Angelo R. Lacuesta, escritor: “A história dos filipinos está cheia de drama”

O escritor que começou por ser poeta revela uma predisposição para o conto e diz-se incapaz de escrever sobre o amor quando diariamente as pessoas do seu país enfrentam dificuldades económicas. Angelo R. Lacuesta esteve em Macau a convite do Festival literário Rota das Letras, naquela que foi a primeira vez que se falou da literatura filipina. Lacuesta diz estar muito ligado à política do seu país, esperando mudanças na luta contra a pobreza e corrupção

[dropcap]E[/dropcap]sta é a primeira vez que este Festival Literário aborda a literatura filipina. Como se sente a participar neste evento?
Sinto-me muito sortudo por estar aqui, por ser o primeiro escritor a representar a literatura filipina. Vim com a minha mulher, que é poetisa (Mookie Katigbak-Lacuesta). É um festival impressionante, sempre ouvi falar de Macau como uma cidade de turismo, mas nunca pensei que pudesse ser uma cidade de encontro de literatura. Nas Filipinas também somos oriundos de várias culturas, americana e espanhola, e então existem algumas semelhanças com Macau. Aqui não existe apenas a cultura portuguesa mas há uma ligação com outras culturas asiáticas e é isso que considero ser especial e único.

Disse uma vez numa entrevista: “Sempre tive uma preferência por contos”. Que histórias pode transmitir num conto que não o pode fazer num romance?
Adoro contos. Na verdade comecei como poeta, mas penso que os contos conseguem transmitir melhor as nossas histórias. Penso que é a melhor forma de contar a nossa própria história. O conto, comparando com o romance, é mais relevante, pode ler-se em menos de uma hora, carrega momentos enigmáticos e mistério. Um romance pode fazer muitas outras coisas, mas há algo de especial no conto.

Como foi passar da poesia para o conto? Isto porque são géneros diferentes, mas podem ser semelhantes ao mesmo tempo.
Sim. O que mais gosto no conto é que pode conter uma ideia poética, uma imagem. Contudo, a transição da escrita de poemas para os contos é muito difícil. Há muita dor envolvida. Sempre que tentei escrever um poema, acabei por escrever um conto, porque um poema não pode conter o drama de uma situação específica naquele momento. A história dos filipinos, por exemplo. Está cheia de drama, de realidade. É algo que a poesia não consegue expressar.

Falando dos problemas económicos e sociais do seu país. É importante expressá-los na escrita?
Absolutamente. É sempre dever de um artista reflectir sobre a sociedade onde está inserido e penso que posso falar sobre os problemas que a nossa sociedade enfrenta actualmente. Muitas pessoas não podem falar por elas próprias, não têm capacidade de escrever por elas próprias. Temos uma enorme diferença entre ricos e pobres e os pobres não conseguem expressar-se. Então conseguimos compreendê-los melhor quando escrevemos sobre eles. E expomos as falhas da nossa sociedade. Não posso escrever sobre amor quando estas histórias dramáticas estão a acontecer à frente dos meus olhos. Torna-se quase uma missão escrever sobre isso.

Essa diferença entre ricos e pobres faz com que muitos filipinos não tenham acesso à educação. Como é a relação da sociedade com a literatura?
Um último sucesso da literatura a nível nacional deve ser algo que toda a gente consiga ler e compreender. Para mim o mais efectivo na literatura é o sentimento. Quando escrevo, faço-o em Inglês, mas quando escrevo um guião para um filme, faço-o em Tagalog, para que todos o possam compreender e ver. E essa é a missão da literatura, para que todos percebam e criem as suas próprias batalhas contra as injustiças e desigualdade social. Se fizermos uma história para os pobres, para os filipinos que trabalham muito e não têm tempo para ler livros, nem dinheiro para os comprar… não vou dizer que escrevo por eles, mas escrevo para eles e é uma honra ser lido por eles.

Como descreve o mercado literário nas Filipinas? Necessita de ser desenvolvido, de ter mais escritores?
Absolutamente. A literatura está sempre em constrangimento consigo própria e com a sociedade desde sempre, especialmente num país como as Filipinas e numa sociedade como a nossa. Há um constrangimento para as pessoas que querem apenas escrever. Eu tenho um trabalho, tenho uma agência de publicidade, não consigo ser apenas escritor. Tenho de o fazer, apesar de me dar liberdade para escrever. É um paradoxo, porque se me tornar apenas escritor, fico pobre e perco essa liberdade. Vivemos num mundo digital, se pusermos fotografias no Facebook, as pessoas pensam que ganho dinheiro só por ir a festivais literários e não apreciam tanto a nossa escrita. Mas os meios digitais, e os filmes, são muito importantes, tal como a música. São canais para a literatura.

