Catarina Rodrigues, advogada e treinadora de saúde,“Não há dietas perfeitas”

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ente-se realizada tanto no tribunal como fora dele. Catarina Rodrigues é advogada mas também health coach, que em português se pode traduzir como treinadora de saúde. Depois de ter passado por um período de aumento de peso, durante o estágio de advocacia, Catarina Rodrigues resolveu aprender a comer e ensinar os outros a fazê-lo da melhor maneira possível.

“Comecei a interessar-me pelas dietas, a experimentar se funcionavam. E comecei a gostar das áreas da nutrição e bem-estar. A partir daí descobri o coaching, porque tive uma coach do Brasil e comecei a interessar-me mais por isso”, contou ao HM.

O interesse foi tal que Catarina Rodrigues tirou o curso no Institute of Integrative Nutrition, nos Estados Unidos. Mas a paixão pelas leis não esmoreceu.

“Hoje em dia a área do Direito que mais me interessa é a área dos dados pessoais, aliás recentemente tive a oportunidade de publicar a minha tese sobre dados pessoais. São duas carreiras que não se excluem e gosto de ambas.”

Catarina considera que em Macau não se come muito bem, muito por culpa da vida excedentária que se leva e da falta de opções mais saudáveis em restaurantes.

“Aqui há alguns excessos. A maioria das pessoas encontra-se para beber um cocktail e para comer, e muitos dos meus clientes têm essa batalha. É raro haver eventos relacionados com a saúde. Há alguns, ligados à maratona e aos trilhos, mas são coisas esporádicas”, apontou.

Num território onde o turismo é um dos principais sectores económicos, muitos hotéis disponibilizam buffets e não faltam restaurantes. Continuam, no entanto, a faltar opções para quem tem restrições a nível alimentar, como é o caso da intolerância ao glúten ou lactose.

“Nos Estados Unidos ou Portugal há imensos restaurantes que ajudam a que tenhamos um estilo de vida mais saudável, mas aqui não há muitas soluções. Há pouca diversidade e isso também é uma batalha para as pessoas que não podem ir a casa e têm de comer fora.”

Açúcar, esse mito

Este sábado Catarina Rodrigues vai dar uma palestra sobre um dos assuntos mais falados nas redes sociais e no mundo das dietas: o açúcar. Onde está o açúcar e até que ponto nos beneficia o consumo de adoçantes?

A treinadora de saúde não tem dúvidas em afirmar que “há muitos mitos relacionados com o consumo de açúcar”.

“Agora está muito em voga a substituição dos açucares pelos adoçantes, que se popularizaram. Mas os adoçantes, à excepção da stevia, que é natural, têm, na maior parte, efeitos adversos. E não há estudos conclusivos sobre os seus efeitos”, frisou.

Catarina Rodrigues não faz apenas um trabalho de nutricionista, mas ensina a pessoa a comer bem para sempre, sem cortes radicais ou enormes mudanças do estilo de vida.

“Faço um programa integrado, falamos de um assunto num todo. Nem só a nutrição tem um papel importante, mas também o stress e a felicidade na carreira vai influenciar o processo de emagrecimento. Muitas vezes é que por estes factores as pessoas não conseguem controlar a dieta. É por isso que se dá o nome de treinador de saúde”, explicou.

Não existem, portanto, “dietas perfeitas”. A internet está povoada de dietas com vários nomes, onde há um excesso de consumo de proteína ou uma redução dos hidratos de carbono, acusados de produzirem açúcar e aumentarem os números na balança.

Mas Catarina Rodrigues assegura que cada pessoa é diferente. “O grande problema é que todos os dias aparece nos meios de comunicação social uma nova dieta. Isto acontece porque as pessoas estão à procura de uma solução, ou pílula mágica, para emagrecerem e resolver os seus problemas.”

A influência familiar

Antes de se dedicar a compreender os efeitos dos alimentos em cada um de nós, Catarina Rodrigues decidiu ir para a área do Direito por influência familiar e por um episódio marcante na sua vida.

“O meu pai biológico faleceu, num acidente de viação, e na altura as pessoas responsáveis acabaram por não ser alvo de qualquer decisão judicial. Entretanto, o meu padrasto, a quem chamo de pai, é procurador e também trabalha em Macau. A minha mãe também trabalhava nos tribunais e eu fui crescendo naquele ambiente.”

Como advogada, Catarina Rodrigues também percebeu que poderia ajudar os outros. “Apaixonei-me um bocado pelos vários tipos de causas. Queria ajudar as pessoas a encontrarem uma resolução eficaz para os seus problemas.”

A advogada assume gostar das duas profissões que tem e não pretende abdicar de nenhuma.

“Vejo-me a contribuir para melhorar a vida das pessoas, nem que seja só de uma. Gostava de ajudar alguém a fazer melhores escolhas e a lidar com aquilo a que muitas vezes chamamos de forma emocional de comer”, concluiu.

22 Set 2017

Inês Vilhena, educadora de infância | Macau nas estrelas

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá há três anos no território. Inês Vilhena é educadora de infância e nunca pensou ser outra coisa. Apesar de não atribuir uma razão em concreto para a opção profissional, depois de reflectir um pouco surge uma possível explicação. “Se pensar bem, posso dizer que não tenho memórias muito boas do meu tempo de escola e, se calhar, isso teve alguma influência”, diz ao HM.

Para a educadora de infância é fundamental “conceber que as crianças são pessoas, que têm voz e que os seus direitos têm de ser salvaguardados”. “Se dizem que não, querem dizer isso mesmo, não. Se dizem que não querem comer é porque não querem. A mim ninguém me dá comida à boca se eu disser que não quero”, exemplifica.

Claro que Inês Vilhena admite que as crianças “ainda não sabem bem gerir aquilo que querem e precisam”, mas salienta que há formas de o fazer sem ser à força. “Há jogos em que se podem manipular tendo em conta as necessidades, sendo que não é por sermos mais velhos que temos mais direito sobre os outros”, acrescenta.

Vir e ficar

A vinda para Macau não foi uma novidade. Com o pai a viver cá há 11 anos, Inês Vilhena estava familiarizada com o território antes de surgir a oportunidade de cá trabalhar. “Vinha frequentemente e por vezes passava cá temporadas. Já tinha uma ideia do que era Macau. Não vinha para o desconhecido e não vinha para um colo vazio”, recorda.

No entanto, ter sido chamada para trabalhar no Jardim de Infância D. José da Costa Nunes acabou por ser um momento de surpresa. “Nos últimos meses de mestrado soube que o infantário estava a pedir educadores. Na altura ainda nem a tese tinha, para dizer a verdade, começado, e não me ia candidatar a um lugar e depois pudesse vir a não ter habilitações para o poder preencher. Não me candidatei”, recorda.

Mas “os astros alinharam-se”. Depois de terminada a tese em Julho, houve uma desistência nas contratações do infantário. Inês Vilhena foi seleccionada e, pouco mais de uma semana depois, estava de malas feitas a caminho de Macau.

Sempre achou que queria vir mas, no momento em que a realidade era essa, Inês Vilhena já não tinha tantas certezas. Veio. No entanto, vir por temporadas e estar a viver no território são coisas diferentes. Se até há sua chegada, há três anos, não tinha a noção das dinâmicas da terra, quando veio para ficar houve todo um conjunto de situações que emergiram. “Não tinha percepção nenhuma da comunidade portuguesa cá e o mesmo se passou com os vários grupos sociais que se constituem no território”, refere.

Entre comunidades

A educadora de infância teve de aprender uma série de códigos de conduta mais ou menos evidentes. “Tive de me adaptar a toda esta dinâmica e não é que seja difícil, mas fui começando a perceber o que já me tinham dito: por vezes tem de haver uma fluidez e cuidado com as palavras. Temos de ter cuidados com o que falamos, com quem e onde.”

Outra forma de se relacionar com as comunidades locais é no trabalho onde acompanha crianças portuguesas e chinesas. Relativamente a diferenças culturais, em idades tão pequeninas não há muitas a assinalar. O desafio inicial é sempre o mesmo: ganhar a confiança, o que é “universal”. As diferenças encontram-se em pequenas coisas. Entre aquelas que marcaram a educadora, a partilha de comida está em destaque. “Culturalmente achei mesmo muita piada ao facto de as crianças chinesas partilharem a comida. Estão numa mesa grande a lanchar, levantam-se e vão distribuir parte do que têm.”

A maior dificuldade continua a ser a língua. Inês Vilhena gostava de saber falar cantonês para melhor perceber os seus “meninos”. Já pensou em aprender, “mas a vida vai-se pondo no meio”. Acontecem sempre outras coisas a que se dá prioridade e a aprendizagem da língua vai ficando para depois.

O que mais lhe falta faz, deste lado do mundo, é “o mar e o cheiro”. Mas há formas de ultrapassar. “Macau não é um lugar com grande paisagem natural mas, por exemplo, em Coloane temos as montanhas e quando chegamos a Hac Sá cheira a mar e a árvores”, aponta satisfeita.

O território tem mais vantagens. A vida por cá acontece com outro tempo. “Sabe a mais e parece que vivemos muito num mesmo dia”, principalmente para quem tiver a sorte de conhecer de imediato a “suas pessoas”, as certas, que agora são a nova família.

17 Set 2017

Perfil | Cíntia Leite Martins, instrutora de fitness

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]eio para Macau com dois anos. Cresceu cá e por cá ficou. Cíntia Leite Martins é conhecida, entre outras coisas, pelas actividades solidárias que promove.
A vontade de ajudar os outros não é recente. “Cresci num ambiente cristão protestante e temos uma comunidade muito forte em que estamos sempre prontos a ajudar as pessoas”, começa por dizer ao HM. Por outro lado, Cíntia Leite Martins também frequentou desde pequena o “Berço da Esperança”. “A Marjory Vendramini, directora da instituição que acolhe crianças, era amiga da minha mãe e eu ia para lá brincar e ajudar”, recorda, sendo que, “no fundo estava sempre rodeada de pessoas que de alguma forma tinham mais dificuldades. O contacto com a caridade não se fica por aqui e com a vinda de missionários a Macau, Cíntia Leite Martins começou a ter um maior conhecimento do trabalho comunitário. “Acho que este amor pelos outros vem destes factores, e ajudar, é uma coisa que me satisfaz muito”.

Do útil ao agradável

Ao trabalho solidário que fazia por carolice, Cíntia Leite Martins juntou o negócio. Nasceu o Mana Vida, projecto que tem com o marido. “Foi uma espécie de resposta a uma série de solicitações”, diz.
“Como dava aulas numa escola internacional, sou de cá e os meus colegas sabiam que estava envolvida em várias accões de caridade, perguntavam-me onde é que, por exemplo, poderiam entregar roupas para dar ou prestar apoio a quem precisasse”. O Mana Vida veio fazer isso, servir como ponte de ajuda entre quem quer dar e quem precisa de receber. Apesar de ser um negócio ligado à boa forma, não se fica por aí.
“Não estamos só focados no fitness, mas queremos que as pessoas tenham hábitos alimentares e de fazer exercícios saudáveis ao mesmo e, ao mesmo tempo, possam ter o hábito de ajudar, porque isso é o que faz a comunidade crescer”, explica satisfeita.

O funcionamento é simples e alia os ganhos à distribuição de donativos. “Obviamente que como empresa temos lucro, mas parte desse lucro serve para ajudar instituições de carácter social em Macau”, reforça Cíntia Leite Martins.

Múltiplas funções

A agora instrutora de fitness, começou por ser designer. Na altura, enquanto andava a estudar na Escola Portuguesa, sempre esteve dividida entre as artes e o desporto que está no sangue da família. “Já jogava hóquei em patins, fiz parte de vários clubes femininos de futebol, aliás vim para Macau porque o meu pai era jogador de futebol profissional, o Pocho”, conta como se lhe fosse impossível escapar ao destino.
Acabou por se licenciar em design, mas o ensino foi uma opção que tomou passado pouco tempo. “Se queremos contribuir para a sociedade, o melhor mesmo é começar pela educação”. Foi assim começou por dar aulas ainda na área artística.
Este apoio aos mais novos é ainda hoje um aspecto que preocupa a instrutora.
Com as mudanças que tem vindo a assistir no território ao longo dos anos, as crianças estão sem espaços para brincar. “Esta não é a Macau que conheci e que estava habituada”, diz a instrutora relativamente às mudanças que tem assistido no território ao longo dos últimos anos. “Vi as mudanças que têm acontecido e as pessoas a afastarem-se. Antes, todos nos conhecíamos, mas agora isso já não acontece”, refere. “Mas o mais alarmante é a falta crescente de zonas verdes. As pessoas não têm onde ir ao ar livre e são zonas que ajudam muito no bem-estar de cada um, sendo que as crianças precisam de mais actividades extracurriculares, mas fora da escola e que não sejam académicas”, aponta Cíntia Leite Martins. Ao mesmo tempo recorda que “tinha onde brincar e onde jogar a bola, e agora os espaços desportivos são fechados ao público”. A solução passaria por abrir ao público este tipo de estruturas.
“Macau em muitos aspectos progride imenso, mas depois há faltas básicas”, lamenta.

