Negacionismo climático

[dropcap]N[/dropcap]o meio científico há praticamente unanimidade que o aquecimento global, e consequentemente as alterações climáticas, são uma realidade que se deve essencialmente ao efeito de estufa causado por gases provenientes da atividade humana. Os dados resultantes de observações realizadas ao longo de mais de cem anos, desde o início da era industrial, feitas com recurso a estações meteorológicas, mostram que a temperatura média do ar à superfície da Terra aumentou mais de 1 grau centígrado.

Quando nos referimos à temperatura do ar à superfície está subentendido que a medição deste parâmetro é feita em igualdade de circunstâncias em todas as estações meteorológicas. Está estabelecido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) que o termómetro das estações meteorológicas sinóticas deve estar à sombra, entre 1,25 e 2 metros de altura, dentro de um abrigo meteorológico instalado sobre terreno relvado. Assim, por exemplo, se duas medições se fizerem nas mesmas condições, exceto no que se refere à existência ou não de relva, os valores não serão exatamente os mesmos. Pretende-se com este exemplo realçar o facto de as medições das variáveis atmosféricas feitas pelos serviços meteorológicos nacionais obedecerem a regras rigorosamente estabelecidas. Este rigor estende-se também a outros parâmetros meteorológicos, tais como a humidade, pressão atmosférica, vento, etc. Só assim se podem comparar valores desses parâmetros medidos à mesma hora em muitos milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo globo terrestre e, para um determinado local, comparar os valores atuais com os medidos ao longo de décadas.

Mesmo sem recorrer a conhecimentos científicos, é evidente para um leigo com um mínimo de bom senso que a injeção de milhões de toneladas de gases e de partículas provenientes da atividade industrial ou de outras origens, como os fogos florestais e os transportes terrestres marítimos e aéreos, irão forçosamente influenciar negativamente as características da atmosfera. A maioria dos fenómenos meteorológicos mais correntes, como sistemas frontais, trovoadas, chuva, aguaceiros, tornados, ciclones tropicais (furacões tufões), etc., ocorrem na camada mais baixa da atmosfera, a troposfera, que tem uma espessura de cerca de 12 km nas latitudes médias, sendo mais espessa nas latitudes baixas e mais menos à medida que se avança para os polos. É natural que a ação humana de injetar nesta estreita camada quantidades enormes de gases de efeito de estufa e de poluentes faça com que ocorram alterações no comportamento dos fenómenos meteorológicos e, consequentemente, do clima.

Apesar de existir quase unanimidade sobre as alterações climáticas, há uma corrente de opinião defendida por alguns cientistas que, apesar de não serem totalmente céticos no que se refere ao aquecimento global, defendem que esse aquecimento não se deve a causas antropogénicas. Foi mesmo criada uma organização para contrariar as conclusões do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC). Num claro desafio ao IPCC, aquela organização adotou a designação “Painel Internacional Não Governamental para as Alterações Climáticas” (Nongovernmental International Panel on Climate Change – NIPCC).

Poder-se-á perguntar: será que os negacionistas são gente séria ou tratar-se-á de um vasto lóbi para defender os grandes magnatas dos combustíveis fósseis? A resposta não é fácil, mas muitos deles fazem de facto o jogo de grandes interesses e constituem perigo não só para a vida humana mas também para a sobrevivência dos ecossistemas. Os membros do NIPCC definem-se a eles próprios como um grupo internacional não-governamental de cientistas e académicos que se uniram para avaliarem de maneira abrangente e realista a ciência e economia associadas ao aquecimento global. Apresentam-se como uma organização de defesa da negação de mudanças climáticas e elaboram relatórios cujas conclusões se opõem aos relatórios de avaliação do IPCCP.

O NIPCC foi fundado em 2013 por Siegfried Fred Singer, cientista americano de origem austríaca com larga carreira académica na área da física da atmosfera. Publicou em 2015, juntamente com outros cientistas, a obra “Why Scientists Disagree About Global Warming: The NIPCC Report on Scientific Consensus”.

Os negacionistas têm vindo a conquistar espaço a nível de governos conservadores de grandes potências, como reflexo de infiltrações de lóbis, alguns dos quais com caracter religioso. Veja-se o caso do Brasil e dos EUA. O presidente do primeiro destes países tem vindo a combater as ONGs que zelam pela conservação da Amazónia, tendo mesmo acusado o ator americano Leonardo Dicaprio de financiador de incêndios na floresta brasileira.

Entre os políticos céticos das alterações climáticas, além dos presidentes dos EUA e do Brasil, contam-se outras personalidades como um antigo conselheiro do governo australiano, Tony Abbott, que afirma que as alterações climáticas são um ardil liderado pela ONU para estabelecer uma nova ordem mundial. Também um grande ativista no passado e ex-presidente do Greenpeace, Patrick Albert Moore, desde que deixou essa organização acusa-a de ter abandonado a ciência e a lógica a favor da emoção e do sensacionalismo.

Na forte corrente negacionista no Brasil, bem representada no governo, ressaltam Luiz Carlos Molion, professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, e Ricardo Felício, professor de geografia e meteorologista. Este último chega a negar evidências altamente comprovadas pelos mais categorizados meios científicos. Numa entrevista sensacionalista a um programa da televisão brasileira chegou mesmo a afirmar que não existe camada de ozono.

A família Koch, dona da Koch Industries, é um bom exemplo dos poderosos lóbis negacionistas. Desde há anos que tem vindo a financiar as campanhas republicanas nos EUA. É também sabido que houve forte apoio à eleição do atual presidente do Brasil por parte de interesses ligados à criação de gado, que defendem a intensificação de queimadas na Amazónia e a exploração desenfreada da indústria madeireira.

Apesar de em Portugal os negacionistas não serem muito ativos, em 7 e 8 de setembro de 2018 foi realizada uma conferência na Universidade do Porto, promovida pelo chamado Independent Committee on Geoethics (ICG). Entre os vários conferencistas destacou-se o meteorologista Piers Corbyn, irmão do líder trabalhista Jeremy Corbyn, que defende a ideia de que a contribuição da atividade industrial para o aquecimento global é mínima e que a principal causa é o aumento da atividade solar. Apesar de a Universidade do Porto se ter distanciado da organização do evento, alegando que fora da responsabilidade de uma docente da Faculdade de Letras, o certo é que lhe deu guarida, dando voz aos negacionistas.

