Relatório | ONU pede mudanças a Macau na Justiça, sistema eleitoral e defesa de liberdades

O Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas pediu mudanças a Macau na Justiça, sistema eleitoral e na defesa de liberdades, mostrando-se preocupado com violações do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Um dos pontos destacados pelo comité prende-se com o sistema eleitoral, já que as autoridades “não expressaram qualquer intenção de instituir o sufrágio universal para garantir o direito de todas as pessoas de votarem em genuínas eleições”.

Uma preocupação reforçada pela desqualificação de candidatos pró-democracia em julho do ano passado, justificada pelo facto de “não serem leais a Macau”.

Por isso defendeu a introdução do sufrágio universal “como uma prioridade”, bem como que seja revista a elegibilidade de candidatos ao parlamento local. As autoridades devem ainda “abster-se de usar a lei para suprimir a expressão de críticas e opiniões políticas dissidentes”, pode ler-se no documento hoje divulgado.

Outro ponto diz respeito à independência dos tribunais. “O comité está preocupado” com a “pré-seleção de juízes que estejam de acordo com os critérios para julgar casos que envolvam a segurança nacional”, afirmou.

Manifestou por isso inquietação sobre a “falta de transparência na seleção dos critérios e processo de pré-seleção de juízes, o que mina a independência judicial e interfere com os direitos dos réus no acesso à Justiça e a um julgamento justo”.

Na área judicial, o comité das Nações Unidas recomendou ainda que Macau “prossiga os seus esforços para (…) garantir um verdadeiro bilinguismo na administração da Justiça”, numa alusão às deficiências apontadas nos últimos anos ao uso do português nos tribunais.

O comité expressou também a sua preocupação com “a deterioração de liberdade de expressão e de imprensa em Macau em recentes anos” e instou as autoridades a efetuarem mudanças, a eliminarem restrições e a não agirem “contra jornalistas, ativistas de direitos humanos, críticos do Governo e académicos”, defendendo os seus direitos e a sua segurança.

Em causa estão, no caso dos ‘media’, “informações persistentes de intimidação e ameaças a jornalistas, particularmente em eventos políticos sensíveis, a contínua interdição de entrada de jornalistas estrangeiros por alegadamente representarem uma ameaça à segurança nacional e a exigência aos jornalistas da emissora pública de ‘promoverem o patriotismo’ e de ‘não disseminarem informação ou opiniões contrárias às políticas da China [continental] ou de Macau”.

Por outro lado, o comité frisou que existe “um crescente número de informações de restrições indevidas ao exercício da liberdade de manifestações pacíficas em recentes anos”. E nomeou casos como um protesto contra a brutalidade da polícia de Hong Kong em agosto de 2019 e uma vigília em junho de 2021 sobre o chamado “massacre de Tiananmen”, para além de terem sido proibidas manifestações de trabalhadores migrantes devido ao seu estatuto de não residentes.

No documento da ONU pede-se igualmente que Macau “considere descriminalizar a difamação e os insultos à bandeira nacional, símbolos e hino”, sublinhando que a pena de prisão prevista “nunca é uma pena apropriada para a difamação”.

O direito à privacidade é outro dos pontos frisados que inquietou o comité das Nações Unidas, já que há “informações de atividades de vigilância massiva conduzidas pela polícia que não são efetiva e independentemente monitorizadas”.

A liberdade de associação é também motivo de preocupação nas Nações Unidas, com o comité a solicitar medidas para assegurar este direito, “incluindo o direito à greve”. A ONU fez ainda recomendações em áreas que vão desde a violência contra as mulheres, igualdade de género, tráfico de pessoas, tratamento de trabalhadores migrantes, refugiados e requerentes de asilo.

O comité pediu a Macau que submeta em julho de 2028 o seu próximo relatório sobre a implementação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, um dos instrumentos que constituem a Carta Internacional dos Direitos Humanos da ONU.