8 Set 2017

Annie Wang, cantora e estudante | Animal de palco

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]queles que já a ouviram cantar nas jazz jam sessions no espaço Live Music Association (LMA) percebem que está ali um talento natural e uma presença forte que é revelada em palco. Fora dele, Annie Wang assume-se como mais introvertida, mais calada, “mas não demasiado”.

Estudante do departamento de inglês da Universidade de Macau (UM), Annie Wang recorre ao filme “Mr e Mrs. Smith”, protagonizado por Brad Pitt e Angelina Jolie, para se caracterizar em palco.

“Acho que tenho duas personalidades diferentes. Antes de vir para Macau trabalhei como cantora em part-time em bares, quando andava na escola secundária. No dia-a-dia era uma nerd, a carregar os livros e usava óculos. As aulas acabavam às nove da noite e aí punha a minha maquilhagem e ia cantar”, recorda-se.

Annie Wang não faz da música uma profissão, mas começou a cantar ainda antes de aprender as primeiras palavras. Os pais ajudaram-na e incentivaram o nascimento de uma paixão.

“Os meus pais gostam de cantar e quando era pequena cantavam muito comigo. O meu pai cantava uma canção e deixava sempre a ultima palavra da canção para eu cantar. É uma coisa de infância, que começou muito cedo.”

Os pais, professor de educação física, e a mãe, professora de música, também vão fazendo uma perninha como cantores. “Mas são pequenos concertos na nossa cidade”, adianta.

Se Annie começou a cantar ainda antes de falar, as primeiras experiências em palco aconteceram logo no jardim-de-infância.

“Claro que não cantei jazz”, ironiza. “Devo ter cantado algumas canções infantis, muito provavelmente. Tenho uma fotografia e tudo”, recorda.

Desde aí, Annie Wang nunca mais deixou os palcos de fora. “Cantar num palco é uma constante na minha vida. Aconteceu na escola primária. Desde que me lembro todos os anos tinha uma oportunidade de cantar.”

Mudança de mentalidade

A escolha de Macau para fazer os estudos superiores acabou por revelar-se uma agradável surpresa.

“Esta experiência tem sido muito boa. Estou de facto a adorar estudar na UM. Vim estudar para cá por causa dos cursos e dos professores, e quando cheguei aprendi muito com eles. De certa forma mudou a minha vida e a minha forma de pensar.”

No território também teve algumas experiências como cantora, sobretudo em sessões onde se canta de forma livre. “Não fiz concertos a sério”, assegura.

A cantora ouve jazz e todos os tipos de música. Num lugar onde a música ao vivo tem vindo a ganhar outro rumo, Annie Wang destaca o papel importante que o LMA tem tido.

Referindo-se às jazz jam sessions, que decorrem todos os domingos, a jovem estudante garante dar todo o apoio. “Pela minha experiência no LMA há muitos músicos talentosos. Não sabia que aquele lugar existia. Não é um espaço comum em Macau. Há uma certa vibe que é diferente e diversa face ao que existe.”

A cantora adianta que este tipo de concertos, com uma onda mais intimista, não são frequentes em muitas cidades chinesas.

“Não diria que é mais fácil ser cantora na China. Depende do quão queremos isso, do quão queremos subir na carreira. Há mais hipóteses de fazer jam sessions em Macau do que na China.”

Doutoramento na calha

Estando prestes a licenciar-se, Annie Wang não sabe ainda o que quer fazer em termos profissionais. Associar a música à investigação académica é um dos objectivos.

“Sempre cantei mas sempre estudei ao mesmo tempo. Neste momento estou a pensar em continuar os meus estudos e fazer um doutoramento. Nunca vou desistir de cantar, vou procurar algo mas continuar a cantar. Quero focar-me nesse trabalho de investigação que pretendo fazer.”

Ficar em Macau é uma possibilidade, mas a estudante não descarta experimentar outros destinos. “Tudo depende do que acontecer este ano. Vou licenciar-me para o ano que vem e este ano vou procurar outras oportunidades. Vou ver se dá para fazer um doutoramento num outro lugar”, remata.

1 Set 2017

Perfil | Ana Cristina Vilas, funcionária pública e responsável pelo “Dress a Girl Around the World Macau”

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]eio para Macau com os pais, ainda adolescente. “Estou em Macau há uma eternidade. Vim em 1981 com os meus pais na altura em que começaram a chegar muitas pessoas, e fui ficando”, recorda Ana Cristina Vilas.

Apesar de ter feito vida no território, esta não é a casa de Ana Cristina Vilas. Não é que tenha um lugar dela ou aquilo a que se possa chamar de lar. Para a funcionária pública, “hoje em dia quase todos somos cidadãos do mundo”. Nasceu em Moçambique, foi para Viseu onde frequentou um colégio interno e depois mudou para o local onde até hoje passa as suas férias, em Cascais. Se a vinda para o território era para ser temporária, um acidente alterou-lhe os planos. “Acabei por ficar cá, casei com uma pessoa da terra e tive um filho. Macau não é a minha terra, adoptei-a”, diz.

“Gosto de Macau mas não me sinto macaense, sou uma estrangeira que fala a língua. Tenho amigos de todas as culturas e não me sinto de lado nenhum”, aponta.

Trabalha na Função Pública, mas o que vai movendo Ana Cristina Vilas é outra coisa: a ajuda a quem mais precisa ocupa um lugar central neste momento da sua vida. É a responsável pelo projecto “Dress a Girl Around the World” em Macau desde Abril.

“Vi uma notícia de uma senhora já idosa que fazia um vestido por dia para crianças necessitadas em África e achei aquilo fantástico”, conta. O entusiasmo com que via esta pessoa a fazer este tipo de trabalho foi contagioso e, pouco tempo depois, encontrou o projecto internacional “Dress Girl Around the world”, que se dedica a confeccionar vestidos para crianças de países subdesenvolvidos e que vivem numa situação de pobreza.

A curiosidade aliou-se ao gosto que já tinha por fazer artesanato. “O bichinho começou a funcionar e sempre gostei de fazer coisas com as mãos. Costumo participar na Lusofonia com as minhas coisas, com o apoio da Casa de Portugal. Frequentei também formação em joalharia”, refere.

Da tomada de conhecimento do projecto a envolver-se na produção de vestidos para as crianças que mais precisam foi um trajecto rápido. “Numas férias em Portugal, fui a uma loja de Cascais onde nasceu o projecto e comecei a acompanhar o que faziam.”

Com a ajuda de amigas trouxe a ideia para o território. O primeiro evento, em Macau, foi a 4 de Abril deste ano. “Já temos cerca de 150 vestidos prontos, 24 calções e umas dezenas de cuecas, porque cada vestido é acompanhado com elas.” De Portugal chegam as etiquetas e os tecidos são ofertas de pessoas que querem dar uma ajuda.

As peças de roupa são produzidas, na sua maioria, durante os eventos. “As pessoas vão, temos tudo: as linhas e os tecidos cortados. É só lá chegar e coser, não é preciso ter grandes conhecimentos de costura”, explica Ana Cristina Vilas.

O trabalho conta com a ajuda de voluntárias que são normalmente entre dez a 15, e os eventos são marcados pela descontracção. “Há muito boa disposição e fazemos companhia umas às outras. É divertido e contam-se umas anedotas e experiências pessoais.”

A próxima iniciativa, ainda sem data marcada, promete mostrar um pouco do que tem sido feito. Entretanto, o destino da roupa já confeccionada ainda não é certo, mas já existe uma área definida. “Temos de os distribuir e quero fazê-lo na Ásia, porque está toda a gente a trabalhar para África”, adianta Ana Cristina Vilas.

“Temos muita pobreza nas Filipinas, no Camboja e no Vietname”, exemplifica. Chegar a estas comunidades parece não ser tarefa fácil pelo que está, neste momento, a procurar ajuda junto das missões religiosas. “Disseram-me que através da igreja era mais fácil chegar a estas zonas do globo. A primeira entrega quero ser eu própria a fazê-la. É um orgulho e cada vestido que corto enche-me a alma”, conta emocionada.

O trabalho na costura não se limita aos eventos do projecto “Dress a Girl Around the World”. Ana Cristina Vilas sai das Finanças e volta para casa onde tem um atelier preparado e põe as mãos na costura.

20 Ago 2017

Perfil | Rui Barbosa, engenheiro civil

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um número redondo. Dez anos é uma vida, até podem ser mais, dependendo do que se viveu e daquilo que fez. É o caso de Rui Barbosa, engenheiro civil, residente do território há uma década, comemorada este ano. Veio porque a namorada recebeu um convite de trabalho, a história clássica de muitos casais. Duas mãos cheias de anos depois, tem dois filhos, uma empresa e uma vida cheia. Pelo meio, ainda está o desporto. A voz que se empresta ao desporto.

Pelo início. Rui Barbosa nasceu em Lisboa, aventurou-se pela Engenharia Informática quando chegou a hora de entrar na universidade. Foi “uma experiência frustrada” que durou dois anos, até decidir fazer aquilo em que tinha pensado quando era “mais miúdo”. Troca uma engenharia por outra, sempre tinha gostado de matemática, de física e de desenho, e assim aconteceu um engenheiro civil.

Os primeiros anos de trabalho foram passados em Portugal. Macau foi um acontecimento de que não estava à espera, numa altura de contrastes: em 2007, a situação laboral portuguesa começava a degradar-se; por cá, multiplicavam-se estaleiros de obras. Rui Barbosa trabalhava com um empreiteiro e não estava contente com a situação.

“Falava-se da crise, mas muita gente não se apercebia. A construção acaba por ser um barómetro bastante importante para se perceber como está o estado da economia”, nota. Com a namorada de malas feitas a caminho de Macau, não hesitou e enviou um ou dois currículos. “Dois meses depois de ter vindo, estava a trabalhar.”

A adaptação não foi difícil, até porque não atribuiu um significado especial à ideia das “experiências”. “Vou em frente”, explica. Veio. Não chegou sozinho e vários amigos aterraram em Macau pouco tempo depois, o que ajudou à integração. “Foram dois ou três anos em que houve um grande boom de gente com 20 e muitos, 30 anos. Tivemos também a sorte de criar logo um grupo de pessoas que tinham chegado há pouco tempo e que estavam necessitadas de se sentirem enquadradas”, recorda.

Desses tempos, uma conclusão: “Macau é uma cidade onde é importante as pessoas não se fecharem. Se o fizerem, se ficarem em casa, se não tentarem criar amizades, pode ser complicado.”

Obras da casa

O arranque profissional em Macau aconteceu bem mas, passados dois anos, o engenheiro civil ouvia, de novo, uma palavra que conhecia bem: crise. No território, teve uma dimensão diferente daquela que conheceu em Portugal, mas o projecto em que estava a trabalhar foi suspenso. Corria o ano de 2009. “Estive algum tempo em projectos mais pequenos que não me satisfaziam tanto profissionalmente como aquele que agarrei quando vim para cá”, conta.

Entretanto, recebeu uma proposta. “Na altura, não como sócio, mas para alavancar uma empresa que estava na ideia de alguns investidores. Achei a ideia interessante.” Dois anos mais tarde, acabou por ficar a liderar o projecto. A KPM Project Management “tem sido a minha criança aqui em Macau, que vai crescendo com os passos que tem que crescer – às vezes devagarinho, às vezes um bocadinho mais”.

A “criança” profissional de Rui Barbosa vai procurando um posicionamento no mercado local. “Começámos muito mais virados para o ‘project management’, na área da construção. Depois começámos a abordar a parte do design, da arquitectura. Ultimamente, a KPM decidiu voltar um pouco às raízes, porque quando estive em Portugal estive sempre muito ligado à construção.”

Em termos concretos, a KPM faz, por exemplo, o design de um apartamento que precise de ser reformulado. Depois de conceber o projecto, trata também da obra, numa lógica de serviço individualizado. “A área onde estamos mais presentes acaba por ser a residencial e a corporate, os escritórios”, diz. Mas não só: “Ultimamente, estamos a tentar entrar mais na área do retalho, portanto, para outro tipo de clientes”.

Projectos e obras à parte, Rui Barbosa vai ainda tendo tempo para dar voz a comentários de programas desportivos. Foi mais um acaso, mais um resultado de se “atirar de cabeça para as coisas”. Um par de anos depois de ter chegado a Macau, um amigo convidou-o para para fazer comentários na televisão a um jogo de futebol. Foi uma experiência de madrugada, às três ou quatro da manhã, que correu bem.

Passou a ser uma presença mais ou menos assídua em jogos de Mundiais, Europeus, campeonatos italianos, espanhóis, e depois veio ainda o Grande Prémio. Sozinho ou acompanhado, a um microfone da TDM. Hoje em dia, já não acorda às duas da manhã com tanta frequência para fazer comentários a uma partida da Liga dos Campeões. “Agora com filhos é mais difícil, mas vou fazendo com prazer.”

