25 de Abril – 50 anos: Antes de mais, a ética

Foi há 50 anos o 25 de Abril. O dia que marcava o fim de tanta coisa errada e o princípio de tanta coisa certa. O fim da guerra, do atraso, da pobreza, do analfabetismo, do isolamento, da injustiça, da estupidez. Liberdade, Igualdade, Solidariedade. O dia que mudava um país e, sobretudo, mudava as nossas vidas e inaugurava um novo tempo. Um tempo em que se acreditou que era possível. Talvez pela última vez. Um tempo de festa e um tempo de enganos. Ou um tempo de mudança para que tudo conseguisse ficar, mais ou menos, na mesma?

50 anos depois muito melhorou, mas existe uma justiça social por fazer, uma riqueza ansiosa de uma melhor distribuição, um mercado voraz e autofágico a quem ninguém ousa por uma trela.

As questões que o 25 de Abril levantou foram, antes de mais, éticas: somos ou não a favor de uma sociedade mais livre e mais justa, onde todos terão à partida os mesmos direitos e onde mecanismos meritocráticos invalidam o estatuto pela mera posse de bens ou fortuna? Somos ou não por uma sociedade onde todos têm direito aos bens básicos como comida e habitação, educação e saúde, sem distinções e independentemente de origens sociais ou atribulações do destino?

50 anos depois parece-nos ser mais urgente ainda colocar as mesmas questões e ouvir com muito cuidado as respostas. Nada do que nos parecia claro e distinto, em termos éticos e políticos, há 50 anos nos surge hoje sob a mesma luz ou com as mesmas possibilidade de concretização. Os contextos mudaram e nós também. A tecnologia passou a dar cartas nos regimes, controlados pelos mercados, a que chamamos de “democracia” e cujas valências sociais e políticas vemos erodir todos os dias. Estamos num ponto em que existimos sob a temerosa sensação de que tudo pode acontecer.

Talvez agora que assistimos ao regresso farsola de tiques passadistas e ao aparecimento de múmias que, apressadamente, julgámos definitivamente enterradas, seja tempo de melancolicamente nos perguntarmos como chegámos aqui, o que ignorámos, quantas vezes olhámos para o lado, e como podemos (outra vez) resistir. E, sobretudo adquirirmos a consciência de: o que para nós é um registo de farsa, noutros encontra ecos que nos podem levar a uma tragédia.

Os ideais de Abril não alcançam aos 50 anos a sua definitiva maturidade. Pelo contrário, parecem definhar como alguém acometido de precoce doença. Trata-se de uma maleita que está no meio de nós: chama-se indiferença, egoísmo, narcisismo, tiques de uma geração que sonhou mudar o mundo e não foi sequer capaz de se aplanar a si própria, de se manter arreigada aos seus ideais, além de, imersa no frenesim das mudanças, não ter tido a capacidade de passar a sua memória à geração seguinte.

Daí que o Hoje Macau tenha entendido trazer o cinquentenário 25 de Abril para a sua capa, durante esta semana, pela mão e visão de artistas, não somente para celebrar a data mais importante da história contemporânea de Portugal, mas sobretudo como sinal de vida de uma inequívoca resposta às questões éticas que o 25 de Abril levantou, respostas essas que deveríamos ter a coragem de ouvir no interior de cada um de nós.

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