Droga | Programa de distribuição de seringas é exemplo na Ásia

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] programa de distribuição de seringas a toxicodependentes em Macau é um exemplo para toda a região asiática, afirmou o presidente da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM), Augusto Nogueira, no Rádio Macau Entrevista.

“Macau é das poucas regiões aqui da Ásia que tem um programa de distribuição de seringas oficial e isso significa que Macau está muito à frente de outros países aqui na Ásia.Temos um programa de metadona na prisão, também. Hoje, nenhum toxicodependente vai para a prisão ressacar a frio”, observou Augusto Nogueira.

De acordo com a mesma fonte, o presidente da ARTM disse que existe o plano de criar uma empresa social em Ká-Hó, Coloane, para oferecer uma oportunidade aos toxicodependentes mais velhos que procuram tratamento: “Muitas pessoas com idade avançada, depois de saírem dali, não têm para onde ir”, alertou Nogueira.

Sobre a situação do consumo de estupefacientes em Macau, Augusto Nogueira considerou que a droga “é um problema”, mas que não se verifica “um consumo elevadíssimo como noutros países”.

19 Jun 2018

ARTM faz 25 anos. “Ninguém devia ir para a prisão por consumo de droga”, diz Augusto Nogueira

O tratamento deve ser a prioridade sobre tudo o resto. Quem o defende é o presidente da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM), para quem ninguém deve ir para a prisão por consumir droga. Em entrevista ao HM, Augusto Nogueira faz um balanço da actividade da organização que, há dez anos, lançou um programa de troca de seringas que contribuiu para a diminuição da ocorrência de novos casos de VIH

 

A ARTM, que preside desde 2000, é herdeira da Ser-Oriente, que se estabeleceu em Macau há 25 anos. Quais foram as principais conquistas?

Foram muitas. Em 2000/2001 um dos primeiros objectivos foi, desde logo, obter o subsídio do Instituto de Acção Social [IAS], porque nunca tínhamos tido. Era um dos pontos mais importantes para continuarmos a trabalhar em Macau, porque era impensável continuarmos a bater porta a porta como antigamente a pedir apoios para a nossa subsistência. Depois foi a própria estabilização da ARTM porque, inicialmente, o subsídio era reduzido. Dava para pagar a renda e pouco mais, pelo que foram tempos de angústia e até estivemos quase a fechar portas, mas travámos uma luta enorme para termos um apoio maior e, ao fim e ao cabo, para que acreditassem que estávamos aqui para ficar. Quando o IAS aumenta o subsídio a ARTM começa a crescer, a criar mais programas, a abrir centros. Depois, salvo erro em 2004, numa altura em que há um grande aumento de casos de VIH [Vírus da Imunodeficiência Humana] tendo a utilização de drogas injectáveis como via de transmissão, a ARTM foi convidada a integrar a Comissão de Luta Contra a SIDA. Em 2008, introduz o programa de distribuição de seringas e abre um segundo departamento para apoiar quem participa no programa de metadona [do IAS]. Outro passo importante foi a criação, em 2010, de um centro de tratamento feminino e, no ano seguinte, do espaço Be Cool, dedicado aos mais jovens, que tem estado a funcionar muito bem e é responsável pela prevenção nas escolas para a comunidade não falante de chinês. Já em 2016 abrimos estas instalações [em Ká-Hó] que abrangem outras adições para além da toxicodependência. Além disso, há todo esse trabalho que temos vindo a desenvolver no plano internacional, como a participação em várias conferências e a organização, no final do ano passado, da conferência mundial da Federação das Organizações Não-Governamentais para a Prevenção de Droga e Abuso de Substâncias.

Que resultados alcançou o programa de troca de seringas desde que foi lançado há dez anos? Tem contribuído significativamente para baixar novos casos de VIH, correcto?

Exactamente. É um dos maiores marcos da ARTM. É algo que deve deixar Macau orgulhoso, porque graças ao programa de troca de seringas e do de metadona já vamos no terceiro ano consecutivo sem novas infecções por VIH entre os consumidores de droga. Em dez anos, recolhemos 316.648 seringas, registando uma taxa de retorno na ordem dos 80 por cento. Em 2017, por exemplo, distribuímos 23 mil e recolhemos 18 mil, mas o número tem sido flutuante, algo que tem que ver com diversos factores, tais como a existência de menos consumidores de heroína – em linha com a tendência mundial – ou o trabalho da polícia. Por outro lado, como agora há um maior entendimento por parte dos juízes de que faz parte dos esforços de protecção da saúde pública devido ao VIH, os consumidores também sentem maior segurança em ir buscar e devolver as seringas, mas tal não é sinónimo de maior consumo.

