Carlos Morais José Editorial MancheteUm preço barato [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]erante a chegada de milhares de pessoas às praias europeias, torna-se óbvio perguntar qual a responsabilidade do Velho Continente em relação a esta calamitosa situação. Bem vistas as coisas, temos de distinguir dois tipos de migrantes: os que vêm de África, por não encontrarem meio de subsistência na sua terra natal; e os que vêm da Síria por causa da guerra. São situações muito diferentes, como diferentes são as pessoas que constituem os dois grupos. Comecemos pelo primeiro. Durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, a Europa colonizou África e dividiu o continente como muito bem entendeu, criando nações onde existiam tribos, quando muito esparsos reinos. Obviamente que os recursos naturais foram explorados ao máximo e as formas tradicionais de produção basicamente destruídas, como mostra o livro de René Dumont, “Em defesa de África, acuso”, um clássico dos anos 70, pretensamente esquecido pelos neo-colonialistas, amigados com os regimes ditatoriais. O autor demonstra como a fome, a miséria e o caos foram produtos da presença europeia, na medida em que foram completamente aniquiladas as formas tradicionais de poder e redireccionadas as economias. Hoje aquela gente não aguenta mais e na internet, na televisão, tem imagens de uma outra vida. Darão tudo por ela. Vêm-nos bater à porta. É natural. A nossa riqueza foi edificada sobre a sua miséria. No caso sírio, todos se lembram (espero) que a Europa de Hollande e Merkel foram os grandes incitadores das revoltas anti-Assad. Juntamente com a CIA, claro. Aramaram sem critério os ditos grupos rebeldes que, afinal, mais não eram que islamitas de vários países. Encostaram-se a uma pretensa oposição síria no exílio que, afinal, tinha o mesmo valor que a oposição no exílio do Iraque, gozada e desprezada por todos os iraquianos. Se a Europa fomentou e continua a fomentar a guerra na Síria, é natural que assuma o seu fluxo de refugiados. É mesmo elementar, meu caro Hollande, um homem com sangue de inocentes nas mãos, tomado de histeria no início da pretensa revolta árabe. A História é reversível. A Europa tem um preço a pagar pelas suas acções e pelos lucros que delas resultaram. Receber refugiados, tratá-los com humanidade e bom senso será o mais barato deles todos.
Carlos Morais José Editorial MancheteHoje Macau | 14 anos Sap sei! Sap sei! Catorze! Até à morte porque somos imunes à crença. Rui Calçada Bastos [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara os que ainda não perceberam, nas superstições locais o número catorze é malfazejo porque evoca homofonicamente a morte. Dantes — não sei se ainda —, nalguns prédios de Macau não existia o décimo quarto andar porque, simplesmente, ninguém lá queria viver. Ou, se existia, era consideravelmente mais barato. Pois o Hoje Macau entra no seu décimo quarto ano de publicação. Livres de crenças, dando óbolo pelas superstições e patacame a benfazejas bruxas. Não vá o mafarrico tecê-las… O trajecto não foi rude, convenhamos. A descolagem revelou-se difícil, atribulada, repleta de bem e de mal entendidos, de sedimentação de amizades, conhecimentos e ódios de estimação. Mas não se pode dizer que tenha sido algo de outro mundo. Foi deste. Desta terra que pede meças em paradoxos, contradições e pequenas perversidades. E, acreditem ou não, gostámos da maior parte do caminho. A outra foi, sobretudo, útil. É que uma das grandes lições de Macau é a resiliência. A capacidade de resistir porque se acredita (misteriosamente sabe) existir ali ao lado uma qualquer outra luz que nos levará ao fundo do túnel. Esta terra dá isso a quem a sabe interrogar, se face à resposta não correres como a esfinge para te atirares de novo ao mar. O medo é, afinal aqui, uma inutilidade. Serve, contudo, para compreender os territórios e para, funâmbulo, poder percorrer o fio da navalha. E interrogam-se os leitores sobre o significado concreto de tão estranha palavra aplicada ao jornalismo: não há outro modo possível, a quem faz questão de ignorar os apelos desta selva. Passar como um fantasma, perpassar como um funâmbulo, sabendo do real o que as nossas próprias motivações inconscientes fazem emergir, explorando-as porque as sabemos colectivas e de necessária exposição. A outra lição é a seriedade, a coerência ou a coerente incoerência. Funciona aqui. E não deverá ser por rara, mas por ser inesperada. Ele há tantas distracções… tantos apelos, tanto casino, como diria um italiano… Expelir valores. Nas entrelinhas, nos subentendidos, nos paradoxos, nos duplos sentidos, no ataque directo e na graçola. Na escolha da notícia, do título, do destaque. No sentimento fútil da inutilidade de tudo como na satisfação efémera de uma boa edição, saber que as coisas têm o seu sítio e o seu tempo, como o pássaro amarelo de Confúcio que, quando no seu ramo cantava, sabia qual era o seu lugar e, por isso, se quedava na mais alta excelência. No entanto, por aqui, como aliás pelos tempos antigos da China, o mundo é invariavelmente composto de mudança e o pássaro amarelo vê-se obrigado a voar, a descobrir incessantemente um novo ramo de onde possa cantar. Convenhamos que se trata de uma perspectiva cansativa e pouco animadora. Talvez o melhor mesmo seja construir a sua própria Via e nela permanecer, até porque ela se faz com o caminho, ilibando do erro contumaz e da inevitável intromissão do disparate. Bem vistas bem as coisas, sentido o calafrio, nem uma nem outra opção, verdadeiramente, nos interessa. [quote_box_left]“Nunca acreditem em nada do que aqui vem escrito. Isto não é a Bíblia nem o Corão. Interroguem-se sobre notícias, opiniões, comentários e fontes. E talvez assim consigam ter uma perspectiva desta cidade que nenhum jornal vos pode dar: a vossa”[/quote_box_left] Há catorze anos que tacteamos na superfície das coisas. E connosco temos trazidos os nossos leitores ou assim gostamos de acreditar. Nunca pretendemos que vos contamos a verdade ou que vos descrevemos Macau tal qual ele é. Preferimos questionar a relatar o que nos aparece como farrapo de mitologia. Não deixamos de a reportar, bem sei. São os ócios deste ofício, a parte fácil e pouco mais que obscena. Com efeito, preferimos questionar porque temos a esperança, talvez vã mas bela, de que os nossos leitores questionarão por cima e que este jornal é um trampolim para a cidadania, para a crítica, para o diálogo, para o pensamento. Nunca acreditem em nada do que aqui vem escrito. Isto não é a Bíblia nem o Corão. Interroguem-se sobre notícias, opiniões, comentários e fontes. E talvez assim consigam ter uma perspectiva desta cidade que nenhum jornal vos pode dar: a vossa. Cheia de aleivosias e descobrimentos, mas vossa. Mas unicamente se vos interrogardes. E para lançar as questões, para problematizar, interrogar-vos a vós e ao real, desestruturá-lo, esmiuçá-lo sem nunca o esgotar, existe o Hoje Macau, neste seu décimo quarto ano de existência. Somos jovens (dirão) mas muito batidos. Por acontecimentos e por tufões, por histórias boas e novelas más, por incompreensões e zangas de ocasião. Não fazemos o nosso melhor. Porque o melhor não existe. Nunca. Hoje. Porque sabemos que surgirá sempre melhor amanhã. Ou que existe essa possibilidade. No fundo, não acreditamos em nada a não ser na nossa modesta missão de ir sendo uma voz que se pretende rouca, turva, abagaçada, mas presente, acompanhada pela incisão das imagens e de um piano longínquo a que chamamos esperança. São catorze anos em que Macau não mudou. Nada. Pouco aconteceu. Em que Macau vives tu, perguntam-nos. Nesse — é a nossa resposta. O que realmente muda é a morte. Para o ano há mais.
