No limiar da vacina II

[dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre o esforço que está a ser desenvolvido em todo o mundo para encontrar uma vacina contra o novo coronavírus. Actualmente, existem 165 vacinas em fase de teste, 26 já na fase de ensaios clínicos e 6 na fase III, ou seja na fase de teste em humanos. A hipótese de sucesso é elevada, mas ainda existem muitas questões por esclarecer. Em primeiro lugar, as vacinas não são medicamentos. As vacinas são uma medida preventiva, ao passo que os medicamentos são utilizados para tratar doenças. Estas substâncias não se substituem uma à outra. Só estaremos definitivamente seguros, quando surgirem medicamentos e uma vacina eficaz para tratar e previnir a infecção provocada pelo novo coronavírus.

Em segundo lugar, devemos estar mentalizados para “tomar conta de nós próprios e dos outros”. Mesmo que tenhamos cuidado, se estivermos junto de pessoas infectadas, podemos contrair a doença. A Organização Mundial de Saúde implementou o “Covax – Programa Global de Vacinação contra a Covid-19 “. Depois de ser encontrada a vacina, os países membros recebem a quantidade de doses de acordo com o investimento feito. Todos os países membros da Organização Mundial de Saúde terão de seguir este plano. Mas como irão actuar os países que não integram a OMS?

A primeira questão que se levanta é o preço da vacina. Os Médicos Sem Fronteiras pedem aos dirigentes dos vários países que presssionem a indústria farmacêutica para vender a vacina ao preço de custo. A Aliança Global para a Vacinação e a Imunização pede que os Governos criem um Fundo para a compra da vacina, de forma a ajudar os países pobres neste combate. Estas sugestões são feitas com base no princípio de que “os doentes deve ter acesso ao tratamento”, mas no complexo quadro das relações internacionais, o que vai efectivamente acontecer já é outro assunto.

Independentemente de estes problemas virem a ter solução, existem uma série de outras dificuldades de que os seres humanos não podem escapar, como por exemplo a imensa quantidade frascos de vidro que vai ser necessária para acondicionar as vacinas. Se as vacinas tiverem de ser conservadas no frio, quer a fase de produção quer na fase do transporte, será necessário um fornecimento enorme de equipamentos de refrigeração. A produção de uma enorme quantidade de frascos e vidro e de equipamentos de refrigeração num curto espaço de tempo pode vir a constituir um problema.

Depois de abordarmos as pertinentes questões da produção de frascos de vidro e de equipamentos de refrigeração, deparamo-nos com outra dor de cabeça: as seringas! Se não houver seringas suficientes, a vacina não pode ser inoculada no corpo humano.

Estes problemas não podem ser solucionados apenas por um país; quando tiver lugar o debate sobre a distribuição das vacinas, estes temas de que vos falo devem também ser abordados.

Em terceiro lugar, mesmo que a vacina chegue sem poblemas a um dado país, nem todos os seus habitantes poderão ser vacinados; a quem deve ser dada prioridade é mais uma problemática que iremos enfrentar. Se o Governo decidir que a prioridade deve ser dada aos idosos, ao pessoal de saúde, etc., e houver quem se oponha a esta decisão, como agir?

Talvez as pessoas possam ser vacinadas por grupos, criados a partir de uma determinada ordem de prioridade, mas o Professor da Faculdade de Medicina Universidade de Hong Kong, Yuan Guoyong, salientou que, ao longo de toda a História da Humanidade, nunca houve um grande grupo de pessoas a ser vacinadas ao mesmo tempo. Haverá um risco potencial?

Por aqui se vê que, mesmo depois da vacina ser descoberta, vai existir uma série de problemas por resolver. A Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau está a cooperar com o Instituto Politécnico de Hong Kong para a descoberta de uma vacina, que se espera testar em humanos dentro de poucas semanas e, se tudo correr bem, lançar no mercado no final deste ano, início do próximo. Mas, mais uma vez não me canso de sublinhar, mesmo que o desenvolvimento da vacina venha a ter sucesso, vai haver um novelo de problemas que será necessário desembaraçar. Seja como for, enquanto não tivermos vacina, temos de reforçar a testagem e usar máscara. Se outros países descobrirem a vacina primeiro do que nós, podemos encomendá-la imediatamente; se necessário, podemos pedir ajuda à Pátria mãe, porque a Pátria mãe – a China – tem tido muito bons resultados na descoberta de vacinas. Acredita-se que as múltiplas medidas cirúrgicas que têm sido adoptadas em Macau estejam a fazer a cidade sair da crise provocada pela covid.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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8 Set 2020

No limiar da vacina I

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente, ficámos a saber que as pesquisas que decorrem em vários países para encontrar uma vacina contra a covid-19 atingiram um novo patamar. O Presidente russo Vladimir Putin afirmou que a vacina desenvolvida no país é eficaz e cria imunidade permanente. A filha de Putin foi vacinada e está a reagir bem; os responsáveis dos serviços sanitários russos adiantam que o próximo passo é a vacinação dos profissionais de saúde, dos professores e das pessoas pertencentes a grupos de risco.

O Presidente filipino Rodrigo Duterte congratulou os russos e expressou o seu desejo de cooperação. Declarou: “Direi ao Presidente Putin: confio bastante na vossa investigação ao nível da prevenção contra as epidemias e acredito que uma vacina produzida pelos russos será benéfica para os seres humanos.” Duterte acredita que a vacina russa vai estar disponível nas Filipinas em Dezembro próximo.

A Universidade de Queensland, na Austrália, também declarou já ter encontrado uma vacina. Na fase experimental a vacina foi testada em hamsters que desenvolveram uma quantidade maior de anti-corpos do que aqueles que recuperaram da infecção. Depois de expostos ao vírus, metade dos hamsters vacinados não contrairam a doença. No entanto, os que adoeceram apresentaram apenas sintomas ligeiros.

Segundo os dados da Organização Mundial de Saúde, no início de Agosto, havia 165 vacinas em fase de teste, das quais 26 em de ensaios clínicos, e 6 na fase III destes ensaios. As vacinas antes de serem comercializadas têm de passar pela fase III dos ensaios clínicos, para garantir a sua segurança; ou seja, quando os ensaios entram nesta fase, significa que as vacinas estão a ser testadas em humanos, mas não quer necessariamente dizer que estejam prontas para serem colocadas no mercado.

Estamos, portanto, numa fase em que os estudos estão avançados, mas em que ainda não existem certezas quanto à possibilidade de surgir uma vacina em breve. Contudo, a questão que reside por detrás do desenvolvimento das vacinas merece-nos uma análise mais cuidada.

Tomemos o exemplo do primeiro-ministro britânico que afirmou que a descoberta desta vacina é o objectivo número um de todos os seres humanos. Esta frase revela tudo. Se não for descoberta uma vacina o mais rapidamente possível, o número de pessoas infectadas vai crescer exponencialmente e as mortes também.

Assim, o desenvolvimento da vacina não é uma preocupação de apenas alguns países, é uma preocupação da humanidade no seu todo. As vacinas têm assegurado a saúde de todos nós. A sua descoberta confere sucesso e glória aos investigadores e aos seus países.

As vacinas previnem a infecção, não curam quem já foi infectado. Precisamos também de encontrar medicamentos para curar quem adoece com este vírus. Só com a descoberta da vacina e de tratamentos eficazes poderemos afirmar que a situação está sob controlo. Enquanto isso não acontecer, temos de continuar a usar máscara e a testar a população para reduzir o risco de contágio.

Mas, após a descoberta da vacina, vai levantar-se outra dúvida; a sua comercialização. Recentemente, Donald Trump comprou a totalidade da produção de um medicamento, produzido por laboratórios americanos, que comprovadamente tem efeitos positivos no tratamento do vírus. Irá esta situação repetir-se quando aparecer uma vacina? A Johnson & Johnson (JNJ-US) tem laboratórios que estão a trabalhar no desenvolvimento de uma vacina e, em Setembro, vai proceder a testes clínicos em 60.000 voluntários. Mas, no início de Agosto, o US Department of Health and Human Services fez um acordo com a Janssen, uma subsidiária da Johnson & Johnson, para garantir a aquisição de 100 milhões de doses e o direito de vir a comprar mais 200 milhões, por cerca de mil milhões de dólares. É normal que os Governos adquiram medicamentos para combater as doenças, mas quando se trata de um problema universal como a covid-19, será aceitável “preocuparmo-nos apenas connosco próprios”? Se o resto do mundo ficar doente, mesmo que os americanos estejam imunes, as suas vidas serão muito afectadas também.

A Organização Mundial de Saúde avançou com o “Plano de Emergência para Aquisição de Equipamentos de Combate à covid-19 ” para acelerar o diagnóstico e tratar o vírus e para regulamentar o desenvolvimento, a produção e a aquisição de vacinas. Além disso, a OMS implementou o “Covax – Programa Global de Vacinação Contra a Covid-19”. O objectivo é a produção 2 mil milhões de doses até ao final de 2021, das quais mil milhões serão oferecidas a países pobres. O Covax contempla um sistema partilhado de aquisição e de risco. Após a descoberta da vacina, os países membros obtêm as doses da vacina de acordo com o investimento feito.

Se um país for membro da OMS tem obrigação de respeitar esta decisão; no entanto, os países que sairam da Organização não são obrigados a respeitá-la; por isso, vamos ter países que acatarão esta directriz e outros que não o irão fazer. Perante este cenário, como é que a Organização Mundial de Saúde se irá posicionar?

Continua na próxima semana.

 

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1 Set 2020

Enfrentar a fúria dos ventos

[dropcap]U[/dropcap]ma intensa tempestade tropical, o Higos, começou a atingir Macau na tarde de 17 de Agosto. Foi levantado o sinal N.º 8 na tarde de dia 18 e o sinal Nº10 às 5.00 da madrugada de dia 19. Em apenas dois dias, Macau voltou a sentir os efeitos de um super tufão.

A comunicação social divulgou que 15 pessoas ficaram feridas durante a passagem do Higos por Macau. Foi ainda necessário evacuar 2.722 moradores das zonas baixas da cidade, tendo-se registado também 274 acidentes, na sua maioria queda de árvores e de objectos suspensos em edifícios.

Os registos metereológicos indicam que a força do Higos foi apenas suplantada pela do Hato, que passou na cidade em 2017, tendo sido superior à do Mangkhut, que assolou Macau em 2018. Na passagem do Hato houve cortes de água e de electricidade em várias zonas da cidade. As telecomunicações foram afectadas e os telemóveis ficaram sem rede. Tragicamente o Hato provocou 10 mortes, das quais sete resultaram de afogamento em lojas e parques de estacionamento subterrâneos.

A forma como as autoridades lidaram com a eminência da passagem do Hato provocou muito descontentamento popular. A Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos levantou respectivamente os sinais N.º 8 e N.º 9 no espaço de menos de 3 horas, acabando por levantar o sinal mais elevado o N.º 10.

Devido ao aviso muito em cima da hora, a população não teve tempo de se preparar. No rescaldo da tempestade, os dirigentes da Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos sofreram acções disciplinares e este organismo anunciou que as medidas de protecção face a este tipo de tempestades iriam ser reformuladas.

O Hato devastou Macau provocando inúmeros estragos. De acordo com a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e com a Lei Garrison da RAEM, o então Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, solicitou o auxílio das forças do Exército de Libertação do Povo estacionadas em Macau. Foi a primeira vez que o Exército de Libertação do Povo participou em operações de salvamento numa região administrativa especial.

Com a experiência do Hato, quando o tufão Mangkhut se começou a aproximar de Macau, muitas pessoas correram aos supermercados para se abastecerem de água e comida. Alguns clientes tiveram de esperar mais de meia hora na fila da caixa, e outros já nem se conseguiram abastecer. A realidade é que o Hato tinha assustado as pessoas e, com a eminência da passagem de outro tufão, todos ficaram muito perturbados.

Com os ensinamentos retirados pela passagem do Hato, o Governo de Macau desenhou um plano de evacuação das zonas baixas que foi implementado quando o Mangkhut chegou a Macau. Os moradores destas áreas foram retirados e colocados em abrigos e residências temporárias, as Portas do Cerco, o Posto Fronteiriço do Parque Industrial Transfronteiriço, e o Posto Fronteiriço de Cotai foram encerrados. Além disso e, pela primeira vez, os Casinos também fecharam as portas.

Com a vinda do Mangkhut, Macau sofreu inevitavelmente inundações, cortes de energia, queda de árvores e vários danos materiais, sobretudo nas zonas ribeirinhas. Para facilitar a limpeza da cidade e a reparação dos danos, a 17 de Setembro de 2018, os funcionários públicos não essenciais foram dispensados do trabalho, as escolas secundárias e as primárias, os jardins de infãncia e os centros de educação especial também encerraram.

Comparando os três tufões, o Hato, o Mangkhut e o Higos, podemos observar os seus impactos que têm vindo a diminuir. E isto verifica-se porque os níveis de alerta têm vindo a subir. A consciência do perigo dos tufões aumentou e o Governo tem reforçado as medidas de protecção. Em consequência disso, desta vez Macau sofreu a mais baixa taxa de danos na passagem do super tufão Higos.

Os ligeiros danos causados por esta tempestade são resultado de esforços continuados. Devemos continuar a a estar atentos às várias vertentes da protecção civil, controlo do abastecimento de água, planeamento urbanístico, divulgação para melhorar a capacidade de resitência de Macau à passagem de tufões, especialmente no que diz respeito às emergências causadas pelas inundações nas zonas baixas, para que os seus moradores deixem de temer a passagem dos tufões.

Os tufões vão continuar a assolar Macau e temos de preparar hoje a vinda daquele que chegará amanhã. Macau é a nossa casa; que cada um de nós se empenhe em trabalhar nas medidas de protecção contra desastres futuros.

 

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25 Ago 2020

Tribunal virtual II

[dropcap]A[/dropcap] semana passada, analisámos a introdução de uma novidade no sistema jurídico da China continental – o Tribunal Virtual. O Tribunal Virtual é uma aplicação que liga todos os tribunais do país e que permite a interacção de juízes, procuradores, advogados de defesa, queixosos e réus e possibilita o julgamento online. Hoje, vamos tentar perceber o tipo de problemas que este sistema pode implicar.

Os tribunais online surgiram nos Estados Unidos nos anos 90. Embora nessa altura os telemóveis fossem muito diferentes do que são hoje, já existia internet. Inicialmente destinavam-se apenas a resolver conflitos relacionados com o comércio online. Com o passar do tempo o campo de acção destes tribunais foi-se alargando aos servidores de email e de serviços móveis e ainda a outras áreas, como dívidas e crédito mal parado, desde que o delito em causa fosse de gravidade menor.

Desde de Novembro de 2019 que o Reino Unido tem em funcionamento um tribunal online para julgar casos de dívidas inferiores a 10.000 libras. No Canadá, o Tribunal Cível online julga casos de dívidas até 5.000 dólares canadianos. Na Turquia o departamento jurídico está totalmente informatizado, permitindo aos advogados descarregar ficheiros, pagá-los e submeter os documentos online.

Com base nesta experiência, podemos ver que muitos países e regiões têm tribunais online, mas nenhum deles possui um programa que dê assistência às partes em litígio. O Tele Tribunal da China é de facto o primeiro a nível mundial a integrar todo o processo e toda a documentação jurídica, tendo em vista uma maior eficácia. É fácil de perceber e de utilizar e é da maior conveniência para os litigantes e para as instituições jurídicas. Esta plataforma é algo de que nos podemos orgulhar.

