Joana Freitas Eventos MancheteMAM | Exposição de Robert Cahen inaugura esta sexta-feira Imagens e sons que transmitem histórias. É assim a mais recente mostra de Robert Cahen, que usa a vídeo-arte para mostrar que é possível cada um compreender a arte à sua maneira [dropcap style=’circle’]I[/dropcap]naugura na sexta-feira a mais recente exposição de Robert Cahen, no Museu de Arte de Macau (MAM). Intitulada “Transversal: Instalação Vídeo de Robert Cahen”, a mostra reúne de uma dezena de trabalhos do autor. “O famoso artista de vídeo-arte irá revelar-nos um novo mundo, através das suas interpretações e justaposições de imagens e sons”, começa por dizer o comunicado da organização, conjunta entre o MAM e o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, Instituto Cultural e o Consulado Geral da França em Hong Kong e Macau. Inserida no Festival Le French May, a exposição reúne 17 dos seus trabalhos realizados entre 1978 e 2015, com destaque para duas instalações utilizando elementos visuais de Macau. Através de câmara lenta – a sua assinatura – e explorando as interacções entre sons e elementos gráficos, Cohen cria uma ambiência poética servindo-se das imagens mais corriqueiras. Com técnicas de inserir, saltar, recuar, fading out e in, entre outros processos de pós-produção e alongando os tempos, o artista apresenta aos espectadores uma nova consciência sobre a realidade, indicando novos rumos para a arte vídeo. Novos espaços “Cada peça da minha arte faz uso da câmara lenta”, diz Robert Cahen, citado em comunicado. “E tenta ampliar um novo espaço entre as coisas, invisíveis entre si. Os meus trabalhos são como uma palestra aberta, na qual os espectadores acabarão por encontrar as suas próprias projecções na câmara lenta, que eventualmente será capaz de contar as suas próprias histórias.” Robert Cahen nasceu em Paris em 1945 e formou-se pelo Conservatório Nacional Superior de Música (CNSM), sendo um pioneiro tanto da música electrónica como da video-arte a nível internacional. Iniciou as suas criações ainda na década de 1970, utilizando os seus conhecimentos profissionais e métodos criativos da música para produzir vídeos, esbatendo as fronteiras entre os dois média e tornando-se uma referência mundial no campo da arte vídeo. Foi a partir de meados do século XX, com o florescimento das tecnologias, que o vídeo se tornou uma parte integrante da vida diária e é isso que “Transversal” quer mostrar. “Transversal apresenta uma selecção de 37 anos de trabalho de Cahen, incluindo ‘O Tempo Suficiente’, a aclamada obra marcante da vídeo-arte internacional da década de 1980 e as suas duas instalações que operam sobre elementos visuais de Macau, ‘5 Olhares e Aparição’.” A exposição estará patente até 20 de Setembro, sendo que a inauguração está marcada para as 18h30 de sexta-feira. Poderá ser visitada diariamente, das 10h00 às 19h00, e a entrada é gratuita aos domingos e feriados, tendo o custo de cinco patacas nos restantes dias.
Leonor Sá Machado Eventos MancheteCasa Garden | José Drummond e Peng Yun em exposição relâmpago única José Drummond e Peng Yun juntam-se às 18h00 da próxima sexta-feira para apresentar uma exposição “pop-up”, cujo conceito é único na cidade. As artes performativas dão forma ao corpo da mulher, sem deixarem de explorar conceitos de dor, amor, prazer e atitude [dropcap stgyle =’circle’]O[/dropcap] conceito da próxima exposição conjunta do artista José Drummond e Peng Yun dá pelo nome de “pop-up show” e vai durar exactamente quatro horas, com direito a um jogo de fotografias que versam sobre o erotismo, o corpo e a figura feminina e sentimentos e sensações como a dor, o prazer e o amor. “Sonho de uma Noite de Verão” realiza-se na próxima sexta-feira e começa às 18h00, com encerramento marcado para as 22h00 desse mesmo dia. Este projecto inovador, explica Drummond, teve o seu nome baseado na conhecida peça teatral de William Shakespeare, de nome