Salitre, de Duarte Drumond Braga

Por Jorge Arrimar

 

Cláudia Ribeiro, no seu livro, No dorso do dragão (2001), escreveu que “a China sofre do facto de ter sido sempre, por excelência, o repositório de todos os sonhos impossíveis do Ocidente, pois este tem no Oriente a sua noite.” (2001, p. 11-13)). De certa forma, podemos dizer que Macau foi o travesseiro onde alguns escritores portugueses sonharam uma narrativa diferente. Este será o caso de Duarte Braga em Salitre, seu livro mais recente (2021), publicado em Macau pela Capítulo Oriental.

Diz-se que a criação é uma dor e que o autor (re)constrói-se através da sua obra. Este é o mistério do texto literário, que resiste a ser desvendado, como se fosse uma gruta de segredos que só ganha significado quando se consegue entrar nela. E o acto de ler é o “abre-te sésamo” que só se completa, só é eficaz, quando se consegue ver “o não escrito”, como diz Guimarães Rosa (Ed. 10, O Sindicato, 1999), e tocar a nudez do texto. Assim o leitor tem de olhar para o livro, Salitre de seu título, como a gruta do poeta, onde este se confronta consigo mesmo e com os seus fantasmas. É nesta solidão quase iniciática, que, umas vezes o ouvimos murmurar palavras leves de que só apanhamos a sombra; outras vezes, palavras pesadas de água que nos encharcam.

Em Salitre, Duarte Braga vai-se mostrando na confissão das emoções, aflorando a velha arte de trovar escárnios e maldizeres, uma pegada antiga, deixada na cidade que neste livro tem lugar central. É uma metáfora de Macau, uma acumulação de sinais, a maior parte deles muito familiares aos seus habitantes, como o bolor, o mofo, o próprio salitre, mas que, neste contexto, exigem uma outra leitura. Aqui o autor reinventa-se na personagem principal do poema, salgando a carne dos seus próprios versos. Apresenta uma identidade subterrânea e traça um perfil líquido, impreciso, uma espécie de biografia esfumada.

Aparentes contradições perturbam uma leitura menos atenta e exemplo disso é o poeta afirmar que se sentiu perdido num deserto interior que depressa se ampliou em outro deserto, quando o que o sufoca permanentemente é a humidade. Porém, a nebulosidade constante não o impede de observar o que o cerca, olhar as pessoas que passam, ouvir a língua que falam, a escrita que desenham… Afinal, a pátria sínica chega até ali, está em todo o lado, ao virar da rua, ao dobrar da esquina. E tenta chegar-lhe, tocá-la com cuidado como se fosse uma antiga porcelana, interpretar-lhe os sinais. Mas não é empreendimento fácil. É como se pretendesse descodificar a tatuagem das folhas que as árvores deixam cair sobre a face turva do tempo. Por isso tem vontade de vir a “ser poeta da natureza” para “ler os nomes das árvores”, confessa. Mas desilude-se depressa pois só consegue ver magros calígrafos que recolhem lírios e os depositam nos “rodapés dos dicionários”. Incomoda-o este conhecimento de nota de pé-de-página e, ao que parece, resta-lhe esperar na varanda dos dias e depois juntar-se aos demais, aos outros, no “pátio da harmonia irrefutável”, para se deliciar com “gomos da felicidade”.

O “poeta é um fingidor”, já dizia Pessoa, e fingir a dor que deveras sente, é assumir que esta faz parte da matéria-prima da criação, seja ela de que área artística for, da pintura à poesia. Neste caso, o autor, através do texto, (d)escreve o que não é dito ou ouvido. Como diz Catherine David “Pedacinhos da realidade, fragmentos de luz, estas experiências minúsculas participam no silêncio da realidade, como as pinceladas de Cézanne participam na montanha” (Catherine David – La Beauté du geste [A beleza do gesto], Actes Sud, Babel, 2006). Salitre é apenas um dos pedacinhos dessa realidade complexa que é Macau, uma pincelada literária e perturbada, uma gota de tinta grossa na tela da escrita, versos de salitre no corpo do poema. E o poeta, “com o rosto a arder no escuro”, recolhe à cidade eternamente sitiada, conservando, contudo, o cheiro ao alecrim das janelas de sacada que guarnecem a calçada de Santana, em Lisboa; acompanha-o um vendilhão de sonhos e de azulejos da Praia Grande, a de S. Luís do Maranhão e a da cidade do Nome de Deus de Macau. É o sujeito de uma aventura com o gosto acre das laranjas agras que decoram as cidades velhas e sitiadas, “pequenas lisboas de troca e insalubridade jogadas pelos trópicos”, onde o poeta se recolhe, confessando, contudo, que as ama.

