Sondagens dão vitória a Bolsonaro na segunda volta das presidenciais

Este domingo os brasileiros vão às urnas escolher o próximo Presidente da República. A principal esgrima política é entre Haddad, e um Partido Trabalhista ferido por vários escândalos, e o candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, que lidera nas sondagens. O HM falou com eleitores e auscultou as suas expectativas para um dos mais importantes actos eleitorais da curta história da democracia brasileira

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] ebulição política no Brasil não é de agora, mas pode estar prestes a atingir o clímax. Desde a destituição de Dilma Rousseff, e mesmo durante o curto mandato de Michel Temer, o fantasma da extrema-direita tem pairado por cima do panorama político brasileiro, criando terreno fértil para a ascensão política de Jair Bolsonaro.

De acordo com uma sondagem da Datafolha, que tentou levantar o véu sobre uma provável segunda volta, Jair Bolsonaro recolhe 44 por cento dos votos, contra 42 por cento de Fernando Haddad, uma diferença que está dentro da margem de erro e que constitui empate técnico. Os restantes 14 por cento dos inquiridos mostraram-se indecisos ou inclinados a votar em branco ou nulo, uma vez que o voto é obrigatório.

Uma sondagem do Instituto Ibope revela que na primeira volta Bolsonaro reúne 31 por cento das intenções de voto, dez pontos percentuais à frente de Haddad. Em terceiro lugar surge Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista, com 11 por cento. Mais abaixo surge Geraldo Alckmin, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), com 8 por cento, e Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, com 4 por cento. A confiar nesta projecção, a segunda volta, ou turno como se diz com sotaque brasileiro, acontecerá no dia 28 de Outubro. No entanto, é de referir que Bolsonaro tem vindo a subir nas sondagens. Nesta matemática de intenções, importa recordar que em 2014 quase 25 por cento do eleitorado decidiu a direcção do voto no próprio dia da eleição. Outro dos dados a reter é a subida dos eleitores que afirmam que jamais vão votar em Jair Bolsonaro (45 por cento), o antigo capitão do exército que tem proferido inúmeras declarações racistas e misóginas. Como sinal da crescente polarização política que o Brasil atravessa, também a rejeição total de Haddad se cifra nos 42 por cento.

Primeiro será necessário ir a votos este fim-de-semana. Por cá, Roberval Teixeira e Silva já marcou o domingo para exercer o seu direito. “Vou a Hong Kong votar no consulado brasileiro. É um momento bastante especial no mundo e no Brasil com uma luta radical contra o conservadorismo que tem aparecido em todo o lado”, revela o director do Centro de Pesquisa para os Estudos Luso-Asiáticos da UM.

O académico, que vive em Macau há 13 anos, encara esta eleição como um momento decisivo na história do país. “Luto contra a extrema-direita que está a tentar chegar perto do poder através da presidência e do voto. Vou exercer o meu direito de evitar que isso aconteça, esse é o meu objectivo”, explica Roberval Teixeira e Silva.
Cácio Borges Inhaia está no polo oposto. Apesar de não poder votar, o gerente empresarial adianta que, se pudesse, o seu voto iria para Jair Bolsonaro. “Ele não tem qualquer escândalo. Estou confiante que ele ganhe já no primeiro turno. Vejo pelos meus amigos que o Brasil quer mudança.”

Apelo do abismo

Quanto às características de Bolsonaro que mais seduzem Cácio Borges Inhaia, a ideia de integridade surge no topo, nomeadamente quanto às políticas de família. “Ele preza muito a família, algo que no Brasil está muito perdido”, refere o brasileiro residente em Macau. Quando confrontado com algumas propostas do candidato da extrema-direita, como o corte nas licenças de maternidade, o residente de Macau refere que não leu sobre isso e descreve a forma como os meios de comunicação social escrevem mentiras sobre o seu candidato de eleição. É de referir que Bolsonaro proferiu algumas declarações polémicas quanto à natalidade de famílias pobres. “Devemos adoptar uma rígida política de controle da natalidade. Não podemos mais fazer discursos demagógicos, apenas cobrando recursos e meios do governo para atender a esses miseráveis que proliferam cada vez mais por toda esta nação.” As palavras são de Jair Bolsonaro, que se declarou a favor da pena de morte e de políticas de restrição da natalidade entre os pobres como forma de controlar a criminalidade e baixar o custo dos apoios sociais.