homónimo. Nesta, os protagonistas estão hipnotizados até quase à última cena, até que finalmente seguem o caminho que devem, explica. São os temas da peça original que parece terem inspirado aquela que toma forma daqui a dois dias, na Casa Garden. “[A exposição] tem um certo lado performativo precisamente por durar tão pouco tempo e acredito que vai ser interessante ver a adesão do público a um evento deste género, uma vez que não há a possibilidade de lá ir no dia seguinte”, comentou o artista ao HM. No entanto, este projecto único apenas foi possível através da colaboração entre os dois artistas, sendo Drummond português e Peng Yun chinesa. Sombras, luz, erotismo e a Mulher Este tipo de exposição conjunta tem vindo a ser debatida há já algum tempo, diz o artista ao HM, explicando no entanto que a ideia desta “pop-up” só teve pernas para andar no final de Abril deste ano. Peng irá apresentar as séries relativas ao Verão de Xiaoduo, que “entram em diálogo” com os trabalhos “The Ghost” e “The Winker”, do artista português. São as artes plásticas que aqui desempenham um papel crucial, numa mostra que promete encantar durante quatro horas de intensidade, seguidas de um cocktail. Também a ideia da dicotomia artística tem um papel crucial: serão confrontados e explorados dois pontos de vista “sobre o corpo da mulher onde o visível e o invisível, sombras e luzes, fantasia e realidade, desencanto e sedução entram em jogos e tensões”, totalmente levadas à interpretação dos presentes. Dos quatro cantos à Casa Garden Embora José Drummond tenha já os temas e o tipo de exposição mentalmente bem montados, será decerto um conceito inovador, uma vez que esta é uma das primeiras deste género em Macau. O artista vive em Macau há vários anos e já expôs nos quatro cantos do mundo, incluindo Tailândia, China, Alemanha, EUA, Austrália, Itália e Hungria. Actualmente, frequenta o doutoramento em Artes Visuais no Transart Institut, que inclui residências artísticas em cidades como Nova Iorque e Berlim. Espelhados na Casa Garden estarão sensações e sentimentos comuns e básicos do ser humano e das suas relações, sendo esse o tema que mais aproxima os autores. Além de contar com a exibição de um total de 40 fotografias, serão ainda passados quatro vídeos, dois de cada artista. Peng Yun nasceu em Sichuan, mas vive em Macau há vários anos. Licenciou-se em Pintura a óleo na sua terra-natal. Tal como as de Drummond, também as suas peças percorreram meio mundo, tendo ocupado lugar em galerias de Singapura, Taiwan, Bélgica, Roterdão, EUA, Holanda, Veneza, Pequim e Xangai. A entidade curadora da mostra é a BABEL, uma organização cultural sem fins lucrativos. A mostra é organizada pela Xiang Art, tendo como parceiros a já referida BABEL, a Fundação Oriente e a Casa de Portugal. A pouca duração da mostra tem, também ela, uma mensagem: uma noite de exibições equivale à duração de muitos amores, conquistas e dissabores, explica a BABEL em comunicado.
Leonor Sá Machado Eventos MancheteExposição | “Saudade” inaugurou ontem com organização da AFA e do MGM Com o artista José Drummond na linha da frente, o MGM inaugurou ontem a primeira mostra totalmente portuguesa, sob o tema do sentimento mais luso do mundo: a saudade. Esta é a primeira vez que uma operadora de Jogo investe numa exibição colectiva de expressão totalmente portuguesa [dropcap type=”2″]“S[/dropcap]audade” é o nome da exposição que inaugurou ontem no MGM, com a particularidade de ser uma das primeiras mostras colectivas de expressão totalmente portuguesa. O intuito, explicou o curador José Drummond, é tentar transmitir o significado deste sentimento para cada um dos 12 artistas convidados. Nela participam os fotógrafos Carmo Correia e António Mil-homens, o pintor Victor Marreiros, a artista plástica Sofia Arez, Adalberto Tenreiro, Rui Calçada Bastos, Marta Ferreira e a dupla fundadora do Lines Lab, Clara Brito e Manuel Correia da Silva. Ao