os SS apontam que “realizaram uma consulta a diferentes associações, além de que anteriormente receberam queixas de cidadãos alegando que os recursos de obstetrícia do São Januário estavam a ser ocupados por parturientes não residentes”. Os SS deixaram ainda bem claro que esta proposta “não visa o aumento de receitas, mas sim assegurar às parturientes locais a utilização dos serviços de parto do Centro Hospitalar Conde de São Januário”.
João Luz Manchete SociedadeErro Médico | Hospital São Januário condenado em caso de negligência médica durante parto O Centro Hospitalar Conde de São Januário foi condenado num caso de negligência médica durante um parto que resultou na paralisia cerebral profunda. O hospital e o médico que se sentou no banco dos réus foram condenados a pagar mais de 2 milhões de patacas, assim como todas as despesas futuras da criança resultantes dos danos sofridos durante o parto [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] caso remonta a 1 de Novembro de 2010, com o feliz augúrio de uma futura mãe que sente as suas águas rebentarem. A alegria, que deveria ser a emoção dominante num nascimento, foi substituída por consternação e tristeza. No passado dia 20 de Novembro, o Tribunal Administrativo condenou o Centro Hospitalar Conde de São Januário e o médico envolvido, Huang Yaobin, ao pagamento de uma quantia de 1,8 milhões de patacas a título de danos não patrimoniais e 405 mil patacas a título de danos patrimoniais. As partes foram condenadas ainda a pagar as despesas que venham a ser necessárias para fazer face aos danos futuros da criança, nomeadamente os tratamentos adequados, fisioterapia, medicamentos, educação especial e as demais despesas da vida quotidiana que se revelem necessárias. A enfermeira que também se sentou no banco dos réus, Vong Iok Lin, foi absolvida. Tanto o centro hospitalar, como os pais da criança interpuseram recurso para instância superior. O processo deu entrada na secretaria do Tribunal Administrativo em 2013, com os pais da criança a pediram uma indeminização superior a quatro milhões de patacas. Nascimento atribulado A enfrentar o primeiro parto, a futura mãe correu para o Hospital São Januário na madrugada de 1 de Novembro, onde lhe foi administrada Citocil, um fármaco que induz contracções de forma a preparar o feto e parturiente para o parto natural, depois de uma gestação que decorreu sem incidentes. Depois de um dia inteiro de induções, e sem sinais de progresso no que toca à dilatação do colo do útero, o bebé começou a sofrer alterações nos batimentos cardíacos. Em resposta à situação, a enfermeira que acabou por ser absolvida, administrou oxigénio à grávida para combater o stress provocado ao feto pela administração do Citocil. Às 15h34 do dia 2 de Novembro, o bebé registou o primeiro incidente de bradicardia, ou seja, o seu ritmo cardíaco diminuiu ao ponto de reduzir a circulação sanguínea. Durante a sessão de julgamento, um obstetra arrolado como testemunha para o processo, explicou ao tribunal que mais de 10 minutos desta situação são o suficiente para provocar danos irreversíveis no cérebro do bebé por falta de irrigação de sangue. Os normais batimentos cardíacos de um feto estão entre os 110 e os 160 por minuto, sendo que abaixo dos 100 já́ há́ um esforço considerável para um bebé. Neste caso, os batimentos chegaram aos 60 por minuto. Segundo a testemunha ouvida pelo colectivo de juízes, se nesta altura tivesse sido chamado um médico, talvez hoje a criança não sofresse da paralisia profunda que a deixou completamente incapacitada para a vida. Porém, isso não aconteceu. Às 15h59, o ritmo cardíaco do feto voltou a descer para níveis graves de bradicardia, onde se manteve até́ ao parto, às 16h16. Em resultado desta ocorrência, o bebé nasceu sem pulso, tendo sido reanimado sete minutos depois. Ou seja, esteve 24 minutos sem oxigénio no cérebro, algo que, alegadamente, resultou na paralisia cerebral profunda do recém-nascido. Sem haver ainda admissão dos pedidos de recurso, está para breve o retorno deste trágico caso à barra do Tribunal de Segunda Instância. Em princípio o processo será litigado em secretaria, ou seja, as alegações serão feitas por escrito, a não ser que uma das partes impugne a prova feita na primeira instância.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeSão Januário | Pedidas mais horas para médicos recém-formados A recém-eleita direcção do Conselho Médico do Centro Hospitalar Conde de São Januário defende que os clínicos recém-formados devem trabalhar 45 horas semanais, em vez das actuais 36. A falta de especialistas a isso obriga, afirma Fernando Gomes [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de 200 médicos, num universo de 350, elegeram na última sexta-feira a nova direcção do Conselho Médico do Centro Hospitalar Conde de São Januário, um órgão consultivo que serve de ponte entre os médicos e a direcção do hospital público. A única lista candidata, constituída pelo médico Fernando Gomes, juntamente com Mok Tin Seak e Choi Nim (que preside ao Conselho), foi eleita por uma larga maioria de médicos, contou Fernando Gomes ao HM. No cumprimento do quarto mandato, o Conselho Médico quer que os especialistas recém-formados no São Januário possam ver-lhes atribuído um horário mais alargado, previsto por lei. “O que mais preocupa é o horário de trabalho dos colegas recém-formados. Muitos colegas têm um regime de horário de trabalho que é de internato permanente, e de momento está menos atribuído”, adiantou Fernando Gomes, que fala da necessidade de cobrir o vazio deixado pela falta de especialistas. “Muitos dos especialistas recém-formados não têm ainda o regime de trabalho das 45 horas, de disponibilidade permanente, e ainda trabalham as 36 horas [semanais]. Atendendo à grande falta de médicos especialistas, é de aprovar e atribuir esse horário das 45 horas urgentemente”, acrescentou o médico. Poucas promoções Fernando Gomes volta ainda a exigir a revisão do actual regime das carreiras dos médicos e de auxiliares de saúde, considerando que a falta de promoções afasta as possibilidades de contratação por parte dos Serviços de Saúde (SS). Já em 2010 o médico considerava ser necessário mexer na lei. “Nessa altura achávamos que não iria repor uma série de benefícios em termos de promoção e, de facto, agora ainda se nota isso. O problema que se coloca é a contratação de profissionais ao exterior, que é difícil, se não impossível”, frisou. No seio da comunidade médica do São Januário, há ainda quem defenda que “os contratos, ou a sua renovação, deveriam ter uma alínea respeitante à promoção, por exemplo”. “Os contratos não contemplam isso”, sublinhou. Fernando Gomes acredita que não é sequer fácil contratar médicos da China Continental sem que sejam garantidas as devidas regalias. “Quando vêm médicos da China, já são colegas oriundos de hospitais do interior do país, de cidades onde não há hospitais de vanguarda”, apontou. “Falamos [da necessidade] de colegas experientes. É fácil contratar médicos recém-formados e médicos no fim da carreira. Não se pede um médico com mais de 60 anos que trabalhe ao mesmo ritmo de um médico com 40. Há um desgaste natural”, disse também o membro do Conselho Médico, que alerta ainda para o facto de a falta de especialistas condicionar a formação dos médicos em regime de internato. “Não temos propriamente falta de médicos, porque temos muitos em formação, mas temos sim falta de especialistas. O especialista desempenha duas funções, não só na parte clínica, mas também na parte formativa. Os colegas internos têm de ser formados. Se uma pessoa tiver o seu horário sobrecarregado, é difícil ter um acompanhamento eficiente dos colegas que estão em formação. Os médicos não são robots”, concluiu.