Na medida em que as partes e os funcionários não se deslocam ao Tribunal, o julgamento só começa depois do programa efectuar o reconhecimento facial. E aqui surge a primeira questão. E se alguém forjar ou obtiver por meios ilícitos os dados que permitem o reconhecimento facial? Como é que o tribunal se pode proteger desta eventualidade? Na abertura do processo, deverá perguntar-se se é vontade expressa dos litigantes recorrer ao julgamento online? Se ambas as partes concordarem, será aconselhável deslocarem-se pelo menos uma vez ao tribunal para que se faça um reconhecimento presencial antes do julgamento?

Pela mesma lógica, neste sistema é impossível fazer uma verificação física das provas. As partes têm de aceitar as provas incondicionalmente antes do julgamento. Se pensarmos que os litigantes se devem deslocar ao tribunal para se proceder ao reconhecimento facial, deve também considerar-se a possibilidade de, nessa altura, fazerem o reconhecimento das provas. É a solução mais adequada.

Os tribunais online utilizam ferramentas electrónicas com câmaras integradas. Se uma das partes fizer um vídeo do julgamento, pode usá-lo contra o juiz, na eventualidade de perder o caso, tornado-se desta forma numa arma de retaliação. Esta situação agrava-se nos países ou regiões onde o resultado do julgamento depende do júri. Se os rostos dos jurados aparecerem na gravação, as suas vidas podem correr risco. Terá de ser pensada uma forma de impedir estas gravações.

A segurança das pessoas é um factor determinante para decidir que casos podem ser julgados desta forma. Claro que um caso de dívida não levanta problemas. Podem também ser elegíveis, assuntos familiares como divórcios e heranças. Só podem ser julgados online réus que não arrisquem pena de prisão; esta é também a prática britânica. Se estivesse em causa uma pena de prisão, não haveria maneira de evitar o risco de fuga após o pronunciamento da sentença.

Quer o julgamento se realize num tribunal físico ou num tribunal online, as partes são obrigadas a juramento sobre a veracidade das suas declarações. O juramento é uma cerimónia solene. Será que o juramento online pode ter a mesma solenidade e criar o impacto pretendido? Ou seja, deixar bem claro o aviso que, caso as declarações sejam falsas, o declarante arrisca pena de prisão? Poderá o tribunal assegurar que as partes compreendem as consequências de declarações incorrectas?

Na situação de pandemia que vivemos, é necessário o distanciamento social e, como tal, reduzir o número de julgamentos presenciais. Por isso, é adequado optar pelos julgamentos online. A lei define os padrões básicos dos nossos comportamentos. Os procedimentos jurídicos garentem que a lei é correctamente aplicada. Os procedimentos jurídicos não podem falhar, caso contrário a justiça não será feita. Por isto, a implementação dos interrogatórios online deve assegurar que os procedimentos são respeitados, não podem ser apressados e cada passo deve ser verificado, de outra forma os interesses dos envolvidos não serão respeitados. Não nos esqueçamos que estes interrogatórios são feitos através de telemóveis e de computadores. Se os juizes e os advogados não tiverem suficiente preparação informática e as partes envolvidas não tiverem computadores pessoais, pode ocorrer um grande número de problemas técnicos que conduzirão a deficiências nos interrogatórios. Só quando todas estas questões tiverem resposta, poderemos considerar a próxima pergunta – Macau tem condições para implementar julgamentos online?

 

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18 Ago 2020

Os dois modelos de Macau e de Hong Kong

[dropcap]E[/dropcap]m Agosto, teve início a segunda fase do cartão de consumo de Macau. Ao contrário do que aconteceu na primeira fase, agora, a Macau Pass vai cobrar uma taxa de 0,5% sobre cada transacção efectuada com o cartão.

O intuito original do cartão de consumo foi a promoção do consumo e da economia e, sobretudo, proporcionar um incentivo às pequenas e médias empresas nas quais se apoia o comércio de Macau. Apoiando este sector evita-se o fecho das lojas e garante-se a manutenção dos postos de trabalho.

O Governo de Macau investiu cerca de 2,2 mil milhões de patacas na primeira fase do cartão, cuja utilização não estava sujeita ao pagamento de taxas. O valor a aplicar na segunda fase será de aproximadamente de 3,685 mil milhões de patacas.

A Macau Pass Company estabeleceu esta taxa de acordo com as práticas internacionais, que obriga os comerciantes ao pagamento de uma percentagem por cada pagamento electrónico. O “Acordo de Prestação de Serviços do Macau Pass” assinado pela Companhia Macau Pass e pelos representantes dos comerciantes estipula que estes serão responsáveis pelo pagamento da taxa sempre que o cartão Macau Pass é usado, taxa essa que nunca deverá ser cobrada aos clientes.

A utilização do cartão de consumo criado pelo Governo é semelhante ao Pass Card de Macau, e fica igualmente sujeito ao pagamento de taxas. Solidária no combate à epidemia, a Macau Pass Company não cobrou taxas na primeira fase. O valor de 0,5% cobrado na segunda fase, é mais baixo do que aquele que se aplica aos cartões de crédito. Esta taxa destina-se apenas a cobrir as despesas operacionais e não à obtenção de lucro.

Como este valor não pode ser cobrado aos consumidores, vai sair directamente dos bolsos dos comerciantes e reduzir os seus lucros. A epidemia diminuiu o afluxo de clientela, o volume dos negócios baixou drasticamente. Por tudo isto, os comerciantes já estão a lidar com muitas dificuldades e esta taxa ainda veio piorar a situação.

A Companha Macau Pass é a única que trabalha com os comerciantes na utilização do cartão de consumo. O aparecimento deste cartão obrigou os lojistas à aquisiçao do equipamento necessário, que também aceita outros cartões electrónicos como o “Cartão Macau Pass” e o “Mpay”. Com o aumento desta quota de mercado, a segunda fase do cartão de consumo já não está isenta das taxas, o que foi naturalmente contra as expectativas da população.

No entanto, para a Companhia Macau Pass, os seus lucros provêm da aplicação da taxa. Na primeira fase do cartão a isenção da taxa representou a solidariedade da Companhia para com o Governo de Macau, em tempos de dificuldade. Se a isenção se mantivesse nesta segunda fase, como é que a companhia ia suportar as despesas operacionais? Podemos facilmente perceber que os benefícios de uns, representam os prejuízos dos outros.

Mas podemos reflectir sobre esta questão a partir de outro ângulo. O Governo de Hong Kong recusou-se a distribuir dinheiro pela população durante muito tempo. Este ano, após solicitação de muitos sectores, concordou finalmente em distribuir a cada residente a quantia de HK$10,000. Mas, ao mesmo tempo, levantou-se outro problema. De que forma é que este dinheiro ia ser distribuído? O Secretário das Finanças de Hong Kong, Chen Maobo, anunciou que 20 instituições bancárias tinham sido convidadas para prestar assistência na distribuição destas verbas, e que mil milhões de dólares tinham sido reservados para despesas administrativas. Soube-se recentemente que as taxas envolvidas nesta operação não excederiam os HK$500 milhões. 20 Bancos a cobrarem apenas 500 milhões parece ser um bom exemplo. Revela que a atitude da administraçao pública é diferente da atitude comercial do sector privado. Quando se pede a instituições privadas que implementem medidas governativas, quais devem ser escolhidas, quantas serão necessárias, quais os custos operacionais e quem é que tem a responsabilidade de os pagar? Estas questões devem ser pensadas em profundidade.

A epidemia continua a existir e ninguém sabe quando irá terminar. Questões relacionadas com a companhia que opera o cartão de consumo, a quantidade de agências envolvidas e a gestão das taxas, lembram-nos que se a terceira fase do cartão de consumo for implementada, será necessário reflectir muito bem antes de o fazer; para que todas as partes se possam sentir satisfeitas.

 

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4 Ago 2020

Segunda fase do cartão de consumo

[dropcap]E[/dropcap]m Macau, a notícia da semana é o anúncio do recarregamento o cartão de consumo com mais 5.000 patacas. Este valor destina-se a subsidiar o consumo no período compreendido entre 1 de Agosto e 31 de Dezembro.

O plano de subsídio ao consumo divide-se em duas fases. A primeira decorreu entre Maio e Julho, durante a qual todos os cidadãos receberem um cartão carregado com 3.000 patacas. Nesta segunda fase, até porque abrange um período maior, o valor sobe para 5.000 patacas. O propósito deste cartão é colmatar o impacto da COVID 19 na economia e, sobretudo, apoiar o pequeno e médio comércio. Na primeira fase foram emitidos 624.000 cartões e o Governo investiu um total de 1.87 mil milhões no mercado.

Nesta segunda fase, o cartão mantém um limite diário de 300 patacas, que podem ser gastas no pagamento de bens e serviços, mas que não podem ser convertidas em dinheiro vivo. O cartão nunca pode ser substituído por outro, mesmo em caso de perda. Os detentores de cartões podem recarregá-los num dos 190 postos disponíveis para o efeito.

Este apoio ao consumo é uma medida muito benéfica para todos, especialmente para as pessoas que ficaram desempregadas e para àquelas perderam os seus negócios. Esta iniciativa, em conjunto com outras medidas, tem sido vital para apoiar a população mais carenciada. O comércio é também obviamente revitalizado, o ciclo económico mantêm-se e a vida vai seguindo, dentro do possível, o seu curso normal.

Desde que Macau continue sem novos casos de infecção, a economia e a vida das pessoas irão melhorando aos poucos. A avaliar pela situaçao actual, é de crer que ainda há-de passar muito tempo até conseguirmos vislumbrar o fim da pandemia. Não será tão depressa que as receitas do Governo, alimentadas pela indústria do jogo, voltarão a aumentar. A revitalização da economia vai depender sobretudo do consumo das pessoas.

Só aumentando a confiança dos residentes, pode a nossa economia ir recuperando pouco a pouco. A segunda fase do plano de apoio ao consumo, desempenha este papel. Desde que mantenhamos a distância social, podemos continuar com a nossa vida habitual, idas ao café, ao restaurante, às lojas, etc. Mesmo que gastemos pouco dinheiro, estamos a dar um sinal de confiança no regresso à normalidade, e a dar mostras de que acreditamos que a epidemia irá acabar e a vida vai voltar a ser o que era.

Na medida em que este cartão é uma medida chave para incentivar o consumo, manifestamos o nosso apreço por os comerciantes terem ficado isentos das taxas normalmente associadas aos pagamentos electrónicos. Desta forma, os comerciantes são aliviados da carga fiscal. No entanto, temos de manifestar o nosso descontentamento com os comerciantes que aumentam o preço dos produtos, devido à implementação do cartão de consumo. Este comportamento anula o efeito pretendido. Uma estratégia que foi delineada para promover a economia, e ser benefécia para todos, ficará comprometida desta forma.

Devemos considerar colocar numa “lista negra” os comerciantes que agem desta forma.
Como a epidemia ainda irá durar por algum tempo, há quem se interrogue se irá haver uma terceira fase do plano de apoio ao consumo. Apenas cinco meses nos separam do final de 2021. Se a situação sanitária em Macau se mantiver favorável, e não surgirem novas infecções, a economia irá recuperar pouco a pouco e a pertinência do cartão de consumo irá desaparecendo; mas se surgirem novas infecções, especilmente vindas do exterior, a economia vai ser afectada e o cartão de consumo vai continuar a ser necessário. Na impossibilidade de prever o desenrolar da epidemia, a abordagem cautelosa e optimista para lidar com a situação, será criar uma reserva de dinheiro e fazer os gastos estritamente necessários.

O cartão de consumo é temporário e este tipo de estímulo à economia é igualmente temporário. No período que se seguir, a recuperação e o crescimento económico vão continuar a depender do consumo de todos nós.

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28 Jul 2020

Salários da função pública

[dropcap]D[/dropcap]ia 17 deste mês, a comunicação social de Macau anunciou que o Governo não vai cortar os salários nem os benefícios dos funcionários públicos em 2021. André Cheong, secretário para a Administração e Justiça, apelou a que as pessoas não dêem ouvidos aos rumores e que, em conjunto, combatam a epidemia e revitalizem a economia.

Recentemente, circulou o boato de que o subsídio de Natal dos funcionários públicos não iria ser pago e que os salários iam sofrer cortes. Num quadro de grande recessão económica, muitos trabalhadores têm os salários reduzidos, outros os salários congelados, há ainda quem esteja de licença sem vencimento e quem tenha perdido o emprego. A crescente vaga de más notícias, combinada com a redução de despesas administrativas não essenciais, deu origem a uma série de conjecturas.

As afirmações de André Cheong deram segurança aos funcionários públicos e serviram para acabar com as especulações.

Em Macau, os salários dos funcionários públicos são determinados através da ponderação de quatro factores, de acordo com o parecer da “Comissão de Avaliação das Remunerações dos Trabalhadores da Função Pública”. O Governo decide a variação salarial da função pública para o ano seguinte, na segunda metade do ano em curso. A Comissão foi criada em 2012. Sob a alçada da Secretaria para a Administração e Justiça, tem 11 membros designados pelo Chefe do Executivo, entre os quais se encontram académicos, representantes da Câmara do Comércio de Macau, da Federação da Indústria e do Comércio de Macau, da Associação dos Profissionais de Saúde. Conta ainda com a participação de funcionários públicos aposentados, representantes de fraternidades, representantes do Instituto de Investigação em Administração, bem como do Serviços de Administração e Função Pública, etc. O mandato dos membros tem a duração de dois anos. Para se pronunciar sobre os salários do ano seguinte, a Comissão tem de ter em conta a situação financeira do Governo, as tendências dos salários do sector privado, a inflação e o parecer das organizações de funcionários públicos, antes de emitir a sua opinião e submetê-la ao Governo. Como não existe uma fórmula para ponderar estes quatro factores, de forma a determinar os aumentos salariais, há quem diga que este sistema carece de transparência. Assim sendo, uma das soluções seria criar uma fórmula de cálculo em que cada um dos factores correspondesse a uma certa percentagem. Com um método de cálculo claro, seria mais fácil compreender os ajustes salariais da função pública doravante.

A sociedade de Macau é muito sensível à questão dos aumentos salariais da função pública. A principal razão é porque se considera que os funcionários públicos são “Bem Pagos”. “Bem Pagos”, quer dizer ter salários mais elevados e mais benefícios do que os trabalhadores que desempenham funções semelhantes. A julgar pelo número de candidatos, podemos ver o quão atractiva é a Função Pública em Macau. Mas existe uma diferença entre “Aumentos Salariais” e ser “Bem Pago”. Os funcionários públicos são bem pagos, em parte porque estão sujeitos a um regime jurídico especial. Este tipo de restrições jurídicas são desnecessárias no sector privado, mas no serviço público são uma necessidade, e os funcionários são obrigados a obedecer-lhes. Por exemplo, a sociedade exige que os funcionários públicos tenham carácter nobre e integridade. Com tal, e de acordo com a Lei Básica, o Chefe do Executivo e os directores dos departamentos têm de declarar publicamente os seus bens, antes de assumirem o cargo. Outros altos funcionários são também obrigados a declarar os bens junto da Comissão contra a Corrupção e do Tribunal, em consonância com o sistema de declaração de propriedade do Governo de Macau.

