Joana Freitas Manchete PolíticaVisita | Secretário de Estado da Justiça reúne hoje com Sónia Chan Podem vir aí mais oportunidades de alargar a cooperação judiciária e judicial entre Macau e Portugal. Sem discutir pormenores, António Costa Moura frisou a possibilidade de as duas regiões poderem colaborar no que à adopção de crianças diz respeito. Ideias que ainda não passam disso, mas que estarão hoje em debate [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, vai debater hoje com Sónia Chan diversas ideias no âmbito da cooperação judicial e judiciária, onde se encaixam algumas que já estão em andamento, mas também novas, como é o caso da cooperação no âmbito da adopção. Realçando o facto de não se querer adiantar às entidades de Macau, Costa Moura disse ao HM que poderá haver a possibilidade de cooperar para que seja possível agilizar o processo de adopção de crianças dos dois locais. “A ideia é eventualmente [discutir] a área da adopção, através da qual podemos enriquecer o relacionamento bilateral. Temos uma lei da adopção que é aberta ao mundo e é uma ideia, mas não é algo que queria lançar sem falar com as entidades [de Macau]”, frisou em declarações ao HM, à margem da recepção oferecida pelo Consulado de Portugal à comunidade portuguesa, que ontem teve lugar. Costa Moura realça que “não há qualquer acordo firmado” ainda sobre este assunto, sendo que no encontro com Sónia Chan se vai fazer um balanço sobre os acordos que estão, esses sim, já em vigor. O Secretário de Estado fez questão de deixar firme “a ideia de que o Governo de Portugal quer seguir o trabalho na área dos serviços prisionais, formação de magistrados, segurança pública e no cumprimento escrupuloso dos dois acordos de cooperação”, que versam sobre a transferência de pessoas condenadas e na cooperação em matéria jurídica e judiciária. Questionado pelo HM sobre se há algo mais que pode ser aprofundado nesses acordos, Costa Moura foi peremptório: há sempre. [pull_quote_left]O Governo de Portugal quer seguir o trabalho na área dos serviços prisionais, formação de magistrados, segurança pública e no cumprimento escrupuloso dos dois acordos de cooperação[/pull_quote_left] “A cooperação tem de ser um exercício de dois movimentos, não pode ser imposta por um ou outro lado. Tem de ser querida e tem de resultar em vantagens para ambas as partes. Temos algumas áreas, nomeadamente a prisional – como formação e técnicas de reinserção social – em que estamos já a fazer coisas em conjunto. Mas não há nada que impeça que este quadro de cooperação possa ser alargado a outras áreas do sistema prisional. Mas ainda é prematuro, antes de falar com entidades, isto são [apenas] ideias que temos”, ressalva. Costa Moura encontra-se também hoje com a Associação dos Advogados de Macau (AAM) e assegura ao HM “estar aberto para discutir” o que os advogados quiserem. O Secretário, que representou Portugal no Dia 10 de Junho, afirma que haverá “uma franca troca de ideias”. Sereno elogiado, Sónia elogia António Costa Moura fez ainda questão de agradecer ao cônsul Vítor Sereno pela competência na representação de Portugal em Macau. Sem esquecer “as autoridades locais e a comunidade”, o “profundo agradecimento” mais destacado foi para o cônsul “pelo profissionalismo, competência e dedicação” na sua carreira e na causa pública que é servir os interesses do Estado português no exterior. “Confirmei ao longo desta tarde [ontem] o cumprimento disso mesmo”, disse. Entre mais de 200 pessoas que ontem encheram a residência consular, discursou ainda Sónia Chan, Chefe do Executivo interina – já que Chui Sai On está fora de Macau. Chan referiu, novamente, a utilização de Macau como plataforma entre a China e os PLP, elogiando os “resultados positivos” das diversas entidades criadas para esse efeito. Caso disso é o Fórum Macau, que “contribuiu para elevar a influência internacional de Macau e promoveu uma diversificação adequada das indústrias de Macau”, como disse no seu discurso. [pull_quote_right]A cooperação tem de ser um exercício de dois movimentos, não