Carlos Morais José EditorialÉdito | Carta Aberta [dropcap syle=’circle]E[/dropcap]xcelentíssimo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Escrevo-lhe não para o maçar com obras públicas, terrenos, metro ligeiro mas sobre um assunto bem mais corriqueiro e, aparentemente, de fácil resolução. Estou certo de que se Vossa Excelência não dispusesse de transporte privado, certamente que nem seria necessário chamar-lhe a atenção para este problema que aflige residentes e turistas nesta bela Cidade do Nome de Deus. Trata-se (não abra a boca de espanto) da questão dos táxis. Pois é: o problema que encontrou quando tomou posse e parecia bem encaminhado nos meses que seguiram. Parecia mas não estava: a verdade é que voltámos à anarquia do costume. De novo os taxistas recusam clientes, aliciam outros (turistas) com preços exorbitantes e desvarios vários que, normalmente, aconteciam nas cidades mais deprimidas dos países muito pouco emergentes. Aconteciam porque acontecem cada vez menos. A não ser, é claro, em Macau. Já não lhe vou pregar sobre os efeitos perniciosos para a imagem, para o desconforto que causa ao cidadão, para a vergonha que é apresentar uma cidade assim. Queria, pelo contrário, enaltecer o trabalho de quem fez quintuplicar o número de multas passadas a taxistas prevaricadores. Pois bem: não chega. Ao que parece, é para o lado em que eles conduzem melhor. E o desbragamento continua. Senhor Secretário, já lá vai mais de meio ano desde aquele saudoso dia 19 de Dezembro em que ainda não tinha que aturar os dossiês que se acumulam na sua mesa. São projectos complexos, complicados, intrincados como quase nenhuns. Mas se não consegue pôr os carroceiros da cidade na ordem, como podemos esperar que se desenvencilhe das suas outras hercúleas tarefas, em que tem de confrontar interesses, à partida, bem mais poderosos? O poder dos taxistas não há-de ser assim tanto… Ou será que quem de facto manda menos… é o Governo? Não esqueça pois: está na altura de lhes mostrar um cartão vermelho. O que isso significa não sei, pois não passo deste seu humilde escriba e admirador, com os melhores cumprimentos, etc., etc… PS: Só para chatear (que isto não pode ser só delicadezas): aqui entre nós, no tempo dos portugueses os táxis funcionavam melhor… ai quem diria… que vergonha…
Carlos Morais José EditorialPara que serve a ONU? [dropcap style=’circle]A[/dropcap] propósito da recente destruição do templo de Bel, em Palmyra, e do assassínio de Khaled Assad, eminente arqueólogo sírio de 82 anos, muito se tem discutido sobre o que vale mais: as pessoas ou as pedras. Ou: trocar-se-ia a vida de uma pessoa pelas obras completas de Shakespeare? Estas perguntas são estúpidas e mal intencionadas. E isto porque se trata de uma e da mesma coisa. A vida de nada vale sem a memória e a memória é a vida de milhares de pessoas, o que delas resta e nos sustenta como humanos durante as nossas vidas. Nós não existimos sem a memória e a memória também não existe sem nós. Somos uma e a mesma coisa, por isso ambas têm de ser defendidas a todo o custo. Será que é assim que acontece? Não. Inúmeras vidas e património universal da humanidade são diariamente destruídas perante os olhos impassíveis dos que neste mundo detêm o poder. As perguntas que se impõem perante a escravatura e abuso de crianças, execuções em série de inocentes, limpeza étnica, destruição de artefactos de valor histórico-cultural incalculável e insubstituível é: Por que razão não intervém a ONU de modo a pôr cobro às atrocidade do ISIS? Que empecilhos existem à formação de uma força internacional que extirpe de vez esta raiz? Que outras atrocidades ou eventuais acções justificarão então a existência da ONU? Nunca, desde a II Guerra Mundial, ou seja, desde a sua criação, que a ONU não desempenha um papel tão ridículo e tão ineficaz, como no actual conflito no Médio Oriente. Parece claro que nenhuma nação no mundo apoia a ideologia que o ISIS quer implantar no mundo, nem as práticas desenvolvidas para o conseguir. No entanto, as grandes potências, com assento no Conselho de Segurança, assistem imperturbáveis a crimes que se acreditavam impossíveis no século XXI. Se assim é, no limite, para que serve a ONU?
Carlos Morais José EditorialUma doce ilusão [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]caso da médica macaense, que tirou o curso e fez a especialização em Portugal, rejeitada pelos Serviços de Saúde, pode servir-nos para perceber melhor como funciona realmente a sociedade local. Neste sentido, convém aquilatar o real poder do Governo e a sua efectiva capacidade para implementar decisões. Isto porque uma coisa é Alexis Tam ordenar a contratação de médicos e outra coisa é o processo através do qual essas contratações vão ser feitas e que o Secretário, obviamente, não controla. Ora é precisamente nesse segundo nível que os problemas parecem surgir e não apenas na área da Saúde. Não sabemos se estarão interesses obscuros em jogo ou mesmo outros mais claros e evidentes. Mas a verdade é que o modo como os processos se desenrolam deviam estar sujeitos a um extremo grau de transparência. Se assim fosse, limitar-se-ia o raio de acção de quem, julgando-se estribado nalguma arrogância ou impunidade, decide não em função do interesse público ou de uma lógica sonante mas antolhado por preconceitos ou por objectivos menos claros. Temos de considerar, por outro lado, que a sociedade local e a própria administração se encontram fragmentadas em pequenos poderes (interesses) que vão recolhendo dividendos que, à partida, não lhes pertenceriam. Contudo, este poder é, na minha opinião, algo ilusório, desde Dezembro de 1999. As coisas continuam a funcionar mas tal sucederá unicamente enquanto não criarem desarmonia social. Neste sentido, é bom entender as limitações dos Secretários, quando estes esbarram constantemente com segundas linhas, cujo programa não é exactamente o governamental. Pelo contrário, estamos perante agendas privadas, sem ideologia nem sentido prático, cujo desenrolar atrapalha amiúde os eventuais objectivos do Governo. Quinze anos depois da transferência de soberania, se o Governo não conseguir controlar as referidas agendas, o risco estará no anunciado desfazer, progressivo e sistemático, de uma doce ilusão.