A declaração de bens pode ser supervisionada pelo Governo, mas também o pode ser pelo público em geral. Desta forma, os bens dos funcionários públicos podem ser consultados por todos. Diz-se que todos os funcionários públicos deviam ficar felizes por poderem declarar os seus bens; mas isto é uma questão de opinião e não se pode generalizar. No entanto, quando foi implementado o sistema de declaração de bens, o objectivo foi ficar a conhecê-los publicamente e não ficar a conhecer o sentimento dos seus proprietários.

As entradas das salas de entretenimento e de jogo estão vedadas aos funcionários públicos, à excepção dos três primeiros dias de cada ano. Esta proibição garante a integridade dos servidores públicos, mas também os impede de se divertirem.

Os funcionários públicos são responsáveis pela implementação das políticas governamentais. Na vida do dia a dia existem muitas normas estabelecidas. Cabe à função pública a responsabilidade de fazer com que o sistema funcione segundo as regras. Quanto melhor desempenhar a sua função, maior apreço terá o Governo. Se os funcionários públicos forem substituídos com frequência, e os novos não estiverem acostumados com os procedimentos, a imagem do Governo sofrerá danos. Pode afirmar-se que uma equipa estável de funcionários públicos é um factor importante para a estabilização da sociedade em geral. Como tal, o serviço público deve ser estável e com o menor grau de atrito possível. Uma das condições que garante um serviço estável é ser “Bem Pago”. No entanto, por serem “Bem Pagos”, os funcionários públicos são alvo de críticas.

Com a actual recessão económica, com trabalhadores estão confrontados com o congelamento de salários e com o desemprego. O sector privado não vai aumentar os salários de forma significativa. A influência que esta situação vai ter no ajuste dos salários dos funcionários públicos no ano que vem, é sem dúvida um factor de preocupação social. A formulação e a implementação das políticas do Governo requerem o esforço dos servidores públicos. É evidente que estes dão as boas vindas aos aumentos salariais, mas de momento a sociedade não vai acolher necessariamente bem a decisão do Governo de aumentar a Função Pública. Para ter em linha de conta a opinião da população e simultaneamente manter o estatuto de funcionários públicos “Bem Pagos”, e equilibrar os dois factores “Bem Pago” e Aumento Salarial”, será necessária uma grande destreza e o resultado não vai poder agradar às duas partes.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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21 Jul 2020

Estados Unidos saem da OMS

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 6, o Governo dos EUA notificou oficialmente o Secretário Geral das Nações Unidas António Guterres, da saída do país da Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta decisão pôs fim à filiação que os Estados Unidos tiveram durante 72 anos na OMS. De acordo com os estatutos desta organização, a saída dos membros requer aviso com um ano de antecedência; assim sendo, os Estados Unidos saem oficialmente da OMS a 6 de Julho de 2021.

A OMS foi criada em 1948 e tem sede em Genebra, na Suíça. É um organismo das Nações Unidas. Como se pode verificar pela sua Constituição, o objectivo da OMS é “garantir que a saúde das pessoas de todo o mundo seja a melhor possível”. A OMS responsabiliza-se pela saúde a nível global, promove a prevenção e o controlo de epidemias e de doenças endémicas e fornece os meios da incrementar a saúde pública. A OMS tem actualmente 194 estados membros. Com a saída dos Estados Unidos, no próximo ano passará a ter 193.

Para a OMS é importante ter o maior número de membros possível. Os fundos da Organização são obtidos através de cotas e de doações. As contribuições obrigatórias são pagas pelos estados membros; variam consoante a população e a riqueza de cada estado. Estas contribuições representam cerca de um quarto dos fundos da OMS, o restante é obtido através de doações voluntárias dos membros. Em 2019, os Estados Unidos doaram à OMS cerca de 400 milhões de dólares, valor que representa cerca de 15 por cento do orçamento da Organização para esse ano. A saída dos EUA vai representar um sério golpe nas finanças da OMS.

Após a publicaçao desta notícia, várias personalidades fizeram ouvir a sua opinião:
Anders Nordstrom, antigo Director Geral da OMS, declarou: “Estamos profundamente preocupados com a possibilidade do crescimento da tensão política internacional, numa altura em que precisamos mais do que nunca de solidariedade global.”

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, afirmou: “Perante uma ameaça global, é necessário fortalecer a cooperação e solucionar os problemas conjuntamente. Devemos evitar decisões que enfraqueçam a cooperação internacional. Insistimos para que os Estados Unidos reconsiderem esta decisão.”

O ministro alemão da Saúde considera esta decisão “um lamentável passo atrás na área da saúde internacional”.

Não é surpreendente que Trump tenha promovido a saída dos EUA da OMS. Já tinha havido avisos nesse sentido. A questão principal é porque é que ele o quis fazer. Os Estados Unidos começaram a perder o controlo da epidemia nos finais de Março. Trump passou a culpar a OMS pelo sucedido, acusando-a de ter ocultado informação, o que terá levado a Casa Branca a não ter tomado as decisões atempadas para prevenir a propagação da doença e, nessa altura, suspendeu o financiamento à OMS. Actualmente, o número de infectados nos Estados Unidos já ultrapassou os 3 milhões e já morreram mais de 130.000 pessoas. É também certo que os números vão continuar a aumentar; por este motivo é natural que Trump queira atribuir a responsabilidade à OMS, sobretudo tendo em vista as eleições para a Presidência, que se avizinham.

A Senadora Elizabeth Warren, ex-candidata à Presidência dos EUA, disse: “A decisão do Presidente de retirar os Estados Unidos da OMS durante a epidemia global, afastou-nos dos nossos aliados, enfraqueceu a nossa liderança a nível internacional e é uma ameça à saúde do povo americano.”

Lamar Alexander, Presidente do Comité do Congresso para a Saúde, afirmou que esta decisão pode vir a atrasar a descoberta da vacina e insistiu para que fosse revertida.

O candidato democrata Joe Biden afiançou que, se for eleito, fará regressar os Estados Unidos à OMS no primeiro dia de exercício do seu mandato.

De momento, os Estados Unidos retiraram-se da OMS e recusam-se a colaborar com instituições internacionais no combate à epidemia. Esta atitude só vai piorar o problema sanitário, não vai ajudar os Estados Unidos. Este comportamento irresponsável vai certamente afectar a pesquisa da nova vacina; e mais grave ainda, esta retirada cria um precedente. Um mau precedente que pode levar outros países a seguir-lhe o exemplo, abrindo as portas à lenta desintegração da cooperação global.

Nenhum país pode combater sozinho esta epidemia; a unidade e uma resposta conjunta são as únicas formas de resolver o problema. A decisão dos Estados Unidos tem como única consequência o seu isolamento. Esta atitude revela que os Estados Unidos não compreendem esta máxima sobre a política – “A política é compromisso e cooperação”.

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14 Jul 2020

Patentes e açambarcamento

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente o jornal Guardian informou que os Estados Unidos tinham adquirido uma grande quantidade de Remdesivir, um medicamento para tratamento da covid-19, tendo provocado a indignação da comunidade internacional.

O Remdesivir é fabricado por uma farmacêutica americana, a Gilead Sciences, Inc. O Guardian salientava que os EUA tinham comprado mais de 500.000 doses, o que equivale à quase totalidade da produção da empresa durante os meses de Julho, Agosto e Setembro. O açambarcamento tornou o medicamento indisponível para o resto do mundo.

Depois da publicação da notícia, e da confirmação da fidedignidade das fontes, a Organização Mundial de Saúde (OMS) assegura que todos os membros irão ter igual acesso aos tratamentos. Embora os EUA tenham anunciado que abandonavam a OMS, a organização continua a cooperar com os Estados Unidos.

No momento em que escrevo este artigo, ainda não havia confirmação dos resultados da OMS, mas o Secretário de Estado Norte-Americano Para a Saúde e Recursos Humanos, Hazard Alex Azar, afirmou que Trump tinha chegado a um acordo para assegurar que as farmacêuticas americanas iriam obter autorização para serem as primeiras a colocar no mercado medicamentos para combater o novo coronavírus.

O modelo dos Estados Unidos é obviamente “Prioridade aos Americanos”, o que exclui as necessidades dos outros países. A compra da quase totalidade da produção do Remdesivir durante os próximos três meses, faz com que os pacientes dos outros países não possam aceder ao medicamento e fiquem com as vidas em risco. As declarações de Alex Azar receberam críticas de diversos círculos políticos e universitários:

O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, afirmou que, se os Estados Unidos continuaram com este procedimento, poderá vir a haver consequências negativas inesperadas.

Peter Horby, Professor da Universidade de Oxford, Reino Unido, salientou que o Remdesivir provou ter efeitos benéficos no combate à doença durante a fase experimental, mas que, para além dos Estados Unidos, participaram na experiência o Reino Unido e o México.

Ohd Yaqud, lente sénior da Universidade de Sussex, Reino Unido, afirmou que o comportamento dos Estados Unidos indica a falta de cooperação com outros países e organizações, que terá como consequência um arrefecimento das relações internacionais e afectará acordos e direitos de propriedade intelectual.

O açambarcamento do Remdesivir pelos americanos, faz-nos temer pela saúde dos pacientes de outros países. Sem este medicamento, como é que os médicos podem garantir o tratamento dos doentes? O Reino Unido e o México sentem-se particularmente lesados porque participaram na pesquisa e na experimentação do Remdesivir. A experência foi bem sucedida, mas estes países não têm acesso ao medicamento. Esta atitude revela a pouca consideração que os Estados Unidos têm pelas vidas dos cidadãos dos outros países.

Sabemos que cada vida é única e que não pode ser substituída, não é ético escolher os que vão ser salvos e os que serão condenados. Se esta atitude for sancionada vai imperar a lei do mais forte e a convivência pacifíca entre os seres humanos chegará ao fim.

Claro que os medicamentos são um caso especial. Muitos países têm legislação que proibe a exportação de medicamentos em situações de epidemia, para garantir que todos os seus cidadãos tenham acesso ao tratamento. Neste caso, os Estados Unidos compraram todo o stock, não lançaram mão da legislação para proibir a saída do medicamento. Este comportamento dos Estados Unidos não tem precedentes.

O problema é urgente e tem de ser resolvido. O Remdesivir não vai estar disponível fora da América. Ainda vai levar tempo até se descobrir uma vacina. Se a vacina for descoberta nos Estados Unidos, nada nos garante que o mesmo não volte a acontecer.

Existe alguma forma de resolver o problema da distribuição de medicamentos? Uma das formas mais eficazes seria estabelecer um sistema de “licenciamento obrigatório” que facultasse a todos os países a produção do Remdesivir para abastecer as suas populações. E isto teria de se verificar, quer a Gilead Sciences, Inc. desse ou não o seu consentimento. Seria uma permissão legal para a produção mundial do medicamento. É claro que teriam de ser pagos os direitos à Gilead. Falta saber que percentagem estabeleceria.

A questão chave da lei de protecção da propriedade intelectual é a garantia dos direitos sobre a invenção. Os inventos devem estar disponíveis ao público, em qualquer parte do planeta. O novo produto pode continuar a aperfeiçoar-se e renovar-se. É claro que este novo produto deve ser devidamente pago. Sem um pagamento adequado, todos os recursos e tempo que o cientista investiu teriam sido em vão. A cópia e o uso indevido da invenção constitui uma violação da lei de propriedade intelectual. Para proteger os inventores criaram-se as patentes, que devem ser compradas por quem quiser produzir os produtos. O seu valor deve ser calculado de forma equilibrada de maneira a incentivar a criação e a produção global.

Esta nova epidemia tornou-se um problema a nível interenacional. É compreensível que os países que queiram produzir o Remdesivir paguem a patente à Gilead. Para os países, será sem dúvida um enorme fardo económico o pagamento continuado de patentes muito altas até que a epidemia termine. No entanto, o estabelecimento de uma patente baixa fará crer que a indústria farmacêutica não é capaz de garantir os lucros do sector. Se isto vier a acontecer, de futuro, os cientistas e a indústria não estarão dispostos a investir mais recursos na busca de novos medicamentos para combater a pandemia. A procura de um preço razoável da patente é um problema complexo.

Novos medicamentos podem tratar doenças novas, mas os novos medicamentos têm de estar protegidos por uma patente. As patentes destinam-se a assegurar o lucro da indústria farmacêutica. O licenciamento obrigatório para a produção do Remdesivir pode ajudar a solucionar o actual problema de falta de stock, mas permanece a questão de como calcular o valor da patente. Se não se estabelecer um valor razoável, a pesquisa da vacina contra o novo coronavírus será afectada e a data da vitória da Humanidade sobre a covid-19 pode vir a ser adiada.

 

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7 Jul 2020

Cenários para 2021

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 26, a comunicação social anunciou que o Chefe do Executivo de Macau, Ho Iat Seng, manifestou a esperança de, no próximo ano, se manter o Plano de Distribuição dos Cheques Pecuniários (PDCP), por estar indissociavelmente ligado ao sistema de segurança social da cidade e porque é parte integrante do orçamento das famílias.

Se fizermos uma retrospectiva, vemos que a epidemia começou em Dezembro, pelo que já dura há sete meses. Durante este período os casimos fecharam por algum tempo. Embora actualmente já estejam abertos, a ausência de turistas fez cair a pique as receitas. Não é difícil imaginar que as verbas que o Governo vai buscar através dos impostos sobre o jogo, venham a cair este ano na mesma proporção. Se a situação não melhorar, o balanço financeiro do Governo vai ficar em déficit.

Neste cenário menos positivo, o Chefe do Executivo vem trazer boas notícias, afirmando que espera que no próximo ano o PDCP se mantenha. É sem dúvida uma afirmação muito positiva para a população de Macau. O PDCP é uma política de cariz social, não é uma lei. Não existe nenhuma legislação que regule o Plano Anual de Distribuição de Cheques Pecuniários.  É necessário ajustar as políticas sociais de acordo com a situação financeira do Governo.

O PDCP tornou-se um factor de segurança social, que se mantém há treze anos, desde 2008 até 2020. As verbas atribuídas também têm vindo a aumentar, das 5.000 patacas iniciais até às 10.000 actuais. Durante este espaço de tempo, cada residente de Macau recebeu um total de 104.000 patacas. Todos os anos, sempre que o Governo anuncia o Orçamento, as pessoas querem saber qual vai ser o montante dessa vez e quando vai ser pago. Esta atitude reflecte bem a importância que esta medida tem para a população de Macau.

A grande vantagem do PDCP é possibilitar que “todos os residentes tenham dinheiro para gastar”. Em Macau, a frase “se todos tiverem uma parte, nada faltará” descreve na perfeição esta medida, até porque não são apenas os residentes permanentes a serem por ela contemplados. Os residentes não permanentes também têm acesso a parte destas verbas. Desde que o Plano foi implementado, por cada residente não permanente foi atribuída a verba de 62.400 patacas.

Outra grande vantagem do PDCP é ser uma medida pacificadora. Desde a sua implementação, deixou praticamente de haver oposição. Mesmo numa sociedade conturbada como a de Hong Kong, cada pessoa recebe $10.000 por ano. O Plano de Distribuição de Cheques Pecuniários de Hong Kong teve início este ano, a 21 de Junho.