pode ser imposta por um ou outro lado. Tem de ser querida e tem de resultar em vantagens para ambas as partes[/pull_quote_right] A também Secretária para a Administração e Justiça assegurou que o Governo da RAEM vai continuar empenhado na promoção do “desenvolvimento dos empreendimentos dos PLP em Macau e no interior da China”, bem como vai “incrementar, em conjunto com o [continente], a cooperação com os PLP, a União Europeia e os países latinos”. Promessas ainda de que o Executivo vai continuar a respeitar a “multiculturalidade, a promover a economia e a melhorar a qualidade de vida, criando melhores condições de vida e de trabalho para toda a população, incluindo os portugueses residentes em Macau”. Vítor Sereno, que se fazia acompanhar no palco pelos Conselheiros das Comunidades Portuguesas José Pereira Coutinho e Fernando Gomes – que faltaram às comemorações da manhã por “motivos de trabalho”, segundo a Rádio Macau – prometeu melhorar o trabalho no Consulado. Alexis Tam e a importância da comunidade lusa “Uma coisa é certa. Todos nós pensamos [no Governo] que os portugueses são elementos essenciais para Macau”, afirmou Alexis Tam, em declarações à Rádio Macau, ontem, durante a recepção à comunidade na Residência Consular. Destacando ainda o contributo da comunidade portuguesa para a história e para o património do território, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura garantiu que o Governo tem criado “as condições” para a comunidade portuguesa se “sentir bem” no território e que a ideia é promover o uso do Português no território. “Estou com esperança que mais tarde a língua portuguesa ainda vai ser muito falada em Macau. É este o meu trabalho e eu faço o melhor possível para chegar a este objectivo”, disse à rádio. Banda da PSP toca o hino A banda do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) voltou a tocar o hino português durante o hastear da bandeira de Portugal, nas cerimónias oficiais do dia 10 de Junho. “Pela primeira vez, em 15 anos, tivemos a banda ao vivo. Estou muito grato ao senhor Secretário para a Segurança e ao senhor comandante do CPSP por este gesto de cortesia, de boa vontade, que evidencia claramente o nível de excelência que a RAEM tem com Portugal. Estou muito satisfeito com isso”, afirmou o cônsul-geral de Portugal, Vítor Sereno, aos microfones da Rádio Macau. O Grupo de Escuteiros Lusófonos também marcou presença, bem como seis escolas chinesas e portuguesas.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaPortuguês | Mais de metade dos discursos de Chui Sai On sem tradução integral Desde que assumiu funções como Chefe do Executivo que Chui Sai On nunca fez um discurso em Língua Portuguesa e mais de metade do que disse em público só mereceu uma tradução “do conteúdo essencial”. Agnes Lam mostra-se “surpreendida” com esse facto, enquanto que Amélia António defende uma tradução completa das palavras do governante [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Gabinete do Chefe do Executivo confirmou ao HM que, em mais de cinco anos à frente dos destinos da RAEM, Chui Sai On fez um total de 202 discursos em público, tendo 192 sido proferidos em Chinês. Mais de metade, 116, não mereceram contudo a tradução integral para o Português, a segunda língua oficial do território. Apenas 76 discursos foram traduzidos para Português na sua totalidade. Por discursos oficiais contam-se não apenas as vezes em que Chui Sai On discursou perante uma audiência específica, mas também as ocasiões públicas em que respondeu a perguntas da imprensa chinesa em eventos públicos. O facto de 116 discursos não terem sido traduzidos na sua totalidade para a língua de Camões significa que as informações passaram por uma selecção prévia antes de serem divulgadas junto da comunicação social. Segundo a nota oficial enviada ao HM, “o Gabinete de Comunicação Social (GCS) traduziu o conteúdo essencial dos mesmos, publicando-os sob forma de comunicados de imprensa”. No que diz respeito ao Inglês, “do total de 202 discursos, ao considerar as exigências ditadas pela