13 Ago 2017

Perfil | Alexandra Ascenso, veterinária

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hegou a Macau há sete anos. A vinda para o território aconteceu através de um contacto de um colega de profissão que cá estava. “Estavam a pedir um médico veterinário para uma substituição devido a umas férias e vim por um período de três meses, com a possibilidade de alargar o contrato”, conta Alexandra Ascenso ao HM.

Agora, proprietária da sua clínica, a TaipaVet, a veterinária recorda que o caminho não foi fácil e que lhe pregou algumas partidas. Dos altos e baixos que tem encontrado, Alexandra Ascenso destaca, pela positiva, o tempo que trabalhou numa clínica chinesa.

As diferenças foram evidentes entre o trabalho efectuado em clínicas ocidentais e locais. “O ambiente na clínica chinesa era muito bom mesmo”, refere. “A maioria dos profissionais era de Taiwan e fiquei muito surpreendida, até porque encontrei um ambiente mais acolhedor do que o que tinha encontrado antes”, recorda.

Quando chegou a Macau, nem tudo foi simples e a adaptação entre colegas portugueses no território não correu da forma esperada. “Quando cheguei a Macau achei tudo muito fechado, havia muito poucas clínicas em termos veterinários e só conhecia os profissionais que trabalhavam comigo, sem que houvesse qualquer tipo de entreajuda”, lamenta.

Habituada a Portugal, onde tinha trabalhado antes, a jovem profissional estranhou, mas foi com o convívio local que “os horizontes se voltaram a abrir”.

Na parte técnica, os profissionais do território também não desapontaram. Independentemente de estar ou não de acordo com um ou outro procedimento, o profissionalismo é inquestionável. “Vinha com a ideia errada de que os médicos chineses são terríveis e, por regra, os veterinários têm uma boa formação”, comenta.

A abertura de uma clínica aconteceu quase por acaso, “porque surgiu a oportunidade”, aponta. “Não sou grande fã no que respeita a gestão e o meu lema era que se me fossem oferecidas boas condições de trabalho, não haveria necessidade de ter o meu negócio”.

Mas as circunstâncias foram diferentes. No local onde trabalhava existiam algumas particularidades que não iam de encontro ao que Alexandra Ascenso pretendia. “Os dias de férias, por exemplo, não me agradavam e para continuar em Macau, com qualidade de vida, precisava de fazer escolhas”, aponta.

Uma questão de medicina

Apesar de a ideia geral ser de que para se seguir veterinária a condição essencial será gostar de animais, Alexandra Ascenso não concorda e afirma que a realidade não é propriamente essa.

“O ideal é realmente gostar dos animais, mas há muitos veterinários, bons profissionais, que não gostam particularmente de bichos. Não são o típico ‘dog lover’ que muitas vezes vemos em voluntários de associações de protecção animal.”

Para Alexandra Ascenso, um veterinário é um médico, mas de animais e, como tal, “para ser bom profissional não tem de passar o dia a fazer festinhas aos animais e a derreter-se sempre que vê um cão ou um gato”. “Tem de se gostar de medicina”, vinca.

No seu caso, junta-se o útil ao agradável. Alexandra Ascenso sempre quis seguir medicina e “até gostava muito de animais”. A solução foi imediata e perfeita, até porque não se via a ter outro tipo de pacientes.

O facto de os bichos não falarem é o grande desafio. “Temos de trabalhar muito com o que diz o dono, mas também temos de aprender a ver sinais que nos levam a perceber o que se passa com o animal”, comenta.

É aqui que também existe alguma pedagogia: ensinar os donos a tratarem dos seus animais e a conhecê-los. “Noto que, na comunidade chinesa, há ainda clientes que não sabem muito bem o que é um cão e um gato – falo destas espécies porque são as que vemos com mais frequência. Têm o animal, mas não percebem as suas necessidades.”

Alexandra Ascenso dá exemplos: “Há situações de gatos dentro de casa, em jaulas, porque os donos ainda não sabem que os gatos podem andar livremente. Por outro lado, há cães de médio porte que ainda vão à rua de troller”.

No entanto, não deixa de sublinhar que, no território, as pessoas estão muito abertas ao que os veterinários dizem, o que faz com que seja fácil trabalhar em Macau.

4 Ago 2017

Perfil | Nelson Moura, jornalista

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceu no coração do Porto, na Sé, e desde pequeno que se interessa pelas notícias do mundo. “Todos os fins-de-semana ia com os meus pais à praia e, enquanto eles liam o jornal, eu lia as minhas bandas desenhadas”, recorda. Mas não ficava por aí. “Quando acabava as bandas desenhadas, os meus pais já tinham acabado os jornais e era altura de eu lhes pegar”, conta. A razão tem que ver com o facto de sempre ter gostado de ler, mesmo que não entendesse bem o que lia.

A formação numa área ligada à comunicação social era evidente. “Estudei Ciências da Comunicação na Universidade Católica de Braga. Acabei em 2011 e depois fiz um estágio profissional de seis meses na secção do Porto da revista Visão.” No entanto, o mercado de trabalho em Portugal não era o melhor e, de modo a abrir horizontes e procurar mais possibilidades, Nelson Moura foi fazer um curso de jornalismo internacional na London School of Journalism.

Não contente, prosseguiu com um mestrado na mesma área, em Cardiff, que foi fundamental na sua formação, diz. “Aprendi mais num ano neste mestrado do que nos três em Portugal”, aponta. A razão é simples: “Foi um curso muito prático com um leque de alunos muito internacional”.

Para Nelson Moura, as falhas que teve em Portugal deveram-se a circunstâncias específicas, até porque era um curso que ainda estava a ser consolidado naquela universidade. Por outro lado, os primeiros dois anos foram, na opinião do jornalista, muito teóricos. “Como escrever e como entrevistar, por exemplo, não eram áreas muito exploradas no ensino”, compara, sendo que em Inglaterra era enviado para a rua e tinha de se “desenrascar”.

A caminho do Oriente

O Oriente apareceu primeiro com Taiwan. Nos últimos meses de mestrado em Cardiff e com os colegas asiáticos teve conhecimento de um projecto do Ministério do Turismo de Taiwan. A ideia era escrever uma peça acerca da cultura daquela região. “Era um projecto de divulgação turística e tinha direito a uma bolsa. Fiz uma candidatura para escrever acerca dos aborígenes de Taiwan, um conjunto de tribos descendentes dos maori da Polinésia, que chegaram ali e se estabeleceram”, conta.

Foi uma altura muito rica culturalmente. “Viajei pelo país e fiz entrevistas a várias tribos que ainda existem. São pessoas que ainda têm uma grande proximidade com a terra e com o ambiente à sua volta. São atléticos. Diz-se mesmo por lá que os aborígenes podem ser comparados, se falarmos no Ocidente, aos descendentes africanos, que são os melhores em música e no desporto”, refere o jornalista.

Depois de terminado este projecto e porque gostou de viver em Taiwan, decidiu aprender a língua. Inscreveu-se na universidade em Taipé onde, durante um ano, esteve a aprender mandarim. No entanto, como a maior parte dos alunos eram estrangeiros, a comunicação acabava por ser toda em inglês.

“Por outro lado, as pessoas acabam por ter a tendência para se isolarem, com outros estrangeiros”, explica Nelson Moura. Por isso, e de modo a embrenhar-se na língua, mudou de estratégia e foi aprender mandarim para uma escola profissional que ensinava a língua a trabalhadores estrangeiros. “Eram só vietnamitas e japoneses que não sabiam falar inglês”, conta. Foi ali que acabou por aprender “muito mais chinês do que na universidade”. Foram dois anos para assimilar a cultura, a língua, o país. “É um país muito acolhedor”, recorda.

Macau, um lugar difícil

Depois dos estudos e de ter trabalhado como professor de Inglês, jornalista freelancer que “escrevia artigos de vária ordem” e sem conseguir visto de trabalho, decidiu mandar o portfólio para os vários jornais de Macau. “Acabei por ser chamado para onde estou agora, o que até calhou bem.” “O meu português está, há muito, bastante enferrujado na escrita, por isso ainda bem que estou a trabalhar em inglês, onde me sinto mais à vontade”, explica.

Está em Macau há cerca de um ano e a adaptação não foi fácil. “Macau é o oposto de Taiwan”, diz. “O território é muito fechado, com muito trânsito e não há para onde fugir. Em Taiwan, a meia hora da cidade, de comboio, conseguimos estar na praia ou na montanha, conseguimos estar no meio da natureza e aqui é impossível”, diz. “Macau é como uma panela de pressão”, metaforiza, tendo em conta os limites e a humidade.

As coisas foram, com o tempo, melhorando. Agora já sabe onde ir para relaxar e evitar as multidões. “Dantes gostava muito de ir ao templo que fica por detrás do Jardim de Camões. Era um lugar mágico. À noite está cheio de gatos e incenso, e era um dos poucos sítios em que me sentia bastante relaxado. Agora vivo mais perto de Coloane e o meu sítio de eleição é a praia de Cheoc Van porque atrai muito menos gente do que Hác-Sá”, remata o jornalista do Porto.

28 Jul 2017

Perfil | Sara Figueira, artista de maquilhagem e pintura corporal

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]as mãos de Sara Figueira saem verdadeiras obras de arte, mas aplicadas ao corpo humano. Com 30 anos de idade, Sara cresceu em Macau e desde cedo revelou uma paixão e uma apetência para a pintura facial e corporal, pensada para espectáculos e actividades com artistas de rua.

O trabalho que hoje desenvolve para diversas entidades ligadas ao mundo do entretenimento e do espectáculo começou quando era criança. “Em pequena observava a minha mãe, que sempre se maquilhou muitíssimo bem”, contou ao HM.

“Ela dava-me liberdade para experimentar algum batom, sombra ou rímel. A maquilhagem é um acto muito íntimo para a mulher, em que muitas vezes estás contigo própria e com a imagem reflectida no espelho. Uma mulher tem de dar atenção à sua imagem e à mensagem visual que quer transmitir”, apontou.

Quando era adolescente, os videoclips dos cantores pop que passavam na televisão passaram a ser não só uma fonte de inspiração como um fascínio.

“Por mera graça comecei a tentar reproduzir os vários estilos que via e a explorá-los. Porquê ficar só limitada ao batom e ao rímel? Porque não desenhar na cara e no corpo? A pele é o nosso maior órgão e é como se fosse uma tela, se quisermos podemos ser obras de arte.”

Das perguntas passou aos actos, e Sara Figueira decidiu fazer da maquilhagem a sua profissão. Foi esta área que estudou em Portugal, onde fez os estudos superiores.

“Aos 25 anos, devido a esta paixão pelo mundo da maquilhagem, decidi aprofundar os meus conhecimentos e tirei um curso de maquilhadora profissional na Make Up School em Portugal. Tive mestres excelentes que me ensinaram bastante e que me deram as ferramentas certas para progredir.”

Horas de pinturas

Sara Figueira pinta os rostos e os corpos de crianças e adultos, e os trabalhos que desenvolve têm diferentes graus de dificuldade. Ainda assim, todas mas maquilhagens “são estimulantes e puxam pela criatividade”.

“Cada pintura é um desafio. Normalmente, um trabalho de pintura corporal demora entre quatro a seis horas, por isso tenho de ser bastante persistente. Às vezes é preciso muita concentração, não só minha, mas também da pessoa que está a ser pintada, mas tenho sempre o foco de acabar tudo o mais rápido possível, para não atrasar a hora do início do espectáculo.”

Sara Figueira recorda os trabalhos que realizou para a ArtFusion Macau, apresentados no festival Fringe de 2015. “Foi um sucesso e foram trabalhos que foram muito bem fotografados, e ficam, por isso, eternizados.”

Macau, aquele oásis

Aos 16 anos, Sara Figueira fez as suas primeiras maquilhagens faciais para uma festa de aniversário. A viver em Macau na altura, tudo era diferente.

“Tenho recordações muito ternas e boas da minha juventude aqui”, recorda. “Vi Macau crescer desde 1995. Quando cheguei com a minha família fomos viver para a zona do NAPE, que era considerada uma zona fantasma.”

Lá, Sara Figueira podia dar-se ao luxo de andar de bicicleta por todo o lado, sem os constrangimentos do trânsito e das ruas cheias de pessoas que existem hoje.

“Da minha casa ao liceu eram cinco minutos. As rendas das casas, os transportes e a alimentação eram bem mais baratos”, recorda a artista, que assistiu a momentos icónicos do desenvolvimento do território, como a inauguração do Aeroporto Internacional de Macau e às cerimónias da transferência de soberania para a China.

A artista olha para o passado com algum saudosismo, mas admite que o presente era inevitável. “A cidade tinha necessariamente de evoluir. Foi perdendo coisas boas e más, mas também adquiriu coisas boas”, disse.

Sara Figueira pede que o território continue a apostar “o mais possível em iniciativas com artistas de rua, e trazê-los para os hotéis e escolas, para que possam criar novas identidades em Macau”. “O seu contributo artístico é importante para que mais turistas visitem a cidade”, rematou.

21 Jul 2017

Peter Bartusek, profissional dos sete ofícios | Homem do renascimento

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á pessoas que deambulam pelo mundo, quase como se vivessem ao sabor do vento. Peter Bartusek é um bom exemplo disso, o protótipo daquilo a que se convencionou chamar de um cidadão do mundo. Em poucos anos, o húngaro viveu em seis países, sempre com ocupações diferentes.

Há quatro anos chegou a Macau na sua primeira incursão asiática. O primeiro impacto foi perturbante para Peter Bartusek. “Na altura, vivia em França, nas montanhas, no meio do campo, e quando cá cheguei fiquei chocado, não gostei muito de Macau”, confessa. O abalo inicial foi como uma comoção. Habituado a ter campo de visão, Peter Bartusek sentiu uma enorme falta da natureza e de amplitude, de espaços abertos. “Achei a cidade claustrofóbica e poluída”, conta.

Aos poucos, essa sensação foi sendo atenuada, em especial com a ajuda das amizades que foi firmando. “Conheci pessoas muito boas, mas é claro que se demora sempre um pouco a desenvolver amizades e a ganhar confiança”, recorda.

Os primeiros contactos com locais, em particular chineses, foram complicados para o húngaro. O recém-chegado achou as pessoas rudes, com um trato duro, pouco polido. Uma primeira impressão que se foi alterando à medida que foi entendendo a cultura. “Normalmente não gosto de gritar com empregadas para conseguir chamar-lhes a atenção, não é assim que as coisas funcionam na Europa, mas foi algo a que me tive de habituar”, exemplifica.

Hoje em dia, Macau ainda o sujeita a altos e baixos constantes. Depois de se ter apercebido do panorama geral, de ter entendido a cidade, Peter Bartusek passou a gostar de Macau, com o tempo lá sucumbiu ao seu charme. Para já, confessa que não tem planos para sair, é algo que não está no seu horizonte. Ainda assim, se sair, o húngaro “gostava de ficar algures na Ásia”.

Multi-tasker

Chegou a Macau porque as oportunidades de emprego na Europa escasseavam, mesmo para uma pessoa que faz de tudo um pouco. Peter Bartusek, enquanto estudava Química na Hungria, trabalhou na construção civil. Terminado o curso, conseguiu emprego numa empresa farmacêutica, onde ficou um ano e meio. Depois disso, o acaso tomou conta da sua vida profissional e fê-lo percorrer a Europa.

Após uma conversa provocadora com um amigo, acabou por se mudar para a Grécia, onde trabalhou como fotógrafo. Em seguida foi viver para Inglaterra, onde foi empregado num centro de jardinagem e depois num centro de lavagem de automóveis. Voltou à Hungria, onde trabalhou em atendimento ao público num aeroporto a vender bilhetes de shuttle. Seguiu para mais uma temporada em Inglaterra, antes de viver seis meses em Oeiras. A passagem seguinte, antes de vir para Macau, foi em França. “Já fiz de tudo, acho que nunca fiz nada duas vezes, andei de trabalho em trabalho, de país em país.”

Em Macau faz de tudo um pouco, pinta apartamentos, faz reparações, trata de canalizações. É algo que gosta de fazer e que veio mesmo calhar, uma vez que em Macau escasseavam pessoas a fazer este tipo de trabalho que falassem inglês.

Na visão de Peter Bartusek, todas estas mudanças enriqueceram-lhe, em muito, a vida. “Acho que sou mais tolerante em relação a pessoas que são diferentes de mim, aprendi a adaptar-me a diversas situações em pouco tempo”, explica. O húngaro chegou, várias vezes, a terras que não conhecia sem ter um emprego, sem ter nada e a ter de arranjar formas de sobreviver. Sempre com o apoio de amigos, conhecendo pessoas e encontrando formas de trabalhar com elas.

Até que chega a Macau, onde o húngaro de 33 anos já vive há quatro anos e se sente em casa. Por cá, gosta de Coloane, de ficar próximo da natureza, mas também se deixou encantar “pela estranheza da cidade, onde há zonas que são o equivalente a viajar pela história”.

Outro dos destaques de Peter Bartusek são os pequenos restaurantes chineses, onde gosta de partilhar uma refeição com os amigos. Até nesse aspecto, Macau pode oferecer um pouco de aventura e uma sensação de entrar em território imprevisto, um pouco ao sabor da vida do húngaro. “Adoro as velhas tascas chinesas, onde é sempre divertido e desafiante pedir algo”, conta Peter Bartusek.

14 Jul 2017

Robby Kwok, empresário na área da educação: “Posso ser feliz em todo o lado”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] vida de Robby Kwok é a prova de que o destino pode mudar de um momento para o outro. Este empresário, que lidera um grupo de escolas que oferecem cursos profissionais, começou por ser um mau aluno, que só tinha boas notas a Educação Física. A ida para a Austrália mudou completamente a sua vida.

Quando era miúdo, tinha notas muito más. Só consegui passar a Educação Física. Então a minha mãe perguntou-me para onde é que queria ir, porque não podia ficar aqui sem fazer nada. Deu-me duas hipóteses: Japão ou Austrália, onde tinha familiares. Cheguei a aprender japonês, mas não conseguia falar, a língua foi muito complicada para mim. Achei o inglês mais fácil”, contou ao HM.

Na Austrália os seus horizontes expandiram-se totalmente, ao ponto de Robby Kwok ter ficado no país durante 12 anos, a trabalhar na área em que se formou, informática. Pelo meio, arranjou tempo para aprender taekwondo, que hoje ensina em Macau.

Robby Kwok assume que pode ser feliz em qualquer lado, seja em Macau, seja noutro lugar. Acorda de madrugada para correr, trabalhar, tocar saxofone numa banda e ainda fazer voluntariado todas as sextas-feiras.

Se a mãe não o tivesse enviado para o estrangeiro, o empresário talvez fosse hoje uma pessoa completamente diferente. “A Austrália mudou a minha visão e a minha vida mudou. Aqui há um maior controlo da família, um lado mais tradicional, mas eu compreendo isso. Tem o seu lado bom e mau. Os países ocidentais, o sistema e cultura, são, na sua maioria, bons. Por isso é que sempre quis implementar esse sistema em Macau, esses valores.”

Ideias de empreendedor

Robby Kwok deixou para trás a imagem de um aluno baldas, que não estuda, para se tornar, ele próprio, um educador. E garante que em Macau fazem falta cursos profissionais, mas não só. Falta também o seu reconhecimento e aceitação.

Em Macau há falta de cursos profissionais, cursos mais técnicos. Na Austrália, quem começa um curso técnico pode sempre ter acesso à universidade. Aqui as pessoas, as famílias, não compreendem os benefícios do ensino profissional. Lá um técnico é mais valorizado do que um médico, têm bons salários.”

Num lugar onde a memorização ainda é um método bastante utilizado no ensino, Robby Kwok prefere o sistema australiano, mais flexível, onde há tempo para tudo.

Não digo que o sistema chinês de ensino é mau, às vezes é bom. Há muito a prática da matemática e ajuda a organizar o pensamento, é sistemático, com muita disciplina. Na Austrália gostei mais, porque há mais flexibilidade, há tempo para estudar e para fazer outras coisas.”

Alunos são preguiçosos”

Robby Kwok viveu também 11 anos em Hong Kong. De regresso a Macau, o empresário na área da educação garante que nem tudo é mau no pequeno território. Defende que os alunos locais são preguiçosos, mas essa característica verifica-se menos do que se verificava há dez anos, quando trabalhar no Governo ou nos casinos eram passos mais naturais.

Na sua visão, os estudantes vindos da China obrigaram a uma maior competitividade e empenho. “São muito interessados, querem aprender mais e têm boas notas”, referiu.

Robby não esquece ainda os tempos conturbados que Macau viveu no final da década de 90. Já na Austrália, o então estudante recorda-se de ver imagens “terríveis” de conflitos entre seitas, que causavam o pânico e traziam insegurança nas vésperas da transferência de Administração.

Hoje, o território é bem mais seguro. Olhando para a região vizinha, de onde também é residente, Robby Kwok não quis deixar de comentar a postura dos activistas que têm lutado por um sistema mais democrático em Hong Kong, tal como Joshua Wong.

O que fizeram eles pela sociedade, por Hong Kong? Eu tenho o meu emprego, criei postos de trabalho. Penso que têm exagerado nas suas acções. Vivi 11 anos em Hong Kong e é uma das sociedades mais livres que conheço”, remata.

7 Jul 2017

Kerill Ezzy, instrutora de ioga | De Brisbane para Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] vida tem uma dinâmica cada vez menos linear. A australiana Kerill Ezzy é um bom exemplo disso mesmo. Chega a Macau como engenheira de som de espectáculos musicais para a apresentação de “Cats”, há cerca de 10 anos, e torna-se instrutora de ioga. Passados dois anos da primeira visita ao território voltou com a companhia que apresentou “The House of Dancing Water” e acabou por ficar por cá. Com um trabalho com características itinerantes, na altura, a engenheira de som sentiu a estranheza de trabalhar apenas num sítio. Porém, criar, construir um espectáculo e continuá-lo “foi uma experiência linda”, comenta.

Além disso, Macau, com o seu charme muito próprio, acabou por seduzir Kerill. Quando chegou, a cidade era muito mais calma do que é actualmente. Vivia-se a época da crise económica. “Quando, vim o City of Dreams tinha sido acabado de construir”, lembra.

Também o caldeirão cultural impressionou a australiana originária de Brisbane. Ao princípio, “a mistura de um povo asiático numa cidade com arquitectura portuguesa foi muito estranha para mim, porque sou australiana e não temos este grau profundo de diversidade”, conta. A herança resultante do cruzamento de culturas criou um grande impacto em Kerill Ezzy. “Foi tão bonito descobrir uma antiga colónia portuguesa com chineses, numa mistura que casa com tanta perfeição”, explica.

Entre o dia em que chegou e a actualidade, a australiana sente que uma das maiores diferenças é o evidente aumento do turismo, assim como da actividade ligada à indústria do jogo. Também o número de pessoas cresceu imenso, para dar resposta laboral às novas necessidades económicas.

Na opinião de Kerill, a era de confusão e crescimento económico não tiveram repercussão na capacidade dos seus habitantes para pararem e se encontrarem consigo próprios. “Acho que a introspecção e a reflexão aumentaram como resposta ao crescimento de Macau”, analisa.

No aspecto cultural, acha que ainda é cedo para medir as repercussões do boom da cidade. Uma coisa é certa, “os portugueses e os chineses continuam a ser os povos lindos que sempre foram”, conclui.

Zen na cidade

Hoje em dia, Kerill é instrutora de ioga, uma inversão que aconteceu por um acaso trazido pela sua antiga profissão. O ioga entra na sua vida devido aos problemas de costas provocados pelo trabalho como engenheira de som.

O ashtanga foi-lhe recomendado pela sua fisioterapeuta e foi uma surpresa para a australiana. “Era uma pessoa muito activa e a ideia de fazer ioga não era algo que me passasse pela cabeça”, conta.

Passados cinco anos de prática e na sequência da falta de professores, a australiana tornou-se instrutora. “Pensei que era a melhor forma de continuar a aprender, nomeadamente através dos meus alunos”, revela a instrutora, que falou ao HM numa pausa de formação que está a tirar na Tailândia.

Contrariando a impressão recorrente de que o ioga pode ser uma actividade rotineira, Kerill vê a sua dinâmica tendo em conta a maleabilidade do corpo humano. “Para quem olha de fora, o ashtanga parece ser sempre a mesma coisa mas, na realidade, o teu corpo muda, comes coisas diferentes, dormes de forma diferente, todos os dias são diferentes”. Esta evolução torna o ioga algo fascinante de se trabalhar, na óptica da australiana.

A instrutora encontra sempre algo na cidade locais que merecem atenção. “Há pequenas bolsas em Macau muito giras”, comenta. Por isso gosta de passar tempo nos pequenos cafés. Nesse aspecto, destaca o Macau Soul pelo belíssimo vinho português e fotografias antigas da cidade.

Outro dos lugares de eleição da instrutora de ioga é o Jardim Luís de Camões, que “tem uma energia especial”. É um sítio onde gosta de estar, onde se sente bem a partilhar o espaço com os iodos que por lá ficam o dia inteiro a praticar tai chi, a meditar, ou simplesmente a conviver. “Há ali um sentido comunitário muito forte e uma grande tranquilidade apesar de se estar mesmo no coração da cidade”.

2 Jul 2017

Kane Ao Ieong, cantor | Cidadão Kane

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]eguir uma fantasia e concretizá-la é algo que não está ao alcance de todos. Kane Ao Ieong é uma das pessoas que leva exactamente a vida com que sonhou desde que era miúdo. “Quando estudava na escola secundária queria muito ser cantor”, lembra o jovem de 23 anos. Para concretizar a aspiração que tinha desde tenra idade, o artista local começou a participar em vários concursos de canto e a habituar-se a pisar o palco.

Mas a paixão pela música era uma evidência bem antes de se atrever a subir a um palco ou a entrar em competições de canto. O pai de Kane Ao Ieong trabalhava junto de um local com karaoke. Portanto, a visão de pessoas a pegar no microfone a lançar-se em versão de canções populares foi algo que sempre esteve presente no quotidiano do jovem. Passou a ser uma ocupação de tempos livres, sempre que podia insistia com a família para o levarem a cantar no karaoke. O hábito rapidamente tornou-se paixão, com uma forte tendência a transformar-se num modo de vida. Para dar forma a este sonho, o jovem decidiu que, para levar as coisas mais a sério, teria de ter aulas de canto, uma condição essencial à evolução que projectava.

Através dos concursos de canto em que entrou em Macau, foi conhecendo mais cantores e artistas locais, pessoas com aspirações e sonhos semelhantes.

Hoje em dia, Kane Ao Ieong é cantor a tempo inteiro e o seu projecto musical levou-o a assinar contrato com a editora Easy Music. As sonoridades nas quais se gosta de expressar são muito assentes no R&B e nas influências da pop da Coreia do Sul. O jovem de Macau ainda se dedica à representação e à música clássica e, numa perspectiva mais contemporânea, anima festas como MC.

À medida que a sua carreira avança, Kane enfrenta “o stress da necessidade de ter de evoluir e chegar a palcos maiores”. O artista considera que Macau é uma terra com grande margem de crescimento no que toca às artes de palco, mas é difícil furar e chegar a mais gente.

Até bem recentemente achava que havia poucas oportunidades para os cantores locais encontrarem o seu espaço num panorama musical muito pequeno. Nesse aspecto, Kane é da opinião que “o desenvolvimento do sector da música em Macau é muito limitado, funciona de uma forma muito lenta”.

Ainda assim, o jovem cantor está contente porque sente que cada vez mais a população da cidade aprecia as vozes dos artistas locais. Apesar de a abertura ser progressiva, os projectos musicais de Macau começam a ter público.

Aula coreana

Numa tentativa de acrescentar algo às suas performances, Kane Ao Ieong fez-se à estrada e partiu para a Coreia do Sul para estudar canto e dança. O artista considera que os coreanos estão no caminho certo no que à música pop asiática diz respeito. “Nos últimos tempos o público de Macau, Hong Kong e Taiwan, virou-se para a música coreana”, revela.

No entendimento do cantor, este fenómeno de popularidade deve-se ao profissionalismo da produção musical da Coreia do Sul, que exporta artistas e bandas de grande qualidade. “O meu objectivo é cantar cada vez melhor, juntar a dança à minha música e trazer o que há de bom da pop da Coreia do Sul para Macau”, projecta Kane.

Os tempos que passou em solo sul coreano fizeram-no enfrentar carências de interpretação que tinha, além de o terem despertado para o papel da dança num contexto pop. A experiência foi tão enriquecedora que o jovem de Macau pondera visitar outro país com a finalidade de ir buscar influências exteriores e evoluir como performer.

Um dos frutos da sua passagem pela Coreia do Sul é a colaboração que tem na forja com uma rapper coreana que espera que venha a acrescentar algo novo no contexto do panorama musical de Macau. Kane Ao Ieong vê neste projecto uma oportunidade para colocar cá fora tudo o que aprendeu na formação que teve e dar um novo rumo à música que tem vindo a fazer. Ou seja, dar ritmo às melodias mais lentas e emocionais que têm dominado o seu repertório.

O resultado desta coligação musical deve estar concluído ainda este ano e será um novo passo na carreira de Kane Ao Ieong.

23 Jun 2017

André Silvério, engenheiro mecânico: “A Ásia é uma surpresa”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lfacinha, André Silvério está em Macau porque o destino quis. Uma vinda para a Ásia estaria fora de questão há cerca de dois anos, altura em que foi colocado no território dentro do programa de estágios Inov-Jovem.

Na altura, a terminar a tese de mestrado na área da termodinâmica e a pensar no envio dos primeiros currículos para encontrar emprego, André Silvério não equacionava uma vinda para Macau. “Nunca me passou pela cabeça vir para aqui”, diz. “Aliás, quando estava a fazer a entrevista para integrar o programa foi-me perguntado se havia algum local para onde não quisesse ir, ao que respondei que sim: a Ásia.”

Quando André Silvério soube da sua sorte, pensou de imediato na distância, ao mesmo tempo que se interrogava acerca das diferenças que poderia encontrar. Os receios que tinha relativamente a uma vinda para o continente asiático tinham que ver com “possíveis dificuldades de integração, porque são países muito diferentes”.

No entanto, a vinda para o território acabou por não ser difícil. “Não estava à espera de encontrar tantas pessoas da comunidade portuguesa”, sendo que, a identificação com quem cá estava proporcionou, desde o início, algum “conforto” ao engenheiro.

Foram seis meses de estágio, uma estreia na vida profissional que “correu muito bem”. O facto de ter estado numa empresa também portuguesa poderá ter ajudado, considera, e “a experiência acabou por ser incrível”.

Mas as diferenças também se sentiram. “Os cheiros, principalmente da comida” são ainda recordados apesar de, com o tempo, já não serem sentidos.

Saiu de Macau no final do estágio. Foi embora com agrado, porque “queria mesmo regressar a Portugal”, mas considerava que “talvez um dia ainda voltasse”. E assim foi. Depois de quatro meses à procura de emprego em Lisboa, sem respostas, apareceu a proposta de regresso ao território. Não hesitou.

A trabalhar na construção de um dos novos casinos, André Silvério afirma estar satisfeito: “Estou a trabalhar num projecto fantástico com uma dimensão muito grande o que me faz sentir que, sem dúvida, fiz a melhor opção.”

Macau, uma nova casa

De lugar distante, Macau é agora uma casa. A constatação foi feita recentemente quando, “ao regressar de Portugal, senti que estava a voltar para casa, o que nunca tinha sentido”.

No entanto, as ofertas do território podiam ser mais e melhores. “Tenho muita pena de não poder fazer coisas que faria noutros lugares. Tenho pena de não poder fazer mergulho e de não poder pegar num carro e fazer cem quilómetros para qualquer lado”, ilustra.

Ao recordar a prática de mergulho, André Silvério não deixa de explicar a escolha do hobby que aqui não é possível. “Mergulhar é estar num mundo completamente diferente onde as preocupações desaparecem. Não sei o que é ser astronauta, mas penso que será algo semelhante, aliás, penso que os mergulhadores são as pessoas que não podem ser astronautas”, refere.

Macau é um lugar pequeno e, como tal, as opções dadas aos que cá vivem acabam também por ser reduzidas. “Acabamos por ir sempre aos mesmos sítios. Até podemos tentar variar, mas o ambiente continua a ser muito o mesmo”, diz.

A possibilidade de viajar pelo continente é, no entanto, uma das grandes vantagens de viver no território. Para quem tinha a Ásia como um destino não desejado, as viagens de André Silvério têm mudado, em muito, a sua opinião. Depois de passar pela Indonésia e pela Tailândia, por exemplo, o continente passou a ser “mágico”. “Há aqui qualquer coisa que surpreende”, diz, sem conseguir definir ao certo o que é.

Uma logística complicada

O desenvolvimento do território não passa despercebido ao engenheiro. André Silvério considera que, se por um lado é positivo até pelas oportunidades de emprego que cria, por outro pode trazer alguns problemas à região. “Lembro-me de que, quando regressei a Macau, voltei para a mesma casa e o que vi à minha frente foi um boom enorme no que respeita à construção.”

Este crescimento é encarado pelo engenheiro com algumas reticências, nomeadamente no que respeita à logística que implica. “Acho que vai ser difícil lidar não só com o desenvolvimento local, mas também com toda a transformação que está a acontecer aqui à volta do Rio Das Pérolas e que inclui as regiões vizinhas.” As obras que lhes estão associadas implicam, considera, um movimento de pessoas, tanto locais como de fora, que “envolve uma logística que nem sempre é fácil”.

16 Jun 2017

José das Neves, designer gráfico | Um macaense de gema

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ascido e criado em Macau, José das Neves é a representação da mistura de culturas que o território sempre testemunhou. O seu pai é um macaense de primeira geração, fruto do amor entre um militar português e uma chinesa, enquanto a mãe é uma portuguesa de Moçambique.

Mais conhecido pelos amigos como “Chefe”, José viveu em Macau até aos 13 anos. Recorda que durante a sua infância a cidade “era muito calminha, com muitas actividades de lazer” para as crianças.

Viviam-se tempos tranquilos, em muitos aspectos antagónicos com a actualidade. Mesmo na escola, os jovens tinham mais espaço para desenvolverem a sua personalidade, para assumirem as suas diferenças. “Havia uma maior liberdade individual em relação aos dias de hoje, algo que gostava muito que o meu filho experimentasse”, revela. José gostava desse período, em que não havia a obrigatoriedade de usar farda, em que ele e os seus colegas vestiam o que lhe apetecia para ir para as aulas.

Nos tempos livres, dedicava-se ao basquetebol e ao futebol, passando os dias a jogar, até que a música electrónica entrou de rompante na sua vida, inspirando José a tornar-se DJ durante vários anos.

Entretanto, após os 13 anos, a vida do macaense tornou-se agitada num constante vai e vem entre Macau e Lisboa, vivendo um ano em Portugal e outro cá até aos 18 anos. Foi uma grande mudança para José, um mundo novo se abriu. “Lisboa era uma cidade em que se passavam muitas mais coisas, uma capital, havia sempre o que fazer”, recorda. Foram tempos de crescimento para o macaense. Experimentou pela primeira vez viver sozinho, fora da alçada protectora dos pais. “Aprendi muito mais sobre a vida nesse período do que em todos os anos que passei em Macau”, conta.

Amiúde regressava à Ásia, e antes de voltar de vez, ainda viveu um ano em Inglaterra. Mas o bom filho à casa torna, com 23 anos feitos e muito mundo na bagagem.

Barreira invisível

As deambulações europeias de José abriram-lhe horizontes que não se limitaram à geografia. Em Portugal desenvolveu as suas capacidades na língua portuguesa que, antes das viagens, estava para lá de enferrujada, facto que tinha contornos sociais.

Quando era jovem “havia muitos grupinhos e era preciso ter um domínio bom da língua portuguesa para entrar”. José conta que após o seu regresso, já a falar melhor português, o seu círculo de amigos mudou completamente.

O designer gráfico recorda que nos anos 1990 havia uma espécie de barreira invisível entre portugueses e macaenses, “havia um certo elitismo e colonialismo também, mas isso foi desaparecendo gradualmente”. José diz que hoje em dia não se vê nada disso, facto que considera uma das coisas mais positivas em relação ao passado.

A transferência de administração foi marcante e trouxe momentos algo bizarros na vida do designer gráfico. “Foi um período extremamente estranho, muitos dos meus amigos, de repente, foram embora, parecia que a cidade tinha ficado vazia”, recorda.

José explica que sentiu uma espécie de vácuo durante esse período e o tédio aumentou consideravelmente. Algo que foi passageiro e que reverteu completamente assim que as pessoas começaram a voltar.

Hoje em dia, nota uma enorme perda de qualidade de vida para quem reside no território. “Antes da liberalização do jogo, Macau era uma cidade muito artística, quase toda a gente tinha um piano em casa”, relata o designer gráfico.

Apesar do crescimento económico, dos empregos e salários, José considera que a riqueza em Macau é muito mal distribuída. “Temos todo o dinheiro que é preciso para começar muitos programas – educação gratuita, ensino superior gratuito, saúde e transportes públicos gratuitos”, elabora o macaense.

Com um forte cariz socialista, José acha que a cidade podia fazer melhor em proporcionar uma vida confortável aos seus cidadãos.

Em termos de vida, José das Neves considera que Macau pode ser uma cidade claustrofóbica, que o impele a partir. “De tempos a tempos, sinto uma vontade descontrolada de sair daqui, nem que seja para Hong Kong, é completamente necessário.”

9 Jun 2017

Miguel Canuto, técnico de equipamentos electrónicos de vigilância | Testemunho histórico

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão raras as pessoas que se misturam, inadvertidamente, com a história de uma cidade, mas Miguel Canuto é uma delas. Chega a Macau, em circunstâncias trágicas, em pleno Motim 1-2-3, é pai da última menina portuguesa nascida antes da transição e assiste à primeira sessão plenária da Assembleia Legislativa depois da transferência.

No fundo, Miguel é a Macau dos últimos 50 anos, nascido de uma mistura de culturas, tal como a cidade onde mora. Filho de mãe macaense, com avó materna chinesa e avô mexicano, e pai português com uma costela inglesa, é a personificação da cidade multicultural onde vive há mais de 20 anos.