HM, Drummond explicou que a ideia passa por transmitir o amor e sentimento de pertença com que os portugueses que por aqui passam, ficam. Quase como uma espécie de dicotomia saudosista que se sente por Macau quando se está em Portugal e vice-versa. “O tema da saudade surgiu porque os portugueses que cá estão há muito tempo têm saudades de Portugal e o contrário também acontece, não esquecendo que é também o mais português dos sentimentos, difícil de explicar, mesmo na Língua Portuguesa”, começou por dizer ao HM o curador da mostra. Uma dúzia em um São 12 os artistas que se unem sob o tema da saudade, sentimento único que vai além do que é “sentir falta de uma pessoa ou de alguma coisa”, diz Drummond. No MGM estarão expostas mais de 40 obras, algumas delas já parte de exposições ou obras lançadas. É o caso das fotografias seleccionadas de Carmo Correia, que estão também presentes na sua mais recente obra sobre a presença portuguesa no Oriente. Fazem parte de “Saudade” dez fotografias da sua mais recente mostra individual, que teve lugar na Casa Garden. Para Carmo Correia, a aceitação do convite passa não só pela identificação com o tema, mas também pela diferenciação de público, comparando com aquele que visitou a mostra anterior. “Normalmente não gosto de repetir um trabalho dentro de Macau, mas esta foi uma excepção, porque o público-alvo do MGM não é, de forma alguma, aquele que tinha na Casa Garden, porque são dois espaços completamente diferentes”, avança a fotógrafa. Outro dos artistas convidados é António Mil-Homens, também fotógrafo de profissão. As suas peças do MGM têm, no entanto, uma particularidade: trata-se de uma sobreposição de planos de imagem que tentam reflectir o passado e presente, expor a dicotomia entre a memória e o distanciamento. “O meu tema pessoal é a Metamorfosis e tem três trabalhos que têm que ver com transformações – concretamente de três pontos da cidade – que também são saudade do antigo Macau”, começa por explicar. Uma das imagens problematiza o desaparecimento de uma conhecida barbearia do território, aliada à eternização do presente. “São duas fotografias impressas separadamente em tela para dar o efeito tridimensional do antes e depois, onde apliquei uma distorção para dar o aspecto de queda”, continuou Mil-Homens. Se Victor Marreiros opta pela apresentação de pinturas que reflectem figuras e sentimentos humanos, a artista plástica Sofia Arez preferiu concentrar-se em fenómenos mais naturais, através de uma espécie de ensaio de luz. “[Os meus trabalhos] são fragmentos de copas de árvores vistos de baixo ao longo do dia, desde o amanhecer até ao anoitecer”, esclarece. Trata-se, no fundo, de um trabalho que discursa sobre a luz e a passagem do tempo. “Captado o momento, fica ali eternizado”, continua. Saudade é, para a artista, a palavra que “nos une a todos”, sejam artistas ou simplesmente portugueses que estão num país estrangeiro que, ainda que tenha um pedaço da terra de Camões, não o é verdadeiramente. “É uma aposta [do MGM] na arte que espero que continue e seja só a primeira de muitas”, acrescentou. Saudade é quando um artista quiser Aqui, a saudade assume diferentes formas, inspirações, histórias, passados e memórias para cada um dos autores, apresentando uma série de trabalhos variada, mas que se une através de um mesmo tema. É o “objecto” que mais importa, mas são vários os meios artísticos empregues, nomeadamente instalações, pintura, fotografia e trabalhos de outra natureza, que estão, directa ou indirectamente relacionados com o verter da saudade na arte. O próprio curador tem também quatro fotografias em exposição. Todas elas são de grande dimensão e tentam espelhar um pouco mais do que apenas a saudade. “O meu trabalho tem uma ligação muito forte com temas bastante existenciais, como a solidão, o amor, o sonho e, em virtude disso, também a memória”, conta. Para “Saudade” especificamente, o artista vai apresentar