Em Salitre constrói-se uma utopia de pernas para o ar, denunciando-se o lugar onde os bons poetas escrevem maus poemas e o próprio autor quer acreditar encontrar-se preso num haiku de Pound ou numa ostra encontrada nos tintins. E neste passo do bailado da escrita, o poeta deixa um legado patético, um “molho de imagens” e um tropel de sugestões. O salitre que corrói as paredes é o que brilha nas palavras e envenena a língua. Assim o poema nasce como o nenúfar num pântano e a apoteose é o grande aquário, de onde se retiram peixes dourados, mortos, secos ao sol e convenientemente salgados, enquanto ao longe, veem-se “barcos de flores a chegar e partir entre felácios e rosas (os lábios do carmim desflora)”. A poesia é, afinal, uma fuga… não da realidade, mas para a realidade, como diria o poeta brasileiro, Mário Quintana. (Gabriel Perissé – As experiências reversíveis […]. Dispon. em: < http://www.hottopos.com/convenit4/perisse.htm >).

Salitre não é de leitura fácil e dócil. O seu autor não se deixou ir na corrente literária mais em voga, antes preferiu ser disruptivo em relação a ela, o que torna o texto diferente, tanto em termos de conteúdo, como a nível estético e conceptual. Por tudo isto, não será de estranhar que Salitre possa vir a ter um lugar especial enquanto criação literária.

24 Jan 2022

RAEM, 20 anos | Duarte Drumond Braga, académico: “Somos, sem dúvida, favorecidos”

Depois de seis anos no Brasil, Duarte Drumond Braga mudou-se para Macau, uma das cidades-chave na sua área de investigação. O académico, ao serviço da MUST, tenciona aprender mandarim e ficar por Macau, “um território que sempre foi chinês”, e que espera que no futuro tenha espaço para que os portugueses continuem a desempenhar um papel relevante

 

[dropcap]E[/dropcap]stá a viver em Macau há relativamente pouco tempo. O que o trouxe para o território?

Cheguei em Agosto para assumir um contrato numa universidade privada, a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa). Passei por uma selecção prévia e aqui estou. Antes desta experiência, vivi no Brasil durante cinco anos, onde tive uma bolsa de investigação. Fiz doutoramento e mestrado em Portugal e depois saí para o Brasil em 2014. Desde então, não voltei a Portugal e vim directamente para aqui.

Na sua vida académica estudou as representações da Ásia na cultura e literatura portuguesa, algo que passa também por Macau. Ou seja, tinha uma visão académica de Macau. Houve algum conflito entre essa ideia e a realidade da cidade?

Já conhecia Macau de experiências anteriores. Já cá tinha estado duas vezes, uma delas fiquei durante três meses. Estar cá a morar dá outra noção das coisas, ainda para mais quando se trabalha para uma instituição mais chinesa. Assim sendo, tive de me habituar a alguns procedimentos e regras mais próprias de instituições chinesas. Mas nada que tenha representado qualquer tipo de problemas, foi apenas uma questão de hábito.

Tem, portanto, uma experiência diferente dos outros portugueses que ficam mais fechados na “bolha” portuguesa.

Não circulo apenas no meio português aqui em Macau. Aliás, acho que isso seria algo um pouco pobre. Atenção, frequento, como toda a gente, o meio português. Acho óptimo que exista. Mas, como vim do Brasil directamente para aqui, não me parece que seja um caso muito normal, não sei se há muitas pessoas com o mesmo percurso que eu. Antigamente, era comum encontrar em Macau pessoas que estavam cá há muito anos e que vinham das ex-colónias portuguesas em África. Eu vim do Brasil. A parte da vida de Macau que se reflecte nas grandes multidões, no aglomerado de prédios e no urbanismo descontrolado, são realidades para as quais já estava habituado no Brasil. Aquilo que realmente foi mais diferente para mim foi habituar-me à cultura chinesa e ao convívio com os chineses. Situações que também têm uma relação directa com a questão da comunicação, toda a gente passa por isso. Circulo muito aqui por Macau, gosto bastante de passear e de conhecer a cidade e, como tal, faço questão de tentar falar um pouco a língua. Aliás, no próximo semestre devo começar aulas de mandarim.