Qual é o actual ponto de situação do consumo de droga em Macau?

Tem-se mantido estável. Olhando para os dados, acho que a única coisa que se pode realçar – porque não era comum – é um aumento do consumo de cocaína. Em sentido inverso, decresceu o consumo de ketamina. Já o de ‘ice’ sofreu uma subida residual, mas, em geral, o cenário é estável.

No Sistema de Registo Central dos Toxicodependentes do IAS, encontram-se referenciados cerca de 600 toxicodependentes, mas este número tem por base a declaração voluntária de quem solicita ajuda, junto das instituições oficiais ou organizações não-governamentais, e também os dados da polícia ou dos tribunais. Qual é o verdadeiro cenário?

Obviamente, esse número está abaixo da realidade, mas penso que Macau não é, de facto, um lugar com um elevado consumo de droga. 

Há sensivelmente um ano, entrou em vigor uma alteração à lei que agravou as penas para o consumo até um ano de prisão. Quais têm sido as repercussões?

Não disponho de muitos dados. A única coisa que posso dizer é que o número de pessoas que temos é idêntico ao que tínhamos antes da entrada em vigor da nova lei. Não sentimos que tenha existido uma grande diferença – nem positiva, nem negativa. No entanto, temos casos de pessoas que vão para a prisão por causa do consumo, isto quando devia ser dada prioridade ao tratamento. Se a mão pesada resultasse, muitos países já não tinham consumidores de droga, não é? Actualmente, mesmo na China o consumo é uma sanção administrativa, em que as pessoas são enviadas para a desintoxicação por um período de duas semanas, mas não vão presas, nem ficam com cadastro.

Algo que sucede em Macau…

Sim, esse é outro problema que temos aqui, porque estamos a enviar pessoas muito jovens para a prisão, que vão ficar com cadastro e que, depois, vão ter enormes dificuldades em arranjar emprego e, portanto, em se reinserirem na sociedade. Estamos a falar, por exemplo, de jovens que têm sido condenados a alguns meses [de cadeia] por consumo e a penas de quatro a cinco anos por tráfico de quantidades irrisórias [de estupefacientes].

Quais são os principais desafios com que a ARTM se depara neste momento?

A nossa missão é ajudar as pessoas a reabilitarem-se do problema da toxicodependência, mas é bastante importante que haja a noção de que o tratamento tem que ser prioritário sobre tudo o resto. Gostávamos imenso que houvesse o entendimento de que ninguém devia ir para a prisão por consumir droga. Custa-nos muito ter pessoas dentro do centro que têm, por vezes, de ir a tribunal por casos de consumo e o tribunal insistir em enviá-las para a prisão. No fundo, estamos a tentar ajudar essas pessoas e acabamos por ver o nosso trabalho a ser deitado ao lixo. Está estatisticamente provado que existe um elevado número de recaídas após a saída da prisão, uma situação que tem que ver, obviamente, com o facto de a pessoa não estar curada. Neste sentido, um dos cavalos de batalha da ARTM é mostrar que o tratamento é possível e é uma realidade, e existem infra-estruturas suficientes e com qualidade, com pessoas capazes e qualificadas. Enviar para a prisão não é a solução e não é, aliás, a directriz que está a ser seguida em todo o mundo, porque estamos a falar de pessoas que necessitam de ajuda. É óbvio que vai haver sempre quem vá persistir nos seus pequenos delitos, mas é como tudo na vida: há àqueles que à primeira conseguem fazer o tratamento e outros que demoram mais tempo, mas isso não quer dizer que não haja esperança. A nossa luta é, portanto, tentar fazer com que haja uma percepção diferente fazendo ver que estas pessoas necessitam de apoio, que o tratamento resulta e que a prisão deveria ser a última das soluções.

A ARTM faculta algum tipo de apoio na prisão?

Continuamos a dar apoio aos que estiveram aqui no centro e a outros que conhecemos, porque deram o nosso nome por não terem mais ninguém, com psicólogos a realizarem visitas periodicamente. A nossa coordenadora da parte feminina, inclusive, visita muitas mulheres e tem conseguido que muitas raparigas que saem da prisão venham de imediato para aqui. Dentro da prisão também temos um programa para os estrangeiros, incluindo portugueses, para ajudar a prevenir recaídas e também englobando um aspecto bastante importante que é o da redução de danos.