A comunicação social informou que, às 17.00h desse mesmo dia, já havia dois milhões de pedidos registados electronicamente. Além destes, mais 8.000 residentes submeteram o registo no site dos Correios de Hong Kong. Quando o secretário das Finanças, Chen Maobo, divulgou o Orçamento para 2020, estimou que este Plano iria beneficiar 7 milhões de pessoas. Em função deste número, a quantidade de pessoas registadas no primeiro dia representa cerca de 30%. Esta percentagem demonstra a adesão da população de Hong Kong ao plano.

Mas, em Macau, um resultado secundário, e não previsto, do PDCP foi a valorização da sua cidadania. Em consequência disso, cada vez mais pessoas querem ser residentes desta cidade. Mas na verdade, será só por causa do PDCP? Se adicionarmos os vários apoios para os idosos, como o Fundo de Respeito pelos séniores, as pensões de reforma, a contribuição anual do Governo para o Fundo de Previdência, os vouchers para assistência médica etc., verifica-se que as pessoas com mais de 65 anos recebem subsídios que rondam as 6.000 patacas. Claro que esta soma não satisfará as necessidades de todos, no entanto muitos países não podem disponibilizar estes valores aos seus idosos. Se a este total juntarmos as 8.000 patacas que este ano foram atribuídas a cada residente para apoio ao consumo, ficamos perante uma situação deveras atractiva.

A manutenção do PDCP no próximo ano, a par dos outros benefícios, será de vital importância. Em Macau, a epidemia está actualmente controlada, mas a economia não vai recuperar de imediato. Esta recuperação requer tempo e precisa de consumo. O PDCP ajuda na recuperação económica, da qual depende o regresso da vida das pessoas à normalidade. Temos de pensar duas vezes sobre como e onde vamos aplicar as 10.000 patacas que iremos receber no próximo ano. Consumos errados podem provocar déficit fiscal.

Mesmo com o déficit fiscal deste ano, o Executivo continua a esperar poder cumprir o Plano de Distribuição no próximo. Por isso, o Governo terá de prestar mais atenção à sua gestão financeira. Macau tem há muito tempo uma boa situação financeira. O déficit deste ano é o primeiro que se regista desde o regresso à soberania chinesa. Para além da enorme sangria que houve este ano nos fundos de Macau, o PDCP do próximo ano vai colocar uma grande pressão no Governo local.

Depois do regresso à soberania chinesa, a indústria do jogo abriu, o que teve como consequência um enorme aumento das receitas do Governo, através da taxação sobre esta actividade. Foi com estas receitas que o Governo de Macau atingiu a estabilidade de que hoje desfruta. A indústria do jogo tornou-se a principal actividade económica de Macau. Tendo em vista a diversificação da economia, os pedidos de aposta nas indústrias secundária e terciária surgem constantemente. Durante este período pandémico, as pessoas vão reduzir ao máximo as deslocações e ficam em casa. Podemos reflectir sobre que tipo de indústrias secundária e terciária podemos vir a ter em Macau e com as podemos desenvolver, porque este é um assunto da maior importância.

A epidemia provocou a recessão económica, menos turistas, menos clientes nos casinos, queda abrupta das receitas do Governo e perturbação no bem-estar social. Para continuarmos a ter o PDCP e continuarmos a desfrutar das 10.000 patacas anuais, o Governo e os residentes têm de trabalhar em conjunto e eliminar os factores adversos. Ao mesmo tempo, se as indústrias secundárias e terciárias forem encontradas e implementadas, mesmo que a epidemia continue, não temos motivo para preocupação.

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30 Jun 2020

Competitividade Global

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 18, a comunicação social divulgou o relatório do Swiss Lausanne International Management Development Institute (IMD) sobre Competitividade Global em 2020. Nos cinco primeiros lugares encontram-se Singapura, Dinamarca, Suíça, Holanda e Hong Kong. Taiwan surge em 11º lugar e a China em 20º.

O IMD foi fundado em 1990. Não é uma Universidade, mas desenvolve cursos que conferem o grau MBA, muito bem cotados a nível internacional. Para elaborar este relatório, o IMD recolhe dados de duas formas diferentes. Primeiro, junto de instituições reconhecidas mundialmente, como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, etc. Dois terços dos dados analisados no relatório são recolhidos através destas instituições. Em segundo lugar, as equipas de investigação do IMD enviam todos os anos questionários aos chefes executivos de instituições de renome internacional, e os resultados deste levantamento representam um terço dos dados do documento. O IMD avalia 63 países e regiões e é publicado anualmente no mês de Maio. Este documento é tido em consideração por Governos, empresas internacionais e instituições académicas.

O relatório deste ano inclui dois pontos dignos da maior atenção: primeiro, a classificação não reflecte na totalidade o impacto da pandemia nos diferentes países e regiões, o que é compreensível visto a infecção ter surgido em Dezembro de 2019. Nessa altura, já o Relatório estava a ser preparado. O impacto da pandemia deve vir reflectido no Relatório de 2021. Em segundo lugar, os países e regiões que ocupam os cinco primeiros lugares, são pequenos. Devido a este factor, é-lhes mais fácil obter consenso social, o que resultou numa vantagem óbvia quando se tratou de lidar com a epidemia e de contabilizar os riscos globais.

A situação de Hong Kong pode ser considerada mista. Hong Kong aparece em quinto lugar, mas é a primeira vez nos últimos cinco anos em que não está entre os três primeiros. O principal motivo prendeu-se com a queda do desempenho económico, que passou de ocupar o 10.º lugar a nível mundial em 2019, para se situar em 28.º em 2020. Os inquiridos também manifestaram alguma preocupação a propósito da revisão da Lei de Extradição. Mas, graças à legislação comercial e à eficácia do Governo, subiu de segundo lugar para primeiro na avaliação da moldura administrativa, e de 19.º para 1º, no que respeita à estabilidade cambial. Quanto à eficácia comercial permaneceu em segundo. Estes factores positivos estabilizaram a posição de Hong Kong.

O relatório tem ainda outra imprecisão, ou seja, não toma em conta a proposta da “Lei de Segurança Nacional – na versão para Hong Kong” aprovada em Maio de 2020. Esta questão só vai ser analisada em detalhe no documento de 2021.

A partir destes dados, podemos facilmente chegar à conclusão de que Hong Kong ocupa a quinta posição devido, principalmente, à legislação comercial, à moldura administrativa, à estabilidade cambial e à eficácia do Governo, entre outros factores. É óbvio, que estes factores estão relacionados com o sistema social enquanto um todo. Por outras palavras, o sucesso de Hong Kong depende de uma série de boas práticas que sempre existiram. Desde que estas boas práticas se mantenham e se optimizem, Hong Kong continuará a subir de posição.

A principal razão para a descida de Hong Kong foi o decréscimo económico, o que não é difícil de entender. Seria de estranhar se as manifestações violentas, que continuaram a ocorrer na segunda mentade de 2019, não tivessem um impacto sócio-económico. Logo a seguir a todos estes distúrbios surgiu a pandemia, que também afectou grandemente a economia da cidade. Hong Kong foi ainda vítima da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, que apesar de tudo está actualmente amenizada devido ao sucesso das primeiras negociações. Em presença da simultaneidade destes três factores, como é que a economia de Hong Kong não poderia ter sido afectada?

Não nos esqueçamos que o relatório não toma em linha de conta a “Lei de Segurança Nacional – na versão para Hong Kong”. O Congresso Nacional do Povo Chinês vai ajudar em breve Hong Kong a promulgar esta lei.

Os conteúdos da lei vão influenciar, não apenas a China mas também Hong Kong. De momento, é difícil avaliar o impacto que vai ter na economia da região.

A classificação do documento reflecte a opinião da maioria das pessoas sobre competitividade. Claro que uma boa posição resulta em confiança e a confiança é um indicador de competitividade. É inegável que actualmente Hong Kong atravessa momentos difíceis. A descida de posição é um sinal da queda de competitividade. Se a população não fizer um esforço conjunto para que as condições melhorem, esta posição continuará a cair, o que significa que a competitividade irá diminuindo gradualmente.

O desenvolvimento económico requer um ambiente estável. O ambiente estável é criado por todos. O relatório dá um alerta à população de Hong Kong Hong, no sentido de reconquistar a estabilidade para que a economia volte a crescer. Hong Kong não pode perder o comboio. Só prosseguindo em frente com determinação, pode voltar a brilhar. E só quando voltar a brilhar, poderá Hong Kong afirmar com orgulho “Sou a Pérola do Oriente”.

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23 Jun 2020

I have a dream II

[dropcap]G[/dropcap]eorge Floyd, o afro-americano detido por suspeita de posse de uma nota falsa de 20 dólares e imobilizado pela pressão do joelho de um polícia sobre o pescoço, acabou por morrer. Na sequência deste incidente têm-se multiplicado as manifestações de protesto, não só nos Estados Unidos, como também no Reino Unido, em França, na Alemanha, Espanha, entre muitos outros países. A vaga de manifestações atravessou toda a Europa e a questão da discriminação racial foi mais uma vez levantada.

Ninguém imaginaria que este caso viesse a ter este impacto em tantos países europeus. Para já, é urgente que os Estados Unidos travem as manifestações de violência, resolvam o problema da discriminação racial e dêem resposta às exigências dos que em toda a parte se manifestam contra este acto de brutalidade. A discriminação racial vai ser um tema incontornável durante a campanha destas eleições presidênciais. Muitos cidadãos americanos interrogam-se sobre que medidas tomar para evitar a repetição desta situação e muitos outros sobre o que fazer para evitar serem a próxima vítima.

Para os Estados Unidos, este incidente representa um problema político e económico. Os protestos violentos forçaram as lojas a fechar as portas, agravando a situação, já de si precária, devido à pandemia. Após a recente cimeira, o Conselho da Reserva Federal anunciou que a taxa de juros bancários é de 0% – 0.25%; isto quer dizer que as poupanças dos americanos não estão a render quase nada e que, por outro, lado o Governo está a encorajar o consumo. Se as manifestações de violência continuarem, o comércio pode vir a fechar; o prazo da recuperação económica voltará a ser adiado e todos os americanos sofrerão as consequências.

Para os políticos é sempre uma dor de cabeça lidar com a violência nas ruas. O Presidente Trump afirmou que poderia enviar as tropas para acabar com os protestos. Na realidade, Trump citou a “Rebellion Law” promulgada em 1807; este conjunto de leis autoriza o Presidente a mobilizar o exército para pôr fim à rebelião, à violência, às reuniões ilegais, etc. Mas o Secretário da Defesa deixou bem claro que “essa seria a última opção.” Mark Esper acredita que o exército só pode ser chamado para resolver problemas internos em situações de extrema gravidade.

Claro que a mobilização do exército iria pôr fim aos distúrbios violentos. No entanto, esta violência foi desencadeada pela morte de George Floyd e também foi motivada por uma perda de confiança no Governo. No discurso que proferiu após a morte de Floyd, o antigo Presidente dos EUA, Barack Obama, identificou claramente as razões dos manifestantes:

“O povo americano sente-se frustrado com a falência das reformas do sistema judicial e dos procedimentos das forças de autoridade, ao longo das últimas décadas. Só podemos expressar o nosso descontentamento através de manifestações e de protestos contra a persistente discriminação racial.”
Obama elogiou as pessoas que se têm manifestado pacificamente, as únicas que podem ser agentes de mudança.

As doenças cardíacas requerem medicamentos para o coração. Se o ressentimento não for eliminado e a confiança no Governo não for restaurada, o problema de fundo fica por resolver.

A forma mais eficaz de resolver este problema é promover a união de todos os americanos e estabelecer como meta o fim da discriminação. O antigo Presidente George W. Bush, afirmou que a supremacia branca dividiu os Estados Unidos e continua a ser uma ameaça. Só unindo todos os americanos, das mais variadas origens, podem os Estados Unidos vir a ser um país onde impera a justiça e onde existem oportunidades para todos.

Para qualquer um dos candidatos presidenciais a eliminação da discriminação é uma questão central. Este incidente pôs a questão na ordem do dia e vai ser um assunto chave para os eleitores. Sobre esta matéria, embora Bush não tenha apontado a solução para o problema, o plano anti-discriminação que irá receber o apoio dos eleitores tem de ser elaborado pelas equipas de Trump e de Biden.

A discriminação só pode ser eliminada através da lei e da educação. A lei é usada para punir aqueles que praticam actos discriminatórios e a educação torna as pessoas conscientes e previne este problema futuramente. Neste contexto, é fundamental que o Governo promova alteração na legislação, reforce o controlo de actos discriminatórios e impeça que actos semelhantes voltem a acontecer. Nancy Pelosi, membro do Partido Democrata, propôs uma emenda à lei, da qual se destaca o seguinte:

a. Proibir a polícia de recorrer à imobilização através da chamada “gravata” e a abordagem por critério racial
b. Abolir a figura legal conhecida como imunidade qualificada para a polícia, que a protege de acções civis.
c. Estabelecer um registo federal para receber todas as queixas sobre más condutas policiais
d. Exigir que os agentes de todo o país usem câmaras durante as operações policiais
e. Considerar linchamento os crimes de ódio.

A proibição da “gravata” pode impedir incidentes semelhantes no futuro. Abolir a imunidade qualificada para a polícia que a protege de ações civis tornará os agentes directamente responsáveis pela suas acções perante a lei, e obrigando-os a indemnizar a parte ofendida. Estabelecer um registo federal para receber todas as queixas sobre más condutas policiais pode aumentar a confiança do público num organismo supervisor. Exigir que os agentes de todo o país usem câmaras durante as operações policiais será uma forma de provar se a polícia abusou ou não da força. Considerar linchamento os crimes de ódio agrava a punição e reduzirá as acções decorrentes de ódio racial.

Se estas medidas virão a ser eficazes só o tempo o dirá, mas a posição de Nancy Pelosi merece respeito. Na conferência de imprensa a democrata salientou:
“Este incidente trouxe grande dor aos americanos, que se transformou num grande movimento de protesto a bem da justiça.”

 

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16 Jun 2020

Emissão de moeda em Hong Kong

[dropcap]O[/dropcap] Congresso Nacional do Povo Chinês autorizou o Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo a formular a versão da Lei de Segurança Nacional aplicável a Hong Kong. Esta decisão deu origem a discussões acaloradas em Hong Kong e em várias partes do mundo. Se analisarmos as notícias da semana passada, veremos que estão em causa várias questões, sendo que uma delas é tentar perceber se os Estados Unidos irão ou não pôr fim ao sistema de emissão de moeda interligado (LERS sigla em inglês), já que a potência americana se opõe à promulgação desta lei em Hong Kong.

O LERS é o sistema de emissão de moeda em Hong Kong, implementado a 17 de Outubro de 1983. Os bancos que emitem moeda em Hong Kong, incluindo o Bank of China, o HSBC e o Standard Chartered Bank têm de têm de depositar dólares americanos no valor correspondente à moeda emitida na Autoridade Monetária de Hong Kong. A taxa de câmbio do dólar de Hong Kong em relação ao dólar americano, estabelecida a 17 de Outubro de1983, é de HK$7,8 para US$1. Isto quer dizer que quando os Bancos de Hong Kong emitem notas no valor de HK$7800, têm de depositar US$1.000 na Autoridade Monetária da cidade. A Autoridade Monetária não paga juros aos Bancos emissores.