Encara Macau como uma cidade para viver no futuro.

Eu vejo-me a morar aqui, é um lugar onde gosto de estar, um lugar muito particular e interessante. Que, por vezes, pode ser um pouco claustrofóbico, como toda a gente sabe, mas que também é muito bem localizado na Ásia, algo que me permite deslocações com facilidade para qualquer lado. Também como trabalho com Portugal, com cultura e literatura portuguesa, e estou sempre a pensar nisso, não tenho uma necessidade muito forte de ir a Portugal várias vezes. Vivo bem sem essa necessidade muito forte. Pelo menos, para já. Vejo-me a morar aqui. Claro que é preciso reconhecer que Macau é um território chinês, é e sempre foi assim, sempre esteve mesmo antes de iniciar aquele período propriamente colonial, do Ferreira do Amaral e mais tarde regressou a ter uma administração apenas chinesa. Sempre houve uma negociação forte, sempre houve interesse de parte a parte para que estivéssemos aqui. Espero que a comunidade portuguesa possa continuar aqui, com as vantagens e até privilégios que temos em aqui estar. Nós somos, sem dúvida, dos estrangeiros mais favorecidos neste território chinês e acho que devemos estar gratos por isso. Quanto aos problemas mais falados, bem, há pessoas que falam do peso da vigilância, eu ainda não sinto muito isso. Mas, talvez, no futuro venha a sentir.

Como sente esta entidade de Macau aberta à confluência de culturas?

Macau deixa um pouco cada um para o seu lado. A questão do encontro de culturas é um encontro que também é um desencontro. Parece uma banalidade dizer isto, havia uma altura em que se falava no encontro de culturas, mas eu acho que é mais uma convivência, um estar lado a lado. Também há outras presenças e elementos interessantes na história de Macau que remetem para outras partes da Ásia. Por exemplo, como eu estudei Goa, interessam-me as relações de Macau com a Índia. Consigo ler algumas das referências, que são várias, a Goa no território. Macau leva-me também para outras partes da Ásia. Estamos a cerca de um raio de 6 horas de voo das principais capitais, centros económicos, financeiros e culturais da Ásia. Portanto, também quero tirar partido disso, sabendo que estamos sempre com o nosso pé, a nossa raiz, na cultura portuguesa. Como também já estou fora há algum tempo, meia dúzia de anos, isso torna-se mais claro e óbvio, mais à flor da pele esta condição do que é ser português fora de Portugal. Apesar de ter vivido sempre em lugares ligados a Portugal, sinto que essa condição ainda é mais forte, ou sente-se de outra forma.

Quais as perspectivas, enquanto português aqui em Macau, para o futuro, face à integração na Grande Baía e com 2049 no horizonte?

Em traços gerais, acho que é a realidade que está aí a vir, temos de lidar com o que aí vem de forma pragmática para saber como nos vamos colocar nesse futuro próximo que já está aí a chegar. Temos de lidar com ele como um dado adquirido. É assim que vai ser, sabemos que esse é o plano para o futuro. Espero que os portugueses possam ainda ter algum papel numa Macau já nessa situação e nesse contexto novo. Não sei qual possa ser, em que moldes será, mas espero que se concretize.

20 Dez 2019

RAEM, 20 anos | Duarte Drumond Braga, académico: “Somos, sem dúvida, favorecidos”

Depois de seis anos no Brasil, Duarte Drumond Braga mudou-se para Macau, uma das cidades-chave na sua área de investigação. O académico, ao serviço da MUST, tenciona aprender mandarim e ficar por Macau, “um território que sempre foi chinês”, e que espera que no futuro tenha espaço para que os portugueses continuem a desempenhar um papel relevante