Quantas pessoas procuraram tratamento na ARTM e qual o universo de recursos humanos de que dispõem?

Desde 1999 foram cerca de 600 as pessoas que passaram pelo programa de tratamento de 12 meses. Já no de troca de seringas temos 369 pessoas registadas e 76 no de apoio ao programa de manutenção de metadona [do IAS]. Em termos de recursos humanos, contamos com 49 funcionários, incluindo psicólogos, assistentes sociais ou monitores. 

Este centro de Ká-Hó abriu em 2016 com a particularidade de estar direccionada também para outros tipos de dependências além da toxicodependência, como o alcoolismo ou o vício do jogo. Tem havido procura nestas novas valências?

Neste momento, temos três pessoas com problemas de alcoolismo e, no passado, tivemos casos de vício de jogo, mas actualmente não temos. Neste momento, estamos a preparar-nos para prestar apoio a vítimas de violência doméstica e, inclusive, já fomos a Hong Kong para ver como funcionam as instituições.

Que projectos ou iniciativas tem a ARTM actualmente em mãos?

A ARTM está envolvida numa ‘task force’ formada por instituições da sociedade civil no âmbito do Comité de Viena para as Organizações Não Governamentais no âmbito da Política de Drogas [VNGOC, na sigla inglesa], em que temos a responsabilidade da Ásia. Para o ano, iremos apresentar sugestões para a sessão especial da Assembleia-geral das Nações Unidas para a revisão das convenções da droga. Já em Macau, dado que o programa de troca de seringas faz dez anos, vamos realizar, a 15 de Junho, uma miniconferência com três oradores, incluindo da UNAIDS [programa de combate ao VIH/SIDA da ONU] e da Organização Mundial de Saúde que vão falar dos benefícios do programa.

27 Abr 2018

ARTM espera aumento de orçamento para a luta contra a droga

Augusto Nogueira, presidente da Associação de Reabilitação e Toxicodependentes de Macau, espera que o secretário Alexis Tam anuncie nas próximas Linhas de Acção Governativa um aumento do orçamento destinado às associações. Hoje arranca a 27ª conferência mundial da IFNGO

 

[dropcap style≠‘circle’]N[/dropcap]as últimas Linhas de Acção Governativa (LAG) o Governo decidiu manter os mesmos montantes de subsídios destinados a associações de cariz social. Contudo, as despesas não têm parado de aumentar. Augusto Nogueira, presidente da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM), disse ao HM esperar novos aumentos nas LAG para 2018.

“Houve medidas de cortes de fundos o ano passado, não houve um aumento. É natural que a ARTM, tendo mudado para um sítio muito maior, mas mantendo o mesmo valor de subsídio, tenha algumas dificuldades em pagar certas despesas, como a electricidade, que quadruplicou. Mas sabemos que para o ano as coisas serão melhores.”

“Esperamos um aumento [nas LAG]. Mas agradecemos o apoio dado à ARTM em relação às novas instalações, que são óptimas”, acrescentou Augusto Nogueira.

O também presidente da federação de organizações não-governamentais para o abuso de drogas e substâncias (IFNGO, na sigla inglesa), falou com o HM à margem da conferência de imprensa que deu o pontapé de saída para a 27ª conferência bianual, que começa hoje e se prolonga até quarta-feira.

A IFNGO junta organizações não-governamentais (ONG) de todo o mundo que trabalham na área da toxicodependência, e a ideia desta iniciativa é juntar no mesmo evento diversas visões desta área.

“Vão ser discutidos quatro pilares que consideramos bastante importantes, como a prevenção, tratamento, redução de danos e adição. Pretende-se com esta conferência que haja uma discussão entre as várias ONG que vão estar presentes e que apoiam a continuidade da criminalização das drogas, a sua descriminalização e algumas até a sua legalização. Pretende-se que haja uma discussão aberta e uma mistura de opiniões.”

No visão da ARTM, o caminho deve ser o da descriminalização. “Temos de aceitar que tudo evoluiu de uma forma diferente e que existem muitas provas e investigação cientifica de que as coisas têm de mudar. Hoje em dia os programas de disponibilização de seringas são bastante importantes para a saúde publica, [além de que] enviar pessoas para a prisão ou para centros de tratamento não é a melhor solução.”

