Memória de uma Revolução parida em Abril: Fascismo, nunca mais!

Por Ana Maria Saldanha, professora universitária

A memória da revolução como elemento identitário de um povo

O Papa morreu no dia 21 de Abril de 2025. A pretexto da morte do chefe de Estado do Vaticano, o ministro da Presidência de Portugal anunciou que o Governo português tinha cancelado toda a “agenda festiva”, tendo adiado as celebrações da Revolução de Abril e alegado que o luto nacional pelo Papa Francisco implicaria reserva nos festejos. Na realidade, uma vez mais, estamos perante (mais) uma das inúmeras tentativas de espezinhamento da Revolução de Abril, levada a cabo, desde há 51 anos, por sectores afectos a um projecto político que tem como objetivo não apenas a destruição do sector público, mas igualmente a plena mercantilização de sectores cujo acesso universal o 25 de Abril permitiu (como a Saúde e a Educação), assim como a destruição de direitos laborais e a interdição do pleno usufruto de liberdades fundamentais. Estes sectores que atacam, diariamente, o direito a um trabalho digno e com direitos, o direito a uma habitação digna, o direito universal à Saúde e à Educação, se submetem aos ditames de uma política europeia – que, paulatinamente, tem consubstanciado a destruição da produção nacional, da agricultura nacional e das pescas -, são os mesmos sectores que procuram destruir a memória de Abril.

E não será, certamente, a decisão de não participação nas comemorações de Abril, por parte de um governo de um partido que tem atacado, impiedosamente, as conquistas de Abril, que impedirá, no dia de amanhã, cravos e vozes alçarem-se nas ruas de Portugal: 25 de Abril, Sempre! Fascismo, nunca mais!

Com efeito, a Revolução de Abril que pôs fim a 48 anos de ditadura e consagrou um Portugal Democrático continua, 51 anos depois, a incomodar. Num momento em que, no plano internacional, forças políticas assumem, de forma aberta ou cada vez mais claramente, propósitos xenófobos e fascistas, lembrar Abril é um acto de memória necessária. Num momento em que, no plano interno, estes propósitos levam à eleição, para a Assembleia da República (AR) de Portugal, de uma bancada que – para além de incluir criminosos variados (basta que nos lembremos, entre vários outros, do caso do deputado que rouba malas ou da deputada acusada de burla) -, inclui, entre os seus membros, um ex-integrante do grupo terrorista Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) e do projeto político fascista do general Kaúlza de Arriaga (Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN) – partido de extrema-direita que apenas se dissolveria em 1980) e hoje vice-Presidente da AR, lembrar Abril é um acto de resistência. Num momento em que, seja no plano interno ou no plano externo, a economia se subordina à política, com crescentes casos de corrupção que envolvem membros que actuam, diretamente, no poder de Estado (atentemos no caso de Luís Montenegro, em Portugal), lembrar Abril é um acto de luta.

A Revolução de Abril nasce da união de um levantamento militar com um levantamento popular, pelo que lembrar Abril implica sair do silêncio a que nos gostariam de confinar e cantar, Vozes ao Alto, Grândola, Vila Morena, / Terra da Fraternidade / O povo é quem mais ordena / dentro de ti, oh cidade. A 25 de Abril de 1974, a poesia saiu à rua. E é na rua que Abril tem de ser comemorado. O facto de Abril, ainda hoje, incomodar; o facto de as conquistas da Revolução, ainda hoje, incomodarem; o facto de os valores que destruíram 48 anos de fascismo, ainda hoje, incomodarem, apenas indicam que Abril está vivo – apesar de tantos se esforçarem por dá-lo como morto.

O Nascimento de uma Revolução

Na noite de 24 de abril de 1974 é levado a cabo um levantamento militar pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Às 22h55, é transmitida a canção E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, pelos Emissores Associados de Lisboa, primeiro sinal do avanço das operações. Às 00h20, os militares que ocupavam a rádio Renascença deram o segundo sinal, com a transmissão de Grândola Vila Morena, de José Afonso. Na Rádio Clube Português, às 4h, é lido o primeiro Comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA):

Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e profissional da classe médica esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração que se deseja, sinceramente, desnecessária (Comunicado do MFA, 1974).

Apesar do apelo inicial dos capitães, forças populares juntaram-se ao levantamento militar, sendo, precisamente, o fruto desta união – levantamento militar e levantamento popular – que dá origem à Revolução.

Quando os capitães de Abril, organizados no MFA, dão a conhecer ao país os seus objetivos – o fim da ditadura e o fim da guerra colonial, com a consequente e necessária construção de um Portugal democrático -, forças progressistas e organizações políticas progressistas e revolucionárias logo dão o seu apoio ao MFA. Porém, a classe que havia dominado durante os 48 anos de ditadura, e que via os seus interesses atacados, opõe-se de imediato ao processo revolucionário, desestabilizando a tentativa de construção de um Portugal democrático, não apenas a partir do exterior do poder político, mas, igualmente, a partir do seu interior. Neste contexto, forças ideologicamente opostas vão entrar em confronto ao longo do processo revolucionário português.

A polarização ideológica acentuou-se ao longo do período compreendido entre o dia 25 de abril de 1974 e o dia 25 de novembro de 1975. Ainda assim, num contexto político extremamente tenso, consagram-se avanços sociopolíticos que permitiriam uma melhoria acentuada das condições de vida e de trabalho da população portuguesa: nacionalização da banca, reforma agrária, novos direitos laborais, participação popular nos processos decisórios, liberdade sindical, liberdade de organização e de filiação política, entre outras.

A 2 de Abril de 1976 é consagrada a nova Constituição da República Portuguesa (ainda hoje, em vigor), a qual estabelece, entre outros princípios, o seguinte:

Princípios fundamentais

Artigo 1.°

(República Portuguesa)

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

Artigo 2.°

(Estado democrático e transição para o socialismo)

A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.

Artigo 3.°

(Soberania e legalidade)

[…]

2. O Movimento das Forças Armadas, como garante das conquistas democráticas e do processo revolucionário, participa, em aliança com o povo, no exercício da soberania, nos termos da Constituição.

[…]

Parte II (organização económica)

TÍTULO I

Princípios gerais

Artigo 80.o

(Fundamento da organização económico-social)

A organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas, mediante a apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classes trabalhadoras.

[…]

Artigo 83.o

(Nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974)

1. Todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras.

[…]

TÍTULO IV

Reforma agrária

[…]

Portugal antes de Abril

A ditadura portuguesa nasce com o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 e institucionaliza-se em 1933, com a aprovação de uma nova Constituição.

A nova Constituição instaura a censura, proíbe os partidos políticos, as Associações sindicais e as Associações secretas, cria a PVDE (Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado) – polícia política -, proíbe as oposições e impõe o partido único. No plano institucional, constitucionaliza-se o presidencialismo todo-poderoso; na prática, no entanto, sobressai a figura de Salazar como Presidente do Conselho.

Há que ressaltar, neste contexto, o retrocesso da posição social da mulher. Com efeito, se, em 1911, a mulher alcançara direitos que iam no sentido de uma crescente igualdade social, a partir de 1933, perpassa a imagem da mulher como dona de casa, sujeita à obediência do homem: “O trabalho da mulher fora do lar desagrega este, separa os membros da família, torna-os um pouco estranhos uns aos outros” (Salazar, 1935).

Com efeito, em 1974, apenas 25% dos trabalhadores eram mulheres e apenas 19% trabalhavam fora de casa. As mulheres ganhavam um salário cerca de 40% inferior ao salário dos homens, sendo que a lei do contrato individual do trabalho permitia que o marido pudesse proibir a mulher de trabalhar fora de casa e, caso a mulher exercesse actividades lucrativas, sem o consentimento do marido, este podia rescindir o contrato. A mulher tampouco podia aceder às carreiras da magistratura, da diplomacia, da polícia ou do Exército. Para além disso, certas profissões (como, por exemplo, a carreira de enfermagem ou de hospedeira) implicavam a limitação de direitos, como o direito de casar.

Lembremo-nos, ainda, que, na família, o único modelo de família aceite era o resultante do contrato de casamento e que a idade do casamento, para os homens, era de 16 anos e, para as mulheres, de 14 anos. O Código Civil previa, igualmente, que a mulher pudesse ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento (para além do fato de o casamento católico ser indissolúvel). Neste contexto, a família é dominada pela figura do chefe, o qual detém o poder marital e paternal, sendo, com algumas excepções, o administrador dos bens comuns do casal, dos bens próprios da mulher e dos bens dos filhos menores. O mesmo Código Civil determinava, igualmente, que “pertence à mulher durante a vida em comum, o governo doméstico”. Havia, igualmente, a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos (nascidos dentro e fora do casamento) – os direitos de uns e de outros não eram os mesmos – e as mães solteiras não tinham qualquer protecção legal. Mas havia mais: a mulher tinha, legalmente, o domicílio do marido e era obrigada a residir com ele, sendo que este tinha, ainda, não apenas o direito de abrir a correspondência da mulher como a poderia matar em flagrante adultério (e a filha em flagrante corrupção) – sofrendo, apenas, um desterro de seis meses. Apenas em 1969 terminou o impedimento de a mulher poder viajar para o estrangeiro sem autorização do marido.

Naturalmente, que, neste contexto sociopolítico e jurídico, a saúde sexual e reprodutiva era uma questão que não merecia o mínimo cuidado por parte do aparelho de Estado.

O aborto era punido em qualquer circunstância, sendo passível de uma pena de prisão de 2 a 8 anos. Estimativas consideram que os abortos clandestinos poderiam ascender, anualmente, aos 100 mil, sendo a terceira causa de morte materna. Mais de 40% dos partos ocorriam em casa, sendo que praticamente metade destes não tinham qualquer assistência médica. Até ao final dos anos 1960, as mulheres só podiam votar quando fossem chefes de família e possuíssem curso médio ou superior. Ainda que, em 1968, a lei passasse a estabelecer a igualdade de voto, para a Assembleia Nacional, de todos os cidadãos que soubessem ler e escrever, a verdade é que Portugal possuía uma elevada percentagem de analfabetismo (que afectava, sobretudo, as mulheres).

Quanto à segurança social, o regime de previdência e de assistência social que prevaleceu até ao 25 de Abril de 1974 caracterizava-se por uma abrangência insuficiente, uma fraca cobertura de riscos e prestações sociais com baixo nível de protecção social. Paralelamente, o número de trabalhadores que eram abrangidos com o direito a uma pensão de velhice era extremamente reduzido: relembremos que, antes do 25 de Abril, apenas recebiam uma pensão ecerca de 525 mil portugueses. No Regime Geral, a pensão mínima era inexistente e a pensão média, o abono de família e de aleitação tinham valores extremamente reduzidos. O subsídio de desemprego era inexistente e a pensão paga aos trabalhadores rurais era extremamente baixa (sendo diferente para mulheres e para homens).

No que toca à habitação, a maioria da população portuguesa vivia numa situação extremamente precária: metade das habitações, em Portugal, até 1974, não tinha água canalizada nem dispunha de electricidade.

Os dados estatísticos podem ajudar-nos a compreender o que foram os quase 50 anos de ditadura, em Portugal: em 1974, a mortalidade infantil (em permilagem) era de cerca de 3, enquanto em 2023 era de 2,4; a taxa de mortalidade materna (por 100 mil nados vivos), em 1970, era de 73,4 , enquanto em 2022 era de 13,1; o analfabetismo, em 1970, atingia cerca de 33,6% da população, enquanto, hoje, é de, apenas, 3,1%.

No que concerne a situação no campo, até ao 25 de abril de 1974, em muitas das pequenas explorações, os pequenos rendeiros entregavam ao proprietário quer a renda absoluta, quer a diferencial, pelo que o proprietário de terra acabava por receber tudo aquilo que excedia os seus próprios meios de subsistência. Por outro lado, sendo que a produtividade do trabalho, numa pequena exploração arrendada, não é maior do que numa grande exploração, aquela exigia uma intensificação do ritmo de trabalho. No caso do latifúndio do Sul português, muitas das terras arrendadas correspondiam às terras menos férteis, pelo que o pequeno rendeiro raramente conseguia sobreviver da sua magra produção. Encontrava-se, assim, dependente do trabalho assalariado sazonal. As suas pequenas parcelas de terras situavam-se, muitas vezes, nas zonas limítrofes do latifúndio – o que, aliás, permitia assegurar que o latifúndio dispusesse de mão-de-obra próxima e permanente. Os pequenos camponeses e proletários agrícolas dormiam pouco, trabalhavam de sol a sol, não tinham dias de descanso e o subconsumo alimentar era crónico. Este sobretrabalho do pequeno campesinato proletarizado era, aliás, a única forma que este possuía de competir com a grande exploração, numa tentativa de subsistir com o fruto do seu trabalho. Tal implicava um dispêndio de energias de toda a família, inclusivamente das crianças, todos submetidos às privações constantes e crescentes que o modelo do latifúndio impunha. Os assalariados agrícolas que não dispunham de terras arrendadas encontravam-se, por seu lado, sujeitos ao emprego sazonal e à migração constante de herdade em herdade, para encontrar trabalho. Muitas vezes, como nos meses de Inverno, em que praticamente não havia oferta de trabalho, aquela mão-de-obra sobreexplorada via-se a obrigada a recorrer, frequentemente, à mendicidade, para sobreviver.

As diferenças entre proprietários de terras e pequenos agricultores proletarizados foram, ainda, acentuadas pela incapacidade que os pequenos agricultores tinham no acesso ao crédito. Com efeito, quando o pequeno agricultor se endividava, ficava ou nas mãos da banca ou, mais geralmente, nas mãos de proprietários-usurários que beneficiavam do pagamento dos juros.

A Oposição à Ditadura no Interior e no Exterior do Poder Político

Em termos políticos, o Partido Comunista Português (PCP) teve um papel de destaque na oposição à ditadura. Porém, paralelamente à ação política do PCP, vários movimentos antifascistas, de trabalhadores, de intelectuais e/ou de estudantes também combateram, desde o seu início, a ditadura.