Em 1992, quando Macau era ainda um território administrado por Portugal, Lisboa procedeu à extensão desta convenção à região. Embora a China tenha assinado o tratado em 1998, nunca o ratificou, não estando vinculada às normas aí presentes.

28 Jul 2022

Governo rejeita “politização” de análise feita pela ONU 

O Governo rejeita a análise feita pelo Comité dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas (ONU) a propósito da implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos em Macau. A ONU chamou a atenção, entre outros pontos, para a criminalização de actos contra os símbolos nacionais, como a bandeira e hino chineses, ou a necessidade de uma maior democratização do regime político.

Em comunicado, o Executivo entende que a ONU deveria evitar “a ‘politização’ da apreciação, abstendo-se de formular conclusões tendenciosas e falsas, com base em reportagens e fontes de informação não verificadas”. “O Governo da RAEM não pode concordar com algumas partes elencadas nas observações finais e manifesta a sua oposição, considerando que o Comité, enquanto órgão de tratados de direitos do Homem, deve respeitar a finalidade de proceder ao diálogo construtivo com a Parte que se sujeita à apreciação”, lê-se ainda.

“A ‘preocupação’ manifestada pelo Comité deve-se ao facto de que não compreende o sistema de interpretação da Lei Básica de Macau. Obviamente, é irrazoável que o Comité exija à RAEM considerar a ‘descriminalização’ dos actos de ultraje à bandeira, emblema e hino nacionais”, lê-se na nota de imprensa divulgada ontem.

Quanto ao sistema político, o Governo lembra que “o desenvolvimento da democracia tem sido promovido conforme a lei”, além de que “os factores democráticos da metodologia para a escolha do Chefe do Executivo e para a constituição da Assembleia Legislativa têm sido constantemente enriquecidos, enquanto que o regime eleitoral tem sido cada vez mais aperfeiçoado”.

Leis e revisões

O Comité da ONU analisou, entre os dias 13 e 15 de Julho, outros pontos da implementação do Pacto como “o sufrágio universal, a independência judicial, o combate ao tráfico de pessoas, a salvaguarda da privacidade, a liberdade de expressão, a reunião pacífica e a liberdade de associação, entre outros”. A análise foi feita com base num relatório feito pelo Governo que abordou a implementação da lei de prevenção e combate à violência doméstica e o salário mínimo para os trabalhadores.

Foi também feita a referência à revisão do Código Penal e lei laboral, incluindo a transformação da pornografia infantil como um crime independente e a ampliação do âmbito do crime de prostituição infantil. As autoridades frisaram ainda o aumento do número de dias de licença de maternidade e o estabelecimento da licença de paternidade.

Apesar da discordância, a RAEM promete olhar para “algumas recomendações construtivas apresentadas”, garantindo que se empenha na protecção dos direitos humanos e na implementação das disposições do Pacto “de acordo com a Lei Básica”.

28 Jul 2022

Direitos civis | Au Kam San quer explicações sobre manifestações proibidas

O deputado pró-democracia defende que antes da transição nunca uma manifestação para condenar acções internacionais tinha sido proibida por ‘fins contrários à lei’

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado Au Kam Sam quer que as autoridades expliquem os critérios utilizados para proibir manifestações e recorda que as justificações actuais não eram invocadas durante a Administração Portuguesa, quando a lei entrou em vigor. É este o conteúdo de uma interpelação escrita, que foi revelada por Au Kam San no domingo, e que foca as decisões do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), que nos últimos meses proibiram pelo menos duas manifestações relacionadas com a situação de Hong Kong.

‘“Todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização’. A lei estabelece claramente que a partir do momento que a manifestação é pacífica e que não há armas que não há ‘necessidade de qualquer autorização’”, começa por contextualizar Au Kam San. Depois, nota a contradição nas acções das autoridades. “Actualmente a polícia pode proibir qualquer reunião ou manifestação com várias razões estranhas e contraditórias […] o que é incompatível com ‘sem necessidade de qualquer autorização’. Será que a polícia está a cumprir a lei ou a abusar dos seus poderes?”, questiona.