Nascido em Díli, fruto da incerteza geográfica de ter um pai militar em comissão no antigo Ultramar, cedo conheceu Macau, pelas piores razões. Na sequência da morte do pai em solo indonésio da ilha de Timor, vê-se na iminência de partir para Macau, terra da sua mãe. Tinha, na altura, dois anos e o Motim 1-2-3 tinha acabado de rebentar. Foi a primeira vez que tropeçou na história do território. Esteve por cá pouco tempo, e foi para Portugal com a mãe e os irmãos.

Passados 30 anos retorna a Macau. “Foi um regresso às origens, embora em Portugal tivéssemos muitas visitas de familiares chineses”, revela Miguel, que sentiu alguma nostalgia na altura de voltar a pisar o solo de Macau.

Estabeleceu raízes por cá e teve o seu segundo rebento em Macau, a filha Rita, que nasce envolta em simbolismo, uma vez que foi a última menina portuguesa a nascer no território antes da transferência de Administração. “Para a minha mãe foi o fechar de um ciclo ver a neta nascer em Macau”, conta.

Passados oito dias, Miguel assiste à primeira sessão plenária da Assembleia Legislativa, depois da transferência de Administração, onde trabalhava na altura. Corria o dia 19 de Dezembro de 1999. “Foi uma sessão histórica, votaram-se os princípios básicos e lembro-me bem do nervosismo de alguns deputados”, recorda Miguel. “Sentia-se uma alegria natural, as pessoas estavam felizes e foi algo que também me contagiou, foi memorável, algo de que nunca me vou esquecer.”

Legado de cultura

Miguel, que assistiu ao desenvolvimento de Macau desde a década de 1990, é um homem que gosta de pensar no passado da cidade. Identifica dois momentos de grande impulso em Macau. Primeiro quando “Stanley Ho vai a Portugal e promete a Salazar que, caso a concessão do jogo lhe seja dada a ele, investe o dinheiro em Macau”, promessa que é cumprida, e depois, mais tarde, a liberalização do jogo.

Além da biologia que se nota na fisionomia dos macaenses, Miguel Canuto vê o verdadeiro legado português na cultura e na língua. Aliás, uma das riquezas que reconhece em Macau são as pessoas que conheceu na comunidade macaense e o convívio com gentes de outras culturas. Outra das oferendas é a própria cidade. “Gosto muito de me perder por cá e, às vezes, faço de propósito por isso”, conta.

“Em Macau estamos sempre a conhecer coisas novas, podemos cá estar uma vida inteira e temos sempre coisas para apreender, é uma questão de saber procurar”, revela.

Quanto mais tempo passa por cá, mais compreende que vive num local com uma cultura vastíssima. “Uma só vida não dá para assimilar tudo o que a China tem”, contabiliza o português. Aliás, Miguel Canuto vê um paralelismo entre os vários povos do Interior da China e os povos do Interior de Portugal, que são “pessoas muito curiosas, ao princípio, mas depois muito afáveis se as tratarmos com educação”.

No entanto, Miguel gostaria de ver um aspecto melhorar em Macau: a forma como os jovens que vão para fora estudar são tratados pela cidade. “Isto é uma crítica construtiva, mas há que criar condições para chamar de regresso os jovens e não perder essa mais-valia”, explica. No entender de Miguel Canuto, grande parte da riqueza de Macau não se esgota nos casinos, mas estende-se às suas gentes. Como tal, gostaria de ver formados quadros que saíssem fora do âmbito do funcionalismo público, da advocacia e das profissões relacionadas com a construção civil.

“Precisamos de bons arqueólogos, historiadores, investigadores em química, farmácia, biologia, assim como bons escritores e pessoas do mundo do espectáculo”, aponta Miguel Canuto, um homem que sabe ler a cidade e que, de certa forma, a personifica.

2 Jun 2017

Nuno Graça, arquitecto | Das casas ao baixo

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]em 36 anos e é natural de Vila do Conde. Nuno Graça está em Macau há quase um ano na sequência de um convite de trabalho. “Não podia recusar”, diz ao HM. A razão, apontou, foi sobretudo a dificuldade de emprego em Portugal, principalmente no ramo da construção.

A chegada a Macau foi sentida como abrupta e sem tempo para pensar muito. “Cheguei num dia à noite e, no dia seguinte pela manhã, estava a trabalhar”, explica o arquitecto.

Apesar de já ter trabalhado em vários pontos do mundo, a vinda para Macau não tinha sido equacionada.

Para o arquitecto, “Macau é muito diferente, parece um microcosmos”. É uma zona marcada pelo contraste. “Tanto há o tradicional, como o moderno. O luxo dos casinos contrapõe-se à simplicidade, principalmente das pessoas.”

Foi esta simplicidade que “mais chocou e agradou ao mesmo tempo”. Do convívio com os “novos” amigos, Nuno Graça não esquece quem o tem ajudado a passar pelos momentos menos felizes. Com uma filha de quatro anos, “a distância não está a ser fácil”. No entanto, o território continua a ser visto como um lugar com futuro e que confere ao arquitecto alguma segurança.

Por outro lado “Macau não pára”. Para Nuno Graça, o movimento trazido até pelo próprio jogo faz com que exista uma vida permanente, dia e noite. É também uma cidade segura e um dos passatempos do arquitecto é perder-se pelo território. “Apanho um autocarro e vou por aí”, diz.

Por gosto

A opção pela arquitectura aconteceu naturalmente. É arquitecto porque gosta. “Quando era miúdo toda a gente me dizia que desenhava bem e, por isso, iria ser arquitecto. Pensava que ser arquitecto era desenhar casas e fui. Apercebi-me depois que é mais do que isso: ser arquitecto é também ter consciência social”, explica.

Nuno Graça já passou por vários campos da arquitectura, mas não tem preferências de área. A carreira tem-se desenvolvido naturalmente. “Deixo as coisas andar e esta forma de estar tem acabado por me levar a sítios interessantes”, refere.

“Quando acabei o curso estive a trabalhar em Nova Iorque, por exemplo. Quando regressei fui trabalhar com o Siza Vieira. Quando saí do Siza fui para um gabinete e mais tarde, segui para Angola. Agora estou cá”, elenca Nuno Graça.

As experiências foram muitos diferentes. Nos Estado Unidos fez aeroportos, em Portugal casas. A passagem por Angola não lhe sai da memória: “Do trabalho fazia parte a visita às terras do fim do mundo, as aldeias que ficam perto da fronteira com a Namíbia e em que me vi numa realidade muito diferente”, comenta.

Já Macau é o mundo dos casinos, mas não só. “O território tem sido um centro de misturas culturais e esse aspecto reflecte-se muito no planeamento urbanístico. No entanto, penso que a zona dos casinos é a que tem a atenção desse planeamento, enquanto o resto do território parece estar esquecido”, afirma.

Mas foi a experiência com Siza Vieira que marcou um ponto de viragem, mesmo na forma de encarar a própria profissão. “Eu nem gostava muito do trabalho do Siza, era a escola do Porto, toda a gente tomava como referência e eu questionava as razões de ninguém fazer diferente”, confessa. Mas a opinião foi mudando. “Comecei a estudar mais e a trabalhar com ele e cheguei à conclusão de que, se calhar, não valia a pena fazer diferente. Comecei a achar que a caixa branca tinha muito mais conteúdo do que aquilo em que estava a pensar e que não tinha sido ainda totalmente explorada.”

Do arquitecto Siza Vieira guarda também o exemplo. “É um senhor que nasceu em 1933, continua a ser o primeiro a chegar e o último a sair do escritório, e penso que isso só mostra a dedicação que tem à própria arquitectura”, diz.

Além da profissão, Nuno Graça tem outro gosto especial: o baixo. “Toco baixo muito alto”, brinca. O gosto veio de casa, porque o pai também toca, e considera que se trata de um instrumento especial. “É, ao mesmo tempo, bateria e guitarra. É o instrumento que, no fundo, faz vibrar tudo.”

26 Mai 2017

Carla Rego Lopes, funcionária bancária | Ser daqui e não ser

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acaense com ascendência portuguesa, chinesa e “desconhecida”. É assim que Carla Rego Lopes começa por se apresentar. Nascida e criada em Macau, desde pequena que vai com regularidade a Portugal. “A primeira vez tinha eu quatro anos”, recorda. Da infância não tem muitas memórias, a vida era simples e, talvez, pouco entusiasmante. “Andava no colégio inglês, a minha vida era ir para a escola, depois das aulas seguia para as explicações e depois ia para casa”, resume. “Não era de todo interessante.”

Talvez por isso considere Macau como um lugar “com pouco interesse”. O percurso da juventude foi comum: “Fiz o trajecto normal de quem frequenta a Escola Portuguesa. Acabei o ensino secundário, fiz as malas para ir para Portugal tirar o curso superior”, afirma.

A opção foi Gestão. Era “do mal, o menos”. “Não tinha jeito nenhum para as letras, apesar de ser boa a apanhar línguas estrangeiras, mas não se vive disso. Por outro lado, não tinha grande aptidão para ciências, como a física e a química, pelo que acabei por optar por uma ciência social.” 

Terminado o curso, não pensava em regressar ao território, mas a vida dá muitas voltas. Numa altura em que os empregos em Portugal já não eram certos, cansada de trabalhar em pequenas empresas e de contar tostões, optou por tentar a sorte “noutro tipo de entidades”. Acabou por entrar numa instituição bancária onde ficou 11 anos, até a crise ditar novas mudanças. Depois de quase um ano no fundo de desemprego, aproveitou uma viagem do pai a Portugal e regressou com ele ao território. 

Voltar para Macau foi sentido como “uma coisa que tinha de fazer” para ultrapassar a ausência de emprego. Não foi desejado, mas “não está a correr mal”, afirma.

No entanto, no que respeita à vida do quotidiano, Carla Lopes considera que o território mantém as características que sempre considerou negativas e que “não mudou muito”. “Há uma mentalidade ainda muito fechada. Há várias comunidades distintas que não se juntam: os portugueses, os macaenses, os chineses do Continente e os estrangeiros”, aponta. “É tudo muito segmentado.” Por outro lado, considera que a comunidade macaense continua a ser muito fechada, apesar de a sua própria natureza implicar uma troca cultural.

Considera-se sempre dividida. “Eu faço e não faço parte da comunidade macaense. Não me identifico. Se calhar identifico-me mais com a portuguesa”, diz. A razão, aponta é que “os macaenses ainda têm muito a ideia de que eles são portugueses e nós somos daqui”. Um pensamento muito territorial, sublinha, que é o reflexo de uma herança dos tempos da Administração portuguesa. “Na altura os macaenses não tinham lugar nos cargos públicos de maior relevo”, justifica.

Viajar para arejar

O regresso a Macau aconteceu há quatro anos. Para desanuviar, dedica-se às viagens. A paixão é antiga e agora representa “uma forma de sair daqui”. Macau é um sítio privilegiado para viajar, “está próximo de vários países e as viagens acabam por ficar relativamente baratas”. Este lado do mundo também é muito diverso no que respeita a opções. “Há o Japão, por exemplo, e depois o Sudeste Asiático com uma cultura e uma dinâmica completamente diferentes”, diz. A China Continental não está nas prioridades, mas coloca a hipótese de visitar Xangai, “talvez por ser uma cidade mais cosmopolita”. 

Carla Rego Lopes assistiu também, de perto, ao desenvolvimento de Macau. Actualmente, refere, “estamos perante um boom insustentável”. “Teoricamente deveria ser impossível o que se está a passar no território”, diz. Outra preocupação “é a falta de diversidade”. “O problema é que está tudo direccionado para o jogo e, com isso, assiste-se a outro fenómeno assustador, o da especulação imobiliária que impossibilita que se viva no território”, lamenta. 

Mas o que mais me preocupa é o que vai acontecer quando outros países asiáticos se abrirem ao jogo.” Nessa altura, pensa, Macau pode ter tudo a perder. Carla Lopes acredita que países como o Japão e o Camboja podem vir a ser muito mais competitivos e constituir uma ameaça para Macau. A razão é simples: “Geograficamente são muito maiores e já desenvolveram outros tipos de oferta para os visitantes”. “Assim sendo, mesmo as pessoas que vão jogar podem optar por estes lugares onde podem também fazer outras coisas e, infelizmente, ainda não temos muito mais para oferecer do que o jogo”, lamenta a macaense, sendo que “quando o jogo começar a decair não se sabe o que as pessoas vão fazer”.

19 Mai 2017

Pedro Benjamim, locutor de rádio | O jornalista acidental

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi um acaso que o levou ao curso de Jornalismo e ao mundo da rádio. E foi um acaso também que o trouxe a Macau. Pedro Benjamim chegou ao território há três meses, por estes dias garante a animação musical nas primeiras horas de emissão da Rádio Macau, logo bem cedo, mas não tem o perfil convencional de quem trabalha num estúdio, entre microfones, música e notícias, com a oralidade como única forma de comunicação. “Não tenho o bichinho da rádio, mas tenho o bichinho da fotografia”, diz, garantindo, no entanto, que gosta muito do que faz.