 

Futuro em aberto

Há cerca de um ano que vigora em Macau uma nova lei da droga que trouxe penas mais pesadas de prisão para quem consome estupefacientes. Augusto Nogueira considera é cedo para avaliar se o Governo vai ou não rever novamente o diploma em prol da descriminalização.

“Nem estamos a pensar nisso. Apenas queremos debater. Acredito que depois disto iremos mostrar na comissão [Comissão de Luta contra a Droga, de que Augusto Nogueira é membro] o que foi falado aqui e depois logo se vê. Não queremos forçar o Governo a mudar ou dizer que vamos tentar forçar para que se altere a lei. Sabemos de antemão que há pessoas no Governo que apoiam a ideia de que nenhum tipo de consumidor devia ser preso”, esclareceu o presidente da IFNGO e da ARTM.

Questionado sobre os efeitos do novo diploma, Augusto Nogueira pensa que só em 2018 se poderão notar alguns resultados.

“Muitos dos casos estão a ser julgados com a lei antiga. Actualmente não sentimos ainda uma avalanche de pessoas a entrar no centro de tratamento. Vamos esperar por 2018 para ver o efeito da lei. No meu entender acho que o consumidor de drogas não necessita de ir para a prisão, mas de ser reencaminhado, mesmo que tenha recaídas, para o tratamento de uma ONG”, rematou.

A palestra de hoje vai contar com a presença de Celeste Vong Hin Mui, presidente do Instituto de Acção Social, e do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam.

6 Nov 2017

Droga | ARTM firma parceria com centro de tratamento chinês

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau vai dar início a uma parceria com o centro de tratamento chinês AIDS Care China. Augusto Nogueira contou que a associação que dirige sofreu poucos danos com o tufão Hato, mas que o IAS já se prontificou a ajudar

O intercâmbio entre instituições de terapia é uma forma comum de apurar métodos e conhecimentos. Nesse sentido, a Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM) vai assinar uma parceria com a AIDS Care China, uma clínica de tratamento. De acordo com Augusto Nogueira, presidente da ARTM, a instituição chinesa tem uma abordagem terapêutica “um bocado diferente do que é praticado no resto da China”.

“A AIDS Care China é presidida por alguém que tem uma base de conhecimento de redução de danos, aliás, é um activista nesse sentido, com uma mente muito aberta”, explica Augusto Nogueira.

O português destaca a vontade de cooperar e partilhar sabedoria terapêutica e experiências com a instituição chinesa. Augusto Nogueira destaca a necessidade de olhar para a forma como se tratam consumos comuns de ketamina e ice, que assolam tanto o Interior da China como Macau.

Abordagens similares

Em resultado da parceria, haverá uma troca de funcionários da ARTM e da AIDS Care China, “para ver como eles actuam e para nós também aprendermos com eles”, informa Augusto Nogueira.

O presidente da ARTM considera que todas as parcerias são boas, não apenas para levar longe o nome da associação a que preside, como para dar formação ao seu staff.

A associação de Macau usa métodos mais humanistas em relação ao que se pratica na China, onde as terapias são baseadas em formas mais duras e impositivas. “Nós temos uma abordagem com mais liberdade, com maior campo de acção e espaço para as pessoas, à procura de potenciar as suas capacidades”, comenta Augusto Nogueira.

Em relação aos danos provocados pelo tufão Hato, Augusto Nogueira revela que estes foram mínimos. “Tivemos apenas estragos num portão que se deslocou, uma porta e o centro de distribuição de metadona”, comenta.

O presidente da ARTM revela que o Instituto de Acção Social já se prontificou a ajudar a instituição.

30 Ago 2017

Droga | ARTM destaca sucesso do programa de seringas

Augusto Nogueira, presidente da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau, diz que é cedo para avaliar o impacto da nova lei de estupefacientes, mas destaca o sucesso do programa de recolha de seringas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda é cedo para avaliar os impactos práticos da nova lei de proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, que agravou as molduras penais para os consumidores.

Quem o diz é Augusto Nogueira, presidente da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM), que organiza, no sábado, uma palestra sobre o consumo e tráfico de drogas, através do projecto Be Cool.

“A maior parte dos casos que estão a ser julgados baseia-se ainda na lei antiga. Vai demorar um certo tempo até termos uma ideia se a nova lei está a resultar ou não”, apontou ao HM.