No documento, o deputado que no passado esteve ligado à Associação Novo Macau, recorda que mesmo o presidente da Associação dos Advogados de Macau, Neto Valente, criticou os critérios em causa. Por isso, avisa: “os direitos dos residentes de Macau não deve ser restringidos devido aos acontecimento fora do território, e, em particular, não se deve permitir que a polícia faça uma interpretação errada da lei”.

Exigência legítimas

O legislador pede igualmente às autoridades que expliquem por que consideram que condenar a acção violenta de uma força de segurança é um fim “contrário à lei”. “O facto de a polícia poder recorrer à força no seu trabalho não significa que pode actuar de forma violenta […] ao ponto de causar lesões desnecessárias às pessoas que são alvo da força. […] Por isso, uma acção de condenação da violência da polícia é uma exigência legítima e racional das sociedades civilizadas”, defende. “No entanto, as autoridades fizeram uma interpretação incorrecta dos ‘fins contrários à lei’, e justificaram a proibição com essa interpretação. Mas esta interpretação nunca tinha acontecido antes da transição, o que mostra que os direitos dos residentes estão a ser restringidos”, acusou. “Então, por que é que o tema da manifestação contra os abusos do poder por parte da polícia é interpretado como ‘reuniões para fins contrários à lei’?”, questiona.

A carta de Au Kam San é dirigida ao CPSP, que tem o poder para autorizar ou proibir as manifestações em Macau, de acordo com as mudanças à lei feitas em 2018. Antes desta alteração, o poder para coordenar as manifestações estava no Instituto para os Assuntos Municipais e Cívicos, que nunca recusou um encontro com a justificação de “fins contrários à lei”.

Além disso, o secretário que controla o CPSP, Wong Sio Chak, considera que um ajuntamento de duas pessoas pode ser considerado uma manifestação ilegal, principalmente se estas tiverem na sua posse cartazes, e não tiverem pedido autorização.

22 Out 2019

Direitos civis | Au Kam San quer explicações sobre manifestações proibidas

O deputado pró-democracia defende que antes da transição nunca uma manifestação para condenar acções internacionais tinha sido proibida por ‘fins contrários à lei’

 
[dropcap]O[/dropcap] deputado Au Kam Sam quer que as autoridades expliquem os critérios utilizados para proibir manifestações e recorda que as justificações actuais não eram invocadas durante a Administração Portuguesa, quando a lei entrou em vigor. É este o conteúdo de uma interpelação escrita, que foi revelada por Au Kam San no domingo, e que foca as decisões do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), que nos últimos meses proibiram pelo menos duas manifestações relacionadas com a situação de Hong Kong.
‘“Todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização’. A lei estabelece claramente que a partir do momento que a manifestação é pacífica e que não há armas que não há ‘necessidade de qualquer autorização’”, começa por contextualizar Au Kam San. Depois, nota a contradição nas acções das autoridades. “Actualmente a polícia pode proibir qualquer reunião ou manifestação com várias razões estranhas e contraditórias […] o que é incompatível com ‘sem necessidade de qualquer autorização’. Será que a polícia está a cumprir a lei ou a abusar dos seus poderes?”, questiona.
No documento, o deputado que no passado esteve ligado à Associação Novo Macau, recorda que mesmo o presidente da Associação dos Advogados de Macau, Neto Valente, criticou os critérios em causa. Por isso, avisa: “os direitos dos residentes de Macau não deve ser restringidos devido aos acontecimento fora do território, e, em particular, não se deve permitir que a polícia faça uma interpretação errada da lei”.

Exigência legítimas

O legislador pede igualmente às autoridades que expliquem por que consideram que condenar a acção violenta de uma força de segurança é um fim “contrário à lei”. “O facto de a polícia poder recorrer à força no seu trabalho não significa que pode actuar de forma violenta […] ao ponto de causar lesões desnecessárias às pessoas que são alvo da força. […] Por isso, uma acção de condenação da violência da polícia é uma exigência legítima e racional das sociedades civilizadas”, defende. “No entanto, as autoridades fizeram uma interpretação incorrecta dos ‘fins contrários à lei’, e justificaram a proibição com essa interpretação. Mas esta interpretação nunca tinha acontecido antes da transição, o que mostra que os direitos dos residentes estão a ser restringidos”, acusou. “Então, por que é que o tema da manifestação contra os abusos do poder por parte da polícia é interpretado como ‘reuniões para fins contrários à lei’?”, questiona.
A carta de Au Kam San é dirigida ao CPSP, que tem o poder para autorizar ou proibir as manifestações em Macau, de acordo com as mudanças à lei feitas em 2018. Antes desta alteração, o poder para coordenar as manifestações estava no Instituto para os Assuntos Municipais e Cívicos, que nunca recusou um encontro com a justificação de “fins contrários à lei”.
Além disso, o secretário que controla o CPSP, Wong Sio Chak, considera que um ajuntamento de duas pessoas pode ser considerado uma manifestação ilegal, principalmente se estas tiverem na sua posse cartazes, e não tiverem pedido autorização.

22 Out 2019

Direitos civis e políticos | Associações locais não submeteram relatórios à ONU

É já esta sexta-feira que os peritos da ONU vão avaliar a implementação da convenção internacional para a eliminação de todas as formas de discriminação racial em vários países, que abrange direitos políticos, igualdade de acesso ao emprego, segurança social e habitação, entre outros. As associações de Macau não entregaram qualquer relatório. Em Hong Kong, mais de 50 submeteram documentos

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau vai ser alvo do escrutínio dos peritos da Organização das Nações Unidas (ONU) esta sexta-feira, em Genebra, relativamente à garantia de uma série de direitos civis e políticos, tal como a China e Hong Kong. Contudo, a única base para essa análise será um relatório oficial do Governo de Macau, pois nenhuma associação local submeteu documentos, nem mesmo a Associação Novo Macau (ANM). Pelo contrário, um total de 54 organizações não governamentais (ONG) de Hong Kong enviaram para a Suíça um relatório.

Os peritos da ONU vão, esta sexta-feira, avaliar a implementação da Convenção Internacional para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (CERD, na sigla inglesa), firmada na década de 60. Esta conta com um corpo de 18 peritos em direitos humanos que são escolhidos a cada quatro anos.
O HM contactou todas as associações que, em 2013, submeteram relatórios sobre o panorama dos direitos civis e políticos em Macau, mas apenas obteve resposta da ANM quanto à não entrega do documento. Jason Chao, activista ligado à associação que sempre foi co-autor de todos os relatórios entregues, adiantou que, por sua sugestão, a ANM deixou de entregar relatórios anuais.
“Actualmente, a Novo Macau submete relatórios em resposta aos ciclos de revisão dos tratados internacionais. Em Março deste ano submetemos um relatório em resposta à Revisão Periódica Universal do Conselho dos Direitos Humanos da ONU”, referiu apenas. Sulu Sou, deputado da Novo Macau, garantiu não ter qualquer conhecimento sobre os planos de envio dos relatórios, tendo remetido quaisquer questões para Jason Chao.

Silvia Quan, responsável pela International Disability Alliance (IDA), que submeteu um relatório em 2013, adiantou ao HM que o trabalho desta ONG é mais virado para o Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência. “O comité fez um trabalho de revisão [da convenção] em 2013, e a IDA colaborou com a sociedade civil a partir da China, Hong Kong e Macau para fazer submissões para esse processo. A IDA não trabalha com o Comité contra a Discriminação Racial, daí a nossa ausência de submissão.”

Eloise Di Gianni, responsável pela ONG Global Initiative to End All Corporal Punishment of Children, adiantou que não tem por hábito fazer submissão de relatórios para este Comité da ONU, porque “não trabalha directamente com questões de punição corporal contra crianças, nas quais nos focamos”.

No entanto, esta ONG vai submeter informações relativas a Macau para a Universal Periodic Review of China, que acontece em Novembro deste ano.