Em 1983, devido ao início das negociações entre a China e o Reino Unido, a propósito do regresso de Hong Kong à soberania chinesa, o futuro da cidade apresentava-se incerto. Por este motivo, houve uma venda em larga escala de HK dólares, que resultou numa queda acentuada do valor da moeda. Para estabilizar o sistema financeiro da cidade, o Governo local adoptou o LERS e passou a usar o dólar americano como reserva para cobrir a emissão da moeda de Hong Kong. A grande vantagem desta medida foi a credibilidade da moeda. Possuir dólares de Hong Kong passou a ter a mesma fiabilidade de possuir dólares americanos. Deixou de haver necessidade de trocar a moeda local por US dólares. A História demonstrou que, na altura, o LERS estabilizou o sistema financeiro de Hong Kong.

É claro que a implementação do LERS também trouxe algumas desvantagens para Hong Kong. Em primeiro lugar, como a taxa de câmbio está aferida em 7.8 HKdólares para 1 USdólar, a margem de variação é muito baixa. Se a taxa de câmbio descer de repente, os especuladores terão oportunidade de comprar barato e obter grandes lucros quando o preço aumentar. O processo de compra e venda provoca instabilidade na moeda de Hong Kong e tem impacto no LERS, por isso a Autoridade Monetária de Hong Kong tem frequentemente muitas dores de cabeça para manter a correspondência dos $7.8 HK dólares para o dólar americano.

Em segundo lugar, do ponto de vista económico, para a implementação deste sistema de correspondência, a economia de Hong Kong e dos Estados Unidos teria de andar a par e passo. Se os Estados Unidos optassem por uma política de juros baixos devido a uma recessão económica, para encorajar o consumo e acelerar o crescimento económico, então, Hong Kong tinha de seguir o exemplo. Nos últimos 30 anos, a economia dos Estados Unidos conheceu altos e baixos. Embora Hong Kong tenha passado pelo mesmo processo, os altos e baixos não foram coincidentes no tempo, mas, mesmo assim, Hong Kong teve de implementar a política dos juros baixos, numa altura em que os valores do imobiliário estavam em alta. Cada vez mais fundos afluiam ao mercado imobiliário, mas o preço dos imóveis teve de se manter elevado. A dessincronização das economias dos Estados Unidos e de Hong Kong provocou que o LERS tivesse travado o crescimento económico da cidade.

Alguns analistas são de opinião que os Estados Unidos não irão acabar com o LERS em Hong Kong, principalmente porque este sistema beneficia a América. A emissão de HK dólares requer a aquisição de US dólares como garantia de reserva, o que gera uma procura estável de dólares americanos a nível internacional. Se a maior parte da reserva fiscal de Hong Kong for efectuada em US dólares, a procura desta moeda no mercado internacional aumenta; por isso o LERS é importante para os Estados Unidos.

No passado houve quem defendesse que a reserva fiscal de Hong Kong deveria ser feita com Renminbis (RMB) – a moeda chinesa- em vez de ser feita com dólares americanos. Do ponto de vista económico, visto que Hong Kong está mais susceptível à influência da economia chinesa, esta opinião parecia mais adequada.

Mas como o RMB ainda não se conseguiu impôr completamente no mercado internacional, Hong Kong continua a precisar do dólar americano para dar credibilidade à emissão da sua moeda.

No fim de contas, a emissão de moeda faz parte do sistema financeiro e o sistema financeiro é parte do sistema económico global. No ano passado, Hong Kong viveu momentos de tormenta na sequência do Movimento contra a Lei de Extradição e este ano foi afectado pela pandemia. A economia piorou indubitavelmente. De momento, a prioridade é desenvolver uma indústria que possa trazer receitas significativas para Hong Kong. Estas receitas não se podem destinar apenas aos cofres do Governo local, devem também chegar aos bolsos dos residentes. Só depois de estabilizar a economia, Hong Kong poderá considerar a alteração do sistema de emissão da sua moeda.

Em Macau, a emissão da pataca tem como garantia o dólar de Hong Kong, usado na sua reserva fiscal. Se Hong Kong alterar o sistema de emissão de moeda, Macau será afectado. De acordo com a actual situação económica, a probabilidade dessa alteração ocorrer é muito baixa e Macau não precisa de se preocupar, para já, com este assunto. No entanto, devido ao impacto da pandemia, o turismo desceu a pique e as receitas dos casinos reduziram drasticamente. A economia de Macau sofreu temporariamente um forte revés. Têm surgido muitas opiniões que advogam a necessidade urgente da diversificação da economia, para acabar com a dependência quase exclusiva da indústria do jogo. Estas propostas devem ser implementadas o mais rapidamente possível; a chave está na aposta nas indústrias secundária e terciária, para que Macau não dependa apenas do turismo. É uma estratégia política a longo prazo, a bem da estabilidade económica de Macau.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
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9 Jun 2020

Tenho um sonho

[dropcap]D[/dropcap]ia 29 de Maio, a imprensa divulgou uma notícia chocante. Um negro norte-americano morreu depois de um polícia lhe ter pressionado o joelho contra o pescoço durante nove minutos. O incidente desencadeou uma série de manifestações que acabaram por se transformar em motins. O Minnesota declarou imediatamente o estado de emergência. O agente foi acusado de assassínio e homicídio por negligência. As manifestações e os distúrbios alastraram-se a todo o país. Mas o que aqui está em causa não são os motins, mas sim a discriminação de que os negros têm sido alvo nos Estados Unidos.

O Mayor de Minneapolis Jacob Frey declarou pouco depois do incidente:
“Acredito no que vejo e o que eu vi estava errado a todos os níveis.”
Também pediu desculpa à comunidade negra e à família do falecido:
“À comunidade negra e à família, apresento as minhas mais sinceras desculpas.”
No entanto, esta atitude não acalmou os ânimos. Pelo menos uma pessoa morreu durante os distúrbios.

Alguns manifestantes incendiaram carros, destruíram e saquearam lojas. A Guarda Nacional interveio e o estado de emergência foi declarado no Minnesota.

O caso desenrolou-se da seguinte forma. Na segunda-feira um negro de 46 anos foi alegadamente preso por falsificação de dinheiro. Estava deitado no chão, algemado e o agente da polícia pressionava-lhe o pescoço com o joelho. O homem acabou por morrer. Estes acontecimentos foram filmados por um transeunte, que posteriormente colocou as imagens no YouTube. Enquanto pressionava o pescoço do detido com o joelho, o polícia tinha uma mão no bolso e ouvia, com um ar absolutamente impávido, a vítima implorar:

“Por favor, deixe-me respirar.”

Os agentes da autoridade só precisam de usar a força suficiente para subjugar os suspeitos e impedi-los de fugir. Um suspeito deitado no chão e algemado não pode fugir. Neste caso a pressão exercida pelo joelho é claramente uso abusivo da força, já para não falar de crueldade. O agente foi dispensado do serviço e acusado de assassínio e homicídio.

A dupla acusação de assassínio e homicídio por negligência é um artifício da Procuradoria para impedir o réu de escapar à justiça, pois se fosse acusado apenas de assassínio seria necessário provar que houve intenção de matar. A acusação de homicídio suplementar vem preencher esta lacuna. Na eventualidade de não vir a ser condenado por assassínio, existe uma forte possibilidade de vir a ser condenado por homicídio por negligência, crime onde a intenção de matar não é condição sine qua non.

Este caso vai ser seguramente julgado com a presença de um júri. Os jurados serão brancos ou negros? Como proceder para garantir que não serão discriminados por motivos raciais? Esta questão vai certamente ser assunto de notícia. Outro tema que também vai interessar a opinião pública é o destino dos outros três agentes presentes no local. Irão ou não ser acusados de cumplicidade, ou de recusa de assistência à vítima?
Michelle Bachelet, Alta-Comissária dos Direitos Humanos da ONU, afirmou que nos Estados Unidos a discriminação racial é “endémica” e está em todo o lado. Segundo ela, o país tem de tomar “medidas sérias” para prevenir incidentes deste género.

Nos Estados Unidos, a história da tentativa de emancipação dos negros remonta ao tempo de Lincoln, o 16º Presidente, que ocupou o cargo na década de 60 do séc. XIX. Em 1954, Martin Luther liderou o boicote à utilização de transportes em Montgomery, um movimento pelos direitos civis, que recorreu a formas de protesto não violentas e que culminou com a promulgaçao da Lei dos Direitos Civis em 1964. Esta lei estipulava o fim do apartheid, da discriminação dos negros, das minorias e das mulheres. A Lei do Direito de Voto, aprovada em 1965, assegurava que os negros americanos não seriam privados do seu direito de voto.

A 28 de Agosto de 1963, num emocionante discurso que ficou para a História, Martin Luther proferiu a célebre frase “I Have a Dream”.

“Tenho um sonho. No meu sonho, virá o dia em que, neste país, os meus quatro filhos não serão julgados pela cor da sua pele, mas sim pelo seu carácter.”

As aspirações de Lincoln e de Martin Luther concretizaram-se com a eleição de Barack Obama, o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos. Um negro foi institucionalmente reconhecido como a figura suprema do país. Durante a campanha de Obama, o lema “I have a dream” foi adoptado como slogan. Este Presidente negro é sem dúvida representativo da História Americana.

Embora a América tenha tido um Presidente negro, ainda é preciso lutar para que não haja discriminação na justiça e no tratamento policial. A frequência com que os negros são maltratados e mortos pela polícia americana, levou o Mayor Jacob Frey a afirmar:

“Ser negro na América não pode ser uma sentença de morte,”
Um conjunto de vários factores ainda faz pensar que os negros continuam a ser vítimas de discriminação. Esta discriminação é sobretudo social. Entre Lincoln e Obama, existiu um lapso de 160 anos, no qual a discriminação foi eliminada dos sistemas político e jurídico. Quantos anos serão ainda necessários para eliminar a discriminação social? Para que isso aconteça é preciso vontade política e uma pedagogia constante, para que a situação vá melhorando a pouco e pouco. Para já, não existe nenhuma medida milagrosa que possa acabar de vez com a discriminação.

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2 Jun 2020

Mediação na Área da Grande Baía

[dropcap]U[/dropcap]ltimamente, algumas personalidades de Hong Kong e de Macau têm sugerido que as cidades que integram a área da Grande Baía devem implementar o mais rapidamente possível o reconhecimento mutúo dos certificados de mediação. Durante os recentes encontros da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, muitos intervenientes pronunciaram-se sobre a questão da mediação. Poderão as cidades da Grande Baía reconhecer mutuamente os diferentes certificados de mediação?

Em termos gerais, a mediação é efectuada por um “pacificador”, ou seja, alguém que ajuda a resolver as disputas entre duas partes em conflito. A Área da Grande Baía (AGB) é formada por nove cidades da Província de Guangdong e por duas regiões administrativas especias – Hong Kong e Macau. No que respeita ao sistema judicial, a China rege-se pela lei socialista, Hong Kong pelo direito comum e Macau pelo direito cívil. Os três sistemas legais aplicam-se em Guangdong, Hong Kong e Macau. Como Hong Kong e Macau se vão integrar na AGB, a mediação entre os três sistemas é indispensável. Uma das funções da lei é a resolução de conflitos, usando para tal a mediação, a arbitragem e a litigação entre outros. O reconhecimento mutúo dos certificados de mediação entre Guangdong, Hong Kong e Macau promoverá o desenvolvimento da AGB, ajudará a integração dos sistemas jurídicos e criará mecanismos conjuntos de resolução de conflitos.

E porquê optar pela mediação como primeiro passo para a resolução de disputas? Porque é o mais simples. A arbitragem requer um árbitro. Neste caso o ideal é as partes envolvidas escolherem-no de comum acordo.

No entanto, se as partes não chegarem a consenso, a autoridade de arbitragem pode indicar um da sua escolha. A decisão deste árbitro pode ser cumprida através da legislação local. Quando existe um acordo de arbitragem internacional, cada país reconhece as decisões jurídicas do outro. Assim sendo, a arbitragem tem uma natureza internacional.

A litigação passa sempre pelo tribunal, as partes envolvidas têm direito de escolher o juiz, a decisão do tribunal tem de ser cumprida e não pode ser alterada ao sabor dos desejos das partes envolvidas. A mediação pode não ser feita em tribunal, e a decisão do mediador pode ser alterada de acordo com a conveniência das partes envolvidas. Por aqui podemos ver que a mediação é diferente da arbitragem internacional e da litigação.

Como já foi mencionado, as leis de Guangdong, Hong Kong e Macau são diferentes e os procedimentos e requisitos para conduzir a mediação também o são. A melhor forma de reconhecer o certificado de mediação da outra parte é lidar com as legislações locais separadamente. No entanto, pode haver alturas em que os certificados da outra parte levantem problemas. A mediação destina-se a resolver problemas de forma diplomática. Não é tanto o interesse de cada uma das partes que está em causa, mas a forma de chegaram a um acordo. Exemplo disso, é o acordo necessário para a escolha do mediador, sem o qual a mediação não é realizável.

Como os mediadores são escolhidos de comum acordo, as partes envolvidas preocupam-se sobretudo com a sua fiabilidade e eficácia, e não tanto com a sua formação. Se o mediador não teve formação jurídica, mas possuir um certificado de mediação e as partes envolvidas o reconhecerem, poderá este certificado ser aceite em Guangdong, Hong Kong e Macau?

Existem muitas situações susceptíveis de ser mediadas. Quais o poderão ser entre Guangdong, Hong Kong e Macau já é outra questão. A “Convenção de Mediação de Singapura” dá-nos disso um bom exemplo. Promulgada em Agosto de 2019, transpõe a mediação local para mediação internacional. Sessenta e sete países e regiões assinaram esta convenção, que fornece mecanismos e padrões internacionais às empresas e aos parceiros de diferentes nacionalidades para obterem acordos por este meio. Por outras palavras, a Convenção de Mediação de Singapura permite que uma parte execute um acordo de mediação de forma a levantar uma acção no tribunal da região ou país onde reside a parte contrária, pedindo uma indemnização, sem que seja necessário submeter-se de antemão a uma avaliação sobre a possibilidade de violação do acordo de mediação, efectuada no tribunal da zona de residência da parte contrária.

A mediação entre Guangdong, Hong Kong e Macau tem lugar dentro da China, é portanto de âmbito nacional e não está sujeita à Convenção de Mediação de Singapura. Os países que não assinaram esta convenção não são obrigados seguir os seus termos. A Convenção de Mediação de Singapura só se destina a regular conflitos económicos. Poderá a mediação da Área da Grande Baía começar por regular disputas comerciais e depois vir a estender-se a casos cíveis?

A Mediação não é um processo complicado, mas o reconhecimento mútuo dos certificados de mediação por parte de Guangdong, Hong Kong, e Macau implica ajustes, porque estão em causa três sistemas jurídicos distintos, com procedimentos e requisitos diferentes. É inegável que este reconhecimento é o primeiro passo para a integração e é também um passo indispensável para que Hong Kong e Macau possam integrar a Área da Grande Baía.

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26 Mai 2020

Partilha de rendimentos em Hong Kong

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 15, o Conselho Legislativo de Hong Kong aprovou o Orçamento para 2020/21, com 42 votos a favor, 23 contra e 1 abstenção. A população acolheu com bastante agrado a decisão do Governo de entregar a cada residente, com mais de 18 anos, a quantia de 10.000 dólares de Hong Kong. O Governo local prevê que as candidaturas deverão ser aceites em Junho e que os pagamentos serão efectuados em Agosto.