Passaram apenas seis meses desde que a nova lei entrou em vigor, sendo que Augusto Nogueira destaca o sucesso do programa de recolha de seringas.

“Os programas de metadona e distribuição de seringas estão a ser bastante efectivos, e é por isso é que levámos quase com um ano e meio com zero novas infecções entre os consumidores de droga”, frisou.

Apesar do agravamento das penas implementado com a nova legislação, Augusto Nogueira nega que em Macau exista uma política de tolerância zero em relação aos consumidores de estupefacientes.

“Não falo da total descriminalização, porque seria utópico estar a falar nisso. Mas Macau apoia a redução de danos e por isso é que existe o programa de distribuição de seringas. Existem também outros programas de redução de danos levados a cabo por outras associações.”

Ainda assim, “se podem ser feitas mais coisas, ter outro tipo de abertura, ou uma estratégia diferente de encaminhamento, penso que sim, que haveria outros caminhos a seguir”, frisou Augusto Nogueira.

Debater dependências

Em Novembro a ARTM organiza a conferência mundial sobre a prevenção, tratamento e redução de danos no campo das dependências, que vai servir também para Augusto Nogueira assumir a presidência da Federação Internacional de Organizações Não-governamentais para a Prevenção das Drogas e Abuso de Substâncias (IFNGO), por um período de dois anos.

João Goulão, médico e director do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências em Portugal, será um dos oradores de um evento que pretende debater todo o tipo de dependências, não apenas da droga, mas também do álcool e do jogo. Davis Fong, académico da Universidade de Macau, irá falar sobre o jogo.

Augusto Nogueira lembra que esta será a primeira vez em que dois pólos diferentes se reúnem: o da criminalização e o do tratamento fora das prisões.

“Um dos meus objectivos é unir estes dois pólos para podermos procurar uma melhor solução para o problema da toxicodependência.”

Augusto Nogueira tem também este objectivo enquanto presidente da IFNGO que, explica, está mais posicionada para a criminalização. “Vou tentar modernizar essa entidade para aquilo que, de momento, se está a passar, que é uma maior tendência para a redução de danos, e está mais que provado que tem bons resultados”, rematou.

21 Jun 2017

Macau | Aberto mais um centro para tratamento de dependências

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM) inaugurou ontem um novo centro para tratamento de dependências como droga, álcool e jogo, com capacidade para acolher um total de 80 pacientes.
“É um projecto antigo. Na ARTM temos estado sempre lotados e havia necessidade de aumentar o espaço, a capacidade de apoio. É um projecto que vem desde há muito tempo, desde 2008 sensivelmente que o temos em mente, e agora finalmente concretizou-se”, explicou o presidente da ARTM, Augusto Nogueira.
O centro tem capacidade para acolher 50 homens e 20 mulheres, estando reservadas dez camas para pessoas de ambos os sexos que “requeiram cuidados intensivos” ou que “estejam em grave situação de saúde”.
Trata-se da primeira valência da ARTM – fundada há mais de década e meia – direccionada em particular para diferentes tipos de dependências, apesar de os vários centros da organização não-governamental terem lidado no passado com casos de outras adições.
“Já temos vindo a trabalhar com pessoas com álcool e uma ou outra com problemas de jogo, apenas não estávamos focalizados para isso e agora vamos estar”, sublinhou Augusto Nogueira à agência Lusa.

Frentes diversas

Localizada em Ka-Hó, na ilha de Coloane, a nova unidade de reabilitação da ARTM conta com 28 funcionários, incluindo colaboradores que estiveram recentemente na Austrália a receber “formação intensiva”.
Das três dependências, Augusto Nogueira salienta que a droga constitui a que “exige maior atenção”, por ser aquela em que a organização que fundou e preside é “especializada” e por “requerer maior atenção, tanto a nível do tratamento como da prevenção”.
Segundo dados do Sistema de Registo Central do Instituto de Acção Social (IAS) estavam referenciados, no final do ano passado, 617 toxicodependentes em Macau.
Um número calculado com base na declaração voluntária de quem solicita ajuda, junto das instituições oficiais ou organizações não-governamentais, ou em dados da polícia ou dos tribunais, pelo que, como observa o presidente da ARTM, estima-se que “o número real seja superior”.
A ARTM opera em diversas frentes, contando com centros ou unidades de tratamento, incluindo com metadona, além de um programa de distribuição ou recolha de seringas e serviços de aconselhamento e apoio e ainda prevenção e sensibilização.

