Morreu Coimbra Martins, antigo embaixador ligado à questão de Macau

António Coimbra Martins era embaixador de Portugal em Paris quando, a 8 de Fevereiro de 1979, assinou a “acta das conversações sobre a questão de Macau” com o seu homólogo chinês, Han Kehua, que daria origem à Declaração Conjunta. Coimbra Martins foi um histórico do Partido Socialista e faleceu com 94 anos
Com Lusa

 

Foi do seu punho que saiu um dos mais importantes documentos para Macau e que ajudou a definir o que o território é hoje. António Coimbra Martins, histórico do Partido Socialista (PS) e diplomata, morreu esta quarta-feira à noite com 94 anos. Há mais de 40 anos, em 1979, assinou a “acta das conversações sobre a questão de Macau” quando era embaixador português em Paris. Nessa data foram também restabelecidas as relações diplomáticas entre Portugal e a China.

Em declarações à Lusa proferidas em 2019, a propósito do aniversário da transição, Coimbra Martins lembrou como a superstição foi importante para a escolha da data de assinatura destes documentos, dada a importância que os chineses dão ao número 8, associado à boa sorte e fortuna. Foi Han Kehua, embaixador chinês, que abordou Coimbra Martins, ainda em Janeiro de 1978, propondo que os dois “fossem habilitados a convir nos termos do protocolo oficial que precederia e determinaria a troca de embaixadores, sendo aplanadas as divergências que pudessem surgir.”

Depois do sim de Lisboa, o Conselho de Ministros define, em Junho de 1978, Macau como território chinês sob administração portuguesa. A 10 de Junho o embaixador chinês apareceria, pela primeira vez, na recepção organizada pela embaixada de Portugal para assinalar a festa nacional. Só então “começam as negociações”, contou António Coimbra Martins, destacando que Macau era “uma questão prévia”.

Segundo o embaixador, este “problema legado pela História (…) deveria ter uma solução apropriada” que passaria por um acordo entre ambas as partes quanto ao princípio da retrocessão ao estabelecerem-se as relações diplomáticas.

“Com estes princípios elaborou-se um apontamento que, em redacção definitiva, devia ser assinado pelos dois negociadores… documento que veio a ser denominado ‘acta secreta’, ou acta das conversações havidas em Paris”, relata o antigo diplomata.

Depois de vários percalços, os documentos são, finalmente, assinados. “No teor do comunicado publicado em Portugal, figurava o nome do embaixador Han Kehua, mas não o meu. A acta, que se dizia dever ser secreta, fora publicada mais ou menos. Tornara-se a ‘acta de Polichinelo’. Em compensação transferia-se o secretismo para o nome de um dos signatários”, lembrou Coimbra Martins.

Palavras do Presidente

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República portuguesa, lamentou a morte de Coimbra Martins, destacando o seu papel em negociações político-diplomáticas após o 25 de Abril de 1974. “Devemos-lhe diversas negociações muito relevantes do Portugