Direitos civis e políticos | Associações locais não submeteram relatórios à ONU

É já esta sexta-feira que os peritos da ONU vão avaliar a implementação da convenção internacional para a eliminação de todas as formas de discriminação racial em vários países, que abrange direitos políticos, igualdade de acesso ao emprego, segurança social e habitação, entre outros. As associações de Macau não entregaram qualquer relatório. Em Hong Kong, mais de 50 submeteram documentos

 

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau vai ser alvo do escrutínio dos peritos da Organização das Nações Unidas (ONU) esta sexta-feira, em Genebra, relativamente à garantia de uma série de direitos civis e políticos, tal como a China e Hong Kong. Contudo, a única base para essa análise será um relatório oficial do Governo de Macau, pois nenhuma associação local submeteu documentos, nem mesmo a Associação Novo Macau (ANM). Pelo contrário, um total de 54 organizações não governamentais (ONG) de Hong Kong enviaram para a Suíça um relatório.

Os peritos da ONU vão, esta sexta-feira, avaliar a implementação da Convenção Internacional para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (CERD, na sigla inglesa), firmada na década de 60. Esta conta com um corpo de 18 peritos em direitos humanos que são escolhidos a cada quatro anos.
O HM contactou todas as associações que, em 2013, submeteram relatórios sobre o panorama dos direitos civis e políticos em Macau, mas apenas obteve resposta da ANM quanto à não entrega do documento. Jason Chao, activista ligado à associação que sempre foi co-autor de todos os relatórios entregues, adiantou que, por sua sugestão, a ANM deixou de entregar relatórios anuais.
“Actualmente, a Novo Macau submete relatórios em resposta aos ciclos de revisão dos tratados internacionais. Em Março deste ano submetemos um relatório em resposta à Revisão Periódica Universal do Conselho dos Direitos Humanos da ONU”, referiu apenas. Sulu Sou, deputado da Novo Macau, garantiu não ter qualquer conhecimento sobre os planos de envio dos relatórios, tendo remetido quaisquer questões para Jason Chao.

Silvia Quan, responsável pela International Disability Alliance (IDA), que submeteu um relatório em 2013, adiantou ao HM que o trabalho desta ONG é mais virado para o Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência. “O comité fez um trabalho de revisão [da convenção] em 2013, e a IDA colaborou com a sociedade civil a partir da China, Hong Kong e Macau para fazer submissões para esse processo. A IDA não trabalha com o Comité contra a Discriminação Racial, daí a nossa ausência de submissão.”

Eloise Di Gianni, responsável pela ONG Global Initiative to End All Corporal Punishment of Children, adiantou que não tem por hábito fazer submissão de relatórios para este Comité da ONU, porque “não trabalha directamente com questões de punição corporal contra crianças, nas quais nos focamos”.

No entanto, esta ONG vai submeter informações relativas a Macau para a Universal Periodic Review of China, que acontece em Novembro deste ano.

Os tópicos de 2013

Em 2013, a ANM reportou a detenção de Jason Chao aquando da visita de Wu Banguo, ex-presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), acusando a Polícia Judiciária de “abusar do seu poder para deter um jornalista”, algo que revelou violação à “liberdade de imprensa e uma privação arbitrária das liberdades individuais”. Já a Aliança Internacional para a Deficiência (IDA, na sigla inglesa) questionava “que passos estão a ser dados face ao risco de mulheres e crianças com deficiência se tornarem vítimas de violência doméstica e abusos”. A mesma ONG perguntava também à ONU o que estava a ser feito “para proibir a esterilização de pessoas com deficiência com autorização de terceiras partes, como membros da família ou tutores”.
A IDA pediu ainda ao Governo da RAEM a adopção de “medidas efectivas para promover a integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, incluindo a atribuição de incentivos aos empregadores e o reforço do sistema de quotas laborais para as pessoas com deficiência”. De frisar que recentemente foi aprovada a lei que dá benefícios fiscais às empresas que contratam portadores de deficiência.
No que diz respeito aos direitos da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero), o grupo LGBT Rights Concern Group submeteu um documento onde alertava para a questão dos casais do mesmo sexo não estarem contemplados na lei de prevenção e combate à violência doméstica, que foi revista e implementada sem incluir esse ponto.
A não entrega dos relatórios nesta 96ª sessão anual de revisão da convenção significa que as associações locais ficam afastadas da possibilidade de ter uma voz em questões políticas e cívicas, além de não poderem participar no debate sobre esses assuntos em Genebra. Além disso, o envio do relatório em Março não impedia as associações de submeterem novamente documentos este mês, pois estão em causa organismos diferentes da ONU. As análises feitas no âmbito da 96ª sessão anual terminam no dia 30 de Agosto.