trabalhos que mostram a “tensão do que é visível e invisível, do que é e não é perceptível e de reportar um lado de sonho e de memórias que se começam a desvanecer”. Do público ao apoio das artes Também Drummond diz rever-se “completamente” na questão da saudade dicotómica que existe em quem vive entre dois mundos: Portugal dos portugueses e Portugal de Macau. A exposição, frisa, não se destina apenas à comunidade portuguesa, mas sim a todo o público em geral, pretendendo-se com ela dar a conhecer um pouco de Portugal em Macau. Para Carmo Correia, a iniciativa é “bastante interessante e bem escolhida para Macau”, não esquecendo que “se adapta perfeitamente” aos trabalhos da fotógrafa. “Quem deixa Macau ou por cá passa fica sempre com saudade”, confessa ao HM. Já António Mil-Homens concorda com Carmo Correia e mostra-se satisfeito com a iniciativa do MGM, deixando a sugestão de que os seus pares sigam as pegadas da operadora. “Acho que isto tem que ver com a predisposição do MGM em apoiar a arte, algo que me agrada sobremaneira”, diz. A mostra tem entrada gratuita e estará em exibição até 30 de Setembro.
Carlos Morais José EditorialAmores mais baixos se levantam [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]entrevista que Konstantin Bessmertny deu ontem a este jornal coloca o dedo numa ferida muito importante deste Macau do crescimento desenfreado: o Governo deixa as concessionárias do Jogo fazerem tudo o que lhes apetece e assim inundar a RAEM de cópias baratas do que têm em Las Vegas, sem lhes exigir nada, sem controlar nada, sem dizer uma palavra sobre o que por aqui é erguido. E assim temos um Venetian (já decadente), igual ao americano, bem diferente do que a Sands fez em Singapura, ou seja, uma reprodução ao invés de um edifício singular que já se tornou num marco turístico da Ásia. E assim casinos Wynn iguaizinhos aos que existem no Nevada. E assim vamos ter uma ridícula Torre Eiffel, também copiada da que existe em Las Vegas. O mau gosto e a avareza (compreensível) dos casineiros inundou esta cidade perante a indiferença governamental. É difícil compreender a apatia do Governo perante a destruição estética da cidade. Não lhe terão amor? Ou nem sequer o assunto lhes passou pela cabeça? É certo que, numa primeira fase, os novos casinos deram muito dinheiro. Mas será que o dinheiro e só o dinheiro é a coisa mais importante do mundo? < Não será que para a qualidade de vida e do turismo de Macau, bem como para o seu renome internacional, não seria importante construir uma cidade esteticamente original, irrepreensível, e não a cópia de um sítio decadente e ultrapassado como Las Vegas? Macau, enquanto Monte Carlo do Oriente, era uma cidade charmosa, com qualidade de vida, excessiva e libertária. Esta Las Vegas da Ásia é kitsch, é foleira, não tem glamour nem mistério. Não é nada. Porque deixou de ser original. E isto perante a passividade governamental, entretido que estava a contar as patacas e a fazer maus investimentos. Espera-se que o actual Governo siga por outros caminhos, que se interesse mais pela cidade em si, que mostre realmente amor por ela, até porque “amar Macau” é também “amar a Pátria”. O problema é que, bem sabemos, pelo menos no Conselho Executivo, amores mais baixos se levantam…
Andreia Sofia Silva Entrevista h | Artes, Letras e Ideias MancheteKonstantin Bessemertny: “O dinheiro não nos faz ter mais consciência cultural” Um dos maiores artistas de Macau e da Ásia tem optado por trabalhar na sombra, aparecendo pontualmente com alguns trabalhos. Konstantin Bessemertny defende que para Macau é suficiente uma exposição a cada cinco anos, condenando os governantes que não consomem cultura. Para o artista, a política do território, no que diz respeito à arte, arquitectura e espaços públicos, deveria ser decidida por um órgão totalmente independente [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez a última exposição individual em Macau em 2012. Porquê este tempo todo sem uma mostra individual em Macau? O mundo artístico está a mudar quanto à democratização da criatividade. E não só em Macau, em todo o mundo. Agora qualquer pessoa é artista, e o problema dos artistas contemporâneos é mostrarem-se e produzirem demasiado. Há tanta arte disponível nos dias de hoje! Então a maneira mais lógica é tornarmo-nos como monges que ficam no seu mosteiro, e é isso que estou a fazer. Apareço raramente, em ocasiões específicas. Mudei o meu pensamento em relação a alguns eventos, como feiras de arte, porque penso que são apenas plataformas, como os media, o Instagram. São plataformas para uma arte algo imatura, na sua forma de expressão. Mas não tem nenhum projecto para expor em Macau? Não disse isso. Primeiro, temos de nos limitar a nós próprios, para um certo número de exposições, por um certo período de tempo. Penso que Macau é um bom sítio para uma exposição a cada cinco anos. Consegue imaginar uma exposição todos os anos? Tenho vindo a trabalhar em alguns quadros, sim, mas comecei a gastar mais tempo em cada trabalho, em vez de produzir sob pressão. Estou a tentar adaptar-me à nova realidade. De que forma? Estou a tentar focar-me, também devido a essa questão da excessiva produção artística. Há tanta arte destruída. Numa bienal, 95% da arte que lá está exposta vai para contentores. Tudo o que vai para o lixo não é arte, então estou a tentar focar-me em sítios que possam ter algo interessante, ou em coisas que as pessoas me pedem. É difícil, porque temos de convencer pessoas, instituições, mudar as mentalidades de certos meios, quando as pessoas pensam actualmente nas tendências a curto prazo. A arte acaba por ir para o caminho da “cultura da celebridade”. [quote_box_left]“Mudei o meu pensamento em relação a alguns eventos, como as feiras de arte, porque penso que são apenas plataformas, como os media, o Instagram. São plataformas para uma arte algo imatura, na sua forma de expressão”[/quote_box_left] Em que os artistas são como estrelas pop. Sim. Claro que isso começou nos anos 60, com o Andy Wharol e o movimento pop-art. Mas acho que isso não é arte, é design. Então essa arte pode ir para museus, mas quem disse que ia lá ficar para sempre? Mas respondendo à sua questão, tenho vindo a trabalhar em coisas específicas. Continuo a trabalhar em Macau, com algumas pessoas, em galerias. As galerias de arte estão a morrer, porque já chegaram a um ponto de exaustão. Em todo o mundo. Não estou apenas a falar da pequenina Macau. Aqui tudo acontece em pequena escala, mas as questões (do mundo artístico) são iguais às dos restantes países do mundo. Os problemas são os mesmos, a questão é que em Macau as coisas são mais visíveis e podemos tirar conclusões mais rápidas. Mas de cada vez que há algum tipo de iniciativa em Macau, eu tento contribuir. Tive agora dois trabalhos meus no Armazém do Boi, depois dei um trabalho a uma galeria junto às Ruínas de São Paulo, o que já é bastante (risos). Mas se me pedirem “por favor, faça uma grande exposição”. Direi que não. Mas vive em Macau há 23 anos, como olha para a arte que tem vindo a ser produzida neste pequeno território? Não há arte. A arte é a procura, e qual é a procura aqui? Pela Hello Kitty? Há mau gosto. Para compreender o que é a arte, temos de ser educados, ter a nossa própria motivação, sermos curiosos. Infelizmente o público aqui não é assim. Para qualquer coisa que se produza em Macau não há procura, mas não é uma questão de preço. Porque é que as pessoas de Macau não compram as obras de arte locais? Porque preferem ter posters na parede, coisas criativas que compram em Bali. Tem tudo a ver com questões de gosto, educacionais, de cultura. É como aquela máxima de “nós somos o que comemos”, e somos também os livros que temos na estante e os quadros que temos na parede. É um pouco perturbador. [quote_box_right]“A arte é a procura, e qual é a procura aqui? Pela Hello Kitty? Há mau gosto. Para compreender o que é a arte, temos de ser educados, ter a nossa própria motivação, sermos curiosos. Infelizmente o público aqui não é assim”[/quote_box_right] Em relação aos museus, galerias ou entidades públicas. Pensa que o Governo poderia investir na criação de mais espaços como estes? Esse é um conceito socialista. Ajudar os artistas? O problema é que, se as pessoas não tiverem experiência no meio, não souberem a melhor forma de se tornarem artistas, isso é um erro. Temos esse problema com as políticas públicas. A arte transforma-se numa coisa preguiçosa, que não é desafiante. Quando ajudamos os artistas não criamos qualidade. Recentemente falei com várias pessoas do meio cultural de Macau e disse que a melhor forma é abrir concursos ou comissões para espaços públicos, em que uma vez por ano qualquer artista poderia concorrer para um apoio. Temos muitas construções aqui, mas podemos ver o quão tudo é horrível. E não estou apenas a falar da arte, mas a arquitectura também é muito má. Está a referir-se ao Cotai? A todo o lado. E porquê? Porque não queremos saber. Chega aqui alguém e deixamo-lo construir um projecto, e não dizemos “não faça esta imitação da escultura” ou “não revista isto de plástico”. O conceito é muito pobre. Recentemente estive em Singapura no Marina Bay Sands. O casino pode não estar a ter muitos lucros, mas é um edifício bonito. Ao menos podem orgulhar-se daquele esforço. Se há 15 anos me dissessem que iríamos ter uma Torre Eifeel em Macau…é horrível. Não é apenas o facto de não envolver os artistas locais, mas tudo deveria ser feito por concurso e aprovado pelas instituições e pessoas de Macau. Porque é que Macau deixa que essas coisas feias sejam aqui construídas? Pensa então que deveria haver um novo modelo para o Cotai? Um espaço que poderia servir para promover os artistas locais? A questão dos artistas locais é similar a um jardim de infância, “acabei o meu curso, dêem-me um espaço para poder mostrar o meu trabalho”. O que poderíamos fazer agora? Criar um órgão independente, composto por artistas ou arquitectos, que não esteja envolvido com o sector do imobiliário, do Jogo ou da construção. Esse órgão deveria decidir o que é bom ou mau para Macau. Tudo deveria ser aprovado por este órgão. Em Guangzhou, o Governo deu responsabilidades a um grupo deste género para fazer uma cidade bonita. Estas pessoas não têm interesses no dinheiro, porque são professores, artistas… simplesmente ditam o que é bom ou mau para a cidade. Então vemos que a arquitectura e os espaços são bonitos, existe bom gosto. O problema aqui é que os lucros não trazem o bom gosto, o dinheiro não nos faz ter mais consciência cultural. Em Macau parece que o Governo tem de estar em todo o lado, concedendo subsídios. Pensa então que deveria ser criado um novo modelo de apoio? Quando cheguei a Macau, fiquei impressionado. Porque antes era melhor do que agora. Macau era melhor do que Hong Kong. E porquê? Porque no Governo, todos os secretários adjuntos, tinham interesse por arte. Construíam casas em Portugal, gostavam do design chinês, da mobília, visitavam galerias e estúdios de arte. Estes governantes ajudavam mais o mercado da arte do que qualquer outra pessoa. As pessoas que temos actualmente no Governo podem apoiar a cultura e a arte, mas individualmente não vão a concertos, nunca foram a uma galeria, e falo de Hong Kong também. Este é um problema. As pessoas que querem ajudar os artistas são apenas funcionários públicos ignorantes que tentam ser uma espécie de pais destes alunos de arte que acabam os seus cursos, para que sejam felizes. [quote_box_left]“Se há 15 anos me dissessem que iríamos ter uma Torre Eifeel em Macau…é horrível. Não é apenas o facto de não envolver os artistas locais, mas tudo deveria ser feito por concurso e aprovado pelas instituições e pessoas de Macau”[/quote_box_left] Mas acredita que o Governo de Macau, em concreto, está