Um pouco à imagem da eleição que conduziu Donald Trump à Casa Branca, os campos partidários no Brasil estão extremamente polarizados, reduzindo a troca de argumentos e ideias a insultos, desinformação e propaganda.
Cristina Sant’Anna, empresária e activa opositora da ditadura militar, refere precisamente a falta de qualidade da discussão política. “Qualquer debate sobre candidatos é conversa de surdo. Ninguém ouve ninguém. Cada um já tem seu candidato e será refractário a qualquer informação, notícia, evidência contra ele. E é só ódio daqui pra frente. Minha preocupação é que essas eleições romperam o lacre da cultura de ódio às minorias, que faz parte da cultura brasileira desde sempre”.

A residente de São Paulo é da opinião de que Bolsonaro trouxe à tona e legitimou o ódio aos negros, gays, pobres, mulheres e a “ideia de que uma elite branca, masculina, preconceituosa e discriminatória tem o direito de subjugar os demais sectores da sociedade aos seus mandos e desmandos”.

História a repetir-se

Com um passado de defesa da democracia, que lhe valeu uma curta estadia na prisão durante a ditadura militar, Cristina Sant’Anna encara a actual situação política do Brasil com apreensão. No entanto, não baixa os braços. “Não tivemos escolha no golpe promovido pelo exército, que resultou na ditadura. Mas agora temos”.

A candidatura de Bolsonaro, que repetidas vezes manifestou desdém quanto ao processo democrático, assusta a empresária e alguns dos seus amigos. Em particular, uma amiga cujos pais foram perseguidos durante o fascismo ao ponto de terem de se exilar. Curiosamente, o pai da sua amiga chegou a cônsul do Brasil, mesmo no exílio. A actual campanha ressuscitou fantasmas de tempos de forte repressão política. “Se o desgraçado for eleito o que faremos? Teremos de fugir? Vai haver perseguição, porque afinal estamos todos expondo nossas ideias nas redes sociais? A mãe da minha amiga nem dorme mais. Tem sequelas até hoje, stress pós-traumático”, confessa a empresária.

A violência também assusta Cristina Sant’Anna, além das palavras de Jair Bolsonaro até à realidade nas ruas. “Os grupos de direita, skinheads aí incluídos, estão atacando quem se manifesta nas ruas. Espancaram a criadora de um grupo chamado Mulheres contra Bolsonaro, que já tem mais de 3 milhões e meio de mulheres.”

A tirar um doutoramento em História, com particular incidência na ditadura militar, Gisele Lobato entende que o fascismo não se desvaneceu totalmente em 1985. “Nunca acabou simbolicamente. Houve uma abertura política, redemocratização feita lenta e gradualmente pelos próprios militares, uma amnistia que impediu qualquer julgamento dos crimes que cometeram… faltou a ruptura”, teoriza a também jornalista que divide casa entre São Paulo e Lisboa.

Quando fala de ditadura, Gisele Lobato não o faz no sentido literal, até porque o controlo das altas patentes militares não se sente na sociedade brasileira como no passado. “Falo das estruturas sociais, da violência estatal (vide nossas polícias, que têm apoio para matar diante do desespero da população com a violência urbana)… E a falta de ruptura impediu a revisão dessas estruturas, e ficou o mito de que a ditadura era boa, de que os comunistas estão por aí e são maus.”

Sem preferência

Também à imagem da eleição que tornou Donald Trump Presidente dos Estados Unidos, o sufrágio de domingo também deixa grande parte do eleitorado face à decisão de qual o mal menor, além da fadiga resultante da falta de identificação com qualquer candidato. Roberval Teixeira e Silva destaca esta particularidade nos eleitores que vivem em Macau. “Há quem diga que é melhor deixar para lá, votar em branco, não ir, existe essa postura de desistência. Especialmente entre as pessoas que têm uma relação menos próxima com o Brasil.”

O restante eleitorado brasileiro que reside à beira do delta do Rio das Pérolas divide-se entre Bolsonaro, ou anti-PT e os anti-bolsonaristas. Entre as pessoas que convivem com o académico, a maior tendência é para votar contra o candidato da extrema-direita, sem qualquer expectativa de eleger um candidato com quem se identifiquem em absoluto. “Nenhum partido é puro, não existe essa ilusão, todos entram em jogos e esquemas de todos os tipos que nem imaginamos. De maneira geral, as pessoas parecem não ter um candidato ideal. muitas vezes, os votos vão mais contra alguém do que a favor de alguém. A minha posição é contra o fascismo.”

5 Out 2018