São cada vez mais numerosas as provas de que as alterações climáticas são uma realidade e os negacionistas não podem ignorar os relatórios do IPCC nem as publicações das agências especializadas das Nações Unidas, como por exemplo a “Declaração sobre o estado do clima global em 2018”, da OMM, onde se enfatiza que, desde que há observações meteorológicas regulares, os anos 2015 a 2018 foram os quatro mais quentes já registados, acentuando-se a tendência de aquecimento a longo prazo.

Os satélites permitem-nos obter provas evidentes destas alterações, como se pode verificar, por exemplo, nas imagens obtidas pela NASA, que mostram a diminuição da cobertura de gelo no Mar Ártico entre setembro de 1984 a setembro de 2016.

Apesar do Protocolo de Quioto e das 24 Conferências das Partes (Conferences of the Parties – COP) não terem tido resultados palpáveis, tenhamos esperança que as decisões da COP 25 sejam mais bem sucedidas. Algo de positivo está a acontecer: a consciencialização da juventude, motivada por esse grande símbolo que é a ativista Greta Thunberg. E os jovens serão os dirigentes de amanhã…

5 Dez 2019

Novo relatório da ONU sobre oceanos é “um alerta”, diz Comissão Europeia

[dropcap]T[/dropcap]rês comissários europeus ligados ao Ambiente e Investigação defendem que o relatório da ONU ontem divulgado sobre o impacto das alterações climáticas nos oceanos e na criosfera é “um alerta” para que o mundo combata rapidamente o aquecimento global.

O comentário, congratulando-se com a divulgação do relatório, foi feito conjuntamente pelos comissários Carlos Moedas, o português responsável pela área da Investigação, Ciência e Inovação, Miguel Arrias Canete, para a Acção Climática e Energia, e Karmenu Vella, para o Ambiente, Assuntos Marítimos e Pescas.

A posição conjunta ontem divulgada num comunicado na página oficial da União Europeia e diz respeito a um relatório lançado hoje no Mónaco pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), criado pelas Nações Unidas, dedicado ao impacto climático nos oceanos e na criosfera, as regiões cobertas por gelo e neve permanentes e que constituem 10% da superfície da terra.

Sem acção urgente para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, os gelos permanentes vão derreter a um ritmo sem precedentes, elevando o nível dos oceanos com consequências para mais de mil milhões de pessoas, advertem peritos da ONU no relatório.

Os peritos do IPCC dizem também que os efeitos das alterações climáticas nos oceanos são já irreversíveis, e alertam que adiar a redução de emissões só tornará pior um cenário de degelo e subida do nível do oceano global.

“As conclusões deste novo relatório são claras: o aquecimento global induzido pelo Homem está a mudar drasticamente os nossos oceanos. Eles estão a aquecer, a ficar mais ácidos e ficar com menos oxigénio. Os níveis da água do mar estão a subir muito mais rápido do que se previa”, dizem os três comissários no comunicado.

Os efeitos das mudanças ambientais “são devastadores” para ecossistemas marinhos frágeis, como os recifes de coral, as pradarias marinhas ou as florestas de algas, e a segurança alimentar de pessoas que dependem da pesca está em risco, salientam os três responsáveis europeus, alertando para eventos extremos e mais frequentes junto da costa.

Se por um lado os oceanos saudáveis podem capturar parte do excesso de calor e de dióxido de carbono, por outro os mares só podem permanecer saudáveis se o aquecimento global for limitado a 1,5 graus celsius, dizem os comissários, concluindo que é preciso exigir uma implementação ambiciosa do Acordo de Paris, assinado há quase cinco anos e que faz essa referência de temperatura.

Os responsáveis lembram no comunicado que a União Europeia já apresentou a estratégia para se tornar neutra em carbono (não produzir mais gases com efeito de estufa do que aqueles que consegue absorver) até 2050 e também está a tomar medidas para fazer face às alterações climáticas nos oceanos.

“Este relatório do IPCC dá-nos factos inegáveis, evidências científicas, de como o nosso clima está a mudar e como isso afecta cada um de nós. Cabe a nós como políticos traduzir estes factos em acção”, dizem os comissários.

26 Set 2019

Novo relatório da ONU sobre oceanos é "um alerta", diz Comissão Europeia

[dropcap]T[/dropcap]rês comissários europeus ligados ao Ambiente e Investigação defendem que o relatório da ONU ontem divulgado sobre o impacto das alterações climáticas nos oceanos e na criosfera é “um alerta” para que o mundo combata rapidamente o aquecimento global.
O comentário, congratulando-se com a divulgação do relatório, foi feito conjuntamente pelos comissários Carlos Moedas, o português responsável pela área da Investigação, Ciência e Inovação, Miguel Arrias Canete, para a Acção Climática e Energia, e Karmenu Vella, para o Ambiente, Assuntos Marítimos e Pescas.
A posição conjunta ontem divulgada num comunicado na página oficial da União Europeia e diz respeito a um relatório lançado hoje no Mónaco pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), criado pelas Nações Unidas, dedicado ao impacto climático nos oceanos e na criosfera, as regiões cobertas por gelo e neve permanentes e que constituem 10% da superfície da terra.
Sem acção urgente para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, os gelos permanentes vão derreter a um ritmo sem precedentes, elevando o nível dos oceanos com consequências para mais de mil milhões de pessoas, advertem peritos da ONU no relatório.
Os peritos do IPCC dizem também que os efeitos das alterações climáticas nos oceanos são já irreversíveis, e alertam que adiar a redução de emissões só tornará pior um cenário de degelo e subida do nível do oceano global.
“As conclusões deste novo relatório são claras: o aquecimento global induzido pelo Homem está a mudar drasticamente os nossos oceanos. Eles estão a aquecer, a ficar mais ácidos e ficar com menos oxigénio. Os níveis da água do mar estão a subir muito mais rápido do que se previa”, dizem os três comissários no comunicado.
Os efeitos das mudanças ambientais “são devastadores” para ecossistemas marinhos frágeis, como os recifes de coral, as pradarias marinhas ou as florestas de algas, e a segurança alimentar de pessoas que dependem da pesca está em risco, salientam os três responsáveis europeus, alertando para eventos extremos e mais frequentes junto da costa.
Se por um lado os oceanos saudáveis podem capturar parte do excesso de calor e de dióxido de carbono, por outro os mares só podem permanecer saudáveis se o aquecimento global for limitado a 1,5 graus celsius, dizem os comissários, concluindo que é preciso exigir uma implementação ambiciosa do Acordo de Paris, assinado há quase cinco anos e que faz essa referência de temperatura.
Os responsáveis lembram no comunicado que a União Europeia já apresentou a estratégia para se tornar neutra em carbono (não produzir mais gases com efeito de estufa do que aqueles que consegue absorver) até 2050 e também está a tomar medidas para fazer face às alterações climáticas nos oceanos.
“Este relatório do IPCC dá-nos factos inegáveis, evidências científicas, de como o nosso clima está a mudar e como isso afecta cada um de nós. Cabe a nós como políticos traduzir estes factos em acção”, dizem os comissários.