Carlos Morais José EditorialDa passividade e outras fábulas Quando me vieram buscar não havia ninguém para me defender. Paráfrase de Bertold Brecht [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ez bem o novo responsável pela secção do PS em Macau em emitir um comunicado por ocasião da notícia de uma eventual candidatura de José Pereira Coutinho à Assembleia da República. Perante a real possibilidade do deputado e conselheiro alavancar alguns milhares de votos, Tiago Pereira veio à liça denunciar alguns aspectos deste processo político, cujo desenlace está longe de ser claro. Trata-se, sublinhe-se, de um processo, ou seja, algo que vem de trás, de um passado com mais de uma década, que tem produzido efeitos contínuos e que tende agora para uma maximização de algum modo inesperada. A verdade é que, pelo menos desde 2003, Pereira Coutinho tem vindo a contar com cada vez mais votos de pessoas com nacionalidade portuguesa, mas cujas língua, cultura e realidade social lhes dificultam o acesso aos temas da política lusitana, sejam estes do âmbito da comunidade local ou, ainda menos, nacional. Este distanciamento ficou bem patente na qualidade da mensagem (SMS), de origem misteriosa, que insinuava uma eventual perda de nacionalidade, no caso de não se proceder ao recenseamento, e que forçou o cônsul Vítor Sereno a emitir um incontornável esclarecimento. Só uma população totalmente ignorante dos seus direitos de cidadania nacional, da sua portugalidade, poderia engolir este tipo de esparrela e deslocar-se bovinamente ao Consulado para se recensear, como provavelmente se deslocará para votar nas eleições para o Conselho das Comunidades e para a Assembleia da República. A comunidade portuguesa da RAEM tem sido, do ponto de vista político-eleitoral, pouco a pouco, feita refém da “bondade” expressa no passado, com a excelência da atribuição generalizada da nacionalidade portuguesa à população de Macau, perante a complacência das forças vivas presentes no terreno. O mérito de Coutinho foi ter sabido detectar uma mina de ouro eleitoral, puríssimo, sem ideologias nem interesses reais, pronta a ser rentabilizada e avançar decididamente, de picareta na mão, na sua exploração. Os resultados têm sido excelentes. Curiosamente, enquanto Coutinho utilizou o seu método a nível local, no âmbito das eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas, tornando fútil o aparecimento de outros candidatos e o debate político, para o PS não veio mal ao mundo. Mas agora, que aposta mais alta se levanta, entendeu emitir um comunicado a denunciar esta bizarra situação. Porquê só agora? Porque Pereira Coutinho poderá realmente ser eleito e isso é “um problema” (para quem)? Porque o seu método não preenche os mínimos requisitos éticos, quando em causa está a Assembleia da República, mas não faz mal quando se trata do Conselho das Comunidades? Tiago Pereira resolveu emitir um comunicado. Muito bem. Em muitas das suas passagens, digamos que me tira palavras da boca ou ideias dos meus textos. É, portanto, fácil de perceber que concordo com o seu conteúdo. Há uns meses, José Rocha Dinis, também com responsabilidades no PS local, publicara um artigo em que se interrogava sobre o assunto. Muito bem. Mais vale tarde do que nunca. Não sei é se vêm a tempo de alguma coisa, que a coisa tem as suas raízes na era das fábulas. É que, como o mesmo Rocha Dinis prognosticou em 2003, antes das eleições para o CCP, estes jogos estão há muito viciados. E, desde então, perante a complacência e a passividade geral ou quase.
Carlos Morais José EditorialO génio, a sombra e outras elucubrações pícaras [dropcap style=’circle’]Os[/dropcap]antigos romanos diziam que no momento do nosso nascimento surgia igualmente no mundo um outro ente, que por todo o lado nos acompanha. Deram-lhe o nome de Génio. É um ser que, por vezes, se confunde connosco, nos protege; mas doutras faz simplesmente sentir a sua presença, como naqueles dias em que carregamos uma culpa. Lembro-me de Lord Jim, de Joseph Conrad e da história de um homem que percorre o mundo vergado pelo remorso e pela vergonha. Lá está o mesmo mecanismo, a mesma pré-eutanásia de uma identidade insuportável, a quem resta o seu Génio como daimon, como demónio, como companhia maldita. Um homem nunca se consegue livrar da sua sombra. É curiosa, aliás, a metamorfose da sombra em luz, sob o efeito da noite. Esbatidas as cores e desmaiados os contrastes, as sombras transmutam-se agora nas luzes várias dos pensamentos. O Génio não nos abandona, é um trocista irmão mais velho, um camarada que nos revolta ao vício. A presença constante da sombra é incomodativa. Diógenes mostrou ao imperador Alexandre que somos, antes de mais, um empecilho: a tua sombra tapa-me o Sol. “És a mais”, vocifera a presença do meu Génio. “Não somente uma inutilidade, mas um empecilho e projectas-me a mim, a tua sombra. Como somos ridículos…”. Sem a tendência cínica para a vida de barril, considero, contudo, a possibilidade da candeia. E mando o Génio vaguear, como Lot, na procura vã da equidade. Ele vai e volta, as mãos retintas dos frutos roubados a travessas e raparigas singulares. Lá no alto, uma estátua de sal adverte, ainda hoje, a cidade. Ele é assim: acompanha-nos como um desassossego. Fala a várias vozes, emite juízos, éditos, bolsa sentenças imorais. Não é fácil lidar com o nosso Génio. Não gostamos de admitir que ele se parece muito connosco, quando dele discordamos; mas pretendemos ser como ele, quando entre travessuras, dotado de uma graça que em nós não reconhecemos, nos surpreende e encanta.