 
[dropcap]E[/dropcap]stá a viver em Macau há relativamente pouco tempo. O que o trouxe para o território?
Cheguei em Agosto para assumir um contrato numa universidade privada, a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa). Passei por uma selecção prévia e aqui estou. Antes desta experiência, vivi no Brasil durante cinco anos, onde tive uma bolsa de investigação. Fiz doutoramento e mestrado em Portugal e depois saí para o Brasil em 2014. Desde então, não voltei a Portugal e vim directamente para aqui.
Na sua vida académica estudou as representações da Ásia na cultura e literatura portuguesa, algo que passa também por Macau. Ou seja, tinha uma visão académica de Macau. Houve algum conflito entre essa ideia e a realidade da cidade?
Já conhecia Macau de experiências anteriores. Já cá tinha estado duas vezes, uma delas fiquei durante três meses. Estar cá a morar dá outra noção das coisas, ainda para mais quando se trabalha para uma instituição mais chinesa. Assim sendo, tive de me habituar a alguns procedimentos e regras mais próprias de instituições chinesas. Mas nada que tenha representado qualquer tipo de problemas, foi apenas uma questão de hábito.
Tem, portanto, uma experiência diferente dos outros portugueses que ficam mais fechados na “bolha” portuguesa.
Não circulo apenas no meio português aqui em Macau. Aliás, acho que isso seria algo um pouco pobre. Atenção, frequento, como toda a gente, o meio português. Acho óptimo que exista. Mas, como vim do Brasil directamente para aqui, não me parece que seja um caso muito normal, não sei se há muitas pessoas com o mesmo percurso que eu. Antigamente, era comum encontrar em Macau pessoas que estavam cá há muito anos e que vinham das ex-colónias portuguesas em África. Eu vim do Brasil. A parte da vida de Macau que se reflecte nas grandes multidões, no aglomerado de prédios e no urbanismo descontrolado, são realidades para as quais já estava habituado no Brasil. Aquilo que realmente foi mais diferente para mim foi habituar-me à cultura chinesa e ao convívio com os chineses. Situações que também têm uma relação directa com a questão da comunicação, toda a gente passa por isso. Circulo muito aqui por Macau, gosto bastante de passear e de conhecer a cidade e, como tal, faço questão de tentar falar um pouco a língua. Aliás, no próximo semestre devo começar aulas de mandarim.
Encara Macau como uma cidade para viver no futuro.
Eu vejo-me a morar aqui, é um lugar onde gosto de estar, um lugar muito particular e interessante. Que, por vezes, pode ser um pouco claustrofóbico, como toda a gente sabe, mas que também é muito bem localizado na Ásia, algo que me permite deslocações com facilidade para qualquer lado. Também como trabalho com Portugal, com cultura e literatura portuguesa, e estou sempre a pensar nisso, não tenho uma necessidade muito forte de ir a Portugal várias vezes. Vivo bem sem essa necessidade muito forte. Pelo menos, para já. Vejo-me a morar aqui. Claro que é preciso reconhecer que Macau é um território chinês, é e sempre foi assim, sempre esteve mesmo antes de iniciar aquele período propriamente colonial, do Ferreira do Amaral e mais tarde regressou a ter uma administração apenas chinesa. Sempre houve uma negociação forte, sempre houve interesse de parte a parte para que estivéssemos aqui. Espero que a comunidade portuguesa possa continuar aqui, com as vantagens e até privilégios que temos em aqui estar. Nós somos, sem dúvida, dos estrangeiros mais favorecidos neste território chinês e acho que devemos estar gratos por isso. Quanto aos problemas mais falados, bem, há pessoas que falam do peso da vigilância, eu ainda não sinto muito isso. Mas, talvez, no futuro venha a sentir.
Como sente esta entidade de Macau aberta à confluência de culturas?
Macau deixa um pouco cada um para o seu lado. A questão do encontro de culturas é um encontro que também é um desencontro. Parece uma banalidade dizer isto, havia uma altura em que se falava no encontro de culturas, mas eu acho que é mais uma convivência, um estar lado a lado. Também há outras presenças e elementos interessantes na história de Macau que remetem para outras partes da Ásia. Por exemplo, como eu estudei Goa, interessam-me as relações de Macau com a Índia. Consigo ler algumas das referências, que são várias, a Goa no território. Macau leva-me também para outras partes da Ásia. Estamos a cerca de um raio de 6 horas de voo das principais capitais, centros económicos, financeiros e culturais da Ásia. Portanto, também quero tirar partido disso, sabendo que estamos sempre com o nosso pé, a nossa raiz, na cultura portuguesa. Como também já estou fora há algum tempo, meia dúzia de anos, isso torna-se mais claro e óbvio, mais à flor da pele esta condição do que é ser português fora de Portugal. Apesar de ter vivido sempre em lugares ligados a Portugal, sinto que essa condição ainda é mais forte, ou sente-se de outra forma.
Quais as perspectivas, enquanto português aqui em Macau, para o futuro, face à integração na Grande Baía e com 2049 no horizonte?
Em traços gerais, acho que é a realidade que está aí a vir, temos de lidar com o que aí vem de forma pragmática para saber como nos vamos colocar nesse futuro próximo que já está aí a chegar. Temos de lidar com ele como um dado adquirido. É assim que vai ser, sabemos que esse é o plano para o futuro. Espero que os portugueses possam ainda ter algum papel numa Macau já nessa situação e nesse contexto novo. Não sei qual possa ser, em que moldes será, mas espero que se concretize.