ocasião, o Chefe do Executivo proferiu dez discursos directamente em língua inglesa (não incluídas as traduções feitas da língua chinesa)”. A resposta enviada ao HM surge no seguimento do artigo “Isto aqui não é Hong Kong”, que analisava o uso do Português por parte do Governo, com base num artigo publicado no South China Morning Post. Este jornal denunciava uma descriminação face ao Inglês na região vizinha, mas analistas locais consideram que o Português não sofre este tipo de problemas em Macau, sendo que representantes de altos cargos do Governo o usam em situações públicas. Apesar da inexistência de traduções integrais de algumas palavras de Chui Sai On em público, o Governo considera que “sempre respeitou o uso da Língua Portuguesa na RAEM, atribuindo-lhe alto valor”. Mostrar tudo [quote_box_right]“Isto surpreende-me bastante, porque nunca pensei que não fosse providenciada a tradução integral. Penso que o Chefe do Executivo tem de ser mais consciente em relação a este aspecto” – Agnes Lam, docente da UM[/quote_box_right] Confrontada com os números, Agnes Lam, docente da Universidade de Macau (UM) na área da Comunicação Social, e ex-candidata às eleições legislativas, mostrou-se surpreendida com a situação. “Isto surpreende-me bastante, porque nunca pensei que não fosse providenciada a tradução integral. Penso que o Chefe do Executivo tem de ser mais consciente em relação a este aspecto, porque o fornecimento de informações à comunidade deve ser uma prioridade. Há recursos para isso e deveria ser feito, não é justo que não seja providenciada a versão integral.” A docente lembra, contudo, que a existência de constrangimentos ao nível dos recursos humanos pode ditar que muitas palavras cheguem mais tarde à comunidade portuguesa. “Claro que a melhor solução seria providenciar toda a informação em Chinês e Português ao mesmo tempo, uma vez que são ambas as línguas oficiais e é esse o protocolo. Compreendo que podem haver constrangimentos ao nível da tradução, mas mesmo que não haja uma tradução integral no momento, os meios de comunicação social portugueses deveriam ter acesso à versão completa mais tarde”, disse Agnes Lam. Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), refere que a língua mais importante “é, obviamente, o Chinês, dado que a população em geral é o público a que se destinam [os discursos]” e defende que é compreensível que o líder do Executivo fale em Chinês. Contudo, aponta que “fazer a tradução integral em Português seria simpático e era um contributo e uma afirmação do estatuto de língua que o Português tem”. Uma das representantes da comunidade portuguesa em Macau salienta, no entanto, que não se podem estabelecer comparações com o anterior Chefe do Executivo, Edmund Ho, que dominava o Português. “Estamos perante pessoas com personalidades e maneiras de estar diferentes. Não se pode avaliar o interesse pela comunidade dessa forma. Edmund Ho é uma pessoa com um grande à vontade e com um temperamento muito amigável e expansivo e sempre teve um modo de lidar com a comunidade muito franca e aberta. O actual Chefe do Executivo é uma pessoa mais reservada e com uma forma de estar mais formal”, concluiu Amélia António.
António Conceição Júnior Manchete VozesDa Primavera e do Outono [dropcap]E[/dropcap]m 1046 a.C., há cerca de 3.500 anos, em plena Idade do Bronze, os Shang travavam a mais crucial batalha contra os Zhou, onde é hoje a província de Henan, na bacia do Rio Amarelo, berço da civilização chinesa. A batalha de Muye opôs o exército dos Shang, de 700.000 homens, contra os Zhou, possuidores de uma força de 4.000 carros de guerra e 48.000 homens, ditando a queda dos primeiros. Esta batalha iria dar origem à mais longa dinastia da China, a dos Zhou, nada mais que 790 anos (1046 – 256 a.C.), dividindo-se em complicados sub-períodos, nem por isso menos interessantes. É no período chamado “Primavera e Outono” (770 a.C. – 476 a.C.) que se afirmam, na falta de outro termo, as quatro escolas filosóficas chinesas: o Taoísmo, o Confucionismo, o Mozismo e o Legalismo. Conta a lenda que Lao Tzu, antes de transpor as portas de Luoyang para desaparecer no horizonte Ocidental, deixou escrito o Tao te Qing, os fundamentos do Taoísmo, que contém este belo trecho, entre tantos outros: [pull_quote_center]Havia algo de indeterminado antes do nascimento do Universo. Essa qualquer coisa vagueia sem cessar. Como não lhe conheço o nome, chamo-lhe Tao (Caminho, Via) Com um nome deve ser a Mãe de todas as coisas Sem nome, é o Antepassado dos deuses.