Carlos Morais José EditorialComo vão agora recortar-me, à noite, no Tap Seac? [dropcap style= ‘circle’]E[/dropcap]xiste a tendência nalguns arquitectos de olharem as cidades mais como “territórios de caça” do que como espaços de cidadania. A atitude é, de certo modo, compreensível: caberá na sua ânsia natural de deixar marcas no espaço, ainda que para isso seja necessário apagar marcas anteriores e alheias. É precisamente neste ponto que intervêm os políticos, enquanto putativos defensores da cidadania e de valores que não constam, provavelmente, da cartilha ensinada nas escolas de arquitectura. É obrigação dos representantes do povo refrearem, por vezes, os ímpetos criativos daqueles a quem encomendam obras ou pareceres, pois na sua relação de deveres cívicos deverá constar, antes de mais, uma perspectiva alargada, que inclua valores aparentemente distantes do frenesim criativo/construtivista. Sem ser um especialista na matéria, parece-me que a fachada do Hotel Estoril é um exemplo único em Macau de uma época da arquitectura. Para além de ser bonita. Eis um argumento subjectivo que tenciono desenvolver, invocando ainda outros aspectos, difíceis de incluir na categoria estética: (Quantas vezes, noites afora, dias adentro, a pé pelo Tap Seac, não dei por mim a viajar naqueles círculos estranhos, no jogo de luzes e sombras que exibem e sobretudo quando, num repente, se autonomizam das paredes e flutuavam pela praça? Seriam bolas de sabão? Espuma caída das banheiras, fedor intenso a sabonete barato ou perfume de pele em extinção? E por que razão me encontro, num mesmo repente, numa outra era, de carros ronceiros, mulheres singularmente vestidas como nunca mais aconteceu e nela me deleito, sem nunca a ter vivido? E como me acontece, do outro lado da praça, percorrer-lhe o contorno e imaginar-lhe suspiros, contradanças, emoções de corredores e de aquário? Não sei a resposta a nenhuma destas perguntas. Mas há uma presença, a minha e a dele, a do hotel, daquele edifício que, num repente, me transporta porque é metáfora e é inesgotável. Entrei duas vezes no Hotel Estoril. Duma por julgar ali haver um bar. Que existia mas não o era. A segunda para, bebendo um whisky, contemplar as raparigas numeradas por detrás de uma vidraça. Não me move a memória, nem os afectos. É outro algo, da ordem do fantasma, da perda de quem simplesmente passa e cuja ligação se estabelece na repetição, na familiaridade. Talvez o terror obscuro de mais uma perda. Havia uma sombra, um perfil, um carácter, uma utopia, que me foram crescendo interiormente, à medida que os passos atravessaram o Tap Seac ou da janela do táxi dava conta de um detalhe, de uma perspectiva singular, quando não aberrante. O interior não interessava. Como quase tudo em Macau, a importância emanava da fachada. Houve de tudo e isso é tudo. Onde dançarão amanhã as bolas de sabão?…) Seria mesmo património. Infelizmente para as gentes como eu, cuja sensibilidade se prende aos sítios e à construção dos espaços, isto não interessa nada a outros. Para eles, conta a marca do presente, o que impede a presença do meu prazer futuro. Soa egoísta. É e não é. Em termos absolutos, é possível que a fachada do Estoril não seja nada de raro. Mas não o será no contexto de Macau? Parece-me absolutamente que sim. Não me lembro de outro edifício local que, do mesmo modo horizontal, displicente e gracioso, com a mesma dimensão, exiba os traços de um período da arquitectura que, entre outros lugares, facilmente ligaria Macau à cidade de Pangim, em Goa. A questão não reside sequer, como o leitor já deve ter intuído, em pormenores de academia. Na verdade, só pode dizer que a fachada do Hotel Estoril não interessa, no contexto da praça, quem nunca a atravessou dez vezes. Ou quem o fez sem levar o coração. Porque o peito era oco ou a carteira ansiosa. Ou por outra razão qualquer, firmemente legitimada num parecer, num doutoramento, num ditame de um sábio e no bolsar de um profeta. E todos teremos razão. Mas digam-me então senhores sábios: como vão agora recortar-me, à noite, no Tap Seac?
Carlos Morais José EditorialA lucidez implacável [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]urante a nossa vida, a de todos nós, existem momentos que implicam decisões, quantas vezes irreversíveis. É nesses momentos que duvidamos, disto e daquilo, de nós e dos outros, num justificado temor pelo que se nos apresenta obscuro mas incontornável. Pode ser uma viagem, um amor, um trabalho e até um emprego. Algo de radicalmente diferente que se ergue no horizonte e para o qual caminhamos como num sonho, qual pássaro para a boca de uma serpente. Surge-nos então a ideia de destino, de inevitabilidade: um pensamento fatal, inoportuno à razão mas agradável ao nosso pobre coração. “É assim, não pode ser de outra maneira. Não o podia evitar”, dizemos então, mais consolados, mais perdoados, perante nós mesmos. Mas, lá no fundo, nesse fundo maldito onde tantas águas negras subtilmente se agitam, nesse abismo inconstante que impudicamente nos habita, permanece o rugir da descrença, a certeza da responsabilidade e da escolha. “Nada está escrito… que não possa ser reescrito”, imprecam os grandes malditos, que se erigem em modelos a seguir. Como sobreviver e aceitar não ser isto para ser aquilo? Como não ser tudo ao mesmo tempo? Trabalhador e viajante, marido e amante, pai e amigo, operário e escritor. Como não ser isto tudo e de uma só vez, num só e imenso fôlego? E ser ainda mais, à medida das nossas impossibilidades. Surge então a lucidez, prima da razão, irmã do bom senso, madrasta da grande vida. Para nos dizer da sua lavra. Para nos encerrar os desejos num cofre pesado e atirá-lo ao mar. Para conter nos limites do curral. A lucidez implacável, essa luz sem piedade que nos dá o mundo e rouba os sonhos, que nos faz sérios e nos oculta o que é realmente sério para a vida.
Carlos Morais José EditorialRevisão da matéria não dada [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]revisão da Lei Eleitoral não deveria limitar-se aos aspectos jurídicos da questão, mas ser tratada de forma mais holística, isto é, aproveitando para entabular uma reflexão generalizada – dos think-tanks às escolas, da universidade à Administração Pública, passando pela Assembleia Legislativa e as associações – sobre o funcionamento democrático da sociedade e das suas instituições. Afinal, no sistema de Macau, a democracia eleitoral é parte constitutiva, fundamental, apesar de não determinante. E a evolução do grau da sua importância no conjunto do sistema político, sobretudo em Hong Kong, tem causado um imenso debate e polémica. Contudo, é curioso que ninguém se preocupe em reflectir sobre as consequências da fórmula em si, aplicada a uma pequena cidade como Macau, cuja economia se encontra submetida à monocultura do Jogo e seus derivados. Tudo se passa como se isso não tivesse o seu peso específico, a sua importância real no desfecho de uma futura distribuição de poder. Será que uma democracia eleitoral pode ser totalmente implementada em Macau, quando são conhecidas as fragilidades muito próprias deste tecido eleitoral? Por outras palavras, não poderiam ser encontradas outras formas de funcionamento que garantissem não apenas a liberdade de votar mas, sobretudo, uma distribuição mais equilibrada dos recursos e uma racionalização mínima de metas a atingir, que implicam o bem comum? Ou criados mecanismos legislativos com o objectivo de impedir o nepotismo e melhorar o serviço da causa pública? A voz do povo não se exprime unicamente através do voto. Na verdade, foi a fórmula encontrada para o deixar a falar sozinho, convencido de que é ouvido, até desistir de importunar perante a vacuidade da coisa. Existirão então outras formas de exprimir e realizar a vontade popular, para além de uma fila de gente a escolher outra gente, inchada de promessas balofas, de cinco em cinco anos? A revisão da Lei Eleitoral seria um bom pretexto para lançar em Macau um debate sob a democracia, as suas actuais e futuras formas. O pontapé de saída poderia ser dado pelo Governo mas ficaria muito bem a outras instituições mostrarem que existe por aqui um pouco de preocupação cívica. Daquela que não passa pela compra e pela venda de votos, mas por uma reflexão séria sobre as condições em que é adquirido e exercido o poder.
