José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasCristãos em guerras [dropcap]A[/dropcap] Guerra das Religiões (1517-1648) ia já a meio quando Portugal passou a ser governado por Filipe I, soberano católico espanhol dos habsburgs contra quem desde 1568 os Países Baixos (Holanda), após se converterem ao protestantismo, lutavam pela sua independência, na que ficou conhecida por Guerra dos 80 Anos. Uma das muitas guerras entre cristãos que se desenrolavam na Europa, dividida entre os países do Norte, ligados ao protestantismo e os do Sul, a manterem-se católicos. Mas a questão ultrapassava largamente os problemas da fé e debaixo dessa capa os senhores da terra procuravam levantar revoltas nas regiões que dominavam para se libertarem do julgo espanhol e do Sacro Império e formar novos países. Esta Guerra das Religiões ocorreu apenas dentro do Cristianismo [pela visão chinesa do século XIX, o catolicismo e o protestantismo são duas religiões diferentes] cuja divisão começou em 1517 quando o monge Martinho Lutero (1483-1546) afixou as suas 95 teses à entrada da igreja do Castelo de Wittenberg (Saxónia), onde denunciava o tráfico de indulgências pelas autoridades eclesiásticas em Roma. Tal estava relacionado com o Papa Júlio II (1503-1513), que usou parte desse dinheiro para pagar a Miguel Ângelo as pinturas da Capela Sistina. [Interessante é ver na actualidade os povos que abraçaram o protestantismo viverem no mais forte materialismo ao ponto de fazerem do dinheiro o seu Deus]. Em 1520 foram publicados os principais escritos de Lutero e o Papa Leão X excomungou-o. Em 1530 ocorreu a Profissão de fé de Augsburgo, onde ficaram traçados os princípios da religião cristã reformada. Para a reforma luterana a única autoridade está na Palavra de Deus escrita na Bíblia e não aceita a supremacia papal e dos sacramentos, a contrariar a doutrina católica, que segue a tradição da Igreja, no poder do magistério, do Papa e clero, os seus dogmas e culto dos santos. Próximo das teses de Lutero, João Calvino (1509-1564) fugiu de França em 1536 para se refugiar em Genebra e aí publicou A Instituição da Religião Cristã, mas sendo perseguido, em 1541 regressou à sua terra natal. Assim foi criado o calvinismo, sendo os leigos a exercer a autoridade no interior da Igreja, não reconhecendo o episcopado, a única diferença para com o luteranismo. Na Alemanha, em 1525 Lutero colocara-se ao lado dos príncipes contra os camponeses, quando estes entraram em guerra contra a exploração pelos seus senhores, pois para ele a religião do príncipe é a religião vigente no seu território. O luteranismo desde 1530 expandiu-se à Alemanha e à Europa do Norte e a reforma calvinista a partir de 1541 começou a estender-se à Suíça, a França, aos Países Baixos e à Escócia. Também inserido na família protestante, a Igreja Anglicana, apesar do inicial pendor católico, separou-se em 1534 da Igreja Católica Romana pois Henrique VIII pretendia divorciar-se de Catarina de Aragão para que o seu casamento com Ana Bolena ficasse legítimo. O Papa Clemente VII não acedeu e por isso, no que ficou conhecido por Acto de Supremacia, rompeu oficialmente com a Santa Sé, confiscando em Inglaterra todos os bens da Igreja Católica e tornando-se o chefe supremo dos anglicanos. Ainda em 1534, Inácio de Loyola e os companheiros pronunciavam votos em Montmartre (Paris), que levará à fundação da Companhia de Jesus em 1540. O Concílio de Trento (1545-1563) fecha a Idade Média e deu início à Contra Reforma da Igreja Católica. Em França, a guerra religiosa entre católicos e protestantes atingiu o auge em Paris no massacre da noite de São Bartolomeu a 24 de Agosto de 1572. Com a assinatura da Paz de Vestefália em 1648 (o primeiro tratado moderno), terminava a Guerra dos 30 Anos, um conjunto de devastadoras guerras ocorridas sobretudo na Alemanha e com ela findava (não totalmente) a Guerra das Religiões na Europa, cujos reflexos pelo resto do mundo se continuou a fazer sentir nas colónias europeias ultramarinas. Emergiu então lentamente uma nova organização de estados, com as monarquias a transformarem-se nas modernas nações-estado. Mas ninguém venceu, apenas essas diferentes igrejas abriram mão do seu controlo sobre o julgamento do indivíduo e quem melhor preparado para o agarrar do que René Descartes (1596-1650) com a sua geometria cartesiana de projecção, centrando o observador em si mesmo como padrão. Estatuto de Macau Com a Dinastia dos Filipes no trono de Portugal, a notícia da união das duas coroas chegou a Macau a 31 de Maio de 1582 através do padre Alonso Sanchez, S.J., enviado de Manila a 12 de Janeiro de 1582 pelo Governador das Filipinas D. Gonçalo Ronquilho para promover nesta cidade a aclamação de Filipe II. O navio que transportava este emissário foi desviado por uma tempestade para as costas de Fujian e vários contratempos ocorreram com as autoridades chinesas no seu caminho até Cantão e só no fim de Maio conseguiu entrar em Macau. A 18 de Dezembro de 1582 na Casa da Companhia, então o Colégio de S. Paulo, Macau prestava juramento de fidelidade a Filipe II de Espanha, mas como a China não permitia que os espanhóis aqui exercessem a sua autoridade, Macau continuou com a bandeira portuguesa e nunca a substituiu pela espanhola. A Dinastia Ming (1368-1644) tinha já então mais ou menos definida uma política para Macau e os vice-reis de Cantão fechavam os olhos à situação consumada da presença portuguesa. Em Cantão começaram a aparecer barcos espanhóis provenientes de Manila para tentar obter uma base de comércio, o que causou apreensão às autoridades chinesas. O novo Vice-rei de Guangdong e Guangxi Chen Rui em 1582 mandou uma chapa para Macau a convocar o bispo e o capitão-mor para comparecerem perante o seu tribunal em Zhaoqing (capital da província), pois pretendia esclarecer o estatuto de Macau, ainda não reconhecida legalmente pelo Governo de Cantão. No entanto, os mandarins do distrito de Huengshan aqui tinham já os seus funcionários chineses nos serviços alfandegários, mas estes magistrados “só interferiam nos assuntos internos de Macau quando era absolutamente necessário”, segundo Tien-Tsê Chang, que refere, “Durante os primeiros 25 anos após 1557 os mandarins mais importantes de Cantão pouca importância deram ao estabelecimento português em Macau.” Outro motivo para o vice-rei de Cantão convocar os portugueses era averiguar a razão dos “espanhóis entrarem tantas vezes clandestinamente no território chinês, contra as leis proibitivas marítimas. Só através dos portugueses, podia ele obter informações para confirmar as acusações” de irem tomar posse da China. E continuando com Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, “A intervenção de Chen Rui é exactamente a prova da lealdade com o cargo para que fora nomeado. Como é que ele poderia deixar de intervir tendo notícias sobre uma possível invasão da China pelos Castelhanos?” Segundo Victor F. S. Sit, tal intenção de conquistar a China existia como se constatou nos planos apresentados pelos jesuítas Francisco Cabral em 1584 e dois anos depois por Alonso Sanches.