a seguir esse caminho? Não estou a criticar apenas aqui, porque na verdade o nosso Instituto Cultural (IC) ou o museu funcionam muito melhor do que poderíamos pensar. Claro que ainda há melhorias a fazer. Mas as pessoas deveriam ser nomeadas não porque falam cantonense, se são locais ou não, mas sim por mérito e conhecimento. Para cada projecto deveria haver uma selecção, e se for o melhor, mesmo que não fale cantonense, não deve constituir um problema. Macau poderia ser um modelo para a multi-culturalidade. Tudo deveria ser feito por pessoas com coragem e conhecimento para melhorar as coisas. Ajudou a criar a AFA – Art for All Society. Como olha para a entidade nos dias de hoje? Que desafios encontram? A AFA foi uma solução encontrada para se fazer e promover a arte. Mas diminuí a minha participação há cerca de dois ou três anos. Vamos mantendo o contacto, mas percebi que ficar lá mais tempo não iria ser benéfico para mim, porque sou uma pessoa ocupada, viajo muito. E não quero fazer esse tipo de trabalho de pedir patrocínios. A minha ideia inicial era de que a AFA não era apenas para os artistas locais, mas seria uma plataforma para as pessoas produzirem e consumirem arte, e seria a primeira do género em Macau. Mas há leis e regras que temos de seguir, então tornou-se uma entidade muito virada para Macau. Percebi que o que fazemos é algo anti-marca, porque um artista faz um trabalho, o Governo apoia-o, muito bem. Mas dou-lhes apoio sempre que é necessário. Qual o caminho que Macau está a tomar, com os casinos e as réplicas? Penso que já não é apenas o Jogo que domina, mas podemos atrair as famílias, com as crianças, e temos de pensar como dar-lhes o divertimento e fazer com que isso seja lucrativo, com eventos ou apostar na área da restauração. Penso que nesse sentido Macau está a ir no caminho certo. Há algumas questões, como o facto do Governo querer acabar com o fumo nos casinos. Não sou fumador, mas um turista vem a Macau para jogar, fumar e comer. Concordo em não fumar em restaurantes, ao pé de crianças…mas nos casinos? Estas pessoas jogam, bebem e fumam. Eles vêm cá para se divertir, então onde está o divertimento? [quote_box_right]“O que poderíamos fazer agora? Criar um órgão independente, composto por artistas ou arquitectos, que não esteja envolvido com o sector do imobiliário, do Jogo ou da construção. Esse órgão deveria decidir o que é bom ou mau para Macau”[/quote_box_right] O Governo já mostrou a vontade de criar mais museus. Qual deveria ser o modelo a implementar? Macau já foi o primeiro território na Ásia a ter uma bienal, no tempo dos portugueses, e ninguém fala disso. Macau poderia transformar-se num centro de arte na Ásia e dizer que desde os anos 90 (que promove esse tipo de eventos). Hong Kong era um deserto cultural, Pequim e Xangai não tinham arte, de todo. E Macau já tinha uma bienal de arte. Então deveríamos promover isso sem fazer esse corte entre a Administração portuguesa e o Governo chinês. Macau sempre foi Macau e deve ter orgulho desses pequenos detalhes, para além das diferenças. Nessa altura Macau não tinha nada, tirando um ou outro problema com um Governador, mas era um lugar engraçado e interessante. Para si, ainda é assim? Vejo este lugar como uma continuação da cultura da Europa, e que ainda mistura outras formas, como essas coisas americanas que agora existem. Penso que é uma boa plataforma para a arte e cultura, e Macau poderia ser de novo um centro de arte. Temos dois modelos: a feira de Singapura, apoiada pelo Governo, ou a Art Basel em Hong Kong, totalmente privada. Poderíamos fazer uma mistura, com um pouco de apoio do Executivo. Os casinos também poderiam participar, mas a questão é que eles só promovem os artistas de topo, as grandes marcas. Macau deveria ditar um pouco as regras, criando esse órgão, com 30% de artistas locais, e mais um grupo de artistas convidados, para decidir quais seriam os projectos certos.