Carlos Morais José EditorialE na vida pública, vale tudo? [dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi mais ou menos desde que Júlio César passou o Rubicão, com as suas legiões, que na vida pública vale tudo. As leis da República impediam a proximidade das tropas e a sua entrada na cidade, mas o general romano ignorou-as, vociferando: “Alea jacta est” (as sortes estão lançadas). E estavam: foi curta a sua ditadura; assim também não o quiseram as sortes e os conjurados que o apunhalaram, também contra as leis da República. Na vida pública, vale tudo e ela é, geralmente e para gáudio da plebe, reversível. Veja-se como vale tudo na vida pública, também em Macau, quando pessoas são condenadas por violarem as leis eleitorais, precisamente aquelas, das novas, que mais dignidade emprestam ao cidadão. É complicado para o CCAC esticar o caso até ao limite que pareceria mais lógico (quem beneficiou com o crime), mas a sua existência comprova o ridículo de quem não quer ler a actual sociedade de Macau. Não interessa realmente condenar ninguém neste ou noutros casos, mas contemplar com horror e desdém as gentes capazes de tornar um acto eleitoral numa fantochada, onde a dignidade humana se revela existir a bom preço ou mesmo de borla quando intervém o medo. Macau é um exemplo onde tudo, mais próximo e conhecido, se torna evidente e aplicável a outras escalas, de pequenos e grandes países. Olhando para o mundo ocidental, onde a democracia eleitoral é suposto reinar, vemos o povo grego votar para um lado e o seu país ir para o outro. Assim de repente não dá para compreender. Contudo, basta pensar que hoje o voto tem de ser a horas certas, nas pessoas certas e nas políticas certas. Tudo se faz para assim ser e se assim não for, não conta. A propósito de democracia, estamos entendidos. Quanto ao que vale na vida pública, também.
Carlos Morais José EditorialPleonaxia ou a vontade de tudo possuir [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]á que falamos tanto da Grécia, recuemos até 550 anos antes da nossa era quando os filósofos entenderam estar perante uma doença caracterizada pela “vontade de tudo possuir”. Mas como era possível haver gente nesse tempo com a veleidade de tudo ter, com uma sede interminável de posse, com um abismo cravado em si de insaciabilidade perante os bens do mundo? Jean Paul Vernant, um grande helenista, explica : “A riqueza substitui todos os valores porque ela tudo pode comprar. É então que o dinheiro conta, o dinheiro faz o homem. Ora, contrariamente a todos os “outros poderes”, a riqueza não comporta qualquer limite: nada nela marca o seu termo, os seus limites, o seu fim. A essência da riqueza é a desmedida”. A riqueza, o desejo de possuir mais, instala-se como uma febre, uma loucura, e tal foi percebido melhor pelos filósofos da Antiguidade grega do que pelos homens contemporâneos. Quantos vemos a correr até ao fim da vida, com o único fito de acumularem mais dinheiro que não lhes vai servir para nada? Nesse delírio, os homens de hoje esmagam quem estiver no seu caminho, não olham a danos colaterais. Nem sequer aos danos que infligem neles mesmos. Finalmente, a pleonaxia é uma doença mental que se aproxima do desespero, que é irmã da gula e prima da inveja. Com o advento do capitalismo como regime dominante, assistimos à sua transformação em ideologia superior. Atascados numa espécie de darwinismo social, esses doentes afirmam a pleonaxia como sentido máximo da vida, não entendendo que a doença os impede de viver. Seriam coitados se à sua volta não espalhassem o mal, não destruíssem os valores alheios, as vidas dos outros, em nome da sua pleonaxia. São, é certo, lamentáveis enquanto seres humanos, prisioneiros que estão de uma cegueira, de um traço de paranóia anal (cumulativa), neles instilado por uma sociedade também doente, fixada nas contas e na acumulação. O mundo precisa de crescer e as pessoas de analisar as suas acções para não se deixarem submergir com algo que lhes foi imposto mas que eles julgam ser o zénite de uma vida quando, na verdade, se limitam a atingir o seu nadir.
Carlos Morais José EditorialA bolsa ou a vida [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Europa tem uma escolha a fazer nos próximos tempos: as pessoas ou os bancos. Ou continuamos a ser governados por políticos corrompidos pelo sistema financeiro ou teremos uma Europa que elege a justiça social e a igualdade de oportunidades como o seu princípio básico. Todas as manobras dilatórias engendradas pelos bancos resultaram. E resultaram não porque fossem muito inteligentes (na verdade, até eram um bocadinho básicas) mas porque os representantes dos povos, eleitos naquela alternância a que se chama arco da governação, simplesmente fizeram todas as vontades aos bancos e ainda os salvaram quando eles demonstraram claramente que não tinham unhas para tocar a própria guitarra que tinham construído. Vivemos uma era de políticos sem outra ideologia que não seja a manutenção do poder, ao serviço do sistema financeiro. É uma era nojenta, ressabiada, de distanciamentos, pois parece não existir saída para este nó górdio de dependências e favores, de anuências e eminências, mais ou menos pardas, de contratos e de destratos, mas tudo isto sem um pingo de ideias ou vergonha na cara, que é como quem diz sem inteligência nem ética. O que se fez a países como a Grécia e Portugal daria não só prisão para alguns como umas orelhas de burro para todos, à excepção daqueles que vocês sabem quem são. E se não sabem, eu explico: são os que vos roubam, os vivem à conta do vosso trabalho, dos vossos impostos, os que vos desgovernam para se governarem, os que ocupam vários empregos onde não fazem nada, os postos de administradores disto e daquilo (já agora não-executivos), são os que enchem de vergonha os portugueses com a sua canina admiração pela Merkels deste e do outro mundo. E são aqueles em quem vocês, portugueses, vão uma vez mais votar. Por isso não vos lamento, como não vos invejo. É triste ser de uma país que, apesar de tão pequeno, está sempre tolhido pelo medo. A escolha é entre a bolsa e a vida.