Os tópicos de 2013

Em 2013, a ANM reportou a detenção de Jason Chao aquando da visita de Wu Banguo, ex-presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), acusando a Polícia Judiciária de “abusar do seu poder para deter um jornalista”, algo que revelou violação à “liberdade de imprensa e uma privação arbitrária das liberdades individuais”. Já a Aliança Internacional para a Deficiência (IDA, na sigla inglesa) questionava “que passos estão a ser dados face ao risco de mulheres e crianças com deficiência se tornarem vítimas de violência doméstica e abusos”. A mesma ONG perguntava também à ONU o que estava a ser feito “para proibir a esterilização de pessoas com deficiência com autorização de terceiras partes, como membros da família ou tutores”.
A IDA pediu ainda ao Governo da RAEM a adopção de “medidas efectivas para promover a integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, incluindo a atribuição de incentivos aos empregadores e o reforço do sistema de quotas laborais para as pessoas com deficiência”. De frisar que recentemente foi aprovada a lei que dá benefícios fiscais às empresas que contratam portadores de deficiência.
No que diz respeito aos direitos da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero), o grupo LGBT Rights Concern Group submeteu um documento onde alertava para a questão dos casais do mesmo sexo não estarem contemplados na lei de prevenção e combate à violência doméstica, que foi revista e implementada sem incluir esse ponto.
A não entrega dos relatórios nesta 96ª sessão anual de revisão da convenção significa que as associações locais ficam afastadas da possibilidade de ter uma voz em questões políticas e cívicas, além de não poderem participar no debate sobre esses assuntos em Genebra. Além disso, o envio do relatório em Março não impedia as associações de submeterem novamente documentos este mês, pois estão em causa organismos diferentes da ONU. As análises feitas no âmbito da 96ª sessão anual terminam no dia 30 de Agosto.

 

Governo ignora lei sindical

No relatório submetido aos peritos da ONU, o Governo da RAEM ignora os pedidos de implementação de uma lei sindical e garante que residentes e trabalhadores não residentes (TNR) têm igualdade de acesso ao emprego.
No que diz respeito ao “direito a formar a aderir a sindicatos”, o Executivo aponta que, de acordo com a Lei Básica, “os residentes da RAEM chineses e não chineses, e os TNR têm o mesmo direito de formar ou aderir a sindicatos, e também de realizar greves”. Além disso, lê-se que “a lei 4/98/M [define as bases da política de emprego e dos direitos laborais] estipula que os trabalhadores têm o direito de se tornarem membros de associações que representam os seus interesses. A lei 7/2008 [lei das relações do trabalho] e a lei 21/2009 [lei da contratação de TNR] expressam a proibição de um empregador de dissuadir, de qualquer forma, de exercitar os seus direitos”.
Não existe, portanto, qualquer referência ao estudo sobre a implementação da lei sindical que está a ser feito pela Associação de Estudo de Economia Política, presidida por Kevin Ho.
Na área do “Direito ao trabalho”, o Executivo lembra que “os TNR, tenham ou não nacionalidade chinesa, têm igualdade de acesso aos direitos e garantias que os residentes têm à luz da lei”. “Esses direitos e garantias incluem a provisão de horas de trabalho e períodos de folgas, descanso semanal e férias anuais”, lê-se no relatório oficial submetido à ONU. É também referido que “os TNR têm direitos especiais, expressamente estipulados na lei das relações do trabalho, que incluem a garantia de alojamento adequado e repatriação no caso do término das relações laborais”.
O Governo frisa ainda que “tem vindo a prestar atenção às condições de vida e de trabalho dos recém-chegados, de diferentes raças, a Macau (incluindo os TNR), providenciando-lhes serviços nos diferentes departamentos governamentais e organizações de serviço social não governamentais, que de forma persistente disponibilizam diferentes formas e canais de assistência para que possam saber mais sobre os diferentes serviços e estruturas da RAEM”.
No que diz respeito às eleições ou outras questões ligadas à área dos direitos humanos, o relatório deixa a ressalva de que, desde 2013, não houve mudanças significativas, quer em termos de leis implementadas quer ao nível de casos ocorridos. Os dados mais recentes apresentados sobre vários tópicos, tal como os apoios financeiros e sociais dados a refugiados, datam de 2014.