20 Dez 2019

Investigador português analisou revistas literárias de Macau do início do século XX

[dropcap]D[/dropcap]uarte Drummond Braga, investigador, apresentou esta quinta-feira em Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), um trabalho intitulado “Revistas literárias de Macau do início do século XX”.

Ao HM, o investigador falou de um trabalho que surge no seguimento de pesquisas já realizadas sobre as revistas literárias em língua portuguesa publicadas em Goa. Duarte Drummond Braga optou por analisar três publicações da primeira década do século XX, nomeadamente a Revista Oriente, dirigida pelo bispo José da Costa Nunes, a Revista Macau, dirigida por Humberto Avelar, e o Boletim Eclesiástico, uma publicação da Diocese de Macau.

“Queria saber como estas revistas se comportavam em termos de produção literária ou de crónicas e como desenvolviam essa parte mais cultural. Já havia um trabalho desenvolvido pelo Daniel Pires sobre os jornais do século XIX, que são bastante políticos, e parece-me que esta dimensão literária tarda em aparecer, só surge mais nos anos 60 ou 70 do século XIX”, contou.

Nas bancas existiam “revistas mais culturais, políticas mas também literárias, com várias rubricas”. “No caso da Revista Macau, esta tinha uma posição mais anarquizante, à esquerda, enquanto que outras têm uma posição mais conservadora. Há diferentes posicionamentos políticos”, adiantou o académico.

A Revista Oriente era uma publicação “cultural católica e não tanto um órgão da Igreja, como era o caso do Boletim Eclesiástico”, sendo “notória” a diferença de conteúdos face ao que era escrito na Revista Macau.

Esta era “mais próxima de uma esquerda republicana, com questões ideologicamente diferentes da Revista Oriente, que por vezes tinha uma posição um pouco mais conservadora, mas não necessariamente”. “Talvez em confronto com a outra ela pareça um pouco mais conservadora”, frisou.

O facto de não dominar a língua chinesa fez com que Duarte Drummond Braga se tenha debruçado apenas sobre estas publicações. Mas havia outras, não apenas escritas em português e chinês.

A questão dos pseudónimos

Questionado sobre a ligação que estas revistas tinham com a imprensa da época, Duarte Drummond Braga garantiu que ainda lhe falta desenvolver mais investigação nessa área. “Havia jornais católicos que já se publicavam, como A Voz do Crente, que é do século XIX, e havia também jornais católicos do mesmo período.”

Duarte Drummond Braga denota também as dificuldades em investigar o jornalismo de Macau dos primórdios do século XX, pelo facto da maioria dos artigos publicados não serem assinados. Daí que não possa garantir se as revistas literárias da primeira década mostraram ou não novos autores macaenses.

“Não posso garantir que não haja colaboradores macaenses, até porque no jornalismo desta época há muito a questão do pseudónimo e das iniciais, e isso torna bastante complicada a investigação com o jornalismo desta época. Mas parece-me que a produção literária de macaenses é uma coisa que aparece mais tarde”, frisou.

O tema da palestra de ontem, inserida no Seminário Permanente de Estudos sobre Macau, ciclo de conferências da FCSH-UNL, poderá um dia dar origem a um livro. “Havendo interesse de alguma instituição em apoiar esse tipo de obra, porque não?”, questionou Duarte Drummond Braga.

Esta não é a primeira vez que o académico se debruça sobre os escritos do Oriente. Duarte Drummond Braga estudou a relação entre Goa e Macau na literatura portuguesa ao abrigo de uma bolsa de pós-doutoramento da Universidade de São Paulo, o projecto “Pensando Goa (Fapesp)”. Além disso, é autor da obra “As Índias espirituais. Fernando Pessoa e o Orientalismo português”.

29 Mar 2019