A 10 de março de 1927, foi publicada a Folha de Arte e Crítica Presença; a 26 de maio do mesmo ano, foi assaltada e destruída a sede de A Batalha, diário sindical de inspiração anarquista, um dos principais jornais de Lisboa (as instalações da Confederação Geral do Trabalho (CGT), sua proprietária, seriam encerradas, em novembro, pela polícia); no seguimento da revolta militar de 3 de fevereiro de 1927 (reviralho), foi fundado, em Lisboa, o Batalhão Académico Antifascista, movimento de estudantes que procurou mobilizar-se, jun- tamente com a oposição, contra o regime recém-instalado. Os estudantes tiveram, aliás, um papel ativo na luta contra a ditadura, pelo que, na década de 20 e de 30, vários foram aqueles que participaram nos reviralhos militares.

A proclamação da República de Espanha, em 1931, teve um eco importante entre as forças antifascistas portuguesas. Nesse mesmo ano, estudantes espanhóis revoltaram-se contra o regime e as decisões de Primo de Rivera, o que teve como consequência sangrentos confrontos de rua e a suspensão das aulas nas universidades espanholas. Ora, também em Lisboa, em abril do mesmo ano, se vivia num ambiente de guerra civil, com a tomada de parte da cidade por militares reviralhistas, solidários com a República da Madeira (durante o mês de abril de 1931, a revolta da Madeira tomou conta da ilha). Entre os estudantes portugueses, a tensão aumentou e as manifestações contra o regime sucederam-se.

Seria, no entanto, nos anos sessenta, que o movimento estudantil atingiria o seu apogeu na luta contra a ditadura, designadamente em 1962.

Na origem do movimento estudantil de 1962 encontra-se a aprovação de um novo diploma do governo, que os estudantes recusam, reivindicando, ao invés, a “urgente democratização do ensino”, a “supressão de uma descriminação económica injusta, que atrofia a inteligência nacional”, a “extensão do ensino universitário a todos os estudantes portugueses, independentemente de considerações de ordem política, religiosa, rácica ou de qualquer outra espécie”. O Primeiro Encontro Nacional dos Estudantes de Coimbra e as Comemorações do Dia do Estudante, em Lisboa, são, então, proibidos pelo governo. Entre os estudantes, as diferentes sensibilidades políticas convergem e unem-se pela defesa da autonomia universitária, seguindo-se uma grande greve nacional (20.000 estudantes grevistas) e a declaração do luto académico (vestir a capa e a batina fechadas e boicote massivo às aulas, como sinal de protesto). Sucedem-se manifestações estudantis duramente reprimidas pela polícia e vários estudantes são expulsos da Universidade, presos ou incorporados nas listas militares. Este período de agitação estudantil ficaria conhecido como Crise Académica de 1962. Na sequência deste confronto entre os estudantes e o governo português, Marcello Caetano, então Presidente da Universidade de Coimbra, pede a demissão. Não são, contudo, apenas os estudantes que se revoltam na década de sessenta.

A 8 de Março de 1962, no Porto, uma manifestação Comemorativa do Dia da Mulher é violentamente reprimida pela polícia. Iniciam-se, igualmente, neste mesmo ano, as emissões da Rádio Portugal Livre, a partir de Argel. A década de sessenta vê, ainda, o nascimento de um forte movimento antiguerra, marcado por constantes manifestações de rua e por diversos encontros.

No campo social, após as grandes greves de 1942, 1943 e 1944, o movimento sindical clandestino continua a sua ação, promovendo a ampliação e o desgaste da ditadura; a luta atingirá o seu apogeu nos anos 1970. Com efeito, a 11 de outubro de 1970, treze sindicatos rompem com a tutela do governo e abandonam a organização corporativa, fundando a Intersindical. No seguimento da fundação desta Confederação Sindical, foi decretada a sua imediata ilegalização, assim como a prisão de alguns dos seus membros e o encerramento de sindicatos.

No campo militar, após as tentativas dos reviralhos, até ao final dos anos trinta, a oposição no interior das Forças Armadas reforça-se a partir dos anos cinquenta. Esta cisão opera-se, sobretudo, entre os corpos dirigentes do Exército.

Em 1952, Henrique Galvão rompe com Oliveira Salazar. Preso, evade-se da prisão, em 1959, e, em 1961, comanda o ataque ao Paquete Santa Maria, denunciando, internacionalmente, a situação existente em Portugal. Em 1958, o General Humberto Delgado decide candidatar-se à Presidência da República, contra o candidato da única força política autorizada, a União Nacional. Em 1961, o governador-geral do Estado Português da Índia, o General Vassalo e Silva (1899-1985), contrariando a ordem do governo português, recusa defender as colónias portuguesas indianas até à morte. Neste mesmo ano, o Ministro da Defesa, Botelho Moniz, apresenta um ultimato ao Presidente da República, no qual exige a demissão de Salazar; será, no entanto, por esta razão, encarcerado. Em 1962, uma ação militar dirigida por Varela Gomes (1924-2018) e por civis armados tentará, igualmente, depor o regime, através de um ataque, sem sucesso, ao quartel do Regimento de Infantaria 3 de Beja.

Todas estas dissidências internas do regime, vindas das Forças Armadas, auguravam uma ruptura definitiva do Exército com a ditadura. A insatisfação no seio das Forças Armadas agravou-se com o eclodir da guerra colonial.

A 14 de Março de 1974, perante as revoltas e exigências que se vinham verificando no seio das Forças Armadas, Marcello Caetano convocou uma audiência na qual lhes lembrou o papel meramente cumpridor de directrizes que lhes cabia. Nesse mesmo dia, o Presidente do Conselho remodela o governo. Apesar das advertências governamentais, opera-se, nos dias 15 e 16 de março, um revolta militar da Infantaria 5 das Caldas da Rainha.

Também no plano religioso, o tradicional apoio da Igreja Católica à ditadura é, gradualmente, posto em causa: em 1961, oito padres angolanos foram deportados para Portugal, presos e torturados; em 1965, é divulgado o Manifesto dos 101 Católicos que tomam, abertamente, posição contra a guerra colonial, criticando a cumplicidade da hierarquia católica com o regime de Salazar. Na década de setenta, a oposição à ditadura far-se-á sentir não apenas nos meios progressistas católicos, mas, igualmente, no seio da própria hierarquia religiosa, consequência, sobretudo, da guerra colonial. Após a resignação do Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), em 1971, o seu sucessor, o Cardeal António Ribeiro (1928-1998), apesar de não condenar claramente a ditadura, distancia-se das posições que dela emanam.

A oposição opera-se, ainda, no interior do próprio poder. No seio da União Nacional (que fora rebaptizada, por Marcello Caetano, como Ação Nacional Popular), os mais conservadores reclamam um endurecimento do sistema autoritário e soluções para acabar com a oposição, enquanto a denominada ala liberal reclama uma maior abertura do regime. As confrontações que então se verificaram entre estes dois setores tiveram como consequência a redução da base de apoio da ditadura portuguesa e a consequente passagem à oposição de alguns quadros do regime.

Os últimos anos da ditadura foram, portanto, caracterizados por uma oposição que se estendera a diferentes grupos e setores da sociedade, inclusive no seu próprio interior. Assim sendo, a oposição de alguns dos quadros do próprio regime, o descontentamento no seio do Exército e da Igreja, os movimentos e lutas sociais de trabalhadores, de estudantes, de intelectuais, criaram uma situação de ruptura cujo resultado final se traduziria pelo eclodir de uma Revolução.

As Colónias Ultramarinas e o Início da Guerra Colonial

As colónias portuguesas representavam, na primeira metade do século XX, uma fonte comercial importante para a metrópole europeia.

Em Angola, a partir de 1921, o comércio de diamantes (paralelamente ao comércio do café, do açúcar ou do algodão) ganhou uma importância crescente na economia colonial portuguesa. Moçambique, por seu lado, encontrava-se nas mãos de Companhias particulares que possuíam autonomia administrativa nos territórios que ocupavam, como a Companhia de Moçambique e a Companhia Zimbézia. Até 1960, era a colónia que mais rendia ao Estado, graças ao peso dos caminhos-de-ferro e dos portos, sendo que a sua economia assentava no açúcar, no algodão e no sisal. Moçambique era, igualmente, um importante fornecedor de mão-de-obra para as minas sul-africanas e rodesianas.

A partir da década de 1960, a importância económica de Moçambique para o Estado colonial português foi, contudo, superada pela economia angolana.

De um ponto de vista industrial e educacional, as colónias portuguesas (Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, colónias indianas, Macau e Timor Leste) tiveram, durante a Primeira República e até aos anos 60, um progresso deficiente.

O sistema educacional era praticamente nulo, sendo que aquele que existia era controlado, sobretudo, pelas missões católicas aí instaladas (excepto no que diz respeito ao período da Primeira República que, entre 1911 e 1926, aboliu as missões religiosas). As taxas de analfabetismo atingiam, desta forma, níveis surpreendentes: por exemplo, até à década de 1950, a taxa de analfabetismo era de 99% em São Tomé e de 85% nas colónias indianas ou em Cabo Verde. Quando os movimentos de independência surgiram, o fascismo tentou, numa manobra política, responder com a criação de Universidades e com uma melhoria do sistema de ensino. Todavia, na metrópole, aumentou o número de anos do Serviço Militar Obrigatório, reforçando-se, em paralelo, a colonização portuguesa.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, formaram-se diversos movimentos de libertação se na então África colonizada. Neste sentido, também na África colonial portuguesa e na metrópole se formaram diversos grupos de unidade africana, esboçando-se, a partir dos anos 50, os primeiros planos de independência (apesar de os seus mentores e organizadores serem perseguidos e, frequentemente, obrigados ao exílio).

Em Angola, na segunda metade do século XX, dois movimentos, de bases ideológicas distintas, defenderiam a independência angolana: o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola). O MPLA, fundado em 1956, nasceu da reestruturação do Partido Comunista de Angola (que havia sido fundado em 1955), depois Partido da Luta dos Africanos de Angola, e legitimava a sua ação segundo os preceitos marxistas. Os seus principais membros foram intelectuais que seguiram uma formação secundária e/ou superior em Portugal (como Mário Pinto de Andrade (1928-1990), Agostinho Neto (1922-1979), Viriato da Cruz (1928-1973)) e a sua base de militância e de apoio encontrava-se, sobretudo, na cidade de Luanda. O número crescente de apoios e de filiações no MPLA permitiu que, em 1961, este movimento iniciasse a luta armada. O Estado ditatorial português respondeu com o aumento de tropas em território angolano, com a repressão e com uma crescente atividade da PIDE.

A FNLA, por seu lado, foi fundada por emigrantes angolanos do Congo belga, ligados entre si por Associações semi-secretas de raiz tribal. Este movimento de libertação iniciou a luta armada na região do norte de Angola, mormente no Uíge. A sua primeira ação consistiu num ataque às fazendas de café, assassinando todos aqueles que aí se encontravam, incluindo os próprios trabalhadores angolanos, criando um ambiente de terror, incluindo entre os próprios angolanos. Em 1964, uma cisão no seio da FNLA deu origem à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que seria dirigida por Jonas Savimbi (1934-2002). Os primeiros apoiantes da UNITA eram originários da etnia maioritária à qual pertencia Jonas Savimbi (1934-2002): os ovimbundo. A UNITA levou a cabo operações de guerrilha no Leste do então território colonial.

Em 1955, formou-se, na Guiné portuguesa, o Movimento para a Independência Nacional da Guiné (MING). Este movimento reestruturou-se e, em 1956, deu origem ao PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde), de cujos membros fundadores se destacam Amílcar Cabral (1924-1973) e o seu irmão, Luís Cabral (1931-2009), Aristides Pereira (n. 1923), Abílio Duarte (1931-1996) e Elisée Turpin (n. 1930). O PAIGC iniciou a luta armada em 1963, dois anos após o início da luta pela libertação nacional, em Angola. Em 1972, as Nações Unidas reconhecem o PAIGC como o legítimo representante do povo guineense e cabo-verdiano. Amílcar Cabral, contudo, foi assassinado em 1973, seis meses antes da independência.

Em 1961, foi criado, no exílio, o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), cujo Comité Central se encontrava no exílio. Em 1972, o CLSTP reestruturou-se no Movimento para a Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), o qual foi reconhecido, depois da Revolução de Abril, como o legítimo representante dos interesses da população santomense.

Em Angola, Moçambique e Guiné, os criadores dos movimentos independentistas revolucionários foram, portanto, quadros de formação portuguesa. O mesmo não aconteceu, todavia, em Moçambique.

O movimento de libertação moçambicano – a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – foi, ao contrário dos movimentos de libertação das outras colónias portuguesas, constituído por africanos que nem sempre tinham ligações com a cultura e língua portuguesas.

A FRELIMO, também marxista, foi fundada a 25 de junho de 1962 e resultou da união de três movimentos de bases étnicas e sociais muito diferentes: a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAME)16, a Mozambique African National Union (MANU) e a União Nacional Africana para um Moçambique Independente (UNAMI). O primeiro Presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane (1920-1969), foi, aliás, educado parcialmente na África do Sul e nos EUA. Os primeiros guerrilheiros da FRELIMO foram treinados na Argélia e, entre eles, encontrava-se Samora Moisés Machel (1933-1986), que substituiria Mondlane, em 1969, após o assassinato deste. A luta armada moçambicana contra o domínio colonial português desencadeou-se a 25 de setembro de 1964.

Por seu lado, a Índia não necessitou de uma organização armada e estruturada para combater o ocupante português. Durante vários anos, o governo de Jawaharlal Nehru (1889-1964) tentou, sem sucesso, que os portugueses saíssem voluntariamente das suas colónias (Goa, Damão e Diu). Perante a continuada recusa portuguesa de abandonar estas colónias, as tropas indianas invadiram e ocuparam, em dezembro de 1961, os três territórios, terminando, desta feita, com o Império Português das Índias.