Autonomia e independência abordadas por Hong Kong

Ao contrário de Macau, as ONG de Hong Kong, incluindo o Centro de Direito Público e Comparado da Universidade de Hong Kong, submeteram relatórios que alertaram a ONU sobre questões judiciais, a pouca protecção dos direitos dos trabalhadores migrantes no território e a desqualificação de seis deputados do Conselho Legislativo.

De acordo com o South China Morning Post, um grupo de várias ONG apresentaram algumas das conclusões dos documentos submetidos, defendendo que os “direitos políticos são inseparáveis dos direitos humanos” que, por isso, têm afectado as liberdades básicas dos naturais de Hong Kong desde 2008, altura em que foram enviadas as últimas informações. “Quando os defensores de um ponto de vista político não conseguem garantir uma posição de influência através das eleições ou em outros processos democráticos, então sabemos que os direitos humanos não passam de meras casualidades”, disse o professor de Direito da Universidade de Hong Kong, Puja Kapai.

O documento, com 55 páginas, alerta ainda para o facto de a “China ter vindo a colocar em risco o elevado grau de autonomia prometido a Hong Kong”, apontando para a necessidade do continente respeitar “a delineação de responsabilidades entre o Governo de Hong Kong e o Governo chinês”. Um dos exemplos apontados refere a instalação de pontos de verificação no terminal de Hong Kong do metro que estabelece uma ligação com Shenzen.

A falta de direitos dos trabalhadores migrantes é um dos pontos abordados no relatório submetido pelo Centro de Direito Público e Comparado da Universidade de Hong Kong. “O Governo de Hong Kong continua a aplicar o sistema de empregadas internas e a regra das duas semanas que obriga as empregadas domésticas a viverem com os seus patrões e a deixar o território duas semanas depois do fim do contrato. Relatórios recentes sugerem que casos de abusos e discriminação contra as empregadas domésticas acontecem por vários motivos, incluindo a sua nacionalidade, algo que continua a ser um problema sério”, lê-se.

Além disso, “os nacionais do continente continuam a enfrentar uma discriminação significativa em Hong Kong que é semelhante à discriminação em relação a outras nacionalidades, devido clima único histórico e político e também devido às diferenças entre Hong Kong e o continente”, defendem os responsáveis deste relatório, que foi feito com base num inquérito.

  • Artigo editado. Inclusão das declarações das responsáveis pelas ONG International Disability Alliance (IDA) e Global Initiative to End All Corporal Punishment of Children
7 Ago 2018

Consulta pública | Macau tenta apaziguar preocupações da ONU quanto a direitos civis e políticos

Em Abril de 2013, O Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas fez algumas observações sobre o respeito dos direitos humanos, civis e políticos em Macau. A liberdade de expressão de activistas políticos e jornalistas representou parte considerável das preocupações da ONU. Agora, Macau irá tentar demonstrar os progressos que fez desde 2013. Para já, a resenha de temas a abordar pela DSAJ está em consulta pública até 12 de Fevereiro e aponta para a continuidade da situação verificada desde 2013

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando a bandeira portuguesa foi substituída pela chinesa e nasceu a RAEM, um conjunto de pactos de Direito Internacional passaram para a nova realidade administrativa e jurídica de Macau. Entre eles, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, um tratado internacional aprovado por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em Dezembro de 1966. Este é um dos pilares jurídicos da Carta Internacional dos Direitos Humanos, onde se procura defender um conjunto de liberdades individuais e garantias de acesso à justiça e participação política.