26 Set 2019

As alterações climáticas e as extinções em massa

[dropcap]A[/dropcap]s alterações climáticas, desde há cerca de duas dezenas de anos, têm vindo a ser assunto tratado quase diariamente nos meios de comunicação social. Na realidade, alterações do clima sempre ocorreram através dos tempos. A grande diferença é que, no passado longínquo, essas variações se processavam lentamente durante milhares ou mesmo milhões de anos, enquanto que desde o início da era industrial, há menos de 200 anos, as consequências das alterações climáticas, atribuídas a causas antropogénicas, têm vindo a acontecer em ritmo acelerado.

Vejamos então como o clima, ou seja o comportamento médio das condições atmosféricas, influenciou a vida na Terra.

Passaram cerca de 13,8 mil milhões de anos desde do Big Bang, altura em que se formou o universo, e cerca de 4,5 mil milhões de anos que a Terra se formou como resultado de agregação de matéria resultante dessa explosão inicial. A nossa Terra, então incandescente, foi arrefecendo pouco a pouco, durante milhões de anos. Vários gases ficaram retidos pela força da gravidade, formando uma atmosfera onde sobressaíam o hidrogénio, o hélio, o metano e o azoto. À medida que a camada exterior do globo terrestre (crosta) arrefecia e solidificava, as camadas mais interiores mantinham-se em grande parte em fusão. A crosta ainda hoje é perfurada por matéria fundida que é expulsa através dos vulcões que injetam na atmosfera diferentes gases, entre eles o dióxido de carbono. Este gás, à medida que a sua concentração aumentava, contribuiu para que tivesse surgido vida na Terra, na medida em que faz com que as amplitudes térmicas não tenham valores exagerados, como se a atmosfera se comportasse como uma estufa. As suas características permitem que absorva a radiação solar, em grande parte de pequeno comprimento de onda, e emitam radiação de grande comprimento de onda, sob a forma de calor, tal como as estufas.

É provável que a água, na forma de gelo, tenha surgido no nosso planeta trazida por corpos celestes (cometas e asteroides) que com ele chocaram. Também é aceite que parte da água existente tenha sido aprisionada no interior do globo, e mais tarde expelida pelos vulcões, sob a forma de vapor. À medida que a atmosfera e a crosta terrestre arrefeciam, o vapor de água condensou dando origem a nuvens e a chuva que, juntamente com a água trazida pelos corpos celeste, deram origem aos oceanos, mares e lagos. O arrefecimento gradual da crosta terrestre permitiu o surgimento de formas primárias de vida constituídas por organismos anaeróbicos, para a sobrevivência dos quais não era necessário a existência de oxigénio. Milhões de anos passaram e muitos destes organismos, expostos à radiação solar, estiveram na base do surgimento de vegetais, cuja clorofila permitiu a fotossíntese, ou seja, a libertação do oxigénio do dióxido de carbono por ação da radiação solar, que, gradualmente, foi fazendo parte de uma atmosfera cada vez mais estável. A existência do oxigénio permitiu o aparecimento de organismos aeróbicos que foram evoluindo ao longo de milhões de anos, tornando-se cada vez mais complexos e transformando-se nas diferentes formas de vida que atualmente existem, e muitas outras já extintas.

A pouco e pouco a atmosfera foi adquirindo a composição que hoje apresenta, com intervalos mais ou menos longos em que havia maior ou menor concentração de dióxido de carbono. E foi esta maior ou menor concentração que, devido ao efeito de estufa, esteve na base das grandes extinções de espécies animais e vegetais, não de todas, mas pelo menos de algumas, de acordo com a interpretação de eminentes paleontologistas e paleoclimatologistas. É geralmente aceite que variações do clima tiveram grande influência nas cinco grandes extinções em massa que ocorreram nos últimos 450 milhões de anos, talvez com a exceção da extinção dos dinossauros e de outras espécies da megafauna que habitavam o globo no fim da era Mesozoica, mais especificamente no período Cretácico.

Adotamos aqui a interpretação dada ao conceito de “extinção em massa” pelos paleontólogos britânicos Anthony Hallam e Paul Wignall, que caracterizam este tipo de extinções como sendo eventos que eliminam uma proporção significativa do conjunto da fauna e flora do mundo (biota) num período de tempo geologicamente insignificante.

Com base nesta interpretação considera-se que houve cinco extinções em massa nos últimos 450 milhões de anos, com a seguinte ordem cronológica: Final do Ordovícico; Devónico Tardio; Final de Pérmico; Final do Triássico; Final de Cretácico.

Primeira extinção – Extinção em Massa do Final do Ordovícico (há cerca de 445 milhões de anos)
Calcula-se que a extinção do final do Ordovícico ocorreu há quase 450 milhões de anos e obliterou mais de 85% da vida animal no globo terrestre. Há várias interpretações sobre as causas desta extinção, sendo uma das mais credíveis a levantada pela equipa do paleontólogo Seth Finnegan e pelo geólogo Francis Mac Donald, segundo a qual a extinção está relacionada com alterações climáticas. De acordo com o registo fóssil, a vida marinha tropical sofreu grande devastação devido ao arrefecimento do oceano de cerca de 5 graus Celsius. Tudo leva a crer que este arrefecimento foi devido à diminuição drástica da concentração do dióxido de carbono na atmosfera que está relacionada com a formação da região montanhosa que abrange os montes Apalaches, e que se estendia da Gronelândia ao Alabama, devido a ilhas vulcânicas que, impulsionadas por movimentos tectónicos, pressionaram a costa leste da América do Norte, fazendo com que a crosta terrestre se elevasse. Estas montanhas recém formadas sofreram intensos processos físicos, químicos e biológicos (intemperismo) que fizeram com que se desagregassem parcialmente, de modo que os carbonatos que as formavam foram arrastados para o mar. A precipitação, ligeiramente ácida devido ao dióxido de carbono atmosférico, teve grande importância neste processo de “roubo” do carbono do dióxido de carbono da atmosfera para o fundo do mar. Consequentemente houve forte diminuição da concentração do dióxido de carbono na atmosfera, o que enfraqueceu o efeito de estufa, provocando o arrefecimento que esteve na base da breve glaciação do final do Ordovícico, o que fez soçobrar quase tudo o que era vida existente no nosso planeta.