Vamos ao início. Nasceu em Guimarães, a primeira cidade de todas as cidades portuguesas, há 25 anos. Aos 18 anos, mudou-se para Coimbra, para estudar na universidade, um acaso que tem origem noutro acaso. Quando acabou o ensino secundário, não sabia o que escolher como profissão. Entrar no mundo do trabalho tão cedo estava fora de questão, pelo que foram testes psicotécnicos que o ajudaram a escolher o caminho.

Fiz os testes e o resultado dava-me algo entre jornalismo e tradução.” Na altura de preencher a candidatura ao ensino superior, ocupou as primeiras opções com cursos de Jornalismo, com o Porto como destino preferido. A última opção foi um curso que, “curiosamente”, o teria trazido à RAEM: Tradução Português-Chinês e Chinês-Português do Instituto Politécnico de Leiria, programa que inclui uma passagem de um ano pelo Politécnico de Macau.

Não conseguiu entrar na faculdade no Porto, saiu-lhe a segunda hipótese: Coimbra. “Não tinha um gosto específico por escrever, não tinha gosto por contar histórias. Foi um acidente de percurso.” O outro acidente – ir parar à cidade dos estudantes – acabou por se revelar melhor do que se a vida tivesse corrido como planeado.

A cidade é mais fácil para um estudante porque está muito orientada para esse ambiente. O Porto tem uma realidade totalmente diferente”, constata, com base na experiência dos amigos que foram para faculdades na capital do Norte de Portugal.

Terminada a licenciatura – que, pelo sistema de Bolonha, não demora mais de três anos a fazer – Pedro Benjamim chegou à conclusão, mais uma vez, de que ainda era cedo para arranjar um emprego. “O mestrado acontece da mesma forma como entrei em Jornalismo. Acabei a licenciatura e pensei que ainda não estava preparado para ir trabalhar, as ofertas também não eram muitas.” Além disso, o jovem licenciado não tinha feito sequer um estágio, uma vez que o curso de Coimbra só oferece essa oportunidade durante o mestrado.

Continuar a estudar era o caminho e, no fim do programa curricular, passou três meses na TSF. “Foi fantástico”, diz, sem hesitações. O primeiro contacto com o mundo do jornalismo não podia ter sido melhor, pela forma como, enquanto estagiário, foi recebido na rádio.

Os estagiários curriculares são, em quase todos os locais, usados como mão-de-obra barata.” Na TSF, Benjamim conheceu “uma realidade completamente diferente”. Ao contrário de estagiários de outros locais, não passou os dias a “encher tempo nos noticiários”. “Fazia peças, gravava-as, e no final do dia a equipa juntava-se, ouvíamos e discutíamos o trabalho, era feito de uma forma mais pedagógica.” Deste “acompanhamento mais próximo” resultou uma grande aprendizagem. “Quando conseguimos colocar alguma coisa no ar, sabemos que foi feito com mérito”, nota. Da experiência da TSF não esquece um nome: João Paulo Baltazar. “Foi muito bom trabalhar com ele.”

Venha Macau

Estágio no fim, Pedro Benjamim passou por vários empregos. “Trabalhar, para mim, nunca foi um problema”, assegura. Apesar de estar numa rádio quando lhe surgiu a proposta para Macau, confessa que não se trata de uma paixão. “Também não tenho um gosto especial por rádio. Detesto imprensa, não gosto de escrever. Gosto muito de fotojornalismo, de multimédia, de sites, de vídeo. A rádio surgiu naturalmente.” Com o estágio aprendeu a admirar a linguagem radiofónica, que “permite fazer coisas que outros meios não permitem”, como “criar uma sugestão em alguém só com uma pequena palavra”.

E Macau? Macau são três meses na vida do jovem que, até há bem pouco tempo, era editor numa rádio no Norte de Portugal quando a oportunidade surgiu. “Não estava à procura de nada. Estava a trabalhar, recebi uma chamada, estava naquela altura em que via que o meu percurso não ia sair dali. Estava a pensar em começar a ver outras oportunidades quando surgiu uma chamada, completamente inesperada”, relata. “Disseram-me que estavam à procura de uma pessoa para vir para a rádio em Macau e eu disse: ‘Impecável. Vamos a isso’. Acabei por vir para Macau de forma totalmente inesperada.”

A adaptação também não podia estar a correr melhor. “Fazendo o que se gosta, é sempre mais fácil. Se fosse um emigrante a trabalhar numa área de que não gostasse, custaria muito mais.”

12 Mai 2017

Matilde Bernardo, estudante de mandarim: “Macau deu-me luta”

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]studar mandarim surgiu-lhe no horizonte quase por acaso, de pesquisa em pesquisa, pela diferença e pela possibilidade de aventura. “Nem pensei duas vezes”, conta Matilde Bernardo, estudante do terceiro ano da licenciatura de Tradução e Interpretação de Português-Chinês.

Actualmente em Macau a fazer parte do curso, ao abrigo de um protocolo entre o Instituto Politécnico de Leiria e o Instituto Politécnico de Macau, Matilde Bernardo recorda os primeiros tempos de estudo de um idioma completamente diferente.

“O choque foi interessante, porque não sabia o que era um caractere. Senti-me ridícula nas primeiras aulas e não tinha feito qualquer tipo de preparação. O primeiro ano foi trabalhoso, com a habituação à escrita e à forma de falar, com os tons.”

Três anos depois, as dificuldades persistem, mas já são menores. “O curso continua a ser trabalhoso, mas agora é mais gratificante, porque já consigo falar um pouco de mandarim. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer”, assume.

Antes de viajar para Pequim, onde esteve dois anos, Matilde Bernardo pesquisou muito sobre o país que a ia acolher. Além de tentar compreender a cultura chinesa, a estudante portuguesa não ignorou o sistema político.

“Sabia da existência da cultura chinesa e dos elementos básicos que a compõem, mas não tinha tido qualquer tipo de contacto. Comecei por ouvir música, ver filmes e pesquisar sobre a China, a sua história, o regime político, para ter uma ideia antes de ir para Pequim.”

“Quando vamos para um país comunista ficamos com uma imagem vermelha”, diz Matilde, de forma irónica. A estudante começou desde cedo a compreender as diferenças de viver num país onde não há acesso ao Facebook e onde muitos websites estão bloqueados.

“Em relação à censura, achei um bocado estranho, porque vemos filmes com partes cortadas, não é fácil. Mesmo quando vemos notícias não nos sentimos seguros, não sabemos se aquilo que estamos a ver é verdade ou se estamos a ver aquilo que eles querem que nós vejamos. É complicado e isso aplica-se também no contacto com a sociedade.”

Matilde Bernardo recorda conversas sobre temas considerados sensíveis e demasiado distantes da realidade política e social de Portugal. “Sobre a situação de Taiwan, por exemplo, encontramos todo o tipo de opiniões e argumentos. Uma pessoa não quer contradizer. Ouvimos, porque é interessante, mas não é fácil metermo-nos nessa discussão, porque a história não é nossa, e eles falam conforme o passado e a situação familiar. São sempre esses pontos que vão buscar. Ficamos um pouco de fora, não podemos ter uma grande interacção”, aponta.

A estudante afirma que sempre fez o que quis na China, sem qualquer tipo de restrição, mas que, ainda assim, sempre se questionou sobre a realidade que a rodeava. “Falamos de vários temas e questionamos constantemente aquilo que ouvimos. Uma pessoa ouve e aprende, mas é muito estranho. Mesmo quando falamos, é como se tivéssemos um filtro constante. Essa parte ainda me faz um bocado de confusão.”

Macau, essa surpresa

Se para Matilde a ida para Pequim se fez sem dificuldades de adaptação, a mudança para Macau foi um pouco diferente. “Foi como se tivesse começado tudo de novo. Foi um sítio que me deu luta nos primeiros meses”, recorda.

“Tinha a mente aberta, estava preparada, mas não foi uma adaptação tão simples como foi em Pequim, mas isso foi ultrapassado.” Tanto que Matilde tem planos para ficar quando acabar a licenciatura.

“Queria vir estagiar para cá, era o que eu gostava mais de fazer, e quem sabe um dia vir cá fazer um mestrado e começar a trabalhar. Está mesmo no topo da lista dos meus objectivos”, afirma.

Portugal já é para a estudante um destino longínquo, que não está, contudo, posto de parte. “Nunca tive ideias de ficar em Portugal. Sempre quis sair e ver um pouco do mundo. No início, se puder, não está nos meus planos ficar lá a longo prazo.”

Daqui para a frente, Matilde Bernardo quer apostar na tradução, área onde se sente mais à vontade e que lhe dá mais prazer. A especialização num mestrado, a frequentar deste lado do mundo, é uma possibilidade a curto prazo. A interpretação, essa, fica em segundo lugar.

5 Mai 2017

Ivo Vital: “Macau é um bom sítio para começar carreira”

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] macaense e está de regresso à terra. Ivo Vital é aluno finalista do curso de Tradução de Chinês-Português e participa no programa de desenvolvimento de tradução automática do Instituto Politécnico de Macau enquanto estagiário.

Saiu de Macau aos nove anos, depois do ensino primário. As recordações de infância são muitas. Lembra-se de ser bilingue e de “falar quase tão bem português, como cantonês”. A razão, aponta, era o estar muitas vezes ao cuidado da avó materna que só sabia falar chinês. Os pais trabalhavam no Centro Hospitalar Conde de São Januário. Se, para a maioria, uma instituição de saúde é um lugar a evitar, para Ivo Vital equivalia ao recreio. “Era para lá que ia muitas vezes brincar com a minha irmã, fazíamos fisioterapia e íamos para a piscina de reabilitação”, recorda. “Tínhamos uma vida pacata, tínhamos muita liberdade e até ia de autocarro para a escola”, ilustra.

A saída de Macau não foi feita de ânimo leve e o agora regressado à terra não esconde a zanga que o acompanhou na juventude. “Cresci sempre com alguma raiva dentro de mim. Foi uma decisão dos meus pais e claro que foi para o meu bem e o da minha irmã. Mas, na altura, não compreendi isso”, explica o estudante.

A adaptação a Portugal não foi fácil e as diferenças que registou, e que associa ao facto de ainda ser criança, foram sentidas com intensidade. “Em Macau não me interessava, por exemplo, por marcas de roupa, em Portugal toda a gente ligava àquilo e eu não entendia. Outra coisa que me fez impressão foi o facto de se dizerem muitas asneiras, coisa a que não estava habituado.”

Os mil ofícios

No horizonte profissional tem agora a carreira de tradução, mas os projectos foram mudando ao longo do tempo. Desde pequeno que queria seguir carreira na Marinha, “queria ser oficial”.

A ideia de miúdo, recorda, começou pelo fascínio que sentia quando via imagens antigas, de militares do séc. XVIII. “Na altura gostava de ver aqueles retratos com os oficiais fardados, gostava do azul que vestiam e queria ser como eles”, diz.

Fez os testes para seguir o sonho de infância e passou com sucesso. Ingressou na Academia Militar, mas mal entrou percebeu que aquele não era o seu lugar. “Vi logo que aquilo não era para mim”, diz, sem hesitação, ao recordar o cerca de mês e meio que lá esteve. “Uma pessoa que acha que as praxes da universidade são violentas é porque não faz ideia do que acontece ali.” A desilusão foi inevitável. Aliado às tormentas do “recrutamento” estava todo um ambiente, sublinha, “marcado pelo racismo”. Acabou por desistir e entrar no curso de Protecção Civil.

Ao finalista de tradução nunca faltaram objectivos ou ocupações. Ivo Vital fez carreira no atletismo profissional. “Apareceu por acaso. Sabia que era rápido, mas nunca pensei que pudesse ter algum futuro ou que viesse a ser uma actividade especial.” Começou a treinar, foi progredindo e acabou por chegar ao Benfica e integrar a selecção nacional. Depois vieram as lesões e os condicionamentos.

Foi também no Benfica que passou por umas das experiências que, considera, mais o enriqueceram. “Havia um atleta invisual que precisava de um guia, acabei por ser eu”, conta. A situação pareceu-lhe duplamente benéfica: ajudava alguém e viajava.

Aliar estudos e trabalho com desporto parece nunca ter sido problema. Apesar de não se considerar um exemplo de organização, conseguiu conciliar as duas horas diárias de treino que tinha seis dias por semana. “Ocupava bastante tempo e, às vezes, só queremos descansar mas, de certa forma, era na prática desportiva que sentia que descansava: como tinha trabalhos focados mais no esforço intelectual, os treinos acabavam por representar uma espécie de relaxamento para a cabeça.”

Está agora em Macau para ficar. “As oportunidades parecem muitas com a necessidade de tradutores. Macau é um bom sítio para começar uma carreira, tem bons ordenados, tenho aqui família, dá para viajar nas redondezas”, remata.

1 Mai 2017

Jandira Silva, cantora | A voz carioca do Oriente

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando Jandira Silva pegou num microfone pela primeira vez, o Brasil vivia o fenómeno Daniela Mercury, que acabava de lançar o primeiro álbum. Na escola, numa festa simples organizada com uns amigos, a sua voz acabou por ficar no ouvido para sempre.