Carlos Morais José EditorialJust one of those things Para Cole Porter, com mesurada vénia [dropcap style=‘circle’]É[/dropcap]só mais uma daquelas coisas. Daquelas que começam de repente sem aviso nem sufrágio. Não conseguimos perceber bem de onde vêm. Sabemos que chegam e invadem os territórios que cuidávamos sagrados. São hábeis, são cruéis de tão belas, dotadas de graça sem consciência do mal bom que disseminam. É só mais uma daquelas coisas. Daquelas que nos deixam uma certa cicatriz, um sulco inolvidável, um cheiro que teima em persistir depois de uma catarata de remorsos nos ter passado pelo corpo. É bom e é inútil na sua inevitabilidade. Não nos larga e não nos agarra. Permanece sem querer e parte quando exprime o desejo de ficar. É só mais uma daquelas coisas. Daquelas que não podemos controlar, que nos possuem num ápice e cujo desaparecimento anunciado nos aterroriza. São assim essas coisas que são só mais uma: belas e terríveis, doces e amargas, indecentes e sem pecado. Deixam-nos calados e fazem-nos falar como se fôramos possuídos. Não sabemos o que dizemos, mas há um pânico que nos impele, uma porta que se fecha no horizonte e onde teremos rapidamente de chegar, como no mais insone dos nossos pesadelos. É só mais uma daquelas coisas. Daquelas que nos ultrapassam pela esquerda baixa e sem contemplações. Como a tempestade que se forma sobre o mar. É o poente. E nada mais. Só uma daquelas coisas, só um Verão oculto nas promessas de uma divindade inexistente. É só mais uma daquelas coisas. É só mais uma daquelas coisas…
Carlos Morais José EditorialA saúde está doente [dropcap style=’circle’]É[/dropcap] louvável o optimismo do novo director do hospital público de Macau, demonstrado na entrevista que ontem publicámos neste jornal. Kuok é falado como sendo um bom gestor, por isso não seria difícil acreditar que as suas expectativas fossem realmente fundamentadas. Contudo, contra ele, está essa coisa aborrecida e difícil a que damos o nome de realidade. Quanto ao estado das coisas, ele é praticamente indefensável. Os casos, documentados pela imprensa ou meramente passados de boca a ouvido, são inúmeros. Ainda ontem o JTM narrava um evento, no mínimo, de assombrar, passado nas assombrosas urgências, que Kuok garantia estarem em condições, se não perfeitas, pelo menos aceitáveis. Para além do atendimento médico, muitos se queixam igualmente do estado de conservação do material hospitalar, incluindo lençóis, almofadas, etc.. É natural que o novo director não queira espetar a faca no passado, mas também não pode dourar a pílula do presente, sob pena de não conseguirmos acreditar que seja capaz das melhorias que os cidadãos entendem como essenciais no futuro, num território cuja riqueza obriga o Governo a proporcionar aos seus cidadãos excelentes cuidados de saúde. Todos sabemos, da Praia Grande a Zhongnanhai, que a maior dificuldade dos serviços públicos de saúde na RAEM se prende com os serviços de saúde privados da RAEM. É o não-dito da situação, tão difícil de chamar pelo nome que se assemelha ao cancro. O seu efeito no sector público não deixa de ser algo parecido à doença oncológica, embora uma comparação com certas formas de parasitismo também não fosse de descurar. E não nos parece uma doença fácil de curar. Pelo contrário, inventam-se paliativos que, curiosamente, ao invés de resolver a situação, fortalecem a doença e enfraquecem o paciente. Não sabemos se Kuok pode ou quer resolver o estado das coisas. Provavelmente sim, contornando como puder os ditames do Altíssimo. Inegável é que, 15 anos depois da transferência de soberania, a saúde está doente.
Carlos Morais José EditorialA vergonha acabou [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão aceitar que a dívida soberana dos Estado é, antes de mais, uma dívida dos bancos privados, que esses mesmos estados tiveram de resgatar, é querer tapar o sol com a peneira. E, de facto, é isso mesmo que a propaganda oficial europeia anda a fazer há muito tempo, estribada na imprensa neo-liberal, ela própria nas mãos de interesses financeiros: tentar atribuir as culpas da crise às pessoas, ao facto de terem gasto acima das suas possibilidades, quando é o sistema financeiro o principal responsável pelo estado atroz do sítio. As falácias são muitas. O desejo dos senhores do Eurogrupo e do FMI seria manter alguns povos europeus na situação de eternos devedores, ou seja, fazer de tal modo que as crianças nascidas em 2050 ainda estariam vinculadas a pagar esta dívida que é, nas condições exigidas pelas troikas, impagável. Quem pode aceitar este tipo de situação, para além dos nossos Passos Coelhos e Marias Luís? Quem pode vender o país aos pedaços, prescindir das pescas, da agricultura, da indústria e, sobretudo, de empresas públicas lucrativas? Ninguém com espinha vertebral e o mínimo de amor ao seu povo e aos seu país. A questão hoje coloca-se, afinal, em saber quem manda na Europa: a economia ou a política? Manter a Grécia no Euro e na UE seria claramente uma decisão política, que faria com que os gregos não necessitassem de aproximações demasiado perigosas à Rússia de Putin ou mesmo à China. Levar a Grécia até à porta e aos repelões só pode ser uma decisão que não tem em conta os interesses geo-estratégicos, portanto derivada de quem unicamente equaciona o lucro como valor. O preço poderá ser no futuro muito mais alto. Mas, quando olhamos para as notícias, é-nos realmente difícil vislumbrar políticos, homens de causas, de paixões, de ideais. Vemos uns serventes do sistema financeiro, encolhidos nos seus fatos, a seguir atentivamente as boutades da senhora Lagarde ou do senhor Schaulbe. Não surge ninguém com a autoridade e a força moral capazes de libertar a Europa do espartilho bancário, desta sangria de gente, desta desonra inaceitável. Sem política, a Europa torna-se num mero mecanismo de favorecimentos financeiros, como o Tratado de Lisboa (artigo 123) plenamente demonstra. O que mais me admira é os seus mentores darem palmadas nas costas uns dos outros, como Sócrates e Barroso, sem nunca demonstrarem um pingo de vergonha. Esta, ao que parece, acabou.
Carlos Morais José EditorialO pior cego é o que não quer ver [dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uando milhares de textos, de artigos, de estudos indicam que o combate à droga não se faz através de medidas repressivas, existe uma pequena região especial da China onde se faz tudo ao contrário. Por todo o mundo civilizado, incluindo (um pouco a custo) os EUA, compreendeu-se que a questão da droga previne-se, não se criminaliza o consumo. Mas em Macau existem uns seres iluminados que pensam o oposto e querem aqui aplicar políticas dos anos 70 do século XX, cujos resultados foram estarrecedores. É pena tanta falta de cultura contemporânea, tanta falta de educação, tanta burrice. E é pena porque até a legislação portuguesa, que tanta influência ainda se faz sentir em Macau, há muito que saiu do vergonhoso caminho da criminalização do consumidor e com resultados que têm merecido elogios em todo o planeta. Graças à descriminalização do consumo, Portugal reduziu drasticamente a taxa de verdadeiros viciados, tendo-se tornado um exemplo a seguir, segundo revistas como a The Economist (conservadora) ou a Foreign Policy. Contudo, a RAEM tem muita dificuldade em chegar ao século XXI. Os nossos governantes, sobretudo na área da Justiça, têm um verdadeiro horror a tudo o que seja novo, ainda que a novidade esteja mais que provada cientificamente, como no caso da descriminalização do consumo de estupefacientes. E se não entendem a diferença, física e cultural, entre a heroína e o cannabis, o melhor é tratarem de outros assuntos, porque disto não percebem mesmo nada. E tanto que não percebem nada que o objectivo é agora criminalizar o consumo, independentemente dos géneros e das quantidades. Muito sinceramente, o polícia que prenderá um miúdo de 18 anos, porque o apanha a fumar um charro, e o tribunal que o condenará à cadeia é que são os verdadeiros criminosos. Se não percebem porquê, vão ler. Ele há coisas, como por exemplo que a Terra anda à volta do Sol, que já não há pachorra para explicar mil e uma vezes. De facto, o pior cego é o que não quer ver.