 

Governo ignora lei sindical

No relatório submetido aos peritos da ONU, o Governo da RAEM ignora os pedidos de implementação de uma lei sindical e garante que residentes e trabalhadores não residentes (TNR) têm igualdade de acesso ao emprego.
No que diz respeito ao “direito a formar a aderir a sindicatos”, o Executivo aponta que, de acordo com a Lei Básica, “os residentes da RAEM chineses e não chineses, e os TNR têm o mesmo direito de formar ou aderir a sindicatos, e também de realizar greves”. Além disso, lê-se que “a lei 4/98/M [define as bases da política de emprego e dos direitos laborais] estipula que os trabalhadores têm o direito de se tornarem membros de associações que representam os seus interesses. A lei 7/2008 [lei das relações do trabalho] e a lei 21/2009 [lei da contratação de TNR] expressam a proibição de um empregador de dissuadir, de qualquer forma, de exercitar os seus direitos”.
Não existe, portanto, qualquer referência ao estudo sobre a implementação da lei sindical que está a ser feito pela Associação de Estudo de Economia Política, presidida por Kevin Ho.
Na área do “Direito ao trabalho”, o Executivo lembra que “os TNR, tenham ou não nacionalidade chinesa, têm igualdade de acesso aos direitos e garantias que os residentes têm à luz da lei”. “Esses direitos e garantias incluem a provisão de horas de trabalho e períodos de folgas, descanso semanal e férias anuais”, lê-se no relatório oficial submetido à ONU. É também referido que “os TNR têm direitos especiais, expressamente estipulados na lei das relações do trabalho, que incluem a garantia de alojamento adequado e repatriação no caso do término das relações laborais”.
O Governo frisa ainda que “tem vindo a prestar atenção às condições de vida e de trabalho dos recém-chegados, de diferentes raças, a Macau (incluindo os TNR), providenciando-lhes serviços nos diferentes departamentos governamentais e organizações de serviço social não governamentais, que de forma persistente disponibilizam diferentes formas e canais de assistência para que possam saber mais sobre os diferentes serviços e estruturas da RAEM”.
No que diz respeito às eleições ou outras questões ligadas à área dos direitos humanos, o relatório deixa a ressalva de que, desde 2013, não houve mudanças significativas, quer em termos de leis implementadas quer ao nível de casos ocorridos. Os dados mais recentes apresentados sobre vários tópicos, tal como os apoios financeiros e sociais dados a refugiados, datam de 2014.

Autonomia e independência abordadas por Hong Kong

Ao contrário de Macau, as ONG de Hong Kong, incluindo o Centro de Direito Público e Comparado da Universidade de Hong Kong, submeteram relatórios que alertaram a ONU sobre questões judiciais, a pouca protecção dos direitos dos trabalhadores migrantes no território e a desqualificação de seis deputados do Conselho Legislativo.

De acordo com o South China Morning Post, um grupo de várias ONG apresentaram algumas das conclusões dos documentos submetidos, defendendo que os “direitos políticos são inseparáveis dos direitos humanos” que, por isso, têm afectado as liberdades básicas dos naturais de Hong Kong desde 2008, altura em que foram enviadas as últimas informações. “Quando os defensores de um ponto de vista político não conseguem garantir uma posição de influência através das eleições ou em outros processos democráticos, então sabemos que os direitos humanos não passam de meras casualidades”, disse o professor de Direito da Universidade de Hong Kong, Puja Kapai.

O documento, com 55 páginas, alerta ainda para o facto de a “China ter vindo a colocar em risco o elevado grau de autonomia prometido a Hong Kong”, apontando para a necessidade do continente respeitar “a delineação de responsabilidades entre o Governo de Hong Kong e o Governo chinês”. Um dos exemplos apontados refere a instalação de pontos de verificação no terminal de Hong Kong do metro que estabelece uma ligação com Shenzen.

A falta de direitos dos trabalhadores migrantes é um dos pontos abordados no relatório submetido pelo Centro de Direito Público e Comparado da Universidade de Hong Kong. “O Governo de Hong Kong continua a aplicar o sistema de empregadas internas e a regra das duas semanas que obriga as empregadas domésticas a viverem com os seus patrões e a deixar o território duas semanas depois do fim do contrato. Relatórios recentes sugerem que casos de abusos e discriminação contra as empregadas domésticas acontecem por vários motivos, incluindo a sua nacionalidade, algo que continua a ser um problema sério”, lê-se.

Além disso, “os nacionais do continente continuam a enfrentar uma discriminação significativa em Hong Kong que é semelhante à discriminação em relação a outras nacionalidades, devido clima único histórico e político e também devido às diferenças entre Hong Kong e o continente”, defendem os responsáveis deste relatório, que foi feito com base num inquérito.

  • Artigo editado. Inclusão das declarações das responsáveis pelas ONG International Disability Alliance (IDA) e Global Initiative to End All Corporal Punishment of Children
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