A guerra colonial começa, em suma, em Angola, em fevereiro de 1961, estende-se à Guiné-Bissau e a Cabo Verde, em 1963, e a Moçambique, em 1964. Porém, quando a guerra colonial portuguesa se inicia, o movimento anticolonialista já se encontrava bastante desenvolvido em outras colónias africanas sob a dominação europeia. Nos anos 60, dezasseis colónias, que, na sua maioria, haviam estado sob a dominação francesa, são declaradas independentes (Benim, Burkina Fasso, Camarões, Chade, Congo-Brazaville, Costa do Marfim, Gabão, Ma- dagáscar, Mauritânia, Níger, Nigéria, República Centro-Africana, Togo, Zaire), enquanto, de 1961 a 1969, também o Lesoto, a Serra Leoa, a Tanzânia, a Argélia, o Burundi, o Ruanda, o Uganda, o Quénia, o Malawi, o Botsuana, as Ilhas Maurícias e a Líbia alcancarao a independência. Ora, este avanço e progresso dos movimentos independentistas fez com que o governo de Salazar recorresse a uma aliança com os Estados colonialistas, em particular da África do Sul, da Rodésia e da Niassalândia (nome colonial do Malawi até 1964). No final de 1963, Oliveira Salazar escreve ao Primeiro-ministro da África do Sul, Hendrik Verwoerd (1901-1966):

Nós estamos quase sós em África, Senhor Primeiro-ministro, e se a Rodésia do Sul for compelida a aceitar as condições que tenho visto expostas na imprensa no sentido do domínio absoluto da raça negra, penso que não ficarão então no continente africano mais que os territórios portugueses e a União Sul Africana a representar e defender a civilização do ocidente […]. Felizmente a guerra no seu aspecto de luta subversiva, empreendida por terroristas, ou de luta clássica travada por exércitos dos países independentes, está muito longe das vossas fronteiras, mas rapidamente estará às vossas portas, se Portugal não puder resistir. Quer isto dizer que há interesse ocidental e claramente sul-africano em que tal hipótese se não verifique, e por esse motivo todas as formas de cooperação que possam ser dadas a Portugal nos territórios de Angola e Moçambique são muito úteis à nossa resistência, à vossa defesa própria.

A luta independentista ganhava, entretanto, novos adeptos entre os povos colonizados, fazendo com que o fascismo português aumentasse constantemente o número de homens enviados para a frente de guerra. A consciencialização da ineficácia e injustiça da guerra que o Estado português levava a cabo não se faria, todavia, apenas sentir entre os povos africanos colonizados: também as tropas portuguesas iriam, gradualmente, opor-se a uma guerra que, desde o seu início, não cessava de aumentar o número de mortos e de feridos entre a juventude masculina portuguesa.

A Consciencialização Política no Interior das Forças Armadas Durante a Guerra Colonial

Ao contrário do esperado pela ditadura portuguesa, o início da guerra colonial permitiu o desenvolvimento de ações e de teorias anticolonialistas. A oposição à guerra colonial estende-se, desta forma, a diferentes setores da população, saindo dos centros de decisão do poder ditatorial e das cúpulas militares. Neste processo de luta contra a guerra foi fundamental a oposição que se gerou no interior das Forças Armadas.

A consciencialização dos oficiais data, sobretudo, da década de 1950. Se, até então, a carreira militar era reservada a jovens provenientes da média e da alta burguesias, a partir de 1958, aquela carreira abre-se às classes mais desprovidas e, como escreveu Otelo Saraiva de Carvalho, “passa a oferecer-se, naquele estabelecimento [Academia Militar], ensino e fardamento gratuitos e soldos de trezentos e cinquenta e quatrocentos e cinquenta escudos aos cadetes-alunos, o que, embora simbólico, era suficiente para os cigarros e o fim-de-semana”. Para muitas famílias modestas, continua Otelo, “abria-se, assim, uma possibilidade de dar aos seus filhos acesso fácil a um curso classificado como superior e uma carreira”. Foram estes estudantes da Academia Militar, nos anos 50, aqueles que primeiramente seriam enviados para Angola, Moçambique e Guiné, no início dos anos 60. Os horrores da guerra iriam, no entanto, permitir a tomada de consciência da injustiça deste conflito.

Em 1961, uma norma oficial do Quartel-General de Angola impôs que as tropas portuguesas cortassem as cabeças dos guerrilheiros e as espetassem em paus, “para dar o exemplo”. A propaganda salazarista que defendia a necessidade de uma presença civilizadora em África tornava-se, nestas condições, facilmente contestável. A vinda de tropas portuguesas para as colónias teve, por conseguinte, sobre muitos soldados e oficiais, uma influência inversa à que fora esperada pelas autoridades e pela hierarquia militar.

Ora, as Forças Armadas constituíam, desde a implantação da ditadura, em 1926, a sua base de apoio, permitindo a sobrevivência e longevidade da organização socioeconómica e política ditatorial. A ruptura necessária com a ditadura fascista teria, deste modo, de partir daqueles que outrora haviam constituído a sua principal base de apoio.

Em 1973, um movimento de capitães do Exército expõe ao governo reivindicações de carácter profissional. Este movimento reivindicativo vai, no entanto, estender-se a outros ramos das Forças Armadas (Força Aérea e Marinha), alargando as suas exigências iniciais. Nasce, assim, o Movimento das Forças Armadas (MFA), o qual viria a permitir a queda da ditadura portuguesa, a 25 de abril de 1974.

As Conquistas de Abril

A Revolução de 25 de Abril de 1974 consagrou direitos sociais e laborais, permitindo, ainda, nos planos sociopolítico e jurídico, que a mulher e o homem estivessem em situação de igualdade. As medidas que Abril permitiu nascer estendem-se, assim, ao trabalho, à segurança social, aos direitos da família, à criação de equipamentos sociais e de infraestruturas básicas, assim como ao alargamento e ao reforço dos serviços públicos.

É, deste modo, a Revolução de Abril que permite a fixação do salário mínimo nacional (DL 212/74, de 27.05), o aumento generalizado de salários, a garantia de emprego, o direito a férias, aos subsídios de férias e de Natal, a abertura às mulheres das carreiras da magistratura judicial e do ministério público e dos quadros de funcionários da justiça (DL 251/74,12.06), da carreira diplomática (DL 308/74, de 6.07) e de todos os cargos da carreira administrativa local (DL 251/74, de 22.06). A Revolução de 25 de Abril de 1974 vai, ainda, permitir a abolição de todas as restrições baseadas no sexo quanto à capacidade eleitoral dos cidadãos (DL 621-A/74, de 15.11) e o direito do marido abrir a correspondência da mulher (DL 474/76, de 16.06); são, ainda, revogadas as disposições penais que reduziam penas ou isentavam de crimes os homens, em virtude das vítimas desses delitos serem as suas mulheres ou filhas (DL 262/75, de 27.05), enquanto os casamentos católicos passam a poder obter o divórcio civil (DL 187/75, de 4.04).

Depois do 25 de Abril, ainda em 1974, consagra-se o salário mínimo nacional (que, então, foi estipulado em 3.300 escudos), assim como o pagamento do 13.° mês (subsídio de Natal) e do subsídio de férias para os funcionários públicos (só em 1975 seriam estendidos à generalidade dos trabalhadores), sendo criada a pensão social para pessoas que não tenham descontado para a previdência. Data, ainda, de 1974, a regulação do exercício do direito à greve e a definição das regras para despedimentos coletivos. Em 1975, é criado o subsídio de desemprego, regula-se o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores, os despedimentos sem justa causa são proibidos e são fixadas as indemnizações por despedimento. Em 1976, é consagrado o direito à licença de parto (num total de 90 dias), é regulado o regime da negociação coletiva e é permitida a celebração de contratos a termo por um prazo mínimo de seis meses e um máximo de 3 anos. Estabelece-se, igualmente, o período de férias, que pode variar entre um mínimo de 21 dias e um máximo de 30 dias consecutivos. Em 1977, a Lei da Greve passa a definir o regime jurídico do direito à greve e a proteger os representantes de trabalhadores contra o despedimento.

Direitos que, hoje, nos parecem normais são, na realidade, fruto de 48 anos de luta contra um regime opressivo que utilizava a prisão e a tortura como instrumentos de controlo social. Direitos que, hoje, nos parecem normais, são fruto de uma Revolução que, a 25 de Abril, ousou destruir 48 anos de uma organização sociopolítica e económica ao serviço de uma minoria. É este mesmo Abril que, hoje, dia 25 de Abril de 2025, comemora 51 anos. Levantemos, pois, as nossas vozes, ergamos um cravo vermelho e, nas ruas, alcemos as nossas vozes pela preservação dos direitos que Abril consagrou.

Viva o 25 de Abril! 25 de Abril, Sempre!

25 Abr 2025

25 de Abril | A Revolução dos Cravos vista pela imprensa chinesa

A queda do Estado Novo a 25 de Abril de 1974 foi noticiada pela imprensa de língua chinesa em Macau. Revelaram-se preocupações da comunidade, nomeadamente quanto à permanência do Governador Nobre de Carvalho em prol da estabilidade e bom ambiente de negócios, assim como o “status quo” de Macau no contexto da descolonização

 

Os ecos da revolução do 25 de Abril de 1974 chegaram com atraso a Macau, mas isso não significou ausência de notícias nos dias seguintes, inclusivamente na imprensa chinesa local.

O HM consultou algumas das notícias dos jornais chineses da época sobre este período, traduzidas para português por funcionários da Comissão de Censura à Imprensa (CCI), o organismo público que funcionou em Macau durante o regime ditatorial português. Este material está hoje à guarda do Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa.

A sua leitura permite não só perceber alguns dos acontecimentos que se sucederam à revolução, mas também as percepções e preocupações que a comunidade chinesa teve face ao que se passou em Portugal.

Os chineses queriam manter a estabilidade e a continuação dos negócios. E se o Governador Nobre de Carvalho, no poder desde 1966, passava a estar, para muitos, conotado com o regime fascista, e, por isso, tinha de sair, a verdade é que muitos desejavam a sua permanência para garantir a paz social.

Conforme se lê no livro “Macau nos anos da revolução portuguesa 1974-1979”, de Garcia Leandro, ex-Governador português, “os chineses de Macau procuravam, acima de tudo, estabilidade para poder dar continuidade tranquila aos seus negócios, e não desejavam conflitos ou desentendimentos com Pequim ou com Cantão”.

A Administração era “fraca, muito mal apoiada tecnicamente e com fama de ser facilmente corrompida”, pelo que havia, no território, “fortes razões para o MFA [Movimento das Forças Armadas] local e para o CDM [Centro Democrático de Macau] quererem mudanças, principalmente pela corrupção permanente e pela sensação de excessiva fraqueza da Administração portuguesa, que parecia nada decidir sem consulta prévia aos representantes chineses”.

As explicações do MFA

Logo a seguir ao 25 de Abril, Macau recebeu a visita de dois representantes do MFA, nomeadamente o Major Rebelo Gonçalves e o próprio Garcia Leandro, para explicar a revolução e objectivos do MFA para Portugal e as colónias, não apenas à população como aos jornalistas.

Um dos encontros, com os jornalistas locais, foi descrito pelo jornal Tai Chung Pou a 6 de Maio de 1974. “Rebelo Gonçalves recebeu os repórteres e narrou-lhes pormenorizadamente o golpe de Estado. No dia (do acontecimento), a canção ‘Quem manda é o Povo’ serviu de sinal de acção”. O tradutor da CCI atribuiu à canção “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso, escolhida para ser a segunda senha da revolução na rádio, o nome “Quem manda é o Povo”, numa referência ao verso da letra “O povo é quem mais ordena”. A notícia prosseguia, citando Rebelo Gonçalves: este disse “que o golpe de Estado foi desejo do povo, pelo que alcançou êxito no período de um só dia”.

Apoio a Nobre de Carvalho

Caído o regime em Lisboa, e exilado Marcelo Caetano, depressa se colocou a questão sobre a permanência do Governador à frente dos destinos de Macau. Porém, Nobre de Carvalho recebeu apoio popular para continuar, como descreve uma notícia do jornal Si Man de 4 de Outubro de 1974.

“Portugal não tenciona modificar o ‘status quo’ de Macau, disse um delegado português a comerciantes chineses. O referido delegado manifesta-se contente com a campanha pela recondução do Governador, promovida por diversos sectores sociais. No entanto, o senhor general Nobre de Carvalho já pedira a exoneração do cargo de Governador por motivos de saúde.”

Além disso, criou-se um grupo “para a recolha de assinaturas a favor da recondução do senhor general Nobre de Carvalho no cargo de Governador de Macau”, e que foram entregues a Garcia Leandro, ainda na qualidade de oficial do MFA. Este recebeu “duas caixas contendo livros-cadernos com assinaturas”. Foram transmitidos “pareceres de entidades dos círculos industrial e comercial, na esperança de o senhor Governador poder permanecer em Macau, o qual dadas as suas largas experiências e conhecimentos dos condicionalismos, possa vencer as dificuldades resultantes do declínio económico que ora se verifica em todo o mundo”.

Mas se era desejo de muitos a continuidade de Nobre de Carvalho, a saída de muitos funcionários públicos passou a ser conotada com a mudança de regime. Como é referido numa notícia do jornal Si Man de 11 de Maio de 1974. “O chefe dos Serviços de Saúde e Assistência, dr. António Joaquim Paulino, regressará no dia 27 do corrente mês a Portugal Continental, o que segundo consta, está relacionado com a queda do Governo de Marcelo Caetano. As autoridades competentes recusaram-se a fazer comentários sobre a partida do dr. Paulino.”

O jornal acrescentava ainda: “Contudo, uma notícia de fonte fidedigna informou: Crê-se que o regresso inopinado para Lisboa do dr. Paulino, cuja comissão de serviço nesta província ainda não terminou, está relacionada com o golpe de Estado ultimamente registado em Portugal (continental). Segundo se diz, o dr. Paulino tem sido um simpatizante entusiástico do deposto Governo de Marcelo Caetano.”

Ainda no início de Maio, permaneciam ainda muitas perguntas sem resposta, e o jornal Si Man associava a partida de Vasco Rocha Vieira do território, à época Chefe do Estado-Maior do Comando Militar, com a ausência de explicações para a situação política. “Já se passou uma quinzena após a ocorrência do golpe de Estado em Portugal sem que fosse completamente esclarecida a situação política daquele país. Apesar de Macau ser pouco afectada pelo referido acontecimento, o Chefe do Estado-Maior das Tropas Portuguesas estacionadas em Macau, Major Rocha Vieira, afastou-se ontem silenciosamente desta província, facto que levou muita gente a conjecturar e suspeitar que a Junta de Salvação Nacional que tomou conta do Governo português já tivesse começado a actuar em Macau.”

As explicações de Ho Yin

O jornal Tai Chung Pou noticiou, a 22 de Maio de 1974, que “alguns portugueses declararam em Hong Kong que estavam descontentes com as medidas tomadas pelo Governador e com o Governo de Macau”, tendo seguido “para a metrópole a fim de pedirem a concessão de liberdade aos portugueses de Macau”.