Carlos Morais José EditorialNão temer a perda [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]inguém me levaria a mal de ser um poucochinho, porque esse é o poucochinho que todos sonhamos talvez ser. Mas acrescentar algo ao curso das coisas revela-se uma tarefa difícil, por vezes morosa, doutras absurda. Existe uma quase crença na assumpção de que nos definimos pela dor e contra ela. A dor cerceia os territórios, ensina-nos onde podemos ir e que espaços nos estão vedados, interditos. A dor é uma paidéia, um curso inferior que nos constrói como sujeitos, ora tementes ora desafiantes. É que existem limites para a dor, para a paciência do animal constantemente submetido a uma qualquer tortura, seja ela de ordem física, mental ou social. E, quando esses limites são atingidos, o animal ousa finalmente mostrar os dentes. É o princípio de todas as revoluções. Para evitarmos a dor muitas vezes nos encolhemos, nos menorizamos, tendemos a desaparecer dos quotidianos, na organização proposta, nas tarefas que nos matam ao matar o tempo. É por termos evitado a dor, na forma de humilhação ou desprezo alheio, que muitos de nós não estão com a pessoa que realmente amaram ou na profissão que realmente as realizaria. Para ser é preciso, dizem, sofrer. Nunca gostei desta ideia porque entendo que mesmo a experiência da dor, do desconforto, não significa obrigatoriamente sofrimento. Qualquer mudança é um incêndio e a contemplação das chamas um prazer eufórico. Porque somos humanos, temos uma capacidade acrescida de colorir as nossas sensações e os nossos medos. De modo a realmente fruir e a desenvolver coragem. Para ser mais, não se pode temer a perda.
Carlos Morais José EditorialNão sei. Falta-me um sentido [dropcap type=”2″]“N[/dropcap]ão sei. Falta-me um sentido…”, reza um verso de Álvaro de Campos, espelhando talvez a consciência da finitude, a fraqueza do animal abandonado ao dever de entender o universo e de o narrar como os contadores de histórias, nos largos das cidades, narravam as vidas impossíveis dos deuses e dos heróis. Existe, pois, essa distância entre o mundo e esses mesmos sujeitos destinados a falar dele, a ler nas estrelas o destino, a coleccionar bibliotecas, construir labirintos que eles mesmos, como Dédalo, não compreendem e como o Minotauro enclausurados o percorrem, a decifrar os segredos da matéria e dar conta das representações das volutas da mente, a que se convencionou chamar espírito. Como cumprir então a nossa “obrigação” de procurar um sentido para as acções em que ao longo da vida nos comprometemos, ou não fossemos esse difícil animal “capaz de fazer promessas”? Do desespero ao tédio, que emerge quase que como panaceia inconsciente e perversa, deliberamos pouco e seguimos muito as vias que à nossa frente se abrem como inevitabilidades. Somos assim não porque tenhamos decidido assim ser, mas porque assim resultou o que somos. O controlo é, em geral, uma ilusão. Mas isso é também parte da beleza da vida e do seu sublime. O inesperado, o segredo para lá da curva, o acidente, o evento inquieto, é ainda o que nos resta de verdadeira singularidade e que nos empurra um pouco mais além da manada infeliz a que pertencemos. Não saber, faltar um sentido, é o primeiro passo para essa “abertura” ao mundo, para uma possibilidade de conquista, de abrasamento de um território, apenas pela virtude de um olhar. Eles chegam inesperados e terríveis, esses artistas de olhar de bronze. De outro modo seriam rechaçados, esmagar-se-iam de encontro às permanentes muralhas da razão coxa, da culpabilidade e do esquecimento.
Carlos Morais José EditorialUma baforada de bom senso [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hui Sai On tem razão quando diz que a quebra das receitas do Jogo nada tem a ver com proibição de fumar. Mas não tem a razão toda e os números que as operadoras hoje apresentam são disso testemunho. Se pensarmos um pouco, não é do interesse das operadoras que se fume nos casinos. Estou convencido que os seus donos prefeririam um ambiente mais saudável para todos. Por isso acredito mais nos dados agora revelados, no que na estatística apresentada pelo Governo, certamente através dos Serviços de Saúde, os mesmos que montaram a campanha mais fundamentalista que alguma vez aconteceu em Macau. De facto, não vislumbramos que interesse poderiam ter os casinos em albergar fumadores, se não soubessem que uma parte significativa das suas receitas desaparecerão com o fumo. Sobretudo, nas salas VIP, afinal onde se realiza diariamente a mais importante recolha de dinheiro para os cofres das operadoras, da RAEM e da população de Macau. [quote_box_right]E é bom não esquecer também que, sendo a maior parte do dinheiro aqui gasto de cidadãos chineses e de origem chinesa, é muito bom para o país que parte desse dinheiro fique em terra chinesa e não desapareça para os cofres e as economias de outros países.[/quote_box_right] (Interessante o facto do estudo governamental ter feito um “referendo informal” à população, tendo obtido o resultado de 70% a favor da proibição total do fumo nos casinos. Não se percebe bem é porque razão a população há-de ter opinião sobre isto, que não a afecta directamente, e não sobre… outras coisas. Esperamos que tenha existido uma cuidadosa protecção dos dados pessoais dos “referendados”.) A verdade é que nem sempre a realidade nem se curva perante os nossos desejos e tem aquele mau feitio de ir contra o que nos parece mais lógico, mais saudável e etc.. Basta, contudo, um pouco de bom senso para que se encontre uma alternativa ou várias alternativas que deixem todos satisfeitos. É por isso positivo que o Governo não se incruste na “tolerância zero” e deixe aberta uma porta aberta à negociação. Se assim fizer, mais não mostrará que entende a realidade da cidade que governa e, nesse sentido, não correrá o risco de ver biliões a serem desviados para outros casinos das redondezas que, provavelmente, estão a esfregar as mãos de contentes com esta atitude da RAEM. E é bom não esquecer também que, sendo a maior parte do dinheiro aqui gasto de cidadãos chineses e de origem chinesa, é muito bom para o país que parte desse dinheiro fique em terra chinesa e não desapareça para os cofres e as economias de outros países. Uma baforada de bom senso, na hora certa, tem evitado enormes descalabros. Agora precisa-se.