21 Set 2016

Marta Bucho, Coordenadora do Centro Feminino da ARTM: “Mulheres escondem até ao limite”

Um trabalho que acontece 24 horas sem que notemos. Um reaprender a ser. Marta Bucho fala de um novo método, mais aberto e ocidental, para tratar de adictos. Há ainda muito trabalho no campo feminino, sendo a abertura e aceitação da população uma delas. Uma dos objectivos é ainda trazer os alcoólicos e narcóticos anónimos para Macau


Falamos muito no Centro de Tratamentos Masculino da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau e pouco do Feminino. Desde quando é que existe este espaço?

Abrimos em 2010 e funciona um bocadinho à semelhança do centro para os homens. Pensámos que seria muito importante ter uma parte feminina. Queremos funcionar como uma comunidade terapêutica para mulheres com problemas de toxicodependência e alcoolismo também. Apesar de já termos registados casos de jogadoras, mulheres viciadas em jogo.

Mas esta comunidade é mais pequena do que a masculina?

Sim, são menos mulheres do que homens. Em termos de números, em cada cinco homens que entram no Centro Masculino, entra uma mulher neste Centro. O nosso número máximo de vagas é de oito mulheres, sendo que agora estamos com três mulheres e um bebé. Estamos também a acompanhar duas mulheres, uma que está presa, fora das instalações do Centro.

Também recebem as crianças?
Sim, filhos das nossas pacientes. Aceitamos senhoras com crianças, não é o primeiro caso.

Fala-nos um pouco do processo. Como é estas mulheres chegam até ao Centro?

A maior parte delas entrava pela programa da troca de seringas, agora isto já não acontece com tanta frequência porque as consumidoras já não são tanto de heroína, é mais o ice. Também podem entrar através de algum serviço da comunidade, seja o hospital, serviços que trabalham com famílias, associações, através do tribunal e também por famílias que sabem do nosso serviço e nos pedem ajuda.

Depois de entrar, como se processa? Ainda estão a consumir?

Não, a não ser metadona. Algumas, só. O nosso objectivo é que haja uma processo de re-socialização, ou seja, aprender um conjunto de valores, regras e até de rotinas que lá fora não conseguem ter com os consumos. Aqui, as mulheres quando entram já não consomem. A não ser, claro, como disse, a metadona.

Os membros da direcção da ARTM chegaram há pouco tempo de uma formação na Austrália. Novos modelos de tratamento?
Foi uma formação muito, muito boa. A nossa ideia é utilizar a metodologia que eles usam e aplicá-la aqui em Macau. Se é possível ou não? Acho que sim. Funcionará como uma comunidade terapêutica.

A ser aplicada já no novo Centro em Ká Hó? Quando é que abre?

Sim, sim. Em Julho. E aí já queremos ter o nosso staff todo preparado e formado com esta nova metodologia.

É difícil encontrar pessoas para trabalhar nesta área? Quantas pessoas tem o Centro?

Sim, é. É difícil arranjar pessoas que gostem desta área e que tenham alguma capacidade de perceber. É que não é uma área tão comum como se possa imaginar. Quando falamos de uma comunidade terapêutica, estamos a falar de uma sociedade pequena, em que existem diferentes responsabilidades, diferentes hierarquias, mas tudo funciona com os pacientes.

Voltemos então ao método. O que se pretende?
A nossa ideia é criar o novo Centro numa grande comunidade terapêutica. Porque aqui é mais difícil, neste Centro. A começar pelo número de pessoas, que são poucas. E para criar uma comunidade, em princípio deverá existir um maior número. O nosso objectivo passa também por fazer mais promoção em termos de divulgação do nosso serviço, no tribunal, nos hospitais, na comunidade, para que haja mais mulheres e homens, também, para tratamento.

O paciente trata-se a si próprio?
Os pacientes tratam-se a eles próprios, o papel deles é ajudarem os outros para se ajudarem a eles próprios. E tudo funciona de uma maneira muito suave, muito gira. Este método tem efectivamente resultados positivos e as pessoas acabam por mudar os seus comportamentos. Através do exemplo de alguém mais velho, conseguem perceber o que devem ou não devem fazer. Por exemplo, a honestidade. Tentamos muito que as nossas mulheres aqui do Centro sejam honestas e digam sempre a verdade. Na comunidade o facto de observarem alguém que “é como eles” a, por exemplo, ser chamado à atenção mas a aceitar e a mudar o seu comportamento, assumem o ensinamento.