Segunda extinção – Extinção em Massa do Devónico Tardio (há cerca de 374 milhões de anos)
Várias teorias têm sido levantadas para explicar a extinção em massa do Devónico Tardio. Uma delas, relacionada com o dióxido do carbono, recorre à diminuição da concentração deste gás na atmosfera para explicar o que se passou. Segundo ela, o surgimento de vastas zonas de florestas fez com que a concentração do dióxido de carbono diminuísse drasticamente devido à fotossíntese, o que provocou uma descida de temperatura (da ordem de seis ou sete graus), o que esteve na base de períodos glaciais que provocaram o desaparecimento de cerca de 70 a 83% das espécies marinhas. Entre os animais extintos sobressaem os placodermos, peixes cuja principal característica era a de possuírem coberturas da cabeça e tórax por uma espécie de armadura constituída por placas dérmicas. Alguns paleontólogos são da opinião de que os placodermos estão para o Devónico assim como os dinossauros para o Jurássico e o Cretácico.

Terceira extinção – Extinção em Massa do Final do Pérmico (há cerca de 252 milhões de anos)
Cerca de 100 milhões de anos após o Devónico ocorreu a terceira extinção em massa que, comparada com as anteriores, foi muito mais avassaladora, causando a quase destruição total da vida na Terra.

De acordo com vários paleontologistas, as alterações climáticas que ocorreram no final do período Pérmico foram a causa da maior extinção em massa da história do nosso planeta. Também designada por extinção do Pérmico-Triássico, foi devida essencialmente ao aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, proveniente de intensa atividade vulcânica, o que implicou aquecimento do ar e dos oceanos, os quais perderam a quase totalidade do oxigénio neles dissolvido. Perante esta situação houve uma extinção da vida marítima quase total.

Até as trilobites, que tinham sobrevivido às extinções anteriores, desapareceram para sempre. Toda esta destruição decorreu durante os quase 50 milhões de anos que durou o Pérmico, continuando ainda pelo período a seguir, o Triássico. Um artigo da revista científica americana Science, de 7 de dezembro de 2018, da autoria, entre outros, de Justin L. Penn, investigador da Escola de Oceanografia da Universidade de Washingtoni, estima que foram extintas 96% das espécies marítimas e 70% das espécies terrestres.

Estes resultados são como que um aviso sobre o risco futuro de extinção decorrente de uma diminuição da capacidade aeróbica dos oceanos, o que já está em andamento.

Quarta extinção – Extinção em Massa do Final do Triássico (há cerca de 201 milhões de anos)
Apesar de a extinção em massa do final do Pérmico ter acabado quase com a vida na Terra, algumas espécies resistiram e a vida refloresceu durante alguns milhões de anos. Foram criadas as condições para o aparecimento dos primeiros dinossauros e a proliferação de grandes répteis.

As massas continentais estavam unidas formando um supercontinente, a Pangeia, o que fazia com que a atmosfera fosse muito seca e, consequentemente, houvesse fraca pluviosidade. A quase ausência de chuva impediu o intemperismo, ou seja, a desagregação e decomposição das rochas, o que contribuiu para que a concentração do dióxido de carbono na atmosfera não diminuísse. Pelo contrário a concentração aumentou devido à intensa atividade vulcânica que, além de dióxido de carbono, injetava grandes quantidades de outros gases de efeito de estufa.

Agravando a situação, a ausência de florestas, que desapareceram quase completamente nos cerca de 10 milhões de anos que se seguiram à extinção do final do Pérmico, contribuiu para que o Triássico Inferior fosse exageradamente quente.

Milhões de anos passaram e as florestas reapareceram, assim como a chuva com grande intensidade, e a Terra voltou a arrefecer. Porém, no final do Triássico, a tragédia voltou a assediar a Terra. Uma extinção em massa ocorreu, tendo sido aventada a hipótese de um asteroide ter atingido a Terra, o que não se confirmou. É mais aceite a teoria, baseada no registo fóssil, de que o final do Triássico foi perturbado por uma atividade vulcânica muito intensa, à escala global, o que implicou injeção na atmosfera de grandes quantidades de dióxido de carbono e de outros gases de efeito de estufa, o que provocou aquecimento da atmosfera e dos oceanos. Estima-se que cerca de 76% das espécies marinhas e terrestres foram aniquiladas.

Quinta extinção – Extinção em Massa do Final do Cretácico (há cerca de 66 milhões de anos)
É aceite que há cerca de 66 milhões de anos um asteroide com cerca de 10 a 15 Km de diâmetro chocou com a Terra, provocando uma cratera com aproximadamente 150 km de diâmetro, designada por Cratera de Chicxulub, por o seu centro se encontrar próximo da atual cidade com o mesmo nome. A cratera encontra-se soterrada por sedimentos com quase 1 km de espessura, sob a Península de Iucatão e o fundo do mar, no Golfo do México.

As águas pouco profundas potenciaram os estragos fazendo com que a energia que se calcula equivalente a cerca de 100 milhões de megatoneladas de TNT causasse fragmentação e pulverização de extensas formações rochosas que foram projetadas, descrevendo trajetórias que atingiram as zonas mais longínquas do globo, caindo em parte sob a forma de meteoritos, e outra parte menos densa ficando em suspensão na atmosfera. Rochas de calcário foram vaporizadas provocando um aumento significativo de dióxido de carbono na atmosfera. Durante um longo período a luz solar esteve impedida de ultrapassar as densas nuvens de poeira misturada com gases tóxico, e a chuva ácida ajudou a aniquilar grande parte da biosfera. A existência de fósseis de peixes com areia vitrificada nas guelras, a muitos quilómetros de distância do impacto, como os que foram encontrados na formação rochosa Hell Greek, nos Estados Unidos da América, levaram os paleontólogos a deduzirem que o impacto gerou um tsunami gigantesco que invadiu vastas áreas continentais. Os dinossauros e outros espécimes da megafauna que não soçobraram aquando do impacto acabaram por sucumbir por falta de alimento. Calcula-se que cerca 75% das espécies animais e vegetais foram aniquiladas.

Este impacto é por vezes designado por evento K-T, que originou a extinção K-T, por ter ocorrido no fim do período geológico Cretácico e começo do Terciário (a letra K foi atribuída ao período Cretácico). Mais modernamente é designado por evento Cretácico-Paleogénico (K-Pg), por ter ocorrido no fim do Cretácico e princípio do Paleogénico.