Ho Yin, empresário e figura marcante da comunidade chinesa local, que dialogava directamente com o Governador em representação das autoridades chinesas, deu explicações numa sessão com “repórteres estrangeiros, assim como os de Hong Kong e Macau” sobre os acontecimentos de Abril. Estes “visitaram o sr. Ho Yin, pedindo-lhe opinião”, descreve o Tai Chung Pou.

E, mais uma vez, Ho Yin apaziguou os ânimos, referindo que Nobre de Carvalho tinha toda a legitimidade para continuar como Governador. “Desde o golpe de Estado português, registado a 25 de Abril, Macau, dadas as suas circunstâncias especiais, tem-se sentido, até à presente data, muito tranquila, não sofrendo qualquer alteração. O sr. Governador, General Nobre de Carvalho, que se encontra em Macau há mais de sete anos, tem profundo conhecimento dos condicionalismos desta cidade, tendo resolvido muitos assuntos através de conversações e envidado grandes esforços para esta cidade”, disse Ho Yin aos jornalistas, segundo o relato do jornal.

No mesmo encontro, questionou-se a possibilidade de dissolução da Assembleia Legislativa, proposta do CDM. Mas Ho Yin afastou qualquer mudança política brusca.

“Sabe-se que o Centro Democrático de Macau, constituído por alguns portugueses, pediu a dissolução da Assembleia Legislativa e da Vereação Municipal [Leal Senado], assim como a remodelação de alguns serviços públicos. Alguns habitantes julgaram que as asserções do referido Centro afectariam a ordem social, mas vieram a saber que as mesmas se tratavam apenas de opiniões de um reduzido número de portugueses, quando a cidade se encontra ainda tranquila, decorridos alguns dias.”

O jornal acrescenta que Nobre de Carvalho explicou publicamente “que a AL não seria dissolvida, pelo que a população de Macau se tornou despreocupada e confiou na prosperidade desta cidade”. Além disso, “os turistas provenientes de Hong Kong, assim como do estrangeiro, também acham que Macau se encontra tranquila e não está de modo nenhum afectada”, lia-se no Tai Chung Pou.

O jornal Seng Pou noticiou também este encontro entre Ho Yin e os jornalistas, em que o líder da comunidade chinesa comentou os benefícios de um regime democrático.

“Dadas as suas circunstâncias peculiares e devido ao facto de os portugueses e chineses se respeitarem reciprocamente e viverem em paz desde há muito, Macau não sofreu nenhumas repercussões resultantes do referido golpe de Estado português”, disse Ho Yin, frisando que “quanto à liberdade da palavra, a mesma tem existido sempre em Macau”.

Porém, o empresário apelava a alguma contenção nas críticas políticas feitas. “A democracia e a liberdade que ora se verificam em Portugal Continental são felicidades para o povo português. E os portugueses e chineses têm vivido no passado em paz, esperando-se que tal continue a suceder no futuro. No então, as críticas sobre pessoas particulares ou sobre repartições públicas devem ser fundadas, visto que qualquer ataque irreflectido faria sobrevir complicações à questão, além de afectar a tranquilidade e prosperidade desta.”

Macau sem descolonização

Uma das questões emanadas do 25 de Abril de 1974 foi o processo de descolonização, mais urgente na chamada África portuguesa onde decorria a Guerra Colonial desde 1961. Desde logo, as autoridades esclareceram que Macau ficaria de fora desse processo, até porque “a República Popular da China teve o cuidado de, em 1972, no Comité de Descolonização da ONU, deixar bem claro que o futuro destas duas possessões europeias [Macau e Hong Kong] não faria parte da agenda das actividades daquele organismo, sendo o assunto tratado bilateralmente”, lê-se no livro de Garcia Leandro.

Na edição de 11 de Setembro de 1974, o jornal Tai Chung Pou escreveu que “o Chefe da Repartição do Gabinete do Governo de Macau, Tenente Coronel Henrique Manuel Lages Ribeiro, apontou que uma notícia emanada da agência noticiosa Reuters fora mal interpretada, e que Macau tem uma posição peculiar”, pois “a maneira de resolver o seu futuro é diferente em relação a outros territórios ultramarinos portugueses.”

Citam-se palavras de Almeida Santos, à data ministro português da Coordenação Interterritorial, que referiu “que seria permitido a todos os territórios ultramarinos portugueses escolher a forma de independência como meio para solucionar o seu próprio problema, com a excepção de Macau que, sendo um território muito especial, requer uma maneira também especial para solucionar o seu problema”. Na tradução desta notícia, acrescenta-se também uma nota escrita pelo próprio redactor da peça: “Isto quer dizer que não existe o problema da independência em Macau”.

As visitas de Rebelo Gonçalves e Garcia Leandro a Macau decorreram em “finais de Maio, princípios de Junho” de 1974. Almeida Santos esteve em Macau em Setembro desse ano e foi nessa fase que Garcia Leandro foi escolhido Governador de Macau, tomando posse a 13 de Novembro desse ano.

25 Abr 2025

25 de Abril – 50 anos – E depois… a estética

“Foi bonita a festa, pá!”

Chico Buarque

Escrevi no início da semana um texto que colocava as questões éticas como uma das pedras de toque do 25 de Abril. Este será sobre estética. É certo que o belo e o bom se entrelaçam, se seduzem, se namoram, raramente se divorciam. Mas quando estamos perante movimentos de massas, do eclodir de uma esperança reprimida, as dimensões da obra deixam estupefactos os sujeitos que, ao mesmo tempo, a produzem e dela fazem parte.

Refiro-me, ab initio, à grandiosa manifestação que ocorreu em Lisboa no dia 1 de Maio de 1974. Ali, avenidas acima, enchendo praças, veio o povo, veio verdadeiramente um povo inteiro proporcionando um momento de unidade, desejo e luta que nunca mais ocorreria. Foi entre palavras de ordens inventadas, outras já feitas símbolo, que aquela massa humana, em toda a sua glória, acreditou e esse momento foi de uma beleza inexcedível.

Os grandes movimentos de massas são, em geral, horríveis. Sobretudo quando na sua origem não existe uma razão válida e justa. O grande arrebanhar de gentes para a glória dos soberanos e das suas cortes, por exemplo, promove espectáculos deprimentes, que hoje são feitos através de transmissões televisivas. Mas aquela primeira manifestação em liberdade, no primeiro 1º de Maio (como isto nos ressoou com insistência), foi a meu ver o que, num instante sem retorno, transformou um golpe militar numa revolução. Um uníssono dos que por décadas sofreram o que se sabe terem sofrido. Um coro dos sabiam ter direito a uma vida melhor e gritavam por isso. E por baixo, um sussurro que afastava o fedor da guerra, do racismo, do classismo, da inferiorização da mulher e de outros valores abjectos, requentados, obsoletos, numa palavra, feios de mais para sequer serem considerados. E isso foi belo. Vieira da Silva compreendeu imediatamente este momento e imortalizou-o no seu quadro “25 de Abril – A poesia desceu à rua”.

Nesta senda, o 25 de Abril devolveu beleza às nossas vidas. Abriu Portugal ao mundo, veio a música, veio o cinema, vieram os livros sem restrições. Foi a beleza da liberdade. As pessoas acreditavam que podiam lutar por condições de vida mais justas e dignas e essa crença era bela. Fizeram-se incontáveis reuniões, no trabalho e nas escolas, nos sindicatos e nos partidos. Falava-se sobre o que havia a fazer de igual para igual porque por um momento o fomos. Foram criadas leis que permitiam o acesso de todos (!) à educação e isso permitiu muito (nem imaginam). Era a beleza da igualdade. E houve mais: afinal, todos tinham o direito de ir ao médico e havia um hospital onde eram recebidos e tratados com o que necessitavam, independentemente do custo do tratamento. E todos perceberam como era bela a solidariedade.

“Foi bonita a festa, pá!”. Pois foi, Chico. Talvez tenha sido a festa mais bonita de sempre. Mas, olha, acabou. Eles souberam, como sempre, dar a volta ao texto para “tudo mudar para que tudo fique na mesma”. E hoje têm nomes feios como “empreendedores” e querem que tudo volte a ser só para alguns, mas desta vez dizem claramente que a culpa é tua porque não te sabes adaptar às condições do mercado e quem não se sabe adaptar às condições do mercado é porque ainda não percebeu que já não vive numa democracia, mas numa mercadocracia, em que as qualidades foram definidas em quantidades e tudo é valorizado em função da sua capacidade de produzir lucro, não entendendo a necessidade imperiosa e as virtualidades, nomeadamente estéticas, do prejuízo.

Ultimamente, Portugal juntou-se à Europa e aos EUA ao gerar em magro seio uma extrema-direita renovada, saída do armário onde a II Guerra Mundial a tinha remetido. E assistimos ao regresso do horrendo, do que julgámos inaudito, da estupidez argumentada, da frustração dos feios, dos valores abjectos. A direita é eticamente reprovavel e, em geral, na sua versão trauliteira, extremamente feia, roçando o repugnante. Vendem, como sempre venderam, a estupidificação e o obsceno. Gritam enormidades com convicção porque ganharam a força de pertencerem a uma horda, encabeçada por um chefe, cujo comportamento, geralmente, roça a histeria.

Quando do 25 de Novembro, ouvia-se “queriam transformar Portugal na Cuba da Europa”. Mas estavam enganados: queríamos transformar Portugal num país belo, de todos, incluindo dos portugueses. Nós, Camões, Vieira e Pessoa, falhámos redondamente. “Foi bonita a festa, pá!”. Pois foi, mas acabou, as luzes acenderam-se e poucos ainda resistem na pista. Não deixa de ser belo: resistir!

26 Abr 2024

Casa de Vidro | Imagens do 25 de Abril para ver até 19 de Maio

Está patente na Casa de Vidro do Tap Seac, até ao dia 19 de Maio, a mostra “50 Passos para a Liberdade: Portugal da Ditadura ao 25 de Abril”. Esta exposição é organizada pela Casa de Portugal em Macau e cedida pela Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril.

Na mostra retrata-se “os últimos anos da ditadura e os primeiros momentos depois do seu derrube, abrangendo o intervalo temporal entre Setembro de 1968 e Julho de 1974, com recurso a fotografias, cartazes, documentos e recortes de imprensa”. É feita uma divisão em quatro núcleos centrais, nomeadamente “Um regime à beira do fim”, “O derrube da ditadura”, “O dia inicial inteiro e limpo”, com referência ao célebre poema de Sophia de Mello Breyner, e ainda “Os primeiros dias em liberdade”. Esta exposição é itinerante e contém conteúdos em várias línguas para se adaptar aos vários países e regiões onde estará presente, sendo uma iniciativa com a colaboração do Camões – Instituto de Cooperação e da Língua (Camões – IP).

A historiadora Maria Inácia Rezola, comissária das celebrações do 25 de Abril em Portugal, adiantou à Lusa que “o ponto inicial é a célebre queda da cadeira de Oliveira Salazar”, explicando que a exposição percorre depois “alguns dos acontecimentos centrais do marcelismo, enfatizando questões como a luta dos movimentos de libertação africanos, as lutas sindicais e a luta dos católicos progressistas”.

A mostra analisa “a conspiração dos capitães e a preparação do 25 de Abril e do programa do MFA [Movimento das Forças Armadas]”, adiantou a comissária, vincando que a exposição dedica “um espaço muito particular ao próprio dia 25 de Abril” e conclui, no quarto núcleo, “retratando o que foram os primeiros momentos vividos em liberdade”.

Nomeadamente, acrescentou, abordando “a conquista da liberdade de expressão e a conquista do salário mínimo nacional, culminando todas estas novidades com a aprovação, a 27 de Julho de 1974, da lei 7/74, pela qual, finalmente, Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e à independência”.

25 Abr 2024

25 Abril | A revolução que passou despercebida em Macau e que chegou através de um cantor

Quando há 50 anos Portugal saiu à rua para celebrar o fim da ditadura, foi um músico do regime que revelou a novidade em Macau, onde o alcance do Estado Novo não se sentia da mesma forma.

Rui de Mascarenhas atuava no Mermaid, um clube noturno no Hotel Lisboa, em Macau, quando a Revolução dos Cravos derrubou a ditadura a mais de dez mil quilómetros. E foi através deste “cantor do regime”, nascido em Moçambique, que a notícia chegou ao centro do poder do território, conta à Lusa o investigador da história de Macau João Guedes.

Mascarenhas deu a novidade ao então diretor da Emissora de Radiodifusão de Macau (atual Rádio Macau) Alberto Alecrim, que a transmitiu ao governador José Nobre de Carvalho. Só mais tarde a informação da liberdade chegou a todos, através de um noticiário da rádio britânica BBC, “retransmitido pelas estações de rádio de Hong Kong”.

Esta é a “história corrente” de como abril de 1974 alcançou Macau. Mas e como é que a notícia foi comunicada a Mascarenhas?

“Eu só vejo uma hipótese que é a seguinte: ninguém tinha telefones para ligar para Lisboa, a não ser a tropa. Terá ido aos correios telefonar para alguém?”, sugere.

Nobre de Carvalho abandonou o posto nesse mesmo ano, mas não imediatamente após Abril, “ao contrário dos outros governadores das colónias”, provavelmente pelo caráter “não extremista” e por não ter sido “ostensivamente defensor de Salazar”, analisa o investigador.

Mas este facto é também reflexo das raras transformações produzidas no imediato pela revolução em Macau. Não mudou nada no dia seguinte, “nem nos muitos dias seguintes”, declara João Guedes, até porque “Portugal estava tão longe, e os problemas que preocupavam Macau e que deram origem à Revolução de Abril não se sentiram de forma alguma” na cidade.

“Alegria zero, porque ninguém sabia o que se queria, o que é que era a democracia e essas coisas. Os chavões daquele tempo [do Estado Novo] eram quase desconhecidos aqui e, portanto, isto era a China, não tinha nada a ver com a propaganda salazarista”, diz Guedes, salientando que alguns investigadores são unânimes em dizer que Macau foi sempre “uma colónia muito especial, porque tinha sempre um governo português de Macau e um governo sombra chinês de Macau”.