Em 2009, Macau entregou o primeiro relatório desde a constituição da RAEM e prepara-se agora para entregar o segundo, respondendo a uma série de preocupações da ONU. Para já, a resenha de temas a abordar encontra-se em consulta pública até 12 de Fevereiro, de modo a receber opiniões da população, ou de associações e organizações não governamentais.

Para já, a Direcção dos Serviços de Assuntos da Justiça (DSAJ) tem de convencer um painel de peritos independentes, nomeados por Estados membros do pacto internacional, de que o Governo de Macau melhorou nos aspectos criticados no relatório de 2013. Em primeiro lugar, o documento da lamenta que a RAEM tivesse demorado tanto tempo a submeter o primeiro relatório à organização intergovernamental.

As áreas mais problemáticas das recomendações da ONU foram a justiça, a falta de representatividade democrática, a independência do Comissariado contra a Corrupção face ao Executivo, a liberdade de expressão de jornalistas e activistas, a protecção laboral de trabalhadores residentes, entre outras. Cabe agora a Macau, convencer os peritos nomeados pela ONU de que as recomendações dadas em 2013 foram ouvidas.

Torto e a Direito

A China é um dos poucos países que não assinou o tratado internacional em questão. Ainda assim, como os relatório têm de ser submetidos por países, cabe às autoridades chinesas entregar os documentos de Macau e Hong Kong, depois de Pequim garantir a continuidade do tratado nas regiões administrativas especiais. O Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais é outro tratado cuja continuidade foi assegurada pela China, e que permite que um vasto conjunto de direitos, de cariz internacional, continuem a vigorar.
O documento de recomendações da ONU, depois de elogiar a assinatura de protocolos contra a prostituição e pornografia infantil, tráfico e pessoas e legislação sobre asilo de refugiados, lança uma série de recomendações ao Governo, algumas delas que serão complicadas de observar.

O grupo de peritos que analisou a realidade de Macau aquando do primeiro relatório entregue pela RAEM lamentou a falta de conhecimento de um tratado internacional, que vigora acima das leis locais, entre profissionais judiciais e do público em geral. Uma das principais preocupações dos peritos da ONU quanto à Lei Básica de Macau é que a sua interpretação está a cargo do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, “um facto que enfraquece e que mina o Estado de Direito, assim como a independência do sistema judicial”, como se pode ler na lista de recomendações.
Nesse aspecto, o Comité dos Direitos Humanos sugeriu que Macau deve assegurar o funcionamento normal dos tribunais e da interpretação da lei fundamental de acordo com o tratado internacional.

Outra questão institucional de fundo que mereceu críticas por parte do Comité dos Direitos Humanos é a independência do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). Em 2013, os peritos mostraram-se desagradados perante a falta de informação completa que atestasse a efectiva independência do CCAC, nomeadamente no que toca às investigações ao Executivo, uma vez que o comissário é nomeado pelo próprio Chefe do Executivo.
Neste caso, apesar da DSAJ ainda não ter redigido o relatório, a resenha de assuntos a ser abordados, e que se encontra em consulta pública, diz que os peritos serão actualizados quanto ao trabalho da Provedoria de Justiça.

Democracia longínqua

Uma das principais preocupações do Comité dos Direitos Humanos prende-se com o défice democrático de Macau. Apesar de reconhecer a emenda de 2012 feita à Lei Básica no que toca à regulação da eleição do Chefe do Executivo, com o aumento dos membros do Comité Eleitoral de 300 para 400 membros, a alteração não foi considerada suficiente.
“O artigo 25º do pacto protege o direito de todos os cidadãos a participar na condução dos assuntos públicos, o direito de votar e eleger, assim como o direito de aceder ao serviço público”, pode-se ler nas observações do organismo da ONU. Neste aspecto, o Comité dos Direitos Humanos, explicitamente lamenta que Macau “não tenha manifestado intenção de estabelecer o sufrágio universal para assegurar o direito de todos os cidadãos a eleições genuínas”. O organismo internacional entende que “a introdução de medidas preparatórias para o sufrágio universal” deve ser considerada prioritária. Além do aumento da constituição do Comité Eleitoral, foram ainda aumentados o número de deputados eleitores directa e indirectamente, algo que os peritos das Nações Unidas vão avaliar se será suficiente.