Todas estas extinções decorreram ao longo de milhões de anos, na medida em que uma das suas causas, a maior ou menor concentração de dióxido de carbono, teve uma evolução em geral muito lenta. Acontece, porém, que o aumento de concentração deste gás duplicou praticamente no curto período desde o início da era industrial, o que na escala geológica é praticamente um instante. Isto leva-nos a pensar que o conhecimento da história do nosso planeta nos pode alertar para o que poderá acontecer nas próximas décadas se não se tomarem as medidas preconizadas no Acordo de Paris. As perspetivas, porém, não são animadoras.

A história da Terra ensina-nos que o excesso de dióxido de carbono na atmosfera pode levar a consequências drásticas. Compreender os eventos do passado serve para prevenir o futuro.

Justin L. Penn, no seu artigo da revista Science, sobre a extinção em massa do final do Pérmico, alertava “Because similar environmental alterations are predicted outcomes of current climate change, we would be wise to take note”

5 Set 2019

Tarde demais

[dropcap]D[/dropcap]urante meses percorremos a costa para averiguar o estado do litoral. O nível de erosão geológica, o avanço urbano, a contaminação marítima e, sobretudo, os resíduos sedimentados junto à linha dos mares. Captámos imagens e vídeos com meios tecnológicos avançados, drones e lentes de precisão. Mapeámos o terreno, tornando-o tridimensional aos olhos dos mais leigos. Reputámos o canto dos pássaros. Fizemos gráficos, desenvolvemos um estudo ambiental e, por fim, tirámos conclusões e apresentámos medidas a tomar pelas entidades competentes. Em suma, fizemos o nosso trabalho, sem apoios estatais, sem subsídios públicos. Fizemo-lo porque tinha de ser feito, porque o país precisa destes relatórios. Não nos interessa se é caro ou barato, não é razão que nos impeça de prosseguir. Somos uma equipa pequena, com equipamento próprio e muita formação na bagagem. Se há alguém com recursos na matéria, porque não avançar e apresentar resultados? O planeta agradece.

Com o material na mão, fizemos cópias e enviámos para os ministérios, autarquias e instituições. Encaminhámo-lo igualmente para as associações ambientais e para o fluxo de empresas que de algum modo poderiam melhorar práticas e daí tirar mais proveitos. Não esquecemos os que a todo o momento agridem o meio-ambiente e que não são advertidos e colocados de sobreaviso. Apesar das chaminés e descargas para os leitos cândidos dos rios, nada os distingue no papel. Não há penalizações para os transgressores porque a linha de transgressão ainda está por definir. Também eles receberam um postal no correio.

O Estado agradeceu-nos o esforço e louvou o nosso trabalho, agendando para mais tarde um encontro para aprofundarmos a matéria e colocar planos em cima da mesa, encaminhando-os para uma linha definida de execução. Há muito para fazer, insistimos. Já vamos tarde.

Não interrompemos o trabalho de observação. Aproveitando esta linha primária de comunicação, elaborámos um sucessivo fluxo de notícias frescas e pertinentes sobre a realidade, acrescentando factos para o contexto da situação. Sugerimos leituras, o convite dos maiores talentos na matéria, ciclos documentais para a consciência da população. Orgia iniciática necessária para o volte de face. Do outro lado, o fio contínuo mudo em ecrã escuro de inactividade, como se o coração colectivo tivesse deixado de bater. Outros valores, de pé mais comprido, se intrometiam.

Reportando ao paradigma das praias, sobre o qual se debruçou grande extensão da nossa análise. Na sua maioria, a olho nu, encontravam-se limpas. Não há como evitar os detritos que se acumulam no alto-mar, a origem é global, e com teimosia acabam por se albergar na nossa costa. Há escarpas nas zonas não classificadas com os estandartes de qualidade que requerem uma acção prolongada e, acima de tudo, persistem as descargas feitas nos fluxos aquíferos que quebram a harmonia ecológica. Os nossos dejectos diários. Por outro lado, o nível da água subiu vários metros e as marés vivas aproximaram-se da borda das povoações, engalfinhando estradas, parques de estacionamento e pequenos edifícios construídos ao largo da costa, ora para domicílio ilícito ou como baiucas veraneantes para refresco dos turistas. No passado, ignorou-se o cerne da questão, diluindo apenas o imediato. Construíram-se muralhas rochosas para apaziguar o poderio infinito do mar, procederam-se a demolições, transplantaram-se areias delapidadas de outros corpos celestes. Dragaram-se goelas de rios. A curto prazo, dissolveu-se o prurido e as bolas de Berlim voltaram a ser o apetite mais premente. Mas a raiz continuava a avariar.

Os primeiros estudos foram efectuados há vários anos. Na enxovia do poder, várias caras foram atravessando os currais das assembleias, sorrisinhos para aqui e para ali, promessas eleitorais. Mas em uníssono, apesar das palmadinhas nas costas e missivas floreadas, nenhum deles puxou a corda. O parlamento discutiu, sim, aprenderam a matéria dada, mas não reunimos com ninguém à altura da mudança, nem sequer com o motorista, para nos ceder passagem. Apesar disso, de olhos bem abertos, continuámos a efectuar o nosso trabalho. Desistir não faz parte da ementa. Até que outros veículos se movimentaram, não temendo a corrente do acelerador. Aparelhos desobstruídos. Trindade caída.

Aconteceu de modo natural e intrínseco. Não era propositado o facto de irmos todos juntos, mulheres e homens, de várias origens e lonjuras. Os sinos das igrejas não tocaram, ninguém tocou a rebate. Foi-se confluindo para caminhos análogos, que se uniram num só. Não havia tempo a perder. A luz já tinha despertado em alguns, mas ainda não existia a coragem de nos pormos à estrada. Mas quando aconteceu, foi repentino para a maioria, sobretudo quando a palavra começou a circular de boca em boca. Vamos? Aí soubemos que tinha chegado o tempo certo, de nos manifestarmos, de lutarmos pela importância das coisas. Já não iria existir uma inversão de marcha. Não ia ser como sempre foi. De ouvirmos calados. De deixar a carruagem passar, ao sabor de um nó de gravata ou de um par de óculos de garrafa. O senhor director está ocupado. Sim, erámos pacíficos e tal, mas contra o nosso número, uma união coesa de vontade e revolta, nenhum outro poder teria força para nos impedir. Nem o império do mar. Aconteceu na avalanche, que desce a montanha e faz rebolar o pequeno floco de neve que bate forte dentro do peito, transformando-se a cada rotação em ser distinto, elevando-se e multiplicando-se, para uns metros mais à frente existir num colosso imparável. Irreparável.