Sinal também de que os tentáculos da ditadura nem sempre se estenderam ao território foram as barreiras criadas à polícia política portuguesa. Conta João Guedes que Macau foi o único território ultramarino onde não existiu PIDE.

Mas anos antes desse Abril, deu-se uma tentativa de abrir uma delegação em Macau. “Não fazia sentido que houvesse em todos os outros lados e não houvesse em Macau e de maneira que [Portugal] mandou dois ou três agentes da PIDE para cá. Quando chegaram a Hong Kong, foram recebidos no [antigo] aeroporto de Kai Tak por oficiais da polícia (…) que lhes disseram ‘os senhores não são bem-vindos a Macau e têm de embarcar de novo rumo a Portugal, porque a China não vos deixa entrar em Macau'”, conta.

Mais tarde, já com o novo governador José Garcia Leandro, também militar, sinais de maior abertura sentiram-se na região, embora Guedes sublinhe que “não se ganhou democracia nenhuma”, apenas se “distendeu um pouco a asfixia política”.

Dois anos depois, em 1976, a criação do Estatuto Orgânico de Macau atribuiu mais poderes ao governador e levou à remodelação da Assembleia Legislativa, com mais membros, mas permanecendo uma minoria o número de eleitos por sufrágio direto.

Alguns destes episódios são abordados por João Guedes no documentário “25 de Abril: A Revolução a Partir de Macau”, exibido na terça-feira no Consulado-Geral de Portugal em Macau.

25 Abr 2024

Abril de novo, com a força da luta e da memória: um cheirinho de Primavera e uma Revolução que sai à rua

Texto de Ana Saldanha

Depois da fome, da guerra

da prisão e da tortura

vi abrir-se a minha terra

como um cravo de ternura.

Vi nas ruas da cidade

o coração do meu povo

gaivota da liberdade

voando num Tejo novo.

(…)

(Portugal Resuscitado, José CarlosAry dos Santos)

A 25 de Abril de 1974 uma Revolução poria, finalmente, fim a 48 anos de opressão, de tortura e de perseguição a todas as vozes que condenassem e lutassem contra um Estado ditatorial que, durante quase meio século, faria proliferar, em Portugal, a miséria, a fome, a emigração, o medo e que, desde 1961, numa violenta guerra colonial, levaria à morte de, aproximadamente, 10.000 jovens portugueses (excluindo feridos, mutilados, deficientes fisicos e 100.000 jovens que voltariam da guerra com stress pós-tráumatico). Refiram-se, em paralelo, as atrocidades e violências cometidas pelo fascismo português, por via do domínio militar e político-económico – não apenas durante a guerra (num momento em que formas de extrema violência são postas em prática), mas durante todo o processo de colonização -, assim como as políticas de violência, legalmente consagradas, a subalternidade, social e política, e o subdesenvolvimento crónico a que estavam votados os povos colonizados – os quais (em particular, de Angola, Mocambique, Guiné-Bissau e Cabo-Verde) levariam avante, a partir dos anos 1960, uma justa luta armada pela indepêndencia e pela libertação nacional, contra o colonialismo.

Em plena Primavera, a 25 de Abril de 1974, cravos inundariam as ruas de Lisboa e a Revolução tomaria o seu nome. Chico Buarque marcaria este momento histórico na MPB graças às suas duas versões de Tanto Mar – a primeira, em 1975, e a segunda, em 1978 -, num momento em que a oposição à ditadura militar, no Brasil, encontrava uma esperança de mudança num cheirinho a alecrim do lado de lá do Atlântico.

De 1926 a 1974: 48 anos de ditadura em Portugal

A ditadura portuguesa inicia-se com um golpe de Estado militar, em 28 de Maio de 1926. Desde então, e até 1933, Portugal viveu um período durante o qual foram suprimidos liberdades e direitos fundamentais, mas sem que, contudo, se institucionalizasse uma nova estrutura de Estado, a qual apenas ocorreria em 1933, com a aprovação de uma nova Constituição.

Entre 1926 e 1933, António de Oliveira Salazar (que havia sido nomeado Ministro das Finanças, em 1928, e que se tornara, em 1932, Presidente do Conselho de Ministros) seria, já então, uma peça fundamental da engrenagem ditatorial. Com efeito, seria com o seu impulso que, passo a passo, a engrenagem e política ditatoriais, que mais tarde seriam consagradas na Constituição de 1933, tomariam forma: a censura, a polícia política, a propaganda e as leis repressivas. A aprovação, em 1933, de uma nova Constituição, vai, assim, estabelecer os princípios constitucionais que darão livre azo à atividade totalitária e repressiva estatal, criando o Estado Corporativo. A nova Constituição instaura a censura, proíbe os partidos políticos, as associações sindicais e as associações secretas, cria a PVDE (Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado) – polícia política -, proíbe as oposições e impõe o partido único. É, igualmente, esta mesma Constituição que coloca as mulheres num plano socio-jurídico inferior ao dos homens, o qual, segundo aquele texto, se justificaria pela “sua natureza e (…) bem da família”. Com efeito, segundo a legislação em força, então, em Portugal, o marido era considerado o chefe de família, as mulheres não tinham direito de voto, não podiam exercer nenhum cargo político e tinham um acesso restrito a determinadas profissões, enquanto em outras profissões (como no ensino ou na enfermagem) se limitava a possibilidade de casamento, apenas, com homens com um salário superior ao seu. Por outro lado, também na educação dos filhos a mulher tinha a sua acção limitada, sendo subalternazido o seu papel relativamente ao do pai. No seguimento da Concordata, assinada com a Igreja Católica, em 1944, o divórcio era, igualmente, proibido, pelo que todas as crianças que nascessem de uma relação, posterior à do primeiro casamento, eram consideradas ilegítimas.

Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, Salazar, numa hábil manobra política, declara, na Conferência da União Nacional (partido político fundado em 1930 e único partido constitucionalmente autorizado, desde 1933), estar aberto à colaboração de todos os portugueses, enquanto Marcelo Caetano declara que “na União Nacional cabem portugueses de todas as tendências”. Encetando uma manobra propagandística, Salazar, no plano externo, talvez temendo pelo futuro da própria ordem ditatorial, celebra os serviços prestados por Portugal aos Aliados e avulta a sua acção em prol da vitória daqueles, pretendendo fazer esquecer o apoio que dera aos regimes nazi-fascista alemão e fascista italiano – quando apoiou, por exemplo, a invasão e a ocupação da Checoslováquia ou quando louvou a preparação da Alemanha para a guerra (a quem vendera volfrâmio e outros géneros).

A comunidade internacional ocidental, por seu lado, temendo o avanço e a influência dos Partidos Comunistas, nomeadamente, na Península Ibérica, continuava, ainda que de forma, por vezes, dissimulada, a apoiar a ditadura portuguesa, fazendo crer que as manobras propagandísticas do governo liderado por Salazar eram suficientes para demonstrar a existência de uma democracia em Portugal.

Entretanto, a pobreza e a miséria alastravam-se: estima-se que, em 1973, 43% da população portuguesa vivesse em situação de pobreza relativa e que cerca de 25,7% fosse analfabeta (sendo a percentagem daqueles que não sabiam ler nem escrever maior no caso das mulheres – 31% – do que no caso dos homens – 19.7%). Segundo dados de 1970, 88% da população portuguesa, com mais de 10 anos tinha, apenas, o ensino primário, sendo que, da população com mais de 15 anos, apenas 2,4% tinha o ensino médio ou superior. Por outro lado, nos vinte anos que precederam a Revolução Portuguesa, 1,6 milhões de portugueses tinha emigrado, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. A mortalidade infantil atingia os 44.8 por mil, 20% dos partos não tinham assistência e a esperança de vida, depois do primeiro ano de idade, era de 67 anos, para os homens, e de 73 anos, para as mulheres.

A luta pela independência das colónias e a formação do MFA

A luta pela libertação do jugo colonialista, no seio das colónias portuguesas, seria fomentada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pela independência alcançada por muitas colónias que haviam estado sob a dominação de Estados europeus. Com efeito, até aos anos 50 – sem considerar os Estados coloniais nos quais colonialistas e colonizados partilhavam o mesmo espaço geográfico, como é o caso da Rodésia ou da África do Sul – apenas sete Estados africanos se encontravam formalmente independentes: a Libéria (1847), o Egito e a Etiópia (independentes desde 1945), o Sudão e a Tunísia (independentes desde 1956), o Gana e a Guiné-Conacri (independentes desde 1958). No entanto, é nos anos 60 que dezasseis colónias – que, na sua maioria, haviam estado sob dominação francesa – são declaradas independentes: Benim, Burkina Fasso, Camarões, Chade, Congo-Brazaville, Costa do Marfim, Gabão, Madagáscar, Mauritânia, Níger, Nigéria, República Centro-Africana, Togo e Zaire.

No que diz respeito às colónias portuguesas, a Índia não necessitou de uma organização armada e estruturada para combater o ocupante português. Durante vários anos, o governo de Jawaharlal Nehru tentou, sem sucesso, que os portugueses saíssem voluntariamente das colónias que ocupavam (Goa, Damão e Diu). Perante a continuada recusa portuguesa de o fazer, as tropas indianas invadiram e ocuparam, em dezembro de 1961, os três territórios, terminando, desta forma, com o Império Português das Índias. Por outro lado, é neste mesmo ano que se inicia a guerra colonial nas colónias portuguesas, em África. Começando em Angola, em fevereiro de 1961, a guerra estende-se à Guiné-Bissau e a Cabo Verde, em 1963, e a Moçambique, em 1964. Provavelmente ao contrário do que o fascismo português esperava, o início da guerra colonial permitiu o desenvolvimento de ações e de teorias anticolonialistas. A oposição à guerra colonial estendeu-se, assim, a diferentes sectores da população (inclusivamente, dentro da própria Igreja Católica), saindo dos centros de decisão do poder ditatorial e das cúpulas militares. Neste processo de luta contra a guerra foi, ainda, fundamental, a oposição que se gerou no interior das Forças Armadas.

Entretanto, em 1968, Salazar (que viria a morrer em 1970) é substituído por Marcelo Caetano na presidência do Conselho. Em 1974, uma crise económica instala-se em Portugal. Esta crise, assim como a incapacidade do fascismo em resolver os problemas económicos e sociais, o fracasso da manobra marcelista, o desgaste do regime, a guerra colonial, as divergências, a deserção e a emigração, possibilitaram a criação de uma situação propícia à derrubada da ditadura e à consequente eclosão de uma revolução.

Em 1973, um grupo de oficiais de carreira inicia um movimento corporativista que se amplifica gradualmente, transformando as reivindicações corporativistas iniciais numa vontade de mudança de regime. Será este movimento que conduzirá, no dia 25 de Abril de 1974, à eclosão de uma revolução.

O nascimento de uma Revolução

Na noite de 24 de Abril de 1974 é levado a cabo um levantamento militar pelo Movimento das Forças Armadas (MFA).

Às 22h55, é transmitida a canção E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, pelos Emissores Associados de Lisboa, primeiro sinal do avanço das operações. Às 00h20, do dia 25 de Abril, os militares que ocupavam a rádio Renascença deram o segundo sinal, com a transmissão de Grândola Vila Morena, de José Afonso. Na Rádio Clube Português, às 4h, é lido o primeiro Comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA), no qual é feito um apelo à população de Lisboa para permanecer em casa. Porém, apesar deste pedido, forças populares juntaram-se ao levantamento militar, sendo, precisamente, o resultado desta união – levantamento militar e levantamento popular – que deu origem à Revolução.

Os capitães de Abril, organizados no MFA, dão, assim, a conhecer ao país os seus objetivos (sintetizados nos 3D’s – Democratização-Descolonização-Desenvolvimento): o fim da ditadura e o fim da guerra colonial, com a consequente e necessária construção de um Portugal democrático.

A democratização da sociedade iniciou-se de imediato: dissolução da ANP-Acção Nacional Popular (nome dado à União Nacional, por Marcello Caetano), extinção da PIDE (também rebaptizada por Marcelo Cateano como DGS), extinção da Legião Portuguesa e da Mocidade Portuguesa, abolição da censura e do exame prévio. De imediato, anunciam-se eleições livres e a convocação de uma Assembleia Constuituinte, a liberdade política de todos os portugueses, a regulamentação da actividade de partidos políticos, a liberdade de expressão e de pensamento sob qualquer forma, a amnistia de todos os prisioneiros políticos, a independência, a dignificação do poder judicial e a extinção dos Tribunais Plenários (nos quais haviam sido condenados muitos anti-fascistas, sem qualquer direito a defesa).

Sendo um momento de emancipação social, a herança do 25 de Abril permanece, não apenas na memória coletiva, mas, também (ou sobretudo), no plano sociopolítico. Assim sendo, a Constituição da República Portuguesa (CRP), aprovada em abril de 1976, consagra um novo modelo político, económico e social, estabelecendo, entre outros, que “a organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas”. Apesar das sete revisões constitucionais sofridas, elementos do seu histórico carácter progressista ainda sobrevivem. Perduram, igualmente, no Portugal de hoje, conquistas económicas, políticas e sociais, resultantes da Revolução de Abril e do primeiro texto da CRP aprovado, ainda que tenham sido e continuem a ser atacadas ostensivamente por uma política ao serviço de interesses económicos que subjazem a um modo de produção cujo carácter bárbaro e depredador cada vez mais se acentua.

As conquistas de Abril alargaram-se, assim, a vários âmbitos socio-políticos e económicos: a igualdade de direitos entre homerns e mulheres (o Art. 13 da CRP instituiu o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei), o direito à habitação para todos (à data da Revolução, 25% dos portugueses viviam em situações que não respeitavam as condições mínimas de conforto, salubridade e segurança, ou seja, cerca de 2 milhões de portugueses viviam em barracas ou em casas extremamente degradadas e insalubres), o direito à Educação, para todos, o direito à Saúde, universal e gratuito (após uma das setes revisões constitucionais a que foi sujeita, este direito passou a figurar como “tendencialmente gratuito”), o direito à greve, o direito à previdência na situação de desemprego, o direito a uma licença de maternidade de 90 dias, o direito ao divórcio nos casamentos católicos, o salário mínimo e a pensão social, o subsídio de desemprego, o subsídio de férias, o subsídio de Natal a pensionistas, o subsídio vitalício de protecção na velhice, entre outros.