Quer o Governo de Hong Kong, quer o Governo de Macau têm vindo a distribuir dinheiro pela população, mas a situação difere bastante nas duas cidades. Macau começou com esta política em 2008, quando o então Chefe do Executivo Edmund Ho propôs o “plano de partilha de rendimentos”. O objectivo era permitir que os residentes de Macau partilhassem os benefícios do desenvolvimento económico, que pudessem fazer face à inflação e era também uma forma de diminuir o impacto da crise financeira que assolava o mundo. Nessa altura, cada residente permanente de Macau recebia 5.000 patacas e os residentes não permanentes 3.000.

Desde então, todos os anos se tem efectuado a distribuição de verbas pelos residentes, e os montantes têm vindo a aumentar; este ano o valor ascende a 10.000 patacas. Assim sendo, cada residente permanente de Macau recebeu entre 2008 e a presente data um total de 104.000 patacas; e cada residente não permanente recebeu no mesmo período 62.400 patacas. Esta política conferiu valor aos cartões de residência em Macau.

Embora Hong Kong apresente todos os anos o seu Orçamento Anual, não procedeu à distribuição de verbas em todos eles. O primeiro plano de partilha de rendimentos teve lugar em 2011. Nessa época, o secretário das Finanças, Zeng Junhua, na proposta do Orçamento de 2011-2012, sugeria que fosse injectado o montante de 6.000 dólares de Hong Kong na conta do Fundo de Previdência Obrigatório dos residentes, para reforçar a protecção na reforma. No entanto, esta opção foi muito criticada, porque, segundo a sabedoria popular “não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje”. Depois da contestação, os 6.000 dólares por residente acabaram por ser disponibilizados de imediato nesse ano. Em 2020, o Governo colocou na proposta de Orçamento o montante de 10.000 dólares de Hong Kong, sendo esta a segunda vez que a distribuição vai ser feita na antiga colónia britânica.

Embora este ano Hong Kong tenha seguido o exemplo de Macau, o Governo tem continuado a ser alvo de críticas, acusado de ter tomado uma decisão tardia. No entanto, como é sabido, mais vale tarde que nunca.

Mas, ao contrário de Macau, para Hong Kong esta distribuição de verbas representa um grande esforço. As reservas financeiras de Hong Kong são muito inferiores às de Macau. Há algum tempo atrás, um economista salientou que as reformas pagas aos idosos estavam a estrangular as reservas financeiras e, além disso, o Governo recorreu a parte destas reservas para minimizar o impacto negativo na economia provocado pela Covid-19. É possível que as reservas financeiras do Governo de Hong Kong se esgotem nos próximos dez anos.

No entanto, o que acabo de afirmar não passa de uma suposição. Mas uma coisa é certa, desde há muito que as receitas do Governo de Hong Kong provêm principalmente da taxação sobre a venda de terrenos, cujos preços são muito elevados. Os residentes de Hong Kong gastam a maior parte dos seus rendimentos nas prestações das casas. Basicamente trabalham para “ter um tecto”. A vida é dura e as pessoas revoltam-se facilmente. E, mais importante do que tudo, vai chegar o dia em que os terrenos se vão esgotar. Quando isso acontecer, vão também acabar as receitas do Governo de Hong Kong. Quando Tsang Yin-quan foi Chefe do Executivo, quis taxar a venda de todos os produtos para garantir receitas certas ao Governo da cidade. Só se puder contar com um rendimento certo, o Governo pode levar a cabo obras importantes, como o plano de pensões de reforma universal e o apoio à saúde. Sem um rendimento estável, esses projectos são irrealizáveis.

É inegável que em Hong Kong é mais difícil disponibilizar apoios do que em Macau. Hong Kong tem cerca de 8 milhões de habitantes, enquanto que em Macau existem apenas 600.000 pessoas, uma percentagem de 13 para 1. Quando o Governo de Hong Kong gasta 13 dólares, o Governo de Macau só precisa de gastar 1 e, para além disso, o rendimento per capita das duas cidades tem sinal contrário. Segundo o relatório publicado pelo Fundo Monetário Internacional em 2019, o rendimento per capita anual em Macau era de 81.151 US dólares, ou seja, 651.967 patacas, enquanto em Hong Kong era de 49.334 US dólares, ou seja 396.349 patacas.

Portanto, o rendimento anual per capita em Macau é 1,64 vezes superior ao de Hong Kong. Com muito menos população e mais rico, Macau está sem dúvida em melhor posição para implementar a política de partilha de rendimentos do que Hong Kong.

Hong Kong e Macau estão separados pelo mar e as políticas das duas cidades têm valores e referências comuns. Hong Kong não deve apenas seguir o exemplo de Macau no que respeita à partilha de rendimentos e ao plano de segurança social. Mais importante do que tudo é desenvolver uma indústria própria e criar receitas que alimentem o Governo da cidade, para que este possa implementar todas as medidas necessárias. É sobre estas matérias que o Governo de Hong Kong deve reflectir.

 

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19 Mai 2020

Justiça online

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 1 realizou-se um julgamento online no Distrito de Daya Bay, em Huizhou, na China. O caso teve maior impacto por se tratar de um crime mediático.

A história conta-se em poucas palavras. O réu publicou, num chat, um anúncio de venda de máscaras que não existiam. O anúncio esteve online de 16 de Janeiro a 8 de Fevereiro, e defraudou duas vítimas num montante que ascendeu a 3.950 renminbi. O réu admitiu a sua culpa. Foi condenado a sete meses de prisão e a uma multa de 3.000 renminbi.

Nesta altura, não é surpreendente que certas pessoas publiquem notícias falsas na Internet, nomeadamente anúncios sobre venda de máscaras que na verdade não existem. Mas a realização de um julgamento online já é um assunto que merece alguma atenção. Um julgamento online (OLT sigla em inglês), requer uma ligação por cabo. Se o sinal estiver normal o OLT decorre sem problemas. No entanto, se houver uma interrupção do sinal, como é que se lida com a situação? Nos dias de hoje, existem muitas empresas e instituições cujas redes têm de funcionar em pleno, por exemplo, as redes bancárias. Se os tribunais implementarem os OLTs, de que requisitos de rede vão necessitar? Terão de estar equiparados aos das redes bancárias?

A identidade das partes é outra questão que se coloca. Durante o julgamento, as partes podem ver-se presencialmente e, portanto, a possibilidade de falsificação ou substituição é baixa. No entanto, no OLT, cada uma das partes tem de se basear nas imagens que aparecem no ecrã do computador. Será esta situação praticável? Antes da realização de um julgamento online o tribunal tem de perguntar às partes envolvidas se concordam com este formato. Ao darem o seu consentimento, concordam que não haverá espaço para qualquer tipo de falsificação. No entanto, vale a pena considerar a forma de efectivamente impedir qualquer tipo de falsificação ou de substituição.

Um julgamento criminal é diferente de um julgamento cível. O propósito de um julgamento cível é a indemnização da parte lesada, enquanto no caso criminal se trata de condenar alguém que transgrediu de alguma forma o código penal. Quando a culpa é apurada, o réu é condenado. A prisão é uma das várias condenações possíveis.

Portanto, uma das situações a ter em conta é a possibilidade de o réu fugir após a condenação. Se não forem tomadas medidas compulsivas com antecedência, a possibilidade de o réu fugir aumenta. Aqui a questão a ter em conta é como evitar que o réu escape à justiça depois da sentença proferida.

Se estivermos perante o julgamento de um crime menor, em que a pena por norma não vai além de uma multa, o formato do julgamento online parece ser mais adequado. No entanto, perante um crime grave, como o homicídio, em que a condenação inevitavelmente levará o réu à cadeia, este formato pode proporcionar a fuga que, como é óbvio, deve ser evitada.

É compreensível que os julgamentos online sejam mais compatíveis com os casos cíveis, onde as condenações não implicam por regra a perda da liberdade do réu, mas sim o pagamento de multas. Claro que, se a multa for muito elevada, o réu também poderá fugir para não ter de a pagar.

Existe ainda outra questão legal digna de consideração. Se o queixoso e o réu arguirem sobre uma prova, como é que essa prova deverá ser examinada?

A modernização dos tribunais deve estar em linha com a evolução da ciência e da tecnologia, e no contexto da actual pandemia em que se deve manter o distanciamento social, a realização de julgamentos online parece ser uma boa medida. No entanto, se não houver regulamentação adequada e instalações compatíveis com este modelo, a concordância das partes envolvidas na sua realização não será suficiente. Além disso, a falta de domínio deste tipo de tecnologias por parte dos funcionários dos tribunais, também será um problema. Esta falha fará com que a eficiência do julgamentro online seja diminuída. Assim sendo, para que se possa realizar eficazmente um julgamento online as partes envolvidas e o tribunal deverão ter apoio de técnicos informáticos. Este apoio deverá ser prestado tanto ao nível do software como do hardware. Imagine-se que durante o julgamento o computador se avaria, terá de existir outro para o substituir imediatamente.

Além disso, o julgamento online tem de ser gravado, não só como medida de prevenção em caso de falha informática, mas também para se criar um registo no caso de uma das partes querer recorrer.
Macau é uma cidade pequena com uma população relativamente pequena; a procura de julgamentos online é baixa. Claro que, perante esta pandemia, a situação pode mudar.

 

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5 Mai 2020

Dividendos em quarentena II

[dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira passada, o Hongkong and Shanghai Banking Corporation efectuou uma reunião com os accionistas em Londres. Durante o encontro a direcção do HSBC declarou ter consciência de que a decisão de suspender o pagamento dos dividendos tinha desagradado aos accionistas. A direcção lamenta o sucedido e sublinha que, quando se ultrapassar o impacto da epidemia na economia, o pagamento dos dividendos será revisto.

Nesse mesmo dia, a comunicação social fez saber que o HSBC tinha doado 60 milhões para, em conjunto com instituições de solidariedade social, apoiar idosos e comunidades afectadas pela pandemia. Foram doadas 65.000 embalagens com alimentos e 13.000 embalagens com equipamentos de protecção. Esta acção inclui formação na área de protecção civil, primeiros socorros, prevenção da epidemia, etc. Teve como alvo 43.000 pessoas carenciadas.

Como é sabido, o HSBC está a seguir as directrizes do Governo britânico no sentido de acumular fundos suficientes que permitam suportar as consequências do surto epidémico, e por isso não está a pagar dividendos aos accionistas. Esta decisão dividiu a opinião pública. Há quem advogue que se o HSBC não vai pagar os dividendos, deveria ao menos pagar os bónus das acções, para que os investidores tivessem alguma compensação. A Shareholders Alliance (Aliança de Accionistas) espera conseguir juntar pelo menos 5% dos accionistas para pressionar o conselho administrativo a convocar uma reunião geral extraordinária.

Esta reunião seria convocada ao abrigo da Lei Comercial de Hong Kong para discutir a questão do pagamento de dividendos. Outra acção prevê o envio de uma carta por cada accionista dirigida ao HSBC e à Comissão Reguladora para a Segurança Financeira de Hong Kong, exigindo a resolução do problema. É evidente, que irão surgir várias propostas no sentido de proceder legalmente contra o HSBC, mas a Lei Comercial de Hong Kong não obriga ao pagamento de dividendos, mesmo que a empresa tenha tido lucro no ano anterior, pelo que a probabilidade destas acções virem a ser bem sucedidas será baixa.

Um membro do Conselho Legislativo de Hong Kong dirigiu-se por escrito ao Gabinete Financeiro e do Tesouro e à Comissão Reguladora para a Segurança Financeira solicitando uma intervenção junto do Governo britânico a fim de proteger os direitos dos accionistas minoritários.

Depois de ter tomado em consideração todas estas manifestações de desagrado, o HSBC, para além de ter lamentado o sucedido e de prometer rever assim que possível o pagamento dos dividendos, está a conceder empréstimos especiais aos clientes afectados pela pandemia, e a implementar um plano para adiar o pagamento das hipotecas. Algumas destas medidas são muito benéficas para os clientes. Na situação que vivemos, os trabalhadores estão preocupados com o desemprego e os empregadores com a falência dos seus negócios, todos precisam do apoio dos bancos.

No entanto, a situação dos accionistas é diferente. Estão obviamente desapontados com esta decisão. O HSBC distribuía dividendos quatro vezes por ano. Muitos investidores compraram acções do HSBC com a expectativa de receberem um rendimento fixo. Sobretudo em Hong Kong, muitos accionistas contavam com os dividendos do HSBC como um suplemento às suas reformas. Ao perderem este suplemento é natural que fiquem desagradados.

As acções de solidariedade social do HSBC são meritórias, mas estas acções divergem dos objectivos dos accionistas. Os próprios accionistas têm objectivos pessoais diferentes. Para alguns, o mais importante são os dividendos, outros procuram negociar com as acções. Estes últimos querem comprar acções a preços baixos e vendê-las por valores mais elevados. O impacto das medidas de solidariedade do HSBC nos accionistas é bastante questionável. A maior parte dos accionistas aposta nos proventos que obtém com os dividendos, nesse sentido, as medidas de solidariedade são uma panaceia em troca do não pagamentos desses montantes.

Claro que a forma mais eficaz de acabar com a insatisfação dos accionista era pagar-lhes os dividendos, mas essa decisão iria colocar o HSBC numa posição embaraçosa, pois implicava desobedecer às directrizes do Governo britânico.

É evidente que os accionistas ficaram descontentes por não lhes terem sido pagos os dividendos habituais e o HSBC não pode tomar decisões contrárias às ordens que recebe do Governo. Só nos resta esperar que as novas políticas do HSBC possam reduzir o descontentamento dos accionistas.

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28 Abr 2020

Falhas de segurança

[dropcap]A[/dropcap] semana passada um deputado da Assembleia Legislativa chamou a atenção para as falhas de segurança de um software amplamente usado no ensino online. Na sequência da sua intervenção, sugeriu que o Governo da RAEM e as empresas de telecomunicações deveriam cooperar para estabelecer um sistema de vídeoconferências adaptado a Macau.

Devido ao aparecimento de novos casos de infecção de Covid-19, o prazo para a reabertura das escolas primárias e secundárias foi outra vez adiado. No momento em que escrevo este artigo a nova data ainda não tinha sido estabelecida. Guiadas pelo princípio “parar as aulas mas não parar o ensimo”, as escolas adoptaram diferentes métodos para continuarem a formação dos seus alunos, sendo que o mais usado foi o ensino online, através de vídeo conferências. A vídeo conferência resulta melhor do que outra opções online, porque permite uma comunicação bilateral e reproduz melhor o ambiente da sala de aulas. O professor explica a matéria e os estudantes podem vê-lo e escutá-lo, mas também podem interevir e colocar as suas dúvidas. Algumas aplicações também permitem que os professores entreguem aos alunos testes em tempo real, bem como que os alunos os possam entregar aos professores depois de preenchidos.