Como se poderia ignorar tal temor a pulular-nos nas veias? De que valiam os estudos nesta altura, a ignorância, o saber? O nível das águas, a febre a dilatar-se, o granizo fora de época. Os drones e as lentes de precisão. De que servia determinada tecnologia naquela confluência de elementos? Sua excelência o ministro, pedia-lhe encarecidamente, deixo-lhe os meus melhores cumprimentos. A empresa tal desvia os seus esgotos para a ribeira xis. As emissões de carbono atingiram níveis indesejáveis. Alertamos para o perigo imediato. Quadro negro. Pelo resultado atingido, as gavetas dos gabinetes aquartelavam dezenas de estudos como os nossos. O exame não era corrigido. As pautas não eram lançadas. A inclinação tombou. Os pássaros deixaram de cantar.

Enquanto o monitor cardíaco se enleava, a direcção passou a um só sentido. A idade ou estatuto não contavam. Deixámos de olhar para as criancinhas como peças soltas com futuro inserto num caldeirão, a chupar refrescos em baiucas de veraneantes. A travessa, a rua, a avenida. Uma injecção. Alunos, professores e pessoal de limpeza. A fauna era variada e pungente. Entre nós, até existiam alguns elementos da autoridade, forças armadas, militares insatisfeitos, polícias desregulados, que tinham deixado o armamento em casa, mas que vinham preparados para tudo. Finalmente, tinha chegado o dia de pôr cobro ao grande circo que rolava sem travões há tempos infindos. Como o mar. A muralha rochosa erguia-se em penedo da antiguidade, no leito cândido dos rios. A História iria ter um volte de face e não era preciso escrevê-la, os papéis estavam todos no ar, despedidos que foram do mofo dos gabinetes.

Ainda tentaram colocar-se do nosso lado, os governantes, com o intuito de ganhar tempo e criar um grupo de transição, de onde fariam parte. O povo é sereno, gritavam, quando passámos por cima da linha da frente e os atropelámos. Seríamos nós a ditar as regras do país e as transformações estavam muito bem delineadas. Há imenso tempo que elas eram faladas – dirigido ao senhor coordenador do gabinete do secretário, pedimos deferimento, acaloradamente – era só pôr tudo em prática. As grandes empresas teriam de se reger por princípios rígidos e só assim podiam subsistir. Não havia tempo para encubar mais ideias. Ou financiar espíritos criativos e cimeiras de botõezinhos. O filho pródigo regressava a casa. Seriam os princípios da humanidade e da natureza, era assim que ia ser daí em diante. Não havia tempo a perder. E ninguém diga que gostamos de chegar atrasados.

Hoje, já vamos tarde.

5 Jul 2019

Carlos Taibo, professor de ciência política da Universidade Autónoma de Madrid: “O colapso vai ser global”

As alterações climáticas e o esgotamento das matérias-primas são as causas mais prováveis para o colapso do sistema socio-económico das sociedades contemporâneas. A Ásia e, sobretudo, a China não estão imunes. Esta é a tese defendida por Carlos Taibo, professor de ciência política da Universidade Autónoma de Madrid, cuja versão portuguesa do livro “Colapso. Capitalismo terminal, Transição ecossocial, Ecofascismo” foi recentemente lançada

Defende que vai acontecer um colapso a nível global entre 2020 e 2050 e não daqui a cem anos, como muitos julgam. Como é que este colapso se vai sentir na China?
Naturalmente que vai acontecer na China, não tenho nenhuma dúvida. O facto de a China estar a reproduzir muitos dos elementos do crescimento próprio do mundo ocidental justifica que é candidata fundamental. Além disso, as alterações climáticas e o esgotamento das matérias-primas energéticas afectam a China de maneira muito evidente. Há uma discussão muito interessante relativamente ao facto de na China existir um Governo de carácter autoritário, algo que pode contribuir ou oferecer respostas mais firmes face às que derivam das democracias liberais. Há uma diversificação das opiniões que, em relação a estes processos, pode ser muito delicada. Mas, como sou bastante céptico no que diz respeito às estruturas de poder autoritário, penso que seria fácil que a direcção da política chinesa se fizesse no sentido de apoiar um projecto de ecofascismo ao invés de procurar respeitar as regras do jogo dos restantes países e dar espaço a movimentos de transição de carácter alternativo ou igualitário.

Portanto, depois da queda do capitalismo pode-se seguir uma situação de ecofascismo.
Primeiro teríamos de clarificar qual é a situação do sistema económico chinês. Trata-se de uma combinação muito estranha de capitalismo com muitos elementos de políticas autoritárias, eventualmente socializantes em alguma dimensão. Mas tenho a impressão de que a pegada capitalista na economia chinesa é tão forte que tudo o que digamos sobre a deriva do capitalismo nas economias de mercado livre pode afirmar-se também da presumível deriva no modelo económico chinês.

Considera que a China pode ser um dos países protagonistas deste colapso social de que fala, a par dos Estados Unidos. Acha que a guerra comercial que travam é um sinal do colapso de que fala?
É um país protagonista das relações comerciais internacionais e, temos de admitir, se essas relações estiverem na origem do colapso, então será o protagonista central do colapso. Em qualquer caso, devo reconhecer que o meu livro aborda o período depois do colapso e não sobre o que acontece antes. Alguém poderia perguntar-me: se o colapso se produz no ano 2050, o que acontece antes? Do meu ponto de vista, a ideia de uma III Guerra Mundial serve para descrever o cenário de uma sociedade pós-colapso, mas pode servir um cenário prévio ao colapso. Neste âmbito de conceitos, com certeza a China desenvolve um papel central e importante, ainda que não seja a principal potência agressiva, mas sim os EUA.


Tem sido acusado de ser alarmista quanto à possibilidade da ocorrência de um colapso social no mundo entre 2020 e 2050. Como reage perante estas críticas?
Bom, prefiro ser qualificado e descrito como alarmista a ser qualificado de frívolo. É muito mais grave para mim o pecado da frivolidade do que o do alarmismo. Além disso, afirmei no início da minha palestra que não estou em condições de afirmar, sem margem para dúvidas, que se vai produzir um colapso social do sistema. No meu argumento mais prudente afirmo que esse colapso é provável, ou muito provável. Parece-me que os dados me levam a concluir cientificamente que esta conclusão é legítima. Não digo mais nada.