Abril também nos trouxe a nacionalização da Banca, dos Seguros, da Electricidade, de Transportes ferroviários e marítimos, entre outros sectores básicos da economia (que, hoje, se encontram, na sua grande maioria, de novo privatizados e entregues a mãos predadoras, seja no plano nacional ou internacional), a gestão democrática das escolas, o controlo da produção (para impedir as então frequentes sabotagens económicas), a reforma agrária (que, a partir de 1977, com a aprovação da “Lei Barreto”, seria, gradualmente, conduzida ao seu fim), o reconhecimento da liberdade sindical ou o poder local democrático (que, ainda que parcialmente destruído, perdura como um espaço de exercício democrático e participativo).

As comemorações dos 50 anos de Abril são, pois, o festejo da liberdade e da força da resistência e luta, a memória de quem lutou na clandestinidade, sofreu ou morreu sob as torturas da polícia política, a lembrança da luta contra o colonialismo e contra a violência que lhe subjaz, a voz de uma esperança que, depois de 48 anos de repressão, viu, finalmente, um Portugal Novo erguer-se das cinzas do obscurantismo.

Fazer jus a Abril é, deste modo, reivindicar as conquistas e progressos a que Abril deu vida quando, então, se abrem “as portas da claridade / e a nossa gente invadiu / a sua própria cidade” (As Portas que Abril abriu, José CarlosAry dos Santos).

Viva o 25 de Abril! Fascismo, nunca mais!

25 Abr 2024

25 de Abril | Como era Macau no ano da Revolução dos Cravos

Em Macau, a notícia do derrube do Estado Novo tardou e a censura apenas foi abolida em Maio. A vida no território era bem mais simples do que é hoje: grande parte da comunidade chinesa vivia em barracas, a primeira ponte para a Taipa estava quase acabada, os telefones eram pouco mais de 10 mil e os japoneses dominavam as nacionalidades dos turistas

 

Chegaram tarde a Macau as notícias sobre o 25 de Abril de 1974. Os primeiros sinais de que algo se passava na então metrópole foram chegando através de canais de informação estrangeiros, nomeadamente a BBC de Hong Kong, pois em Macau a imprensa portuguesa era sujeita a censura.

Por ironia do destino, o 25 de Abril de 1974 aconteceu a uma quinta-feira, tal como hoje. E nesse dia os jornais locais de língua portuguesa noticiaram a espuma dos dias, com artigos que hoje nos permitem percepcionar a vida provinciana que então se vivia no pequeno território com administração portuguesa.

O Clarim, à data bissemanário, noticiou em grande destaque a ida do Governador Nobre de Carvalho à Assembleia Legislativa (AL), uma notícia semelhante também publicada no diário Notícias de Macau. A actualidade informativa não variava muito de publicação para publicação e era comum publicarem-se comunicados ou discursos na íntegra, espalhados nas várias páginas do jornal.

Nobre de Carvalho foi à AL apresentar o panorama geral do território nomeadamente a “situação financeira, análise da conjuntura económica, actividade bancária, turismo, problema habitacional, segurança pública, actividade municipal, plano de fomento, telecomunicações e energia eléctrica”.

Há 50 anos, as autoridades repensavam a cobrança de impostos à população devido à “necessidade de actualização”. Propunha-se, assim a actualização do imposto de consumo pela importação de veículos automóveis, a revisão das taxas de sisa “que incidem sobre a transmissão de imobiliários por título oneroso e do regime de isenção da contribuição predial e outros benefícios fiscais de que gozam os prédios edificados de novo, melhorados ou ampliados”, além de se propor a actualização das “taxas da tabela das profissões liberais e técnicas que servem de base à liquidação do imposto profissional dessas classes; actualização da tabela geral do imposto de selo”.

Nobre de Carvalho dizia esperar que a actividade bancária se tornasse “cada vez mais um instrumento impulsionador do progresso de Macau, promovendo o seu desenvolvimento económico através da melhoria dos mercados monetário e financeiro”.

480 mil turistas em 1973

A economia local, pautada já pelo jogo, sector fabril e comércio de ouro, conheceu pujança quando foi dada nova concessão de jogo à Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) de Stanley Ho, em 1963. Desde aí, foi sempre a crescer. O Governador admitia perante o hemiciclo que essa “actualidade” tornava-se “dia a dia mais importante dentro do quadrante da economia da província”.

Os números nada anteviam, contudo, o boom turístico que o território iria conhecer 50 anos depois. Em 1973, Macau recebeu 480 mil turistas, “obtendo-se uma taxa de crescimento de 20 por cento”, descreveu o Governador. Em 1972, os turistas tinham sido apenas 380 mil.

À época, a China permanecia um mistério para a maioria dos portugueses e macaenses, com fronteiras quase intransponíveis, tendo em conta que Portugal não reconhecia o regime comunista da República Popular da China. Assim, se hoje os turistas chineses dominam o sector, à época dominavam os japoneses, que tinham atingido a fasquia dos 250 mil em 1973. Seguiam-se “os cidadãos britânicos, com 105 mil, e americanos, com 37 mil”, graças à influência da vizinha Hong Kong.

A população era na sua maioria chinesa, vivendo em barracas na zona norte e trabalhando sobretudo em fábricas e empregos pouco qualificados. Nobre de Carvalho tinha, assim, em mãos um grave problema habitacional. “O Governo continua a dar a atenção que é possível a este sério problema que afecta o sector economicamente mais débil da população – na sua maioria a residir em construções provisórias, de madeira (…).”

Os portugueses ocupavam as habituais posições de funcionários públicos em comissão de serviço ou no atendimento ao público, tal como os macaenses, que iam traduzindo ou estabelecendo pontes entre dois mundos distintos.

Casas com mais telefones

Há 50 anos, ir a Taipa e Coloane era sinónimo de férias para os adultos ou de tempos livres em colónias de férias para os mais novos. Ia-se de barco e a viagem demorava o seu tempo. A vida fazia-se sobretudo na península, sendo que os telefones domésticos, numa população que não ia além das 300 mil pessoas, eram ainda poucos.

O Governador Nobre de Carvalho disse na AL esperar que até final de 1974 fosse implementada a segunda fase do desenvolvimento de telecomunicações, esperando-se “o pleno funcionamento de cerca de 10.500 telefones, ou seja, o dobro dos existentes em Maio de 1973”.

Em 1974, terminavam as obras na primeira ponte do território. A construção da ligação Macau-Taipa, que ficaria conhecida como ponte Nobre de Carvalho, tinha sido adjudicada em 1969 por 14 milhões de patacas, valor que passou a 20 milhões em 1971 devido a um “contrato adicional”, explicou o Governador no hemiciclo.

Macau, tal como os restantes territórios ultramarinos portugueses, tinha o orçamento dependente dos Planos de Fomento do Governo português. De frisar que no plano para 1974 já constavam projectos de obras públicas ou infra-estruturas como a construção de estradas na Taipa e Coloane, instalações portuárias em Ka-Hó, “resgate de terrenos” ou mesmo o desenvolvimento do “plano geral do aeroporto”.

Spínola na capa

As notícias do 25 de Abril saíram nas notícias locais com um dia de atraso. A imprensa estava ainda sujeita à censura, mas depressa a Comissão de Censura à Imprensa e a sua fiscalização se tornaram num pró-forma.

A 27 de Abril de 1974 a Gazeta Macaense colocava em manchete “A hora presente da Nação”, com o rosto de Spínola na capa e a informação de que havia sido criada a Junta de Salvação Nacional. Desta fez parte, além de Spínola e outras personalidades, um antigo Governador de Macau, Jaime Silvério Marques. Também o Notícias de Macau escreveu, no mesmo dia, o seguinte: “A data do 25 de Abril de 1974 assinala um novo capítulo na História de Portugal”. Acrescentava-se que “O general António de Spínola foi proclamado ‘CHEFE DE PORTUGAL NOVO'”. O Clarim escreveu, a 28 de Abril, em primeira página, sobre “A nova ordem política em Portugal”, publicando na íntegra as primeiras palavras do Movimento das Forças Armadas.

Além dos órgãos estrangeiros terem noticiado o 25 de Abril, os boatos de que algo tinha acontecido em Lisboa chegaram pela via do cantor Rui Mascarenhas, que estava em Macau para participar no festival “Abril em Portugal”, que decorreu no restaurante “Portas do Sol”, no Hotel Lisboa, entre os dias 13 e 28 de Abril. Nas páginas dos jornais portugueses ostentava-se o anúncio do espectáculo com o “Príncipe do Fado” de Portugal que acabou por falar, na rádio, sobre os novos acontecimentos. Do espectáculo fazia ainda parte o “dinâmico grupo” intitulado “Portugal a Cantar”.

Em entrevista à rádio TSF, Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses, recordou que soube da revolução pelo seu pai, o escritor Henrique de Senna Fernandes. Com 13 anos, recorda-se de a professora ter dito que “ia mudar tudo em Portugal”. O também advogado recordou que a comunidade chinesa passou ao lado deste acontecimento, pois, para a elite chinesa, imperava meramente a continuidade da estabilidade social e política em prol dos negócios.

A censura à comunicação social terminou oficialmente a 3 de Maio depois de os directores dos jornais terem reunido com Lages Ribeiro, chefe de gabinete de Nobre de Carvalho e último presidente da Comissão de Censura à Imprensa. Constituiu-se depois uma comissão ad-hoc. Da revolução saíram novos partidos políticos, nomeadamente o CDM – Centro Democrático de Macau e a ADIM – Associação da Defesa da Instrução dos Macaenses. Macau mudou de Governador logo no ano da revolução e começou a trabalhar em prol do Estatuto Orgânico, implementado em 1976 em consonância com a nova Constituição portuguesa. Dele saiu a composição de deputados que hoje existe na Assembleia Legislativa e as garantias de autonomia administrativa e financeira em relação a Lisboa. Um novo futuro começava a traçar-se.

25 Abr 2024

O que farei eu com esta revolução?

“A paz, o pão
Habitação, saúde e educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
Quando pertencer ao povo o que o povo produzir”

( Sérgio Godinho)

Ao som desta canção, vou a trote puxada pelos deuses marxistas que me orientam no rumo deste trajecto a que chamo vida. Eles têm nomes, Foucault, Nietzsche, Duchamp, Rimbaud, Borges… e de certa forma são os meus únicos amigos. Arrastam-me pelo mundo, que passa diante dos meus olhos como se fosse um filme. Assim corre a imagem da revolução, a única a que assisti, e pergunto: onde estamos nós, os que andámos pelas ruas a gritar: Só há liberdade a sério quando houver…?

Lá longe, por trás das músicas de intervenção que animaram a minha adolescência final, ecoa o projecto do Manifesto Comunista: “Anda um espectro pela Europa – o espectro do Comunismo. Todos os poderes da velha Europa se aliaram para uma santa caçada a este espectro…”, fantasma que se alojou nas teorias da revolução que ao mesmo tempo são uma vontade de controlar o curso da história, como se esta fosse uma totalidade fácil de manipular. Sigo as palavras de Bragança de Miranda sobre a Constelação, herdada de Benjamin, como um método de pensar o real sem o aprisionar em linhas totalitárias, mas aceitando tudo o que mexe “trazendo à visibilidade as possibilidades e potencialidades inscritas em cada coisa do real”.

E neste real temos claro que seguir a indicação de Bruno, pensar é “especular com imagens” – uma máquina óptica que mostra ou oculta o que está na realidade, como os filmes. As imagens não são extensões da realidade, mas na verdade revelam o processo de construção do pensamento na actualidade. Outro não pode ser o meu. Criamos mundo ao criar imagens. E imagens quando recordamos o que quer que seja.

Lembro-me do que aconteceu naquele dia: a brancura de um relâmpago, tomando as palavras de Natália, invadiu o meu país, libertando-o da escuridão de 48 anos em que se afundara desde 1932 com a coroação fascista de Salazar. O clarão amassou a memória que conservo protegida entre mãos, assegurando que nenhuma ideia de história virá estragar. Na minha recordação aquele dia possui uma narrativa própria, como se se fosse a cena de um conto adaptado num filme: Era uma vez o primeiro dia do resto da tua vida… E conservava a imagem da revolução como se pertencesse a filmes que ao longo dos últimos 50 anos se projectaram perante o meu olhar. A ilusão histórica de controlar aquele momento real, arranjado e rearranjado em cada reviravolta das forças políticas, como se nos fosse exterior, e como se não fossemos nós que fabricássemos o real nas suas diferentes constelações. Gosto de fazer parte daquela comunidade que exortava o povo poeticamente nas ruas do meu país. E agora? Quando penso agora naquele tempo, sinto-me a cair do céu, onde devo ter estado à espera de ser lançada no mundo, e depreendo que como todos o SER, devo ter sido lançada tarde de mais e vou partir cedo demais. É a condição da minha estadia no mundo. Na queda existencial não há tempo para perceber nada. O caos espera-nos. Primeiro imagens, numa prosa que guardo no coração e que se aquietam à procura de se escreveram ou inscreverem onde nada perdura. No fundo o material da revolução, qualquer que seja, fala-me o cérebro, é esse mesmo: cortar o fio à meada e não o enrolar de novo nem para reencontrar o caminho, mas para avançar sem medo até chegar ao touro libertador. A condição revolucionária é ficar perdida no labirinto e dar-lhe um novo sentido no jogo da vida que então se inaugura, trabalhando, agindo, trabalhando, num sonho poético, não burguês. Esta é a imagem linda que se liberta da imagem projectada do grande filme da história que, como sabemos, de nada serve.

Estamos sempre aprisionados na teoria da produtividade geral de Marx, que mostra a imagem do início do revolucionar: o salto humano que o distancia da physis, a força da empiricidade do existente onde tudo gira assim como a “jaula de ferro” poderosa onde a domesticação humana criará um dos seus pecados originais mais potentes: a propriedade privada. E é nesta clareira que se abrem os problemas, como diria Foucault, que impõem novas respostas, como podemos ler também no manifesto de Marx, novas reconfigurações revolucionárias”, entre opressores e oprimidos que nunca mais tiveram fim.

No fundo já era claro em Marx este papel constelar que aparece de cada vez que o homem quer começar de novo. A crise, a urgência, o perigo precisam de respostas. E por um momento, absolutamente poético, o povo unido das revoluções acredita dá-las em conjunto. E por ventura dá. Não sou tão cínica assim. A imagem de uma revolução é assim a de uma reorganização do real, para lá do bem e do mal. Mas isso, creio, as massas que carregam a matéria inflamável para o motor não sabem. São pequenos efeitos, pequenas combinações, pequenas montagens do mundo que tanto podem caber numa obra de Duchamp, como num gesto de Che Guevara.