[/pull_quote_center] Do legado Taoísta, à benevolência do Confucionismo, segue-se a entrada do Budismo na China dos Han (206 a.C. – 220 d.C.) pela Rota da Seda, estabelecendo-se uma como que trindade de crenças, onde ao conceito cósmico, dinâmico e abstracto do Taoísmo se conjugam os princípios éticos do Confucionismo e a oportunidade da extensão temporal por via da crença Budista na roda das encarnações. No Império do Meio o tempo passa a ter uma outra dimensão. O tempo do tempo Das altas montanhas debruadas de nuvens, às magnificentes capitais e à grandeza dos seus inventos, dir-se-ia que toda a longa história da China parece ter sido tecida – pura ilusão – para desembocar num conceito que lhe era exógeno, o da República. [quote_box_right]Este breve olhar sobre a história milenar de um país que, nas últimas décadas, assistiu a uma transformação quase ímpar no desenrolar da história do mundo, fez-me lembrar um outro, no Extremo Ocidental da Europa, que, também há poucas décadas, teve o ensejo de se poder metamorfosear em um país democrático, moderno e desenvolvido, mas, dessa Primavera, resta-lhe apenas, apesar do céu azul, um ar Outonal. [/quote_box_right] A República mais não significou que a primeira tentativa de resgate de um sistema decadente e corrupto cujo final, protagonizado pela Regente Ci Xi, mostrou a distância e o alheamento com que o Império era (des)governado. Após o período revolucionário liderado por Mao Zedong, a China percorre em 30 anos, como país mais populoso do mundo, um caminho em direcção ao que Deng Xiao Ping apontou: “Socialismo não tem de significar pobreza”. E nos subsequentes planos quinquenais e no estabelecimento do princípio Um País Dois Sistemas conduzem com firmeza o país a uma Economia Socialista de Mercado, um dos conceitos-chave que iriam, num curtíssimo período, criar uma classe média de 400 milhões, uma classe milionária assinalável, e colocar a economia chinesa no topo da escala mundial. Apesar dos quase 100 milhões que vivem ainda abaixo da linha de pobreza, das migrações e da sustentabilidade ambiental constituírem um desafio para o governo central, a República Popular da China é hoje uma presença mundialmente poderosa. Este breve olhar sobre a história milenar de um país que, nas últimas décadas, assistiu a uma transformação quase ímpar no desenrolar da história do mundo, fez-me lembrar um outro, no Extremo Ocidental da Europa, que, também há poucas décadas, teve o ensejo de se poder metamorfosear em um país democrático, moderno e desenvolvido, mas, dessa Primavera, resta-lhe apenas, apesar do céu azul, um ar Outonal.
Leonor Sá Machado Manchete ReportagemPesca em Macau | Até que a morte os identifique [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ascer a bordo de um barco e nunca ter sido registado faz deles, à luz das leis, imigrantes ilegais, pessoas sem certidão de nascimento, passaporte ou sequer terra natal. Muitos dos pescadores que atracam barcos nos cais do Porto Interior tiveram uma vida difícil, sendo forçados, pela vida, a trabalhar desde muito novos, quando a maioria brincava no parque e aprendia as regras da Matemática e dos caracteres chineses. Ká che é apenas uma de entre centenas de pescadores que passaram por esta experiência, apenas descrita como “uma de tantas outras”. Agora, na casa dos 60 anos, a actual gestora do cais “Hip Lei” – ou Ponte 30 – conta com a ajuda de mais meia dúzia de sexagenários para a confecção das refeições diárias e mais uns quantos ajudantes que facilitam a aproximação e estacionamento dos barcos junto ao cais. Macau foi, desde o