As Filipinas são um dos países mais perigosos para os jornalistas. A censura é ainda algo visível?
Tenho o maior respeito pelos jornalistas, que têm tido um trabalho mais difícil. Há muitos jornalistas assassinados nas Filipinas, mas isso é devido à política local. Não é uma questão de censura, quase não temos censura no nosso país.

Está tudo relacionado com o crime ?
É o crime, se alguém disser algo errado quase que existe a liberdade para matar essa pessoa. Esse é um grande problema porque o resto da sociedade parece não se preocupar, não são jornalistas, e há esse constrangimento na nossa sociedade para deitar a verdade cá para fora e ir contra a corrupção, conspirações, os políticos locais. Mas a luta deve continuar e, por cada morte, pode ser que a sociedade comece a despertar para esse problema.

As próximas eleições presidenciais poderão mudar algo?
Sim e não. Começo por dizer que estou muito ligado à política. Não irá mudar nada, porque, em primeiro lugar, o que precisamos de alterar é a estrutura da sociedade, a diferença entre ricos e pobres, a nossa ideia de capitalismo.

E talvez a ideia que as pessoas ainda têm em relação à corrupção.
Sim. Para mim a ditadura é uma forma de corrupção, mas com o capitalismo é muito fácil ser-se corrupto. O nosso sistema político está preso à ideia de que é preciso ser-se rico para se ser presidente do país. Tivemos uma ditadura durante 30 anos, que abafou os media, torturou jornalistas e pessoas comuns. Hoje podemos dizer o que queremos no Facebook e fazemos queixas e temos a certeza de que os militares não vão bater à nossa porta. Não, o sistema político não vai mudar e ainda há o problema dos muitos ricos que estão a ganhar mais dinheiro e dos pobres que estão cada vez mais pobres. Mas penso que graças às redes sociais, à literatura e ao cinema, as pessoas estão a ficar mais conscientes dessa diferença social e de como podem mudar as coisas. A questão é os filipinos que estão a viver fora do país, como aqui e em Hong Kong: eles são uma das chaves para a mudança. Penso que as coisas vão melhorar. Também sou muito paciente. Levou aos países europeus 300 anos para terem uma democracia absoluta, então nós podemos esperar mais cem anos.

Falando das comunidades filipinas em Macau e Hong Kong, há muitos casos de violação de direitos humanos. O Governo filipino deveria fazer algo em relação a estes casos?
Sim. Acredito que o sucesso para a nossa sociedade e economia seria o facto de toda a gente poder ter um emprego e não ter que sofrer. Não é uma questão de sofrerem com os seus patrões, para ser honesto, conheço muitas pessoas que trabalham no estrangeiro e que são muito bem tratadas. E todos sabemos que se regressarem ao seu país vão fazer menos dinheiro e essa é outra forma de abuso. É responsabilidade do Governo filipino garantir que todos os trabalhadores no exterior vivem e trabalham em boas condições. O facto das pessoas terem de sair para trabalhar é um sinal de fraqueza da nossa sociedade, mas isso também acontece a uma escala global.

Disse-me que não escreve sobre o amor, que escreve sobre questões do seu país. Qual o conto da sua autoria que melhor descreve as Filipinas?
As minhas histórias mais afectivas são sobre os filipinos que estão no estrangeiro. E não são apenas sobre empregadas domésticas, são também sobre os filipinos que vivem na América, por exemplo. Temos uma relação muito difícil com a América, um país que nos ocupou, e o mundo sabe disso. Tenho uma história sobre um filipino que vai para a América, participar numa conferência, e procura uma pintura que quer muito ver, de Edward Hopper. Uma pintura muito americana, sobre a solidão. Então todas as noites esse filipino pensa em ir ver a pintura, até que um dia apanha um autocarro. Mas não percebe que a pintura não é o que ele quer ver. Isso diz muito sobre nós: sabemos onde queremos ir mas nunca sabemos o que queremos fazer.