Se tivesse de apontar causas ou acontecimentos fundamentais para o colapso, quais apontaria? A guerra comercial que hoje vivemos, a crise da zona Euro, por exemplo?
Estou a pensar em processos globais, como as mudanças climáticas, o esgotamento das matérias-primas energéticas, o surgimento de uma crise social, financeira e demográfica derivada do desenvolvimento de violências várias. Um planeta com muitos conflitos onde cai o esgotamento das matérias-primas e as alterações climáticas. Prefiro rebaixar o peso do argumento no que diz respeito à crise da zona Euro, que considero que tem um relevo menor em relação à discussão sobre o colapso.

Porque defende que o colapso irá acontecer mais rapidamente nos países do sul do que no norte, e como é que essa diferença se verifica na Ásia?
Se as duas principais causas para a ocorrência do colapso são as mudanças climáticas e o esgotamento das matérias-primas energéticas, parece-me evidente que vai golpear de maneira mais forte os países do sul. A subida das temperaturas vai provocar a migração de populações inteiras, com refugiados procurando zonas menos severas em termos climáticos. O esgotamento das matérias-primas energéticas não vai ter tantos efeitos nos países do sul, pois dependem menos disso. Por serem países menos desenvolvidos, necessitam menos dessas matérias-primas energéticas, à diferença do que acontece no norte. Suspeito que a China e a Ásia emergente estará no meio destas duas situações, de tal maneira que não é trágico o cenário das mudanças climáticas nem tão benigno o esgotamento das matérias-primas energéticas.

Há uma clara desigualdade entre a China e o Japão e depois o Sudeste Asiático. Portanto, haverá efeitos diferentes.
Sim. O que acontece é que é difícil identificar esses efeitos. Porque a minha tese é que as sociedades que mais vão padecer dos efeitos do colapso são aquelas que mais dependem de tecnologias ou energias que chegam de longe. A sociedade japonesa, por exemplo, vai padecer bastante destes efeitos, mas a China não tanto. Não digo que não irá sofrer, mas tem as suas defesas, que se caracterizam pelo facto de a sociedade chinesa viver ainda uma grande parte em subdesenvolvimento. Isso faz com que as suas necessidades energéticas sejam mais reduzidas. Introduzi o conceito de que, paradoxalmente, as sociedades que, na Europa, consideramos mais deprimidas, são as que vão ter maiores possibilidades num cenário de colapso, porque são aquelas que dependem menos das tecnologias e de energias. Suponho que isto vai acontecer em boa parte da China, mas não nas regiões mais orientais, que se abrem ao Oceano Pacífico, que são sociedades muito urbanas e muito dependentes de tecnologias e energias.

Uma vez que a China ainda tem uma boa parte da população ligada ao sector primário, irá sobreviver melhor que o Japão a um eventual colapso.
Considero que é assim.

Como encara o discurso político da China em prol da defesa do ambiente?
Não conheço bem, mas tenho a impressão de que a China foi um país que pensou durante muito tempo nas medidas internacionais que pretendiam reduzir as suas emissões de gases e fomentar o seu desenvolvimento económico. Mas, provavelmente, há uma leitura diferente, que considera que o problema existe e que a China está cega em relação à realidade e simplesmente nega o aumento das emissões.

Fala-se muito do colapso enquanto questão mais ocidental ou europeísta…
O colapso vai ser global, ainda que vá ter efeitos diferentes nas regiões. É certo que a discussão sobre o colapso tem uma presença mais forte nas sociedades ocidentais, mas intuo que é inevitável que essa discussão chegue a outros lugares porque, repito, o colapso é global. Este é um elemento que distingue este colapso de outros registados no passado. Por exemplo, quando o Império Romano colapsou, os efeitos sobre os outros impérios foram nulos. Hoje sabemos que as mudanças climáticas e o esgotamento das matérias-primas são processos inevitavelmente globais.

O que podemos fazer para evitar este colapso?
Temos de modificar a nossa vida quotidiana de maneira a instaurarmos uma relação muito mais civilizada com o meio natural e organizar movimentos colectivos que modifiquem as regras do jogo, em prol do fim do mercantilismo e da procura de projectos colectivos solidários mais austeros. Contudo, devemos atribuir outro significado à palavra austeridade do que o significado que os nossos governantes dão hoje em dia, quando preferem associar a austeridade a uma redução dos orçamentos sociais. A austeridade é um valor saudável e positivo.

12 Abr 2019

Tempo, clima, aquecimento global e …menopausa

[dropcap]É[/dropcap] frequente a confusão entre “tempo” e “clima”, no entanto são conceitos totalmente diferentes. “Tempo” refere-se às condições meteorológicas que ocorrem num dado momento ou num período relativamente curto. Quando falamos de clima já nos estamos a referir aos valores médios das variáveis meteorológicas (temperatura do ar, pressão atmosférica, humidade, nebulosidade, visibilidade, vento, etc.) referentes a um período longo. Assim, por exemplo, ao afirmar que neste momento está muito calor e a chover em Macau ou que em

Pequim está muito frio, estamos a referir-nos ao tempo. Por outro lado, se dissermos que Macau é uma cidade sujeita ao regime de monções e que é caracterizada pelo facto de o ar ser geralmente muito quente e húmido nos meses de maio a setembro, já nos estamos a referir ao seu clima.

São de tal maneira diferentes estes dois conceitos que para caracterizar o tempo basta conhecer os valores das variáveis meteorológicas num determinado momento, enquanto que para caracterizar o clima são necessários valores médios desses parâmetros referentes pelo menos a… trinta anos!

Trinta anos é o período mínimo preconizado pela Organização Meteorológica Mundial, agência especializada das Nações Unidas, para caracterizar as condições meteorológicas médias de uma determinada região ou local.

Não é raro ver-se escrito ou ouvir-se em alguns meios de comunicação social que, por exemplo, não se realizou um determinado evento ao ar livre devido às “condições climatéricas”. Esta expressão está de tal maneira arreigada na linguagem corrente que é também frequentemente usada por altos dirigentes do Estado. Nem sequer se recorre ao termo “climáticas” em vez de “climatéricas”, o que seria mais elegante, apesar de continuar a ser errado o seu uso naquelas circunstâncias. Não há nenhum profissional das áreas da meteorologia e da climatologia que utilizem o termo “climatérico” em vez de “climático”, embora alguns dicionários classifiquem estas palavras como sinónimas. Além de que o termo “climatérico” se pode prestar a confusão, pois designa-se por “climatério” o conjunto de sintomas que surgem antes e depois da menopausa.

Corre-se o risco de se querer referir ao tempo e acabar-se por falar em… menopausa!