início, uma cidade particularmente virada para o mar. A pesca insere-se no sector primário, juntamente com a agricultura. Uma vez que a cidade era rodeada pelo rio, os habitantes fizeram por usufruir disso mesmo. No início do século XX, cerca de 1/3 da população local vivia nos barcos, ainda que muitos se ficassem pelos cais e não estivessem no mar a tempo inteiro. Actualmente, o sector tem vindo a perder adeptos, tanto no caso de trabalhadores, como de compradores. A grande maioria do peixe aqui consumido provém do continente e das águas do território vizinho, sendo também pescado por embarcações destes locais. No entanto, o Governo tem vindo a desenvolver uma série de projectos de apoio ao sector, de forma a ressuscitar a pesca em Macau. É tudo uma questão de peixe Ká gere aquele local, cobrando uma taxa diária aos barcos que por ali quiserem atracar. “cada dia de atra- cagem neste cais custa 120 patacas por barco e há espaço para seis”, ilustra a pescadora reformada, que conseguiu a residência permanente em Macau devido a um acordo entre o sector e o Governo, que data já das décadas de 40 e 50, quando a grande maioria dos pescadores nascia no mar, mas tinha família de Macau. [pull_quote_right]Existem mais de dez pessoas [na nossa família] que nasceram no mar e o meu pai é residente de Macau, mas a minha mãe não e por isso não tem identidade. – ‘Ká che, ex-pescadora actual gestora do cais “Hip Lei”’ [/pull_quote_right] A vida destas pessoas é feita nos barcos e alguns têm mais de 70 anos, mas não têm coragem de sair para as ruas por causa dessa falta de identidade.[/quote]A agora idosa passa os seus dias entre ferro-velho, redes de pesca usadas e peixes em processo de seca, aguardando pela chegada dos seus dois irmãos, ambos dedicados ao mar. No entanto, Ká che não esquece a sua história, já que hoje em dia o tempo é muito e as memórias infinitas. “A vida no mar é muito difícil e eu comecei a trabalhar com 10 anos de idade”, começa por contar. Ao HM confessa ainda que o horário de trabalho nunca é definido, já que só acaba quando o mar assim dita. Entre explicações e ensinamentos, Che deixa fugir uma confissão: “eu também nasci no mar”. No entanto e ao contrário de vários dos seus sobrinhos, a ges- tora do cais Lei Hip conseguiu, ao falta de identidade”, confessa a antiga profissional de pesca. A esperança é, alegadamente, a única a morrer, mas Che conta que, devido à falta de conheci- mentos de leitura e escrita destes pescadores, é pouco provável que o Executivo lhes forneça permissão de residência. TNR que estão lá para ajudar “Este negócio já tinha desaparecido se não fosse pelos TNR da China que trabalham nos barcos”, confessou Fung Hee. O presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau abre a porta da sede a todos os curiosos da profissão. Naquele primeiro andar ou- vem-se peças de majong a ser baralhadas e o cenário é logo ali imaginado: um grupo de homens a passar o tempo livre enquanto o mar não chama por eles. “Em média, há seis ou sete TNR em cada barco e neste momento há em circulação cerca de 160 barcos, o que contrasta com os 600 que havia na década de 80”, explica o dirigente. No total, cada embarcação não leva mais de dez pessoas, dois deles sendo frequentemente o casal proprietário do transporte. Longe da poluição Neste momento, as águas preferidas dos pescadores locais estão perto de Hong Kong e a norte da China. Há ainda quem opte por se ficar por Hainão, uma ilha bastante mais longe do território. É o caso da família de Sze Lam, residente em Macau e filha de pescadores. “O meu pai tem um barco juntamente com dois irmãos e passa a maioria do tempo em alto-mar”, começa a jovem por explicar. Hoje em dia, algumas coisas parecem ter sido facilitadas, como são os regressos do pai e dos tios ao território em ocasião de festivi- dades como o Ano Novo Chinês. “Quando há datas importantes, eles vêm muitas vezes de avião porque é mais barato do que voltar no barco”, conta. Sze nunca teve uma relação próxima com o mar nem trabalhou na embarcação da família, mas a sua voz