Infelizmente, no software M, provavelmente o mais usado no ensino online, foram detectadas vulnerabilidades de segurança, o que levou muitas escolas a manifestarem a sua preocupação. Este software já foi utilizado noutros países e há relatos do aparecimento de uma pessoa não identificada durante as aulas, que começou a dizer coisas disparatadas e, inclusivamente, chegou a mencionar o endereço de casa do professor. Certos hackers invadem a sala de aulas online, exibindo tatuagens nazis, e também pirateiam dados dos utilizadores do M, como endereços de email e passwords, que depois vendem noutros websites. Na internet são designados por “bombas”.

A empresa que desenvolveu o software de vídeo conferências M declarou publicamente que, embora exista um sistema de encriptação entre os utilizadores e o servidor, essa encriptação não impede que os utilizadores do serviço possam ter acesso às sessões dos outros utilizadores; esta situação ocorre porque não existe encriptação para cada uma das sessões. Esta vulnerabilidade criou falhas de segurança que levaram alguns governos a desactivar o software M.

Todos os softwares de vídeo conferência são vulneráveis. O facto de ter de se recorrer a esta tecnologia para efectuar o ensino online implica abrir a porta à vulberabilidade. Não é um problema exclusivo deste software. Face a esta situação, deveremos manter o ensino online? Macau implementou este método de ensino desde o início da epidemia. Para este fim a tecnologia de vídeo conferência revelou-se a mais eficaz. Não havendo de momento nenhuma previsão sobre o fim deste epidemia, e portanto sobre a data da reabertura das escolas, na ausência de métodos alternativos, o ensino online tem de continuar, ou seja, teremos de continuar a ter de lidar com as falhas de segurança decorrentes deste método.

Solucionar estas brechas de segurança não está nas mãos do cidadão comum. É um assunto que terá de ser resolvido por peritos. No entanto, os estudantes devem proteger cuidadosamente os seus logins e as passwords e não passar esta informação a outras pessoas. Os professores devem desenvolver um método para lidar com os hackers durante as aulas; por exemplo, se um deles acede a uma aula online, a aula deve terminar imediatamente.

Desde que os estudantes tenham sido informados com antecedência desta possibilidade não haverá margem para confusões.

A melhor forma de lidar com estas brechas de segurança é usar softwares de vídeo conferência com a tecnologia mais segura. Mas claro que é mais fácil produzir esta afirmação do que levá-la à prática. Que método devemos seguir? Quais terão de ser os critérios? O Comissariado de Privacidade de Hong Kong tem desde sempre recomendado aos utilizadores a adopção dos conceitos de “privacidade estrutural” e de “privacidade por defeito”. A Comissão de Protecção de Dados Pessoais de Singapura e o Comissariado de Privacidade editaram em conjunto o “Guia para a Estruturação da Protecção de Dados nas TIC”, exortando as instituições a incluirem a protecção de dados na construção da informação e nos sistemas tecnológicos de comunicação desde o início. Para atingir o objectivo de proteger a privacidade dos utilizadores, estes conselhos ajudam os consumidores a identificar as melhores formas de o fazer.

As brechas de seguranças criadas pelos “bombas” de que falámos é considerada crime e está regulamentada pela Lei de Combate à Criminalidade Informática de Macau. Embora exista legislação específica nesta matéria, a internet é um mundo sem fronteiras. Se os infractores estiverem sediados fora de Macau, será muito difícil trazê-los para enfrentarem a justiça. Mas, mesmo antes que isso pudesse acontecer, seria necessário levar a cabo uma investigação e obter provas incriminatórias. Por isso, em vez de enveredar por intermináveis processos legais, o melhor é adoptar mais e melhores medidas preventivas, que são mais rápidas, mais eficazes e mais práticas.

Para adoptar um software de vídeo conferência seguro é preciso estabelecer padrões de segurança. Os conselhos e directrizes de Hong Kong e de Singapura são boas referências. Com base nestes conselhos, podemos construir um sistema e um software de vídeo conferência seguros. O nosso próprio sistema pode ser usado pelo Governo de Macau e pelas nossas escolas. Pode promover serviços governamentais online, Ensino online e fazer com que os nossos cidadãos passem a funcionar mais desta forma.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/Instituto Politécnico de Macau
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21 Abr 2020

É tempo de mudança

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 10 de Abril a comunicação social anunciou que a segunda comissão permanente da Assembleia Legislativa de Macau tinha concluído o debate sobre a “Alteração à Lei do Orçamento 2020”. O presidente da comissão, Chan Chak Mo, afirmou que não existirão alterações significativas à lei. Este vai ser o primeiro orçamento, de acordo com o Artigo 5 da Lei No. 8/2001, “Regulamento do Imposto do Selo e a Tabela Geral do Imposto do Selo”, a usar a reserva excedentária, no montante de 38.95 mil milhões.

O Governo declarou que no final de Fevereiro as reservas fiscais ascendiam a 577.6 mil milhões de patacas, dos quais 144.4 mil milhões se referem a reservas básicas e 433,2 mil milhões a reservas excedentárias. O valor acumulado em reservas fiscais indica a saúde e prosperidade da economia.

A revisão do orçamento teve por base as questões sociais decorrentes da pandemia. Ressalve-se que o Governo já tinha anunciado no dia 8 deste mês o segundo pacote de medidas de apoio à economia. As verbas aplicadas neste segundo pacote montam a 13.6 mil milhões de patacas. As principais medidas são as seguintes:

15.000 patacas para trabalhadores locais cuja situação o justifique,
10.000 para freelancers
As empresas recebem entre 15.000 e 200.000 patacas, consoante o número de empregados
Entrega de um vale de 5.000 patacas aos residentes para estímulo ao consumo

Devido às medidas de contenção e isolamento, o turismo em Macau sofreu uma quebra brutal, bem como todas as actividades que implicam concentração de pessoas como o comércio e a indústria do jogo. As empresas têm de pagar rendas e salários. Por seu lado, os trabalhadores enfrentam reduções salariais, despedimentos e layoffs, pelo que, tanto empregadores como empregados estão em dificuldades. As empresas temem a falência e os trabalhadores o desemprego. A dor a a incerteza pairam sobre a sociedade. O apoio económico pode ajudar a esbater o pessimismo e beneficiar a sociedade em geral.

Este apoio destina-se principalmente a empresas e a trabalhadores em dificuldade. Não se pode esperar que o Governo venha a pagar a totalidade das despesas das empresas e dos salários dos seus trabalhadores. Este apoio destina-se a garantir o minímo necessário e resolver as necessidades mais prementes. O Governo voltou a emitir vales de consumo, que desta vez sobem de 3.000 patacas para 5.000. Estas medidas destinam-se a apoiar a população e também a estimular o consumo de forma a combater a recessão económica. Em qualquer tipo de sociedade se houver retracção ao consumo a economia empobrece. Os vales de consumo vão ajudar à recuperação da economia. As teorias económicas demonstram que por cada pessoa que gasta 8.000 patacas em produtos, os comerciantes terão mais 8.000 patacas, que usarão para o seu próprio consumo, mantendo a cadeia económica no seu rumo normal. Claro que o consumo habitual não vai ser assegurado por estas 8.000 patacas por residente, mas será um impulso que vai beneficiar a sociedade e ajudar a repôr a normalidade.

O montante de13,6 mil milhões não vai afectar a estrutura financeira do Governo na totalidade. O Governo possui actualmente 144,4 mil milhões em reservas básicas e 433,2 mil milhões em reservas excedentárias. Se forem atribuídos vales de consumo a 650.000 pessoas, o ratio das reservas fiscais distribuídas pela população será de 666,461 per capita. A situação financeira de Macau é realmente boa. É preciso não esquecer que ainda existe o Fundo de Segurança Social de Macau que, a juntar à reserva fiscal, garante uma a situação financeira sólida.

Mas durante quanto tempo teremos de enfrentar a epidemia? O Professor Yuan Guoyong da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong especificou claramente que, embora a pandemia possa dar sinais de abrandar no Verão e no Outono, a hipótese de voltar no próximo Inverno é alta. Se até essa altura não for encontrada uma vacina, ou medicamentos que possam debelar a infecção, continuamos a não poder viajar e precisamos de continuar a usar máscaras; ou seja, as nossas vidas continuarão a ser afectadas. Actualmente a infecção está entre nós. O Governo lançou dois pacotes de ajuda económica. Se a pandemia continuar, acredito que o Governo continue a prestar assistência económica. No entanto, esta assistência não se pode prolongar por muito tempo. Por maiores que sejam as reservas do Governo, não são ilimitadas. Com um orçamento finito para combater uma pandemia de duração desconhecida, estaremos em risco. Se não gerirmos bem esse risco, poderemos vir a esgotar as bem abastecidas reservas fiscais. Desta forma, devemos tentar criar um equilíbrio entre a manutenção da economia e a manutenção da nossa saúde.

É certo que não existe uma forma única de os residentes lidarem com a pandemia. A situação varia definitivamente de pessoa para pessoa. No entanto, no que respeita aos estudantes a situação já é mais uniforme. Desde o início do surto, Macau implementou “a manutenção do ensino”. A maior parte dos alunos passou a aceder ao ensino online. Claro que este modelo, que se está a experimentar pela primeira vez, terá algumas falhas. Mas é um bom começo e uma boa iniciativa. Não havendo outra forma, deveremos continuar a manter este modelo enquanto a pandemia durar?

Enquanto este problema permanecer, as empresas têm de restringir ao máximo os contactos inter-pessoais, mas terão de continuar a obter o maior lucro possível. Por exemplo, já vimos que muitos restaurantes estão a fazer entregas em casa, solicitando o pagamento electrónico. Como as pessoas não se podem deslocar aos restaurantes o consumo e o número de clientes baixam naturalmente, mas as entregas ao domicílio continuam a garantir algumas receitas, o que é sem dúvida melhor do que nada. Mas para lá deste processo, haverá outras formas de os restaurantes continuarem a atrair clientela?

As nossas sólidas reservas fiscais permitiram que possamos ter neste período ajuda financeira e são também um teste à nossa capacidade de gerir crises. Embora o Governo faça o possível para salvar as empresas e os trabalhadores durante esta fase, as empresas, os trabalhadores e os residentes também precisam de se salvar a si próprios. Só precisam de ter capacidade de se adaptar à actual situação; quando a pandemia passar completamente, podemos voltar a desfrutar do nosso habitual estilo de vida.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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14 Abr 2020

Dividendos em quarentena  

[dropcap]A[/dropcap] 1 de Abril, o Hong Kong and Shanghai Banking Corporation anunciou que, devido ao surto do novo coronavírus, o Banco de Inglaterra tinha emitido uma circular onde se salientava não ser prudente pagar aos accionistas dividendos que excedam os 100 milhões de libras. Na possibilidade de haver uma crise gerada pela dificuldade de cobrança de dívidas à Banca, o HSBC cancelou a distribuição de dividendos do quarto trimestre de 2019. A Administração também anunciou que o HSBC não vai pagar dividendos em 2020 e que vai suspender a compra de acções. Após estes anúncio, o valor das acções do HSBC desceu para HK$39.95, uma queda de cerca de 9%; a queda a pique do valor das acções recorda o tsunami financeiro ocorrido a 9 de Março de 2009, quando o valor das acções do HSBC atingiu o mínimo histórico de HK$33.

O HSBC já tinha confirmado que iriam ser feitos pagamentos dos dividendos do quarto trimestre, no valor de US$0.21 por acção. Este pagamento foi agora cancelado. O “sell-off” das acções e a queda dos preços revela a insatisfação dos investidores. A Agência de Rating Fitch considera que o ranking do HSBC desceu de estável para negativo, o valor das acções a longo prazo permanece no A + e o cálculo do risco previsível é baixo.

Os Bancos comerciais ingleses acataram as instruções do Banco de Inglaterra. Para além do HSBC, o Standard Chartered Bank, o Barclays Bank, entre outros, decidiram cancelar o pagamento de dividendos. Em Hong Kong, alguns investidores consideram que o cancelamento dos pagamentos, após um período de lucro, é injusto para os accionistas e pode resultar em processos legais.

Segundo a Lei Comercial de Hong Kong, a distribuição de dividendos está dependente da decisão dos Conselhos Directivos. Os precedentes indicam que as empresas não têm de pagar dividendos todos os anos, mesmo que tenham tido lucro. Perante esta premissa legal os accionistas têm poucas hipóteses de ganhar uma acção legal, por isso vão ter de aceitar a decisão da Administração do Banco.

“Vem aí o Natal, compre HSBC” foi o slogan comercial que circulou em Hong Kong durante mais de 30 anos, ou seja: comprar acções do HSBC antes do Natal implicava receber os dividendos no sapatinho. O HSBC desempenhou por muito tempo o papel de Banco Central antes da reunificação. Mesmo após a reintegração na China, continuou a ter a responsabilidade da emissão de moeda. Distribuindo dividendos quatro vezes por ano, sempre foi muito estável. A taxa de lucro era relativamente alta, à volta de 5%. Foram estas as razões que sempre levaram as pessoas a comprar acções do HSBC.  Os conselhos do Banco de Inglaterra, a queda do lucro das economias asiáticas e a decisão do HSBC de cancelar o pagamento dos dividendos fez com que os investidores passassem a estar mais atentos à evolução dos efeitos da pandemia, do que propriamente ao desempenho financeiro das empresas. Vale a pena investir em acções altamente cotadas durante este período? Ou deverá o investimento ser direccionado para empresas menos afectadas pelos efeitos da pandemia, como gestão de propriedades e vendas online?

O Banco de Inglaterra aconselhou os bancos comerciais ingleses a reservarem fundos suficientes para poderem responder à crise, reflectindo as apreensões do Governo britânico sobre as possíveis consequências deste surto. A epidemia afecta o fluxo de pessoas, as empresas não têm clientes, as receitas caem e circula necessariamente menos dinheiro. As empresas que contraíram empréstimos à Banca vão ter dificuldade em pagá-los. No final deste ciclo, os bancos e as empresas vão ser as vítimas desta crise. Se os bancos colapsarem sobrevém um desastre que afectará toda a sociedade. Assim sendo, não é para pagar dividendos que os bancos são necessários, mas sim para reforçar as suas reservas, de forma a poderem fazer face à impossibilidade cobrar os empréstimos a muitas empresas que vão falir.

Ao abrigo das políticas monetárias, numa situação como a que vivemos, o Banco Central baixa as taxas de empréstimo dos bancos comerciais, para permitir que haja mais dinheiro a circular nos mercados e que a economia possa ser salva. Na situação actual, os bancos comerciais não pagam dividendos, têm mais fundos e as taxas de empréstimo estão reduzidas. Os custos das operações bancárias também baixaram. O Banco Central está a aplicar mais fundos no mercado para salvar a economia. É uma boa medida para os britânicos.

É claro que tudo depende da diferença entre o montante que iria ser pago em dividendos e o dinheiro que o Banco Central vai injectar na economia, se houver um déficit muito grande será mau para a Banca e para a sociedade em geral.

Como a decisão do HSBC e de outros bancos comerciais britânicos foi determinada pelo Banco de Inglaterra, acredito que seja pouco provável que esta tendência se venha a alargar a outras empresas.

Os accionistas investem a pensar em diferentes retornos, alguns apostam no crescimento do valor das acções e outros fazem apostas mais seguras. Como o HSBC sempre representou um investimento seguro, nunca teve falta de accionistas. A decisão de não pagar dividendos desagradou aos investidores. De futuro, o HSBC vai voltar a emitir títulos no mercado para angariar fundos, a questão que agora se coloca é se se irão voltar a vender bem. Se a maior parte dos seus accionistas também quiserem vender os títulos, o HSBC vai ter dificuldade em angariar findos. Todos estes factores terão de ser considerados em detalhe antes de se tomar decisões.

