Hoje Macau VozesForma urbana (I) – Das tempestades e do atrito urbano Por Mário Duarte Duque, arquitecto A forma urbana é uma característica que condiciona tudo o que constitui transporte no espaço urbano, nomeadamente água e ar. Tal característica é, por sua vez, uma síntese de vários aspectos da forma urbana, entre eles “o atrito”, ou seja, a resistência ao transporte, e que na cidade se designa por “atrito urbano”. O atrito da superfície urbana retarda a drenagem da água das chuvas, aumenta o tempo de concentração de toda a água recolhida numa bacia hidrográfica, assim como atrasa a possibilidade do colector de toda essa bacia entrar em colapso. Esse atrito urbano forma-se no tipo de revestimento de superfície e nas características desse revestimento. Um coberto vegetal constitui não só maior atrito que uma superfície construída como contribui par um maior tempo de concentração da drenagem de uma bacia, porque também grande parte da água é infiltrada no solo. Assim como, uma via em paralelepípedos de pedra constitui maior atrito que uma via em laje lisa de betão. As vias de paralelepípedos de pedra, na RAEM só não contribuem para um maior tempo de concentração de toda a drenagem porque, acessoriamente e para facilidade de manutenção, são construídas sobre uma laje de betão que não permite qualquer infiltração de água no solo. Já para o que se prende com o transporte do ar, importa separar as brisas geradas localmente, dos ventos de circulação regional ou geral. Na situação de tempestades, são os ventos regionais que estão em comando e o “atrito urbano” a esse transporte já não se forma na superfície urbana, mas no chamado “canópio urbano”, constituído pela superfície urbana quando ela não está ocupada, mas também por todo o relevo que resulta de copas de árvores e de construção. Sendo o “canópio urbano” da RAEM formado na sua generalidade por construção, interessa conhecer porque os ventos são sentidos de modo diferente na cidade durante uma tempestade, independentemente da exposição dos lugares. Uma morfologia urbana constituída por construção com a mesma altura, rasgada por vias a que chamamos espaços canal afundados na massa construída, o vento varre esse “canópio urbano” com muito pouco atrito e pouca repercussão ao nível da superfície urbana. É muito parecido ao modo como as populações dos desertos se defendem em torno de pátios abaixo do nível do solo, durante uma tempestade de areia. Se ao longo do mesmo “canópio urbano” existir alguma irregularidade de alturas, isso confere um acréscimo de textura a esse “canópio urbano”, o mesmo quer dizer maior “atrito urbano”, mas ainda com muito pouca repercussão ao nível da superfície urbana. O risco que advém dessas situações é mais porque a resistência ao vento reside na textura desse “canópio urbano” que muitas vezes é constituído por construções informais nas coberturas, não sujeitas a cálculo, por vezes mal fixas, que se desprendem durante uma tempestade, e que podem causar danos graves. Todavia, quando o espaço urbano é constituído por grandes torres dispersas, o atrito que disso resulta é enorme e dá origem a um verdadeiro caos. Esse caos resulta do facto de que a textura do “canópio urnbano” constitui um “atrito urbano” cuja resistência e exposição equivale ao impacto do vento, e reencaminha o ar no espaço urbano, não só numa multiplicidade de direcções, mas também em diferentes sinais de sentido. Isso explica porque na mesma fachada de um edifício alto há vidros que entram pelos interiores da construção e vidros que são sugados para o exterior. O centro ou a meia altura de uma fachada é o centro do impacto e é onde os vidros são comprimidos no interior de uma construção. As extremidades da fachada é para onde o ar é divergido, se liberta do obstáculo, e de onde os vidros são sugados para o exterior com tudo o que se encontra no interior dessas construções. Se dobrarmos a esquina de uma construção alta, e que sequer é o lado exposto ao vento, todos os vidros dessa esquina acabam por estar também sujeitos a um efeito de sucção. Nada mais que o mesmo efeito que mantém os aviões no ar quando eles se deslocam. E se numa construção pequena temos a certeza que a água corre de cima para baixo quando chove. Numa construção alta podemos ter a certeza de que ela pode correr ao longo das fachadas em qualquer direcção. Chegados aqui, o “canópio urbano” só pode ser visto como uma componente do planeamento urbano e não um resultado aleatório desse planeamento. Convencionalmente a atmosfera classifica-se por caótica. O sentido que nisso reside prende-se com uma infinidade de condições e de magnitudes diversas que é ainda impossível introduzir num modelo, para reproduzir e explicar os efeitos exactos. “Caos” caracteriza tudo o que percepcionamos, mas que não compreendemos na totalidade, nem temos o controlo. “Caos é a “cruzada” primordial da razão, para compreender e controlar fenomenologia, com o propósito de converter as ideais em “cosmos”. Mesmo não compreendendo na totalidade, “caos” é também algo que se alimenta para aumentar a energia que se reconhece nos sistemas e para facilitar actuação de mecanismos que são capacidade própria desses sistemas. Em ciência, “caos” está associado a uma componente dos sistemas a que se chama “entropia”, e é também a razão por que toda a investigação na vertente da manipulação ambiental e atmosférica é comtemplada com grande cautela, exactamente porque mexe em muito que não se conhece na totalidade. O certo é que, hoje, na passagem de uma tempestade, temos o ar limpo, não tivemos danos, e todos partilhamos uma sensação de “fresh start”.