denota felicidade quando refere que hoje em dia vê o seu pai mais vezes, em termos anuais, do que há uma década. Na associação e nos cais, as tardes vão-se enchendo de jogos chineses, conversas de café e bafos de cigarro, enquanto o enjoo de estar em terra não assola o estômago dos mais sensíveis. Hee, o presidente da associação, também já foi pescador. “Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, refere. A poluição obriga a mais gastos de combustível, algo que Sze diz influenciar bastante o lucro de todos os meses. O pai da jovem tem 50 anos e percorre rio e mar durante vários meses, na esperança de dar à sua família um nível de vida aceitável. Shantou – zona do Mar da China do Sul – é outras das áreas preferidas para a actividade piscatória. Emprestar para suprir a escassez Vida de pescador é, como referido, passada entre mar e terra, ondu- lação e chão firme. Este método faz com que apenas seis meses do ano potenciem lucros, deixando a restante metade à mercê da sorte, dependente do número de peixe vendido. Para tentar minorar esta dificuldade, a Direcção de Serviços para os Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA) desenvolveu uma série de ajudas destinadas ao sector piscatório. “Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, disse Hee. Normalmente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde. — Fung Hee Presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau Um dos mecanismos dá pelo nome de “plano de formação para pescadores durante o período de defeso da pesca” e pretender ajudar estes profissionais durante o período “morto” da profissão. “Este programa pretende reduzir as dificuldades económicas dos pescadores que não têm ordenado durante a interregno da actividade, bem como ajudá-los a elevar as competências e dominar outras técnicas”, refere a DSAMA em resposta ao HM. De acordo com a entidade, foram mais de 400 pessoas as que integraram o programa do ano passado. Há ainda o Fundo de Desenvolvimento e Apoio à Pesca, que distribui dinheiro ao sector. A DSAMA explica que foram investidas mais de 50 milhões de patacas desde a sua criação, em 2007. A justificação para a existên- cia deste fundo é, de acordo com o Governo, “a importância do sector piscatório” para Macau. Já no ano passado, foram aprovados apenas dez casos com um investimento de 5,7 milhões de patacas. Ao todo, a DSAMA diz ter aprovado e investido em 159 casos desde a criação desde fundo. À parte dos dois modelos referidos, Hee conta que há ainda a possibilidade de pedir emprésti- mos ao Executivo, podendo estes chegar às 800 mil patacas. “Além do empréstimo, que é fácil de pedir e obter, também temos isenção de imposto”, revela o presidente da associação. No entanto, há que lembrar o caso já referido, de pescadores sem identidade nem passaporte, que por não saberem ler nem escrever, são forçados a permanecer anónimos, presos pelo vergonha de sair à rua. O ferry de hoje foi o peixe de ontem Fung Hee conta como se faz a vida lá fora, até porque se há coisa que não falha é a memória. “Normal- mente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde”, começa por explicar. A cama recebe os pescadores perto das seis da tarde, hora em que descansam os braços e a redes, apenas para recomeçar as lides algumas horas depois. Se, por um lado, algumas profissões foram facilitadas pelo tecnologia, a pesca não parece ter sido uma delas. As queixas são várias e entre elas está a necessidade de percorrer mais quilómetros para encontrar peixe de qualidade e, consequentemente, um maior gasto de combustível. “Dantes, havia muito peixe naquela que hoje é a rota do ferry entre Macau e Hong Kong”, diz Hee. Os tipos de peixe, esses, são variados, mas no caso de Hee, eram enguias e Peixe Dourado que mais caíam na sua rede. As ruas do Porto Interior, onde estamos, não são tão barulhentos como a zona que lhe antecede, do Patane. O Rio das Pérolas não cheira ao Tejo e o céu não é o de Lisboa, mas é precisamente isso que faz daquele local único, um dos mais marcantes da cidade e que melhor a define.