Os filipinos têm uma relação muito forte com a religião. Porquê?
Cresci num ambiente católico, mas não me considero um católico praticante. Mas é algo raro. Enquanto escritores de repente tornamo-nos humanistas, mais existencialistas. Os filipinos esperam sempre que algo aconteça, depois da ditadura de [Ferdinando] Marcos e, neste momento, quando atravessamos uma difícil situação social. A riqueza nas Filipinas está numa fase de progresso, mas para muitos continua a ser difícil apanhar um autocarro para o trabalho, leva duas horas. Então é fácil ligarmo-nos a Deus. Mas o facto de sermos religiosos faz com que muitas vezes não saibamos quebrar com os problemas da nossa sociedade. Se sofrermos, estamos a fazer bem, vamos para o céu. Eu prefiro dizer: “não vou sofrer mais, prefiro viver no céu aqui”. Se as pessoas são religiosas, não há problema, mas deviam começar a compreender-se melhor.

22 Mar 2016

Filipinas | Grupo islâmico pede 57 ME para libertar reféns

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m grupo islâmico das Filipinas exige mil milhões de pesos (19 milhões de euros) por cada um dos reféns estrangeiros, dois canadianos e um norueguês, sequestrados há seis semanas, num total de 57 milhões de euros, segundo um vídeo.
Neste vídeo divulgado pelo grupo SITE, de monitorização de ‘jihadistas’, baseado nos Estados Unidos, os sequestradores com máscaras identificam-se como membros do grupo Abu Sayyaf, listado nos Estados Unidos da América como terrorista e conhecido por vários raptos e atentados à bomba.
Os turistas canadianos John Ridsdel e Robert Hall, o gestor norueguês de um ‘resort’, Kjartan Sekkingstad, e a filipina Marites Flor foram levados de iates numa marina no sul das Filipinas a 21 de Setembro.
As autoridades filipinas dizem não saber onde estão os reféns, mas analistas de segurança indicam ser provável que se encontrem na ilha de Jolo, um bastião do Abu Sayyaf, a cerca de mil quilómetros de Manila.

Escondidos na selva

No vídeo, os três estrangeiros, rodeados por homens armados num cenário de selva, disseram que o preço para serem libertados era de mil milhões de pesos por cada um. Flor, que é namorada de Hall, não falou.
Acredita-se que o grupo tenha também cativos outros três estrangeiros, dois malaios e um holandês, de acordo com o exército.
Um italiano foi raptado do seu restaurante na cidade de Dipolog, no mês passado, mas as autoridades não confirmaram que tenha sido levado pelo Abu Sayyaf.
Um sul-coreano de 74 anos, sequestrado em Janeiro, foi encontrado morto em Jolo no fim de semana. O exército acredita que os ‘jihadistas’ o abandonaram depois de morrer com uma “doença grave”.
O Governo filipino mantém a sua política de não pagar resgates, mas é frequente que os familiares dos reféns o façam.
Em Outubro do ano passado, o Abu Sayyaf disse ter recebido 4,8 milhões de euros em troca de dois reféns alemães que mantive cativos durante seis meses.

5 Nov 2015

Secretária do Trabalho das Filipinas em Macau

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Secretária para o Trabalho e Emprego das Filipinas, Rosalinda Dimapilis-Baldoz, realiza uma visita oficial a Macau. Esta vai durar até quinta-feira e tem como objectivo falar dos trabalhadores não-residentes do país em Macau e das relações entre as Filipinas e a RAEM.
Segundo um comunicado enviado pelo Consulado das Filipinas em Macau ao HM, na agenda de Rosalinda Dimapilis Baldoz está um encontro com Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças. Rosalinda Dimapilis-Baldoz deverá ainda participar “num fórum com membros da comunidade filipina em Macau por forma a disseminar informações sobre os programas e serviços que o Governo das Filipinas providencia aos trabalhadores filipinos no estrangeiro e aos trabalhadores que queiram regressar ao país quando virem os seus contratos finalizados”. rose dimapilis
A visita oficial da Secretária do Trabalho e Emprego, que também inclui Hong Kong e Taiwan, serve ainda para “reforçar as relações económicas, de comércio e laborais entre as Filipinas e Macau”. Esta é a segunda vez que um representante do Governo filipino realiza uma visita oficial ao território, que serve de casa a cerca de 22 mil filipinos.
Em 2008, o então Secretário para os Negócios Estrangeiros, Alberto G. Rómulo, veio a Macau inaugurar a representação consular do país. O HM contactou o Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças no intuito de saber mais detalhes sobre o encontro, mas até ao fecho desta edição não obtivemos qualquer resposta.

4 Ago 2015