O funcionamento da justiça é outro dos pilares essenciais para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, daí a preocupação manifestada com a formação de juízes e procuradores, assim como a falta de magistrados para dar vazão ao volume de processos nas secretarias dos tribunais. Neste capítulo, a falta de celeridade processual era uma das preocupações demonstradas aquando das recomendações de 2013.
O rascunho de temas a abordar na resposta às preocupações da ONU revela que a DSAJ pretende actualizar o comité quanto à estrutura do sistema judicial de Macau, ao direito ao apoio judiciário, à formação de funcionários judiciais, à estatística do número de juízes, procuradores e advogados e às medidas adoptadas para reduzir os atrasos processuais.

Abrir a boca

Outra área onde Macau pode ter problemas em explicar os avanços que tem feito é na forma como trata jornalistas e defende a liberdade de expressão, nomeadamente face aos inúmeros casos de jornalistas oriundos de Hong Kong impedidos de entrar na RAEM.
“As medidas contra jornalistas e activistas criam um ambiente que desencoraja a crítica”, ou liberdade de reportar uma realidade inconveniente para o Executivo, “afectando a liberdade de expressão de Macau”, lê-se nas observações do Comité dos Direitos Humanos. O organismo da ONU mostrou-se preocupado com a autocensura de meios de comunicação social e a aplicação de leis de segurança interna que barram a entrada no território a jornalistas e activistas de Hong Kong. A organização internacional não compra a justificação de que este tipo de pessoas “constitui uma ameaça à estabilidade da segurança interna”.

Neste aspecto, na resenha da DSAJ pode-se ler que “será relatado que a informação a este assunto permanece, na sua maioria, inalterada em relação ao relatório anterior”.
Numa situação destas, se os peritos da ONU identificarem que um Estado não cumpre, primeiro emite uma recomendação a identificar a lacuna de uma forma mais acintosa. Esta situação tem efeitos ao nível da imagem externa e pode mesmo chegar ao ponto de outro Estado Membro acusar o Estado em causa de violação do Direito Internacional. Porém, além da censura política, normalmente nesta matéria há um acordo de cavalheiros entre os membros dos tratados internacionais que impede que do ponto jurídico sejam tomadas medidas extremas, como a expulsão.

Também o direito à reunião será alvo das conversações entre o organismo da ONU e o Governo de Macau. Após a entrega do primeiro relatório, o Comité dos Direitos Humanos expressou preocupações sobre as consequências penais para quem usa da liberdade de expressão de reunião. A organização internacional achou particularmente alarmante que se confunda o exercício de direitos com “incitamento, desobediência colectiva à ordem pública e à lei com a intenção de destruir, alterar ou derrubar o sistema político, económico ou social”. O Comité dos Direitos Humanos mostrou também “preocupação com os relatos do uso de câmaras por parte das forças polícias para filmar manifestações”. Neste aspecto, o Governo de Macau também não fez grandes alterações ao que se verificava em 2013.

A direcção liderada por Sónia Chan deverá entregar o relatório sobre a implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos em meados de Março. Depois disso, o documento será analisado por um painel de peritos especialistas em direito internacional na área dos direitos humanos. Aí começa um processo que pode demorar dois, ou três, anos e que culminará com a ida de uma delegação da DSAJ a Genebra.

Antes disso, os peritos ainda vão ouvir organizações não governamentais, associações e indivíduos que possam contribuir para clarificar dúvidas dos técnicos escolhidos pela ONU. Por exemplo, após a entrega do anterior relatório Jason Chao foi ouvido pelo grupo de peritos, assim como o Centro do Bom Pastor. O documento de recomendações do Comité dos Direitos Humanos já está a ser analisado pela Associação Novo Macau.
Da reunião entre os membros da DSAJ e da ONU vão sair novas recomendações para o Executivo de Macau.

19 Jan 2018