Muito antes de ser adolescente, já a música invadia todos os dias a casa de Jandira Silva. Esta cantora, nascida no Rio de Janeiro e a viver em Macau há alguns anos, recorda a rádio logo pela manhã, as músicas que mostram um Brasil genuíno, com muito samba, música sertaneja. A Música Popular Brasileira (MPB) e os seus nomes apareceriam muito depois.

“Comecei a sair à noite e a ouvir vários estilos, a ter acesso a outras coisas. Hoje temos o iPod e o MP3, mas antes cada um levava as cassetes com as músicas que ouvia. Comecei a ouvir Bossa Nova e MPB quando comecei a sair à noite”, lembrou ao HM.

Os nomes que fizeram da MPB o que ela é hoje marcaram-na desde o primeiro momento. “As músicas que me tocavam mais eram aquelas que tinham a Elis Regina cantando. Tinha ali qualquer coisa que eu não sei explicar, o timbre, a forma de cantar, a maneira dela fazer. Na minha infância tocava na rádio Elis Regina, Elba Ramalho. Depois, durante a juventude, era Mariza Monte, Adriana Calcanhoto, por aí”, aponta.

Jandira Silva nunca quis ser outra coisa na vida. A paixão surgiu bem cedo. “Em criança eu falava que ia ser cantora, e ninguém me levava muito a sério, achavam que eu estava brincando. A cena da música começou desde que eu me conheço por gente. O meu pai, por sinal, cantava muito bem e tocava alguns instrumentos”, explica.

Os constrangimentos

Quando Jandira Silva saiu do seu Rio de Janeiro, foi morar seis anos em Portugal. Cantou em locais como o Casino Estoril e outros bares de renome. Em Londres, no Reino Unido, viveu nove anos. A cantora recorda a imensa competição que existe num lugar onde há vários nomes, todos eles com uma enorme qualidade.

Já aí Macau teimava em surgir-lhe no horizonte, mas Jandira nunca arriscou. “A quantidade de músicos em Portugal ou Londres é imensa. Tinha aqui um músico em Macau que me chamou para vir umas três vezes, mas nunca vim. Os contratos nunca foram fechados com clareza, e ficaria sempre a perder.”

Depois de ter gravado um álbum em 2012, intitulado “Festa de um Sonho Bom”, Jandira Silva deixou um pouco de parte a ideia de gravar um segundo trabalho de originais. Afirma que criou uma nova canção para a sua vida, chamada Isabella, a filha, que lhe roubou tempo.

Mas Jandira Silva sente-se, sobretudo, confrontada com os desafios do território. Dá concertos esporádicos e não consegue viver a cem por cento da música.

“Agora estou aqui e não há o que fazer. Em Londres foi essa a minha profissão, em Portugal também. Macau tem tantos hotéis como Lisboa, e lá tem o piano, o pianista e a cantora. Aqui não há isso. Em todo o lugar do mundo há bandas a tocar as músicas do momento.”

Assume que o público chinês gosta de outro tipo de entretenimento, mais virado para o jogo, mas a cantora fala também da existência de constrangimentos dentro do próprio sector. Lembra um caso que envolveu uma operadora de jogo local, onde lhe disseram que, naquele lugar, não podia cantar em português.

“Disseram-me que não se podia cantar em português, e não foi dada nenhuma justificação. Ninguém consegue falar ou comunicar”, recorda.

“Se dissesse que Macau é responsável por me afastar da música, estaria mentindo. Mas posso dizer que aqui poderia ser feito muito mais. Está tudo muito disperso e espalhado. Há alguns músicos, mas ninguém está muito unido para fazer um projecto. Eu gostaria [de lançar um novo álbum], mas teria de ter músicos com quem pudesse contar a cem por cento”, explica.

A competição, com preços mais baixos em termos de cachet, também não ajuda. “Os cachets que são pagos aos músicos filipinos influenciam muito o mercado. Não falo em detalhes, mas tive propostas em que decidi ficar em casa.” “Neste momento a cena de música em Macau está muito parada”, remata a cantora.

21 Abr 2017

João Picanço, jornalista: “Estou em Macau para ficar”

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hegou há cerca de dois meses a Macau. O convite para trabalhar veio da TDM, depois de ter enviado um currículo, e aceitar a proposta que recebeu foi a “melhor decisão na vida”. João Picanço é uma das vozes da informação quando se sintoniza a 98.0 FM. Depois de muitas decisões que pensou terem sido mal tomadas, com a chegada ao território e a concretização do sonho de trabalhar numa rádio profissional, considera agora que “afinal correu tudo bem”.

A ideia de sair de Portugal e vir para terras distantes era um sonho antigo. Quando soube que vinha para Macau, tentou seguir o conselho daquela que diz ser a mulher da sua vida, a irmã, e não criar expectativas para não se desiludir. “Mas não consigo fazer isso e claro que tive muitas. Quando soube que vinha para cá mentalizei-me de que o território ia ser a minha casa. Saí do Sporting TV, um mês antes, e fui à Bélgica e à Holanda. Não tinha estado em nenhum destes dois países e senti necessidade de me preparar para a mudança com uma viagem”, conta.

As expectativas foram muitas mas a chegada conseguiu, ainda assim, surpreender. “Estava à espera de gostar mas, ao chegar, senti que tinha sido superado. Macau tem uma energia estranha. Pode parecer sufocante e é mesmo, por vezes, uma região claustrofóbica mas, aqui, sinto-me em casa”, refere.

Na rádio desde cedo

A opção pelo jornalismo vem “desde miúdo”. Se no nono ano ainda se é muito novo para saber o que se quer no futuro, João Picanço lembra-se de que já queria ser jornalista sem saber muito bem porquê. “No secundário comecei logo a fazer coisas nesse sentido. Reactivei a Rádio Escola e quando cheguei a Coimbra, onde tirei o curso, tive várias experiências. Tive cinco programas semanais na Rádio Universidade de Coimbra, trabalhei com o Jornal Universitário de Coimbra – A Cabra, e ainda hoje mantenho a ligação a Coimbra com um programa semanal que faço à distância dedicado à música britânica: o “U-Quem?”, relata.

No final do curso, foi estagiar para o Jornal Record, um volte-face nos desejos. A ideia era conseguir uma oportunidade na Blitz porque queria trabalhar na área da música. “Mas ninguém me respondeu. Houve um dia em que a minha coordenadora me disse que tinha mesmo de arranjar um estágio ou teria de fazer uma tese. Preferia o estágio por ser mais prático. Havia uma vaga no Diário das Beiras em Coimbra e outra no Jornal Record em Lisboa. Optei pelo segundo.” O jornalista conta que “nunca tinha feito desporto na vida, gostava de futebol, mas não percebia grande coisa”. “Lembro-me do Bernardo Ribeiro me dizer que apenas ficaria nos quatro meses de estágio porque não tinham lugar para mim. Acabei por ficar seis anos.”

A passagem pelo Record marcou o percurso do jornalista da melhor maneira até porque foi lá que teve oportunidade de fazer uma das suas “melhores histórias e um jornalismo a sério numa vinda à Ásia, em 2014”. “Vim à Indonésia para assinalar os dez anos do tsunami de 2004 e senti que fiz jornalismo mais a sério. Andei à procura do Martunis, o menino que depois do tsunami apareceu vestido com a camisola de Portugal numa imagem que correu mundo. Entrei em contacto com ele no Twitter. Não tinha a certeza que era ele, mas deu-me uma morada e fui lá com o Paulo Calado, um excelente fotojornalista. Saímos de lá a chorar. Foi um dos grandes momentos da minha vida profissional e foi na Ásia. Quase poderia dizer que foi um presságio”, assinala.

No entanto, o jornal não dava a João Picanço a segurança financeira que queria e, depois da reportagem com Martunis, recebeu uma proposta do canal do Sporting TV. “Martunis acabou por ir fazer um estágio no clube e foi quando senti que podia fazer alguma coisa por alguma coisa.”

Entre o jornalismo em Portugal e o de Macau, João Picanço nota já algumas diferenças. “Em Portugal é muito agressivo e aqui ainda há alguns valores, e cooperação entre os profissionais da informação. Vi muitas pessoas com idade para se comportarem de outra forma. Estive rodeado de gente boa, mas também de pessoas que, francamente, acho que não fazem muita falta no mundo.”

A distância não é fácil, principalmente das pessoas de quem se gosta. “Há dias que custam mais do que outros. Felizmente são mais os dias em que me consigo abstrair e ver que o que tenho aqui e agora é bom, que esta casa é boa e que tenho boas pessoas à minha volta.”

Agora, quer dar mais um passo na integração e aprender chinês é uma meta. “Gosto de aprender línguas e acho que é fundamental saber falar a língua do lugar. Além disso, acho que é altamente cool, além de ser útil”, referiu em tom de brincadeira. “No entanto, sinto que, de facto, há aqui alguma distância promovida pelo fosso linguístico e que poderia ser encurtada. Por parte dos portugueses, sinto que já existe alguma resignação e os chineses podiam também tentar aprender um pouco da segunda língua oficial do território”, remata.

7 Abr 2017

Célia Ferreira, empresária | De coração aberto

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma recém-chegada a um território de vindas e idas. Célia Ferreira tem 40 anos, é licenciada em Relações Internacionais, empresária de profissão. Apesar de ainda estar na contagem crescente que se faz quando se desembarca, de malas atrás, no Porto Exterior, não é novata nestas andanças da emigração. E é por isso que cita Fernando Pessoa. Ele diz, como ninguém, que “vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter, uns para os outros, uma amabilidade de viagem”.

Nascida em Guimarães, o berço de Portugal, Célia Ferreira ganhou no curso que fez a possibilidade de conhecer pessoas de várias nacionalidades. Foi através deste “contacto permanente” que surgiu a área comercial, trabalho a que se foi dedicando e a razão que a trouxe a Macau.

A primeira experiência internacional aconteceu em África. “Fui convidada para desenvolver um negócio na área de hotelaria e spa, num resort em Angola. Foi um desafio que aceitei quase de imediato”, recorda. Mais tarde, percebeu que poderia abrir a sua empresa, “direccionada para produtos de luxo”.

O contexto económico de Luanda deu-lhe a volta aos planos. “A má altura económica que Angola atravessa dificulta muito o acesso a divisas, logo, também à importação. Com estas dificuldades de acesso a divisas, comecei a pensar em alternativas”, explica.

Seguiram-se conversas com amigos, ideias para explorar. “Comecei a pensar noutros mercados, que fizessem sentido para o género de produtos que pretendo representar”, diz. Brasil, Canadá ou Estados Unidos eram opções que se colocavam no horizonte. “Macau não foi a primeira opção”, confessa.

Mas vieram umas férias e a oportunidade de conhecer o território. “Já tinha algumas referências através de amigos a viverem cá, amigos de familiares que também residiram cá, e passou a ser uma hipótese.”

A diferença

Quando se sai do país sem uma oferta de trabalho na mão, quando se emigra numa lógica de se criar um negócio na nova casa, a viagem tem de ser mais bem planeada. Célia Ferreira criou uma empresa e decidiu participar na MIF. A Feira Internacional de Macau, que lhe permitiu dar visibilidade a alguns dos produtos que representa, foi o “kick-off” da mudança.

“Estabeleci alguns contactos com empresas chinesas, com interesses em produtos europeus, nomeadamente em produtos femininos e de criança. Representamos marcas de gama média/alta”, refere, num leque variado que vai de produtos de spa a têxteis para casa, bem como relógios e canetas.

A dar os primeiros passos como empresária na Ásia, depois de ter vivido em África, Célia Ferreira continua a ter uma ligação “bastante forte” a Portugal, “por todos os laços desenvolvidos, a família, os amigos”. Pela actividade profissional que tem, espera aterrar com muita frequência nos aeroportos portugueses. “Apesar da distância, pretendo ir várias vezes durante o ano, quer pela família, quer pelo contacto com empresas que querem ser representadas em Macau e na China Continental.”

E as maiores dificuldades de adaptação a Macau? “Quase nenhumas”, responde. Nem sequer a humidade a atrapalha, porque “o clima similar é ao que encontrei em África”. Ainda assim, reconhece que houve uma expectativa que, de certo modo, saiu defraudada: a comunicação. “Pensei que seria mais fácil, dada a presença portuguesa durante séculos. Achava que seria comum encontrar mais pessoas a falar português, mas verifiquei que, em alguns serviços, até em inglês se torna difícil comunicar”, aponta.

O tempo que conta de vida no território faz com que a cultura chinesa seja ainda encarada “como um desafio”, um desafio daqueles que fazem bem. “Adoro viajar e conhecer novas culturas, hábitos e tradições. Acredito que com a minha mudança para cá irei ter estas oportunidades e outras que nem equacionei.” Resumindo e concluindo: “Vim de coração aberto”.

31 Mar 2017