Macau não tem o seu próprio mercado de acções. Os residentes de Macau que querem investir na Bolsa recorrem normalmente ao mercado de Hong Kong. O não pagamento de dividendos também afecta os investidores de Macau. No entanto as consequências não são as mesmas para os residentes de Hong Kong e para os residentes de Macau. O sistema de pensões de reforma de Macau é melhor do que o de Hong Kong. Cada reformado recebe à volta de 6.000 patacas por mês, o que não acontece em Hong Kong. O sistema de pensões de reforma (o Mandatory Provident Fund – MPF) implementado em Dezembro de 2000, assegura aos residentes de Hong Kong alguma protecção no período da reforma. No entanto, comparado com Macau, fica muito atrás. Para aqueles que compraram acções do HSBC com o objectivo de obter mais alguns dividendos nesta fase da vida, a actual decisão do HSBC representa um corte grave no orçamento. Como os residentes de Hong Kong compreenderam que o MPF não lhes pode dar protecção suficiente, tentaram obter outras garantias; agora o HSBC não vai pagar os dividendos, o que vai obrigar a população de Hong Kong a voltar a repensar o seu sistema de pensões de reforma. O Governo de Hong Kong tomou este ano uma decisão idêntica à do Governo de Macau, planeando atribuir a cada residente a quantia de HK$10.000. Mas, será que Hong Kong também poderá replicar o sistema de pensões de reforma de Macau, orientado pelo princípio de que a segunda geração deve apoiar a primeira, para que os mais velhos possam ter uma vida mais segura?

No mundo da finança todos os sectores se afectam entre si. A epidemia afectou as medidas económicas do Governo britânico, as medidas do Governo afectaram os bancos comerciais; os bancos comerciais afectaram os investidores.

 

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7 Abr 2020

Orçamento 2020

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a comunicação social de Macau anunciou que o Governo da RAEM tinha proposto ao Conselho Legislativo uma emenda ao Orçamento de 2020. O Governo solicitou que fossem disponibilizados 38,9 mil milhões das reservas fiscais para compensar o déficit deste ano.

Como bem sabemos, a situação financeira do Governo de Macau tem sido estável e sólida. Como o sistema de reserva fiscal foi estabelecido depois da reunificação, a administração financeira do Executivo tem de ser mais prudente. O Governo prevê que a receita do jogo sofra uma redução de 260 mil milhões para 130 mil milhões e, além disso, vai ter de lidar com as diversas consequências da epidemia. Para além das medidas que já tinham sido anunciadas, vão ser implementados nove benefícios fiscais para os residentes. É compreensível que estas alterações estejam a ser feitas.

O Artigo 105 da Lei Básica de Macau estipula que o “orçamento da região deve ser gerido pelo Governo de forma a que os gastos sejam feitos na medida das possibilidades, lutando para equilibrar as receitas e os gastos, evitar os déficits e adaptar a taxa de crescimeto ao PIB”. Desde a reunificação de Macau a situação financeira tem sido boa. Desta vez, o déficit fiscal foi causado pela epidemia, o que é, como é óvio, um factor imprevisível e fora do controlo do Governo. Segundo os dados publicados pela Autoridade Monetária de Macau a 20 de Março, a reserva do Governo da RAEM monta a 180,7 mil milhões, dos quais 38,9 mil milhões vão ser usados para compensar o déficit orçamental deste ano. Não estamos num quadro de pressão financeira.

A actual revisão do orçamento revela mais uma vez os problemas endémicos de Macau. A maior parte da receita do Governo provém da indústria do jogo. A epidemia afectou bastante esta indústria e fez cair a pique as receitas. É por este motivo, e por muitos outros, que a economia de Macau se deve diversificar, para não estar dependente de um único sector.

É claro que uma verdadeira diversificação implica que possam surgir e consolidar-se diversas indústrias capazes de poder contribuir de forma significatica para a economia de Macau. Este tipo de desenvolvimento leva tempo. Numa altura em que a pandemia provoca a nível global uma situação relativamente grave, vai ser impossível surgirem novos negócios a curto prazo, por isso, para já, só podemos pensar em dirigirmo-nos nessa direcção dando um passo de cada vez. Por outro lado, devemos considerar o desenvolvimento de pequenas indústrias para garantir a estabilidade da sociedade de Macau. Por exemplo, deveriamos encarar a hipótese de criar uma linha própria de produção de máscaras de protecção?

O Governo de Hong Kong também já tinha anunciado o Orçamento para 2020, que igualmente apresenta déficit. Embora a Lei Básica de Hong Kong possua um artigo equivalente ao Artigo 105 da Lei Básica de Macau, advertindo o Governo para manter o equilíbrio financeiro, o secretário das Finanças de Hong Kong declarou peremptoriamente que esta é uma situação de “grande déficit financeiro”. O Governo de Hong Kong também se verá obrigado a usar a sua reserva financeira para compensar o déficit.

A receita do Governo de Hong Kong provém principalmente da venda de terrenos. Se o preço dos terrenos baixar, as receitas são afectadas. É por este motivo que as casas são tão caras na cidade. Hong Kong depende do negócio do imobiliário como Macau depende da indústria do jogo. Se estes sectores forem afectados, as receitas dos Governos das duas RAEs sofrem uma queda acentuada. É claro que, quando a epidemia se declarou, a situação do Governo de Hong Kong era muito pior do que a do Governo de Macau, porque existem cerca de 8 milhões de pessoas em Hong Kong, e apenas 600.000 em Macau, 13 vezes menos. Quando o Governo de Macau aplica um dólar por residente para minimizar os danos, o Governo de Hong Kong precisa de gastar 13 dólares. O rendimento per capita também é muito diferente. Segundo os dados de 2019 publicados pelo Fundo Monetário Internacional, o rendimento per capita em Hong Kong era de 49.334 dólares americanos ( 396.349 patacas), e o rendimento per capita em Macau de 81.151 dólares americanos (651.967 patacas), 1,64 vezes superior. O Governo de Hong Kong costumava aumentar os impostos para garantir a estabilidade financeira. Nesta altura essa estratégia deixa de ser possível.

Actualmente, só podemos pedir a Deus que a epidemia passe depressa, que o perigo para a saúde pública acabe e que a economia possa começar a recuperar.

24 Mar 2020

Regresso às aulas

[dropcap]D[/dropcap]epois da actividade laboral ter regressado ao normal, o Governo anunciou finalmente o calendário da reabertura das escolas. As aulas do 12º ano começam a 30 de Março, para os estudantes se prepararem para os exames de acesso à Universidade. A 13 de Abril regressam à escola os alunos do 10º e do 11º ano; uma semana mais tarde, a 20 de Abril, será a vez dos alunos do 3º ciclo; a 27 de Abril as aulas do 1º e do 2º ciclos vão ser retomadas e, finalmente, a 4 de Maio será a vez dos infantários e das escolas de educação especial.

Após este anúncio os pais vão sentir-se aliviados. As escolas estão fechadas desde os finais de Janeiro. Embora os jovens tenham continuado a estudar online, depararam-se com muitas dificuldades de ordem técnica. Por exemplo, como instalar certos programas, como lidar com falhas de rede e como lidar com alguns programas que só podem ser utilizados a nível local. Sem ultrapassar estes problemas, não podiam acompanhar o ensino online.

A concentração das crianças do 1º ciclo não é por natureza muito elevada, especialmente quando os professores só aparecem nos ecrãs dos computadores, o que claramente dificulta o estudo. Nesta fase, é muito difícil conseguir um ensino online bem sucedido sem o apoio dos pais. Enquanto os pais estiveram em casa puderam acompanhar os filhos, mas, após ter sido restabelecida a normal rotina de trabalho, é impossível manter este apoio. O anúncio do calendário da reabertura das escolas vai ajudar a aliviar a pressão a que os pais estiveram sujeitos, sobretudo aqueles que têm crianças mais pequenas. São sem dúvida boas notícias.

Olhando para este calendário salta-nos à vista o facto de prever uma reabertura faseada. O Governo decidiu que as escolas não iam reabrir todas ao mesmo tempo, mesmo depois de não se ter registado nenhum caso de infecção por coronavírus durante mais de um mês. A prioridade são os estudantes que preparam o ingresso nas Universidades; a seguir regressam os alunos do 10º e do 11º ano. Nesta altura, é muito importante que os estudantes do 12º ano estejam bem preparados de forma a não terem de ser colocados em Universidades fora do território. Desde que tudo continue a correr bem, e não haja mais nenhum surto na cidade, o resto dos alunos podem voltar à escola. Primeiro voltam os do 3º ciclo e depois os do 2º e do 1º ciclo. Estes procedimentos destinam-se a garantir a “segurança”. Os estudantes das escolas secundárias são mais velhos e mais maduros que os das escolas primárias. Se houver um problema, as escolas dos mais crescidos terão mais facilidade em lidar com a situação. Posto isto, estes preparativos são absolutamente razoáveis.

É evidente que a abertura das escolas é o primeiro passo. Mas existem ainda muitos outros problemas por resolver. Será que vai haver necessidade rever as matérias que foram dadas online, sobretudo por causa das dificuldades informáticas que os estudantes tiveram de enfrentar? Como é que vai ser feita a avaliação, os trabalhos que fizeram em casa vão contar para a média? Este ano vai haver um período normal de férias de Verão? Ou vai haver apenas uma breve interrupção nessa altura? Estas são questões que as escolas vão ter de resolver.

No anúncio da reabertura das escolas, as Universidades não foram mencionadas; mas não foi apontado nenhum motivo para esta decisão. Os estudantes universitários vêm de todo o mundo, China, Portugal, Filipinas, América, etc. Confrontados com os surtos de infecção em muitos países europeus, teremos de colocar os estudantes estrangeiros em quarentena quando regressarem a Macau? Será mais adequado manter os cursos a funcionar online? Os problemas que foram acima mencionados, relativos às escolas primárias e secundárias, também vão ocorrer nas Universidades. Sem um debate aprofundado de todas estas questões, será difícil anunciar a reabertura do ensino superior.

Não queremos que os finalistas continuem a adiar a sua graduação, nem eles vão desejar que o novo semestre, que começa em Setembro, continue a ser afectado por esta epidemia. A reabertura das escolas de todos os níveis de ensino é uma prioridade. Claro que compreendemos que este é um processo complexo que afecta os estudantes, os pais e os professores de Macau e que tem de ser tratado de forma cuidadosa.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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17 Mar 2020

Regressar ao futuro

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente, quem olhar para os jornais de Macau, encontra sobretudo notícias sobre a revitalização da economia e análises sobre os cupões electrónicos. Estas notícias ocupam as páginas dos jornais porque na cidade não aparece nenhum caso de infecção por coronavírus há cerca de um mês. Para já, a saúde da comunidade de Macau está garantida.

Isto significa que o perigo da doença já passou e que nos devemos concentrar nas medidas pós-epidémicas?
De momento, Hong Kong continua a ter novos casos e na China as infecções continuam a aumentar. O vírus chegou a outros países e a situação está particularmente grave na Coreia do Sul e em Itália. Podemos afirmar que o mundo está infectado com o coronavírus.

A actual situação de Macau pode ser descrita como uma reconvalescença em fase inicial. Está na altura de pensar na reactivação das dinâmicas sociais, como é o caso do regresso dos estudantes à escola.

Passaram duas semanas sobre o regresso dos funcionários públicos ao trabalho. A comunicação social tem encorajado a retoma da actividade comercial. A vida parece estar a voltar aos poucos ao normal e grupos de pessoas voltam a animar as ruas de Macau. O vírus é transmitido por partículas de secreções. Os infectados podem facilmente transmitir o vírus. Como não surgiu nenhum caso após o regresso ao trabalho, deduz-se que, por enquanto, não existem doentes em Macau. Como é sabido, este vírus tem um período de incubação e por isso as pessoas são postas de quarentena sempre que existem suspeitas de contágio. Como tal, após estas duas semanas de regresso ao trabalho sem registo de novos casos, podemos supor, que o risco de existirem pessoas contaminadas em Macau é baixo; como tal, é possível reabrir as escolas sem grandes preocupações. Embora esta não seja uma das principais prioridades em termos económicos, é importante que os estudantes regressem às suas actividades normais. Claro que nesta situação, todo o cuidado é pouco e os pais têm de estar seguros de que não estão a colocar os filhos em perigo.

Com o regresso dos estudantes, as escolas vão ter uma série de problemas para resolver. Enquanto os jovens estiveram em casa, muitas escolas optaram pelo ensino online, seguindo a política de “suspender as aulas, mas não suspender o estudo.” Foi sem dúvida um bom princípio. No entanto, os jovens que não têm computador, ou acesso à internet, não puderam beneficiar desta possibilidade. Como é que as escolas vão lidar com esta desigualdade? E em relação às férias de Verão, como é que se vão realizar este ano? Quando está na ordem do dia a revitalização da economia, vamos discutir algumas hipóteses que possam ser benéficas para todos.

Apoiar os comerciantes a ultrapassar as dificuldades causadas pelo encerramento dos negócios e revitalizar a economia é o primeiro passo, após o perigo de a epidemia ser ultrapassada. Segundo os dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos de Macau, o PIB em 2019 foi de 346.67 mil milhões de patacas, dos quais 25 mil milhões serão usados para revitalizar a economia, numa percentagem de cerca de 17.38%. A aplicação desta verba irá “sobreaquecer” a economia, ou irá produzir um crescimento moderado? É uma questão para ser colocada aos economistas. Os comerciantes de Macau precisam de saber aplicar os subsídios nos negócios e continuar a geri-los com uma melhor postura, “virada para o futuro”. É esperado que o volume de vendas do comércio local volte aos valores que se registavam antes da epidemia.

A ideia dos cupões electrónicos não pode ser implementada em todas as lojas porque algumas não possuem computadores em que o sistema possa ser instalado. Além disso algumas pesssoas não têm smartphones, nem computadores, ou não sabem fazer o registo no website da Autoridade Monetária de Macau, o que implica que esta matéria tem de ser trabalhada com maior profundidade. Os equipamentos têm de ser instalados o mais rapidamente possível e as pessoas precisam de ser ensinadas, caso contrário esta medida está destinada ao fracasso.

O vírus já se espalhou a nível global e já se registaram muitas mortes. Embora Macau se encontre no início de uma “reconvalescença”, não sabemos se o vírus não vai regressar. A atitude correcta é continuarmos a ter cuidado. O ideal é que surja uma vacina ou um tratamento mais eficaz. Caso esse cenário não esteja para breve, que medidas podem ser tomadas para já? Por exemplo, Macau deve considerar criar uma linha de produção de máscaras? Deve ser banido o consumo da carne de animais selvagens? Esta doença de ser considerada uma infecção de alto risco, e se for o caso, devemos notificar a China continental e Hong Kong?

Todos sabemos que as doenças são inevitáveis. Cada nova epidemia acarreta uma nova crise para a Humanidade, mas também nos ensina novos métodos de prevenção e faz-nos descobrir novos tratamentos; apenas com a aprendizagem através da experiência e com a evolução constante, podem os seres humanos ultrapassar as doenças e continuar a viver neste planeta.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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10 Mar 2020