Por exemplo?
Por exemplo, na Austrália, existem duas comunidades – uma para os homens e outra para as mulheres. Entre si, eles podem falar, mas não criam relações. Não pode existir intimidade, seja ela sexual ou não. Se alguém o faz de forma imediata é conversado isso em grupo. A pessoa tal envolveu-se ou falou de tal forma para a outra pessoa, por exemplo. Há uma repreensão. E as pessoas compreendem porque percebem que estão a focar a reabilitação para outro ponto. Vejamos, as mulheres, pelos exemplos que temos, é muito fácil envolverem-se com os homens, porque procuram sentirem-se bonitas, [vestirem] uma roupa bonita. Isto, neste tratamento, não é bom. O que se pretende é que as mulheres consigam que, na vida delas, lá fora, não precisem de ninguém, sejam independentes, que encontrem nelas uma confiança e auto-estima que vem da própria e não de fora. Nas sessões [na Austrália], eles discutiam os assuntos de uma maneira que os utentes percebem [e que os fazia] perceber que o facto de se focarem noutras coisas está a prejudicar o seu processo de recuperação.

Acha que é um método que será bem aceite?
É difícil. É preciso fazer com que o nosso staff perceba a dinâmica do que é uma comunidade terapêutica, é difícil passar para quem já passou por um processo de recuperação e não uma comunidade terapêutica. É difícil também fazer o staff perceber que esta dinâmica é muito específica e tem mesmo de funcionar com a estrutura que vamos criar porque se não é pior do que não se fazer nada.

Quando é que vão implementar este método?
Esperamos que em Junho, com a mudança para as novas instalações em Ká Hó… tem de estar já a funcionar. Mesmo nos homens. São precisas mudanças. Existirão vagas para 50 homens, 20 mulheres e mais dez para cuidados continuados, para pessoas com HIV.

Quantos trabalhadores estão neste Centro?
Para as mulheres somos nove, nos homens somos 14. É muita gente. É um serviço que trabalha 24 horas, à noite tem sempre de estar alguém. Somos duas assistentes sociais, depois quatro psicólogas e duas monitoras.

O número baixo de utentes que o Centro recebe não é representativo da realidade de Macau?
De todo. Não é, de todo. Sabemos que há muitos mais casos do que aqueles que nos aparecem, muitos mais. Mas não estamos a conseguir chegar a essas pessoas.

Porquê? Como é que se chega lá?
É difícil à comunidade. Mas neste caso, neste Centro das Mulheres, talvez porque elas têm um papel diferente na sociedade. Por exemplo, a família esconde muito mais os casos de mulheres do que se fosse um homem. A mulher também acaba por arrastar o seu tratamento, por exemplo com a questão dos filhos. Estão a seu cargo e elas não querem deixar os filhos para vir para tratamento. E nem sempre é possível aceitar crianças, até por causa das sessões ou reuniões de grupo, é difícil estarem crianças, aliás é impossível.

E a própria mulher? Acha que é mais difícil ela aceitar e perceber que tem um problema? Mais do que os homens?
Acaba por ser, sim. Porque quando as mulheres chegam aqui já estão num estado tão avançado de problemas de saúde, psicológicos, com doenças, que é mais difícil. As mulheres preferem esconder e arrastam. Chegamos a ter mulheres que ganham problemas mentais… suicídios. As mulheres escondem até ao limite. Até as famílias o fazem. E nesses casos, é transmitido ao Centro pelo hospital.

Tem esperança que essa tendência mude?

Acho que as pessoas têm de perceber primeiro o que é que é um centro de tratamento. As pessoas acham que isto é uma pequena prisão e não é. Isto é uma pequena sociedade, uma pequena família em que as pessoas reaprendem a viver. Não é de todo uma prisão. Não é.

Mas existem programas…
Sim, o nosso programa é de um ano. Ao final desse tempo tentamos que a pessoa consiga arranjar um trabalho. Normalmente ficam seis meses, porque é o tempo em que as mulheres já se sentem melhor, o corpo já se readaptou.