Mas voltando ao meu quarto de brinquedos interior. Aquele em que só entram os convidados que acreditam na liberdade. E brinco para dar sentido à teia imaginária e tornar mais nítida a figura da revolução, relembrando a imagem de Delacroix da Liberdade Guiando o Povo, numa comoção romântica, percebendo que para falar da memória dita histórica, não há centro mas um vazio pronto a ser preenchido como o olhar, recriando um caminho singular de um programa para sempre conhecido como o Movimento das Forças Armadas. Impossível esquecer o anúncio: Aqui, Comando das Forças Armadas, e a marcha (afinal uma marcha inglesa, mas adiante). Um som ao mesmo tempo constituinte e constituído pela História Recente do meu país.

Quando pensamos a figura Revolução, não podemos ser hegelianos e achar que o todo é a verdade, mas que a história como um todo é uma escrita teológica, uma ficção afinal, que leva Mallarmé a afirmar que o “próprio pensamento do espírito humano institui a ficção “nas condições gerais da experiência humana”, como aponta Rancière. Pois. Agora corro perigosamente sobre esta coisa a que chamamos real e onde as revoluções – como imagem de desejo de uma erótica política e social – surgem. A revolução é desejada por alguns, produzida no real, acrescentado o real. Porque tudo faz parte do real, fragmentos, lances, gestos, imagens… que a desejam e que a repudiam. E tudo isso jaz no acontecimento revolucionário. É uma imagem caleidoscópica de vontades distintas, num momento em parece prevalecer uma, criando uma imagem de intensa unidade revolucionária. Uma constelação que por um momento institui um novo arranjo do mundo social e político naquele lugar. No meu país, no caso do 25 de Abril.

E volto à cena do filme que conservo na minha memória. Faço a montagem dos acontecimentos que doravante me pertencem. Dia 24 de Abril de 1974. Passa das 11horas da noite. Estávamos na sala. Os meus pais ouviam rádio, nós televisão, e não nos escapava o interesse com que as notícias os afectava. E inesperadamente ouvimos a Grândola Vila Morena. Talvez tenhamos ouvido também o Depois do adeus, de Paulo de Carvalho, mas não tinha o mesmo significado e ainda não sabíamos que era a senha para uma revolução. Era noite. O trânsito da Calçada da Estrela aumentava desmedidamente. Abrimos a porta da varanda e, surpresos, vimos uma coluna de camiões militares, carregados de soldados, a descer a calçada. Os meus pais não queriam que nos deixássemos ver pelos soldados. O receio fundamentado de um golpe militar pairava dentro das nossas quatro paredes, desde Portugal e o Futuro escrito pelo General Spínola. E para as gerações mais velhas, eu não passava de uma adolescente, um golpe militar suscitava sempre receio, medo, terror. O som dos veículos pesados aumenta e invade a casa. Parecia que estávamos dentro de um filme. E que a cena estava a ser filmada algures do céu, algures por Montesquieu. Com cuidado fomos ver da varanda da sala.

E o filme continuava, como um manuscrito de milhares e milhões de pessoas. As ideias relacionam-se como as coisas, num método singular em que os conceitos, as acções, as invenções e alegres sugestões funcionam como operadores luminosos guiando-nos num mundo novo. Houve partes imediatamente felizes: de manhã fomos avisados para não ir ao liceu. E o que podia ser um acontecimento medonho, transformou-se no início do ano mais bonito da minha vida. O ano em que me sentiria, talvez pela primeira vez, como cidadã do mundo. Portugal sai de uma noite escura e abre aquele porto onde o velho do Restelo clamou os seus receios e Pessoa ditou a sua sábia Mensagem.

É uma imagem dialéctica, a imagem da revolução possível que emerge de tudo o que é potencial. A revolução é assim uma imagem potente, devastadora e eufórica. Contrariando Benjamin, a mim agrada-me o que fica de influências mágicas, incandescentes, que não se inclinam submissamente perante o racional. Que permitam escrever que no 25 de Abril a poesia saiu à rua.

Nas ruas, nas assembleias de escola, as célebres RGA, nas associações de moradores, eu podia sentir pela primeira vez que intervinha na vida do meu país. Em liberdade e consciência política. Uma poesis delirante mobilizava a juventude e todos os que ansiavam pela liberdade. Tudo parecia possível e à medida dos sonhos acalentados durante 48 anos.

Era o tempo de sonhar, e eu também gritava afinal. Os soldados sempre ao lado do povo de um MFA que me conquistou quase imediatamente, passado o receio de um golpe de estado militarista, que pouco a pouco a pouco foi recuando o seu ímpeto revolucionário e acomodando à paz podre da democracia. Era assim – uma alegria ingénua que se derramava nas ruas ao som de várias palavras de ordem de forças políticas que se iam organizando, de governos provisórios que se sucediam no chamado Verão quente até ao 25 de Novembro de 1975.

A revolução para muitos morria. O espectro do comunismo morria e era a democracia europeia que avançava a todo o vapor Portugal dentro. Era o tempo de sonhar, e eu também gritava afinal. Os soldados sempre ao lado do povo de um MFA que me conquistou quase imediatamente, passado o receio de um golpe de estado militarista, mas que pouco a pouco a pouco foi recuando o seu ímpeto revolucionário e acomodando à paz podre da democracia.

Aquela revolução quase sem sangue derramado, em que como disse Sebastião Salgado o poder popular existia de facto, agonizava aos poucos. As imagens da revolução, discutidas como se pudessem vestir a realidade com um fato completo, esquecem-se que o real é que existe em excesso e convulsivamente com o simbólico, o imaginário e que nos arrasta dentro e fora. O real não tem limites. A nossa vontade pode configurá-lo. Criar uma imagem, desde os mitos às revoluções, projectos de criar um espaço habitável, em condições humanas com o mesmo impulso ditado por Marx: segurança perante um mundo estranho que nos tomba todos os dias na idade da ansiedade, como lembraria Mclhuan.

Como a revolução do 25 de Abril. Não há imagem que a consiga representar na totalidade. Foi uma possibilidade de um povo contra o absolutismo do fascismo. Correu bem e mal, já o disse.

E caímos todos numa sociedade meio esquizóide onde tudo se junta num Maelstrom incoerente. Para ter o bem há-de se conservar o mal, ou vice versa. Os deuses do deserto venceram a parada. O jogo da vida continua. Temos de agir, trabalhar, caminhar para tentar salvar os projectos de esquerda que nos animavam naquele Abril distante. Há os que sabem que naquele dia a constelação da liberdade, da justiça, da democracia, e do estado social ia tomar forma conforme os protagonistas modelavam o real. A esquerda e a direita passaram a governar a retórica do tempo que veio.

Desepero na desilusão de um inferno politiqueriro em que se perdeu quase tudo, gostava de poder conversar com Platão sobre a sua controversa utopia. Era a raiz de mil sonhos ocidentais e já encerrava a perdição dos mesmos. Proibir, censurar, domesticar a liberdade.

E a luta continua! Há aqueles que não desistem e encontram ainda um reflexo de prata no horizonte… Há os que se lembram da fome, do analfabetismo, da inexistência de um serviço nacional de saúde, da censura, do medo, da tristeza social daqueles tempos salazarentos… há os que se lembram dos mortos de uma guerra colonial sem sentido… há os que se lembram daqueles povos que nada tinham de portugueses e que se mantinham colonizados quando toda a Europa os libertava das amarras históricas…

O que é lamentável é que neste projecto democrático, os partidos não se entendam minimamente para consolidar as conquistas de um Estado Social, na fortificação do Serviço Nacional de Saúde e Educação e fim da fome e da pobreza, por uma vez por todas. O que é também uma pena é que o jogo de opressores e oprimidos continue. Que os escravos estejam à disposição do capitalismo selvagem sem sequer saber que são escravos. Que não andem espectros pelo mundo com novos projectos… Por isso, se calhar, prefirei sempre ser anarquista. Na verdade, adoro todos os dias como o 25 de Abril. Todos os dias em que os homens fogem da arké e se apropriam da poesia – que preferiria que nunca se constituísse como poder…

Valeu a pena? Claro que sim! O 25 de Abril será sempre um dia extraordinário que re-arranjou o real, elevando e desatrelando o país de uma continuidade histórica que nos envergonhava e humilhava a todos. O 25 de Abril será sempre o dia em que o regime finalmente terminou a queda da cadeira, iniciada anos antes. O 25 de Abril será sempre o dia em que se fez justiça a todas as censuras literárias, perseguições a estudantes, assassinatos políticos e torturas pela PIDE – será sempre o dia da minha juventude em que a ditadura fascista terminava de vez e que o sol parecia realmente brilhar para todos de igual modo.

Uma revolução é sempre uma amputação do presente. É uma imagem pintada com sangue vivo. Acredito que existem sempre pessoas que são afectadas pela luz da mudança, pela máquina que muda e não pela fábrica que mantém. E às vezes é preciso voar dentro da terra, e com tudo o que ela contém dentro do seu peso. Como o voo dos mortos. Os mortos da minha felicidade.

Com eles, por eles, e com todos os que hão-de vir por acreditarem num mundo melhor, gritarei Unidos venceremos! Os soldados sempre sempre ao lado do povo. Fascismo Nunca Mais! O Povo Unido Jamais Será Vencido! Palavras de ordem que ecoavam pelas ruas e alimentavam a esperança de melhores tempos para Portugal. Um país livre que podia finalmente chorar os mortos da sua felicidade. E na minha ingenuidade de adolescente eu vivi intensamente aqueles dias, um a um, daquele ano, em que pela primeira vez tinha um lugar na política.

Hoje sei, passados 50 anos, que no meu país tratam-nos mal. Abril ainda não se cumpriu – por isso estou tentada a dizer, como o cidadão Kohlaas de Kleist (cito de memória): “num país onde não respeitam os meus direitos eu não quero viver”. e se nos fossemos todos embora? como os enfermeiros e os médicos? o que é que acontecia à cultura portuguesa? Não, por mim falo, eu não desisto, ainda faço parte de pessoas dispostas a lutar para cumprir o SEMPRE de ABRIL!

25 de Abril Sempre, Fascismo nunca mais!

“A opressão é uma ofensa ao ser humano que é naturalmente doado à liberdade”

(Natália Correia)

23 Abr 2024

Clube Militar | Celebrações do 25 de Abril com jantar e exposição

O Clube Militar de Macau acolhe esta quinta-feira as celebrações dos 50 anos da revolução portuguesa do 25 de Abril de 1974 que levou à queda do regime ditatorial do Estado Novo. Está agendado um jantar comemorativo que começa a partir das 18h30 com um cocktail, seguindo-se um momento musical com Zeca Li Silveirinha e Mariana Menezes.

Além disso, será inaugurada uma exposição de fotografia intitulada “Lisboa, 25 de Abril de 1974”, com imagens de Álvaro e José Tavares. As inscrições para o jantar e espectáculo terminam amanhã e devem ser feitas junto dos responsáveis pela organização do evento, nomeadamente Manuel Geraldes, Pedro Vale de Gato, Lurdes de Sousa ou Carlos Wilson. Esta iniciativa conta ainda com o apoio da Casa de Portugal em Macau.

23 Abr 2024

25 de Abril – 50 anos: Antes de mais, a ética

Foi há 50 anos o 25 de Abril. O dia que marcava o fim de tanta coisa errada e o princípio de tanta coisa certa. O fim da guerra, do atraso, da pobreza, do analfabetismo, do isolamento, da injustiça, da estupidez. Liberdade, Igualdade, Solidariedade. O dia que mudava um país e, sobretudo, mudava as nossas vidas e inaugurava um novo tempo. Um tempo em que se acreditou que era possível. Talvez pela última vez. Um tempo de festa e um tempo de enganos. Ou um tempo de mudança para que tudo conseguisse ficar, mais ou menos, na mesma?

50 anos depois muito melhorou, mas existe uma justiça social por fazer, uma riqueza ansiosa de uma melhor distribuição, um mercado voraz e autofágico a quem ninguém ousa por uma trela.

As questões que o 25 de Abril levantou foram, antes de mais, éticas: somos ou não a favor de uma sociedade mais livre e mais justa, onde todos terão à partida os mesmos direitos e onde mecanismos meritocráticos invalidam o estatuto pela mera posse de bens ou fortuna? Somos ou não por uma sociedade onde todos têm direito aos bens básicos como comida e habitação, educação e saúde, sem distinções e independentemente de origens sociais ou atribulações do destino?

50 anos depois parece-nos ser mais urgente ainda colocar as mesmas questões e ouvir com muito cuidado as respostas. Nada do que nos parecia claro e distinto, em termos éticos e políticos, há 50 anos nos surge hoje sob a mesma luz ou com as mesmas possibilidade de concretização. Os contextos mudaram e nós também. A tecnologia passou a dar cartas nos regimes, controlados pelos mercados, a que chamamos de “democracia” e cujas valências sociais e políticas vemos erodir todos os dias. Estamos num ponto em que existimos sob a temerosa sensação de que tudo pode acontecer.

Talvez agora que assistimos ao regresso farsola de tiques passadistas e ao aparecimento de múmias que, apressadamente, julgámos definitivamente enterradas, seja tempo de melancolicamente nos perguntarmos como chegámos aqui, o que ignorámos, quantas vezes olhámos para o lado, e como podemos (outra vez) resistir. E, sobretudo adquirirmos a consciência de: o que para nós é um registo de farsa, noutros encontra ecos que nos podem levar a uma tragédia.

Os ideais de Abril não alcançam aos 50 anos a sua definitiva maturidade. Pelo contrário, parecem definhar como alguém acometido de precoce doença. Trata-se de uma maleita que está no meio de nós: chama-se indiferença, egoísmo, narcisismo, tiques de uma geração que sonhou mudar o mundo e não foi sequer capaz de se aplanar a si própria, de se manter arreigada aos seus ideais, além de, imersa no frenesim das mudanças, não ter tido a capacidade de passar a sua memória à geração seguinte.