Carlos Morais José EditorialAmores mais baixos se levantam [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]entrevista que Konstantin Bessmertny deu ontem a este jornal coloca o dedo numa ferida muito importante deste Macau do crescimento desenfreado: o Governo deixa as concessionárias do Jogo fazerem tudo o que lhes apetece e assim inundar a RAEM de cópias baratas do que têm em Las Vegas, sem lhes exigir nada, sem controlar nada, sem dizer uma palavra sobre o que por aqui é erguido. E assim temos um Venetian (já decadente), igual ao americano, bem diferente do que a Sands fez em Singapura, ou seja, uma reprodução ao invés de um edifício singular que já se tornou num marco turístico da Ásia. E assim casinos Wynn iguaizinhos aos que existem no Nevada. E assim vamos ter uma ridícula Torre Eiffel, também copiada da que existe em Las Vegas. O mau gosto e a avareza (compreensível) dos casineiros inundou esta cidade perante a indiferença governamental. É difícil compreender a apatia do Governo perante a destruição estética da cidade. Não lhe terão amor? Ou nem sequer o assunto lhes passou pela cabeça? É certo que, numa primeira fase, os novos casinos deram muito dinheiro. Mas será que o dinheiro e só o dinheiro é a coisa mais importante do mundo? < Não será que para a qualidade de vida e do turismo de Macau, bem como para o seu renome internacional, não seria importante construir uma cidade esteticamente original, irrepreensível, e não a cópia de um sítio decadente e ultrapassado como Las Vegas? Macau, enquanto Monte Carlo do Oriente, era uma cidade charmosa, com qualidade de vida, excessiva e libertária. Esta Las Vegas da Ásia é kitsch, é foleira, não tem glamour nem mistério. Não é nada. Porque deixou de ser original. E isto perante a passividade governamental, entretido que estava a contar as patacas e a fazer maus investimentos. Espera-se que o actual Governo siga por outros caminhos, que se interesse mais pela cidade em si, que mostre realmente amor por ela, até porque “amar Macau” é também “amar a Pátria”. O problema é que, bem sabemos, pelo menos no Conselho Executivo, amores mais baixos se levantam…
Carlos Morais José EditorialAs lições do passado [dropcap style=’circle’]J[/dropcap]untar “comunidade portuguesas” ao dia de Portugal e de Camões (bem como tirar-lhe a Raça) foi uma excelente decisão. Afinal, o nosso vate também foi um exilado, um homem basicamente expulso do país, um território onde para ele não havia lugar e onde haveria, no regresso, de definhar à míngua, mesmo depois de reconhecida a sua genialidade. Portugal de modo nenhum se reduz ao pequeno rectângulo. É muito maior, muito mais vasto e mais onírico do que isso. Os portugueses não pertencem a uma etnia, fazem parte de um povo que inclui todo o tipo de gente, com as mais diversas origens étnicas. Tal teve a ver com o facto de termos saído, mas também com a realidade geográfica do país. Sendo o último da Europa para Oeste, foi durante vários séculos uma espécie de fim do mundo, onde vinha parar todo o tipo de gente. Dali não podiam passar, a não ser em sonhos. E talvez tenham sido esses sonhos que nos lançaram numa das aventuras mais ousadas que Humanidade experimentou. Os portugueses foram os autores da primeira globalização, quando mostraram que era possível o contacto entre todos os povos do planeta. A segunda globalização veio tornar esse contacto imediato. Bem sabemos da importância das novas tecnologias, mas alguém se lembra da importância de mudar os hábitos alimentares de toda a gente com o transporte de plantas alimentícias como fizeram os nossos navegadores? Pouco importa o passado, dizem-nos. Glórias de antanho não nos resolvem os problemas que hoje defrontamos, afirmam. Será que não? Será que não existem lições a tirar da História que sejam úteis na interpretação do presente? Parece-nos que sim. Parece-nos, aliás, que existem tantas lições que nós hoje temos medo de olhar para elas e corar no confronto com a audácia e a inteligência dos nossos antepassados.
Carlos Morais José EditorialHá uma noite sobre nós [dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á uma noite que se abateu sobre Portugal. Um tempo escuro, baço e sem sombras, do género que limita os homens e faz temer as mulheres. As avenidas prolongam-se e parecem sem saída. Ao longe, ao que parece na Grécia, ruge uma inclemente tempestade. Nem sempre a noite é alcova de visões. Por vezes, não passa de uma sucessão de pesadelos, de cavalgadas infernais e não se vislumbra uma saída, um oásis, um mero repouso que não sejam as mentiras dos políticos. Antes a noite dos que ousam proclamar, imprecar, invectivar as iniquidades, a noite dos que no negro profundo das noites ainda sonham sonhar um país sem pátrias, uma sociedade sem amos, um planeta sem deuses nem os seus ciúmes. [quote_box_left]Nem sempre a noite é alcova de visões. Por vezes, não passa de uma sucessão de pesadelos, de cavalgadas infernais e não se vislumbra uma saída, um oásis, um mero repouso que não sejam as mentiras dos políticos.[/quote_box_left] É fácil sonhar Portugal, atribuir-lhe características, destinos, trejeitos, salvações. E é fácil porque ele já não passa de uma ideia, de um belo constructo, de um “ir” aéreo, veloz, fazedor. Há partir e há sair. Há fugir, também. Como há rir e refulgir e todos acabam em “ir”. Porque há que ir, há que ser ar e por vezes vento, o elemento veloz, global, o da presença total, a levar sementes e pólenes vários pelas várias esferas. Ser português é ser da ideia, a que dizem ser plebeia: a de Camões, de um povo não de um herói. Povo repartido por partidas pregadas pelo mundo. Viemos de livre vontade? Eu nunca fui cobarde e não soçobrarei — assim se manifesta a grei. Há uma noite sobre nós. É espessa e difícil de enxotar. Somos filhos de uma alcateia expulsa daquela serra. Houve por lá um incêndio. Ainda arde. Os sinos repicam mas acolhem o chamamento. Repara-se agora não haver ninguém realmente capaz de o apagar.
Carlos Morais José EditorialUma comunidade [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] que somos e para onde vamos ninguém sabe. Mas de onde vimos, isso é para nós claro como os céus índicos que algum dia um de nós teve de cruzar. Vimos de Portugal. Nesta, em gerações anteriores, de avião, de vapor ou caravela, foi ali que tudo começou. E isso tem um significado, um sentido, uma responsabilidade. Quais são exactamente, em cada caso, em cada homem e cada mulher, só cada um de nós perfeitamente sabe, por se tratarem de paixões intransmissíveis. Bem podemos reduzi-las a aspectos como o mar, o fado, o ardor da planície alentejana, o bacalhau seco, a saudade, a fogosidade minhota, a bonomia algarvia, o peito feito do Porto, o pastel de nata, o sol moribundo na falésia, as noites de Lisboa, o “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”, a penedia serrana ou transmontana. [quote_box_right]Somos aqui uma comunidade devedora da História, de todos os que, nas suas pegadas, nos permitem calcorrear esta terra estranha feita família. Mas tal só deve ser entendido como dever de entender o presente e transformá-lo (nunca apenas interpretá-lo) no lugar onde nos é permitido viver.[/quote_box_right] Elas nunca serão somente isso. Como não serão apenas as ruas calçadas do Brasil e o dialecto luso, que escorre daquelas bocas como se nunca fôra mel, ou uma peça de patuá em Macau, eivada de brejeirice alfacinha. Somos tenazes. Ou porque não temos outra alternativa ou porque somos mesmo assim. Somos carraças. Quando vimos é para ficar, para nos reproduzirmos. Porque temos o excesso de julgar o mundo de todos e para todos, como virá a ser no futuro. Somos aqui uma comunidade devedora da História, de todos os que, nas suas pegadas, nos permitem calcorrear esta terra estranha feita família. Mas tal só deve ser entendido como dever de entender o presente e transformá-lo (nunca apenas interpretá-lo) no lugar onde nos é permitido viver. Aqui, sob a sombra de tantos, permanecemos no espaço ideal, hoje, para a construção do que está por vir. Por Macau tudo passa, ainda que só passe a sombra, o sintoma, a micro-referência, impossíveis de obter em qualquer outra partida do mundo. É um trabalho de atenção, de caçador ou pescador, na floresta ou no aquário global. A nossa comunidade sabe disto, mesmo que de tanto não esteja plenamente consciente. Há um monstruoso trabalho por fazer, tarefas hercúleas que instituirão o planeta de amanhã. É a nossa madrasta terra ou temos o mundo por sentença? A resposta está dada mas tudo se simplifica, tudo se ilumina, quando essa resposta é dada por cada um de nós.