Ao sair, as dificuldades para as mulheres são evidentes?
Muito, muito mesmo. As mais velhas é impossível arranjarem um trabalho. As que conseguem é em cafés ou casinos, em trabalho temporários. Os homens tem mais facilidade nisso. Na comunidade é também mais aceite que os homens sejam ex-consumidores do que as mulheres. Há um fenómeno: os homens ex-consumidores arranjam uma mulher que nunca foi consumidora, a mulher consumidora vai sempre ao encontro de um homem que já foi consumidor.

Porquê?
Porque elas acham que não merecem mais do que aquilo. É muito raro as mulheres arranjarem companheiro que não tenham um passado de toxicodependência. As famílias também aceitam mais os homens do que as mulheres. O estigma é tão grande que acaba por ser uma barreira.

A mulher é prisioneira não só da droga?

Em termos de problema, quando é avaliado a questão dos consumos, percebemos que é só uma pequena parte de um historial que apresentam.

Vítimas?
Sempre. Grande parte delas com um historial de maus tratos na infância terrível, negligência grave.

Está relacionado com o consumo?
Acabar por estar, sim. Muitas delas foram crescendo com um trauma em que durante o seu percurso as drogas acabaram por ser bem aceites. As pessoas ficam anestesiadas e não sentem o que aconteceu. As feridas ficam adormecidas.

No tratamento elas partilham?
Depois de abandonarem as drogas, depois de deixarem a Metadona, sim, elas começam a aceitar. E é aí que partilham o que lhes aconteceu. E nós, claro, tentamos atribuir-lhes o mais apoio psicológico e psiquiátrico possível. Mas é o tempo e a aceitação do problema que irá resolver. Não conseguimos apagar a memória, mas vamos fazer com que a pessoa aceite o que aconteceu na vida dela, perceber que não é por culpa dela. Aceitar que isto é só uma parte da história delas e não um todo.

Depois do tratamento acompanham o paciente?

Tentamos e uma das mudanças que queremos é mesmo essa. Queremos trazer os alcoólicos e narcóticos anónimos para Macau. Porque em termos de pós-tratamento é uma das formas para continuar a acompanhar os pacientes. Não sabemos quando é que conseguimos isto, porque temos de articular com Hong Kong, porque não temos ninguém que fale Chinês. Esta filosofia é muito famosa e funciona. Queremos muito implementar isto aqui.

Por ser uma cultura diferente, o modelo será de difícil implementação?
Em termos culturais, às vezes as pessoas dizem “ah os chineses não partilham”, sendo difícil implementar este modelo que queremos por ser mais ocidental e aberto. O que acho é que é uma aprendizagem. As pessoas aprendem a partilhar, a dar nome aos sentimentos que têm. Para nós [ocidentais], eu falo por mim, consigo ter um leque de sentimentos, bons ou maus para definir o que sinto. Para eles [chineses] é muito difícil dar nome ao que estão a sentir. Talvez porque não estão habituados a sentir e não estão habituados a expressar o que estão a sentir. Um dos pontos que focamos no tratamento é isso mesmo, olhar para nós próprios e conseguir definir o que é.

18 Mar 2016

Trabalhos artísticos da ARTM expostos na Livraria Portuguesa

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]ma vez mais, a Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM) organiza uma mostra de todos os trabalhos desenvolvidos no último ano pelos pacientes dos programas de reabilitação. O espaço escolhido é a Livraria Portuguesa que, de segunda a quarta-feiras da próxima semana, vai acolher algumas dezenas de trabalhos de vários tipos.
“Os trabalhos que irão estar expostos são trabalhos artísticos do último ano, feitos com aguarela, óleo, feltragem, quilling, entre outros”, explica o presidente da ARTM, Augusto Nogueira, ao HM.
A exposição é o resultado de uma terapia que utiliza a arte como “mecanismo efectivo de suporte à expressão de sentimentos e percepções do mundo”.
“É a forma que eles [pacientes] têm para se expressar”, aponta. Este tipo de terapia de arte permite ao paciente acreditar e reconhecer nas suas capacidades individuais e nos seus modos de expressão, através dos quais podem promover o crescimento físico, psíquico, emocional e espiritual, durante o seu processo de evolução, defende a Associação.
Os workshops artísticos, organizados pela ARTM, são orientados por especialistas e dirigidos aos pacientes dos centros de tratamento masculino e feminino.
“Estas actividades, integradas no programa de reabilitação, promoveram com êxito a expressão artística dos clientes e a descoberta de novas capacidades individuais”, aponta a ARTM.
As peças, conforme indica o presidente, podem ser compradas.

20 Nov 2015