Daí que o Hoje Macau tenha entendido trazer o cinquentenário 25 de Abril para a sua capa, durante esta semana, pela mão e visão de artistas, não somente para celebrar a data mais importante da história contemporânea de Portugal, mas sobretudo como sinal de vida de uma inequívoca resposta às questões éticas que o 25 de Abril levantou, respostas essas que deveríamos ter a coragem de ouvir no interior de cada um de nós.

22 Abr 2024

Exposição “50 passos para a liberdade” vai passar por Macau

Os “50 passos para a Liberdade” que marcaram o fim da ditadura em Portugal vão poder ser vistos a partir de terça-feira, no âmbito de uma exposição que arranca nas Caldas da Rainha em simultâneo com 14 cidades do mundo, onde se incluem Macau, Pequim, Seul, São Tomé e Príncipe, Bucareste, Bogotá, Havana, Teerão, Oslo e Dacar.

Desenvolvida pela Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, a Exposição “50 passos para a Liberdade: Portugal, da Ditadura ao 25 de Abril” será na terça-feira inaugurada no Centro Cultural e Congressos (CCC) das Caldas da Rainha, no distrito de Leiria, circulando, em simultâneo por uma dezena de países do mundo.
Tal reflecte, segundo a comissária executiva, Maria Inácia Rezola, “o interesse não apenas nacional, mas também internacional, que as celebrações estão a assumir”.
Abrangendo o período entre Setembro de 1968 e Julho de 1974, a mostra retrata os últimos anos da ditadura e os momentos seguintes ao seu derrube com recurso a fotografias, cartazes, documentos e recortes de imprensa.

“O ponto inicial é a célebre queda da cadeira de Oliveira Salazar”, disse Inácia Rezola à agência Lusa, explicando que a exposição percorre depois “alguns dos acontecimentos centrais do marcelismo, enfatizando questões como a luta dos movimentos de libertação africanos, as lutas sindicais e a luta dos católicos progressistas”.

Pontos cardeais

Organizada em quatro núcleos, a mostra analisa “a conspiração dos capitães e a preparação do 25 de Abril e do programa do MFA [Movimento das Forças Armadas]”, adiantou a comissária, vincando que a exposição dedica “um espaço muito particular ao próprio dia 25 de Abril” e conclui, no quarto núcleo, “retratando o que foram os primeiros momentos vividos em liberdade”.

Nomeadamente, acrescentou, abordando “a conquista da liberdade de expressão e a conquista do salário mínimo nacional, culminando todas estas novidades com a aprovação, a 27 de julho de 1974, da lei 7/74, pela qual, finalmente, Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e à independência”.

Concebida em formato digital, para poder ser reproduzida em qualquer parte do mundo, a exposição irá circular pelo país, no âmbito do dia da Defesa Nacional, ficando patente nos vários centros de divulgação.

Com conteúdos disponíveis em português, inglês, francês e espanhol, numa iniciativa que contou com a colaboração do Camões – Instituto de Cooperação e da Língua (Camões – IP), a exposição, está desde o início do mês patente em Maputo (Moçambique) e em Praga, na República Checa. A exposição “foi concebida de uma forma muito didática” e, segundo a comissária, “pode ser vista por quem viveu o período, que irá recordar e rememorar esses momentos, mas também foi pensada para os mais jovens, para os que nasceram depois do 25 de Abril e para os que nasceram já neste milénio”.

A exposição é uma das iniciativas das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, que tiveram início em Março de 2022 e vão decorrer até 2026.
Cada ano foca-se num tema prioritário, tendo o período inicial sido dedicado aos movimentos sociais e políticos que criaram as condições para o golpe militar. A partir de 2024, os três ‘D’ do Programa do MFA começaram a ser revisitados, em iniciativas que evocam o processo de descolonização, a democratização e o desenvolvimento.

15 Abr 2024

25 Abril de 1974: Descolonização, um “dossier” complicado e traumático

A descolonização portuguesa proposta pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) foi um dos principais pontos de divergência política no próprio dia do golpe militar de 25 de abril de 1974, provocando rupturas que ainda hoje se mantêm.

“A nossa intenção era boa, mas a alteração do Programa, no próprio dia 25 (de abril de 1974) na Pontinha (Posto de Comando do MFA), donde se retirou a referência ao direito dos povos à autodeterminação e independência, por ação do Spínola, complicou tudo”, explica o coronel Vasco Lourenço numa longa entrevista à historiadora Maria Manuela Cruzeiro, do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, e publicada em livro em 2009, “Vasco Lourenço – do interior da Revolução”.

Em plena Guerra Fria, as declarações de independência dos antigos territórios coloniais portugueses em África, enquadradas no processo de descolonização, provocam o “retorno” de mais de meio milhão de pessoas a Portugal e a eclosão de violentas e prolongadas guerras civis em Angola e Moçambique entre os vários partidos armados – com a morte de milhares de civis.

Numa primeira fase, verificou-se a supremacia da influência do bloco soviético e a imediata reação armada por parte do regime do ‘apartheid’ sul-africano e da Rodésia.

Em Timor-Leste, a FRETILIN declarou a independência unilateral em novembro de 1975, durante a guerra civil, tendo as forças militares portuguesas retirado do território.

O complexo caso timorense fica marcado pela invasão da ex-colónia por parte da Indonésia. A ocupação prolongou-se de 1975 até 1999, tendo a independência sido oficialmente “restaurada” em 2002 – ao som do hino anticolonial e na presença de um presidente português, Jorge Sampaio. Mas isso só aconteceu após uma consulta popular que deu a vitória à independência em 1999 e a um período de administração liderado pelas Nações Unidas.

O caso particular de Macau, território chinês sob administração portuguesa até ao dia 20 de dezembro de 1999, conheceu um longo processo de transição, que decorreu quase em paralelo com o processo de transição da ex-colónia britânica de Hong Kong que terminou em 1997.

Resta resolver a esquecida questão de Cabinda que, do ponto de vista dos independentistas do enclave, está longe de estar solucionado e que acusam Angola de invasão e anexação em 1975 com apoio de forças cubanas e Portugal pelo alheamento em relação aos tratados firmados no século XIX no sentido da autodeterminação e independência.

Em Portugal, do ponto de vista social, em virtude do processo de descolonização, o regresso de milhares de portugueses apontados como “retornados” – em plena crise económica mundial – é ainda hoje motivo de divisões políticas e debates ideológicos.

E perduram no tempo os grupos de portugueses “espoliados” que reclamam direitos perdidos em 1975, mas cujo regresso de forma abrupta acabou por marcar a sociedade.

De acordo com a investigadora Maria Inácia Rezola, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a questão colonial foi desde o início um motivo de fricção entre os militares do MFA e o general António de Spínola, que se opunha “frontalmente” à proposta de “imediata” concessão da independência às colónias.

“Há muito que Spínola manifestara ser o portador de um projeto – assente nas teses que defendera em “Portugal e o Futuro” – que contrariava os desígnios do MFA nesta matéria. Na proclamação que, como presidente da Junta de Salvação Nacional, dirigira ao país, na madrugada de 26 de Abril (1974), afirmara a sua vontade de garantir a ‘sobrevivência da Nação soberana no seu todo pluricontinental’”, escreve Maria Inácia Rezola, no livro “25 de Abril – Mitos de uma Revolução” publicado em 2007.

Spínola, antigo governador da Guiné e primeiro Presidente da República, não eleito, após o golpe militar do 25 de Abril, faz mais tarde várias menções à possibilidade de realização de consultas populares nas colónias. Foi o que fez no encontro que manteve com o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, no dia 19 de junho de 1974, nos Açores.

Apesar das divergências, em julho, o novo primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, revela, na tomada de posse, que o Conselho de Estado tinha aprovado uma lei constitucional que reconhecia o direito dos povos à autodeterminação “com todas as consequências, incluindo o direito à independência”.

A lei, publicada no Diário do Governo do dia 19 de julho de 1974 como Lei 6/74, refere a aceitação “da independência dos territórios ultramarinos”.

A pressão internacional é constante, as negociações com a FRELIMO sobre Moçambique já estão em curso e os próprios militares portugueses no terreno exigem o cessar-fogo.

Spínola, a 27 de julho, num discurso transmitido pela televisão dirigido ao povo português de “aquém e além-mar”, refere-se pela primeira vez à descolonização como um processo que conduz à independência dos povos.

Vasco Lourenço que o “problema” da descolonização foi “ultra complicado” porque os militares do MFA (Movimento das Forças Armadas) tinham boas intenções em termos de princípios, mas que acabaram por ser ultrapassados pelos acontecimentos e pelos protagonistas político-militares.

“Estávamos convencidos de que seria viável fazer as coisas com calma, mas o que é facto é que havia o outro lado. A guerra tem dois lados. E se do lado do colonizador se fala em descolonização, do lado do descolonizado fala-se em independência. O facto é que nenhum colonizador deu independência ao colonizado, sem ter havido, da parte deste, luta pela mesma. Isto é, a independência não se dá nem se recebe. Conquista-se! Na maior parte das vezes através da luta armada, como era o nosso caso em Angola, Guiné e Moçambique”, disse.

Vasco Lourenço sublinha também que foi o tempo da palavra de ordem “nem mais um soldado para as colónias” e que já “ninguém queria dar tiros” numa guerra já reconhecida como “ilegitima”, apesar de se verificarem situações de extrema tensão no terreno.

“Havia que tentar manter a força, para melhor negociar. É sempre assim, e os Movimentos de Libertação também o sabiam. Por isso, a sua intensificação no esforço da guerra, E posso garantir: se houve alguém que se esforçou para manter as nossas forças organizadas e operacionais foi precisamente o MFA. Agora, mais uma vez afirmo, só estando lá, só vivendo as situações se pode falar, quem nunca pecou que atire a primeira pedra!”, concluiu Vasco Lourenço.

10 Abr 2024

Revolução dos Cravos celebrada no Museu do Oriente em Lisboa

Uma exposição, um concerto e uma conferência sobre as diferentes perspectivas da Revolução do 25 de Abril de 1974 estão no centro do programa 50 Anos do 25 de Abril que vai decorrer no Museu do Oriente, entre 12 de Abril a 19 de Maio.

A exposição sob o título “Ventos de Liberdade” – com fotografias inéditas que evocam os valores e a herança da mudança política no país – revelará, a partir de 16 de Abril, o olhar de Ingeborg Lippmnan e Peter Collis, dois fotojornalistas estrangeiros que acompanharam o processo, e retrataram o que a revolução transformou.

“A lente do britânico Peter Collis capta um país em transe, desde os portugueses anónimos, a protagonistas da cena política da época, e as imagens da alemã Ingeborg Lippmann focam as mulheres, a paisagem humana no Alentejo no contexto da reforma agrária”, num país muito rural, descreve um texto da organização.

Comissariada por Fátima Lopes Cardoso e Pedro Marques Gomes, a exposição, de entrada gratuita, parte dos seus arquivos, depositados na Fundação Mário Soares e Maria Barroso, revelados agora pela primeira vez, que poderão ser vistos até 19 de Maio.

Macau presente

A par da exposição, será apresentada “A Liberdade”, obra vencedora do concurso de criação artística “Call4art: 50 Anos do 25 de Abril”, lançado em 2023 pela Fundação Oriente, para encorajar gerações de artistas plásticos que não viveram a ditadura a reflectir sobre o legado e valores da revolução. Da autoria de Isa Magalhães (aka Kideo Kidō), a instalação “A Liberdade” simboliza “o impacto positivo desta conquista nas gerações pós-revolução”, e poderá ser vista até 19 de Maio, segundo a organização.

Também no dia 16 de Abril, a conferência comemorativa do 50.º aniversário do 25 de Abril irá reunir testemunhos de quem viveu a revolução em diferentes contextos lusófonos, bem como um balanço de 50 anos de democracia em Portugal.

A sessão inicia-se com o relato desta vivência em algumas geografias como Macau e Timor-Leste, através dos testemunhos do jornalista Ricardo Pinto e da historiadora Zélia Pereira, em painéis sobre democracia e liberdade em Portugal, democracia paritária e liberdades civis, participados pelas vozes de investigadores como Gonçalo Saraiva Matias, Marina Costa Lobo, Vasco Malta e Miguel Vale de Almeida, entre outros.

Na sessão de encerramento da conferência estará o presidente da Fundação Oriente, Carlos Monjardino, e a presidente da Fundação Mário Soares e Maria Barroso, Isabel Soares.

Coproduzido pela Associação Setúbal Voz, a Fundação Oriente apresentará um concerto a 12 de Abril para revisitar a forma como a Revolução dos Cravos chegou a Macau: os músicos Diogo Oliveira e Tiago Mileu vão ritmar como a notícia foi narrada na Rádio Macau por Rui de Mascarenhas, um cantor português de sucesso na época.

O espectáculo irá reunir poemas musicados, temas tradicionais chineses e canções populares portuguesas. As delegações da Fundação Oriente terão também diversas iniciativas a decorrer entre os dias 22 e 29 de Abril, por ocasião de um encontro que trará músicos goeses para dois concertos que combinam fado, mandó e outros temas de Goa.

8 Abr 2024

Casa de Portugal em Macau celebra 25 de Abril no Facebook

[dropcap]A[/dropcap] Casa de Portugal em Macau vai assinalar o 25 de Abril na rede social Facebook, com histórias animadas, poemas, desenhos e música porque “não fazer nada estava fora de causa”, disse à Lusa a presidente.

“É uma coisa pequena”, admitiu Amélia António, “mas é uma forma de comemorar o 25 de abril e de dar um abraço a toda a gente, aos nossos amigos, aos nossos associados, aos nossos compatriotas, num dia que tem de ser festejado de uma forma diferente porque estamos a viver um ano diferente” devido à pandemia da covid-19.

O trabalho, em formato audiovisual, vai ser enviado a todos os associados e, paralelamente, publicado no Facebook, explicou.

O assinalar da data no antigo território administrado por Portugal será diferente porque, “ainda hoje, para juntar um grupo maior de pessoas há muitas limitações”, justificou, referindo-se aos apelos do Governo de Macau para que se continue a praticar o distanciamento social e evitar a aglomeração de pessoas para reduzir o risco de contágio.

“Portanto, jogando pelo seguro, decidiu-se que não era viável fazer o formato normal”, mas “não fazer nada esta fora de causa”, afirmou a presidente da Casa de Portugal em Macau.

24 Abr 2020