Ainda a propósito de tempo e clima, foi muito comentada a nível mundial a seguinte mensagem através do “Twitter” do Presidente dos EUA, Donald Trump:

Donald J. Trump‏Verified account @realDonaldTrump
In the beautiful Midwest, windchill temperatures are reaching minus 60 degrees, the coldest ever recorded. In coming days, expected to get even colder. People can’t last outside even for minutes. What the hell is going on with Global Waming? Please come back fast, we need you!
6:28 PM – 28 Jan 2019

Trump faz referência a um acontecimento meteorológico que consiste no deslocamento para latitudes mais baixas de uma massa de ar ártico muito frio, que circula numa vasta região depressionária, designada por vórtice polar, que permanece quase estacionária na região polar, no hemisfério norte. No inverno passado ocorreu uma destas migrações de ar ártico, o que afetou os Estados Unidos da América durante alguns dias, período em que as condições meteorológicas foram caracterizadas por valores da temperatura do ar extremamente baixas. O que Trump não sabe é que esses valores da temperatura aparecerão completamente diluídos nos tais pelo menos trinta anos que são necessários para caracterizar o clima! No entanto, cético como é sobre o aquecimento global, não perde a oportunidade para criticar o que milhares de cientistas em todo o mundo já aceitaram como verdadeiro.

Mas… terá Trump razão para duvidar do aquecimento global e, consequentemente, das alterações climáticas causadas pelas atividades humanas? Na realidade não é só ele a duvidar, pois há mesmo alguns cientistas que partilham esta atitude crítica. Um dos argumentos que os detratores do aquecimento global apresentam em sua defesa consiste no facto de que, em muitos casos, o ambiente envolvente das estações meteorológicas se ter degradado devido à expansão das zonas urbanas. É um facto que as cidades ao crescerem, envolvendo as estações meteorológicas que anteriormente se encontravam em áreas não urbanizadas, poderão influenciar os valores da temperatura do ar. É sabido que as grandes cidades constituem verdadeiras ilhas de calor, falseando os valores que a temperatura do ar deveria ter se as estações meteorológicas não sofressem essa influência. No entanto, este argumento não é muito válido na medida em que também é detetado aumento de temperatura nas estações que permaneceram em ambientes rústicos. Vem até mesmo reforçar o que tem vindo a ser afirmado por milhares de investigadores, que o aquecimento a nível global se deve a atividades humanas. Na realidade, a causa principal do aquecimento global é o aumento da concentração dos gases de efeito de estufa provenientes das atividades humanas desde o início da era industrial, ou seja, desde há mais de cento e cinquenta anos.

O conceito de clima é muito mais vasto do que aquele que mencionamos quando comparamos os significados de “tempo” e “clima”. Como afirmam os Professores José Pinto Peixoto e Abraham H. Oort, na obra “Physics of Climate” (publicado em 1992 pelo American Institute of Physics), “the climate is always evolving and it must be regarded as a living entity”.

O autor escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico

4 Abr 2019

O Sexo das Alterações Climáticas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s alterações climáticas é  um daqueles temas transversais a tudo, tal como o sexo, por isso decidi casar um tópico com o outro para um argumento, que não é novo para alguns, mas talvez seja para outros. Tenho sofrido da particular frustração por ver que as alterações climáticas, que estão aí ao virar da esquina, ou que até já chegaram em força, é um conceito entendido como desconectado de tudo à nossa volta. Não está desconectado do ambiente em si, claro, mas está desconectado dos nossos sistemas morais, sociais, psicológicos, e do nosso dia-a-dia, no fundo.

Já em tempos me debrucei acerca de uma sexualidade ecológica, a forma mais fácil de casar os temas – seja porque se ama o planeta e se faz amor com o solo, as árvores e as plantas ou porque se tomam decisões de compra mais ecológicas, como vibradores, lubrificantes e outros que tais – com a garantia que não estamos a poluir o ambiente ou nós próprios. Mas será que basta? Será que é suficiente ter hábitos de consumo mais ecológicos e ponderados para evitar o fim da civilização tal e qual como ela existe? Será que a solução são os carros eléctricos, pensando agora num sentido mais lato de hábitos de consumo, ou os produtos biológicos,ou os materiais biodegradáveis, ou as casas inteligentes? Quando, no ano passado, Macau viu passar os tufões mais intensos e mortíferos dos últimos tempos, uns atrás dos outros, eu pensei para mim mesma que a minha geração, muito provavelmente, assistiria ao início da degradação dos nossos ambientes e sociedades.  E o que tenho aprendido é que as alterações climáticas vêm aprofundar o fosso socio-económico das nossas cidades, países, continentes, e planeta.

No dia da Mulher, as Nações Unidas apresentou uma campanha toda bonita sobre como as alterações climáticas são um problema de género – também. Eu sei que esta é uma ideia difícil de perceber, e pouco consensual. Que diferença faz se eu for homem, mulher ou outra identificação de género, à vista das alterações climáticas? Não serão os efeitos os mesmos para todos? Há quem discorde – as alterações climáticas são um problema que têm afectado primeiro as comunidades já frágeis, que para além de verem os seus ambientes a deteriorar-se, vêem-se em confronto com outro tipo de desafios. Países com escassez de água, de condições básicas de sobrevivência, seja pela seca ou pela inundação, sofrem de maior desigualdade de género. Tal como o sexo, as alterações climáticas não são um problema do mundo físico, somente, são um problema do mundo social. Reparem: a escassez de recursos ou as transformações no ecossistema, mexem com temas tão delicados como a maternidade – será que podemos ou devemos trazer uma criança ao mundo? – ou com a contracepção – porque é que os peixes andam cheios de hormonas femininas? – ou com o nosso consumo sexual – será que preciso de 30 vibradores, um de cada cor, para completar a minha colecção megalómana de dildos? Quanto mais consumimos, mais poluímos, não é?

O sexo das alterações climáticas não deverá ser uma discussão sem fim, porque de perguntas sem resposta já estamos nós fartos. O que considero útil neste desafio temático, é olhar para aquilo que está a acontecer no nosso planeta de forma interseccional – que o ambiente está no estado desequilibrado em que está, e que pode afectar e reforçar as dinâmicas de poder já existentes. No exercício de distopia da Margaret Atwood, que explora as questões das mulheres e as questões do ambiente (em vários exercícios de ficção, e não só na sua mais aclamada obra), torna este mesmo argumento óbvio: as alterações que o nosso planeta anda a sofrer são um desafio também ao sexo que fazemos, ao sexo performativo e representado e ao sexo que desejamos. O sexo destas sociedades que parecem mais loucas do que sensatas: mais loucas por poder, por desigualdade, nunca loucas por amor, ou pelo menos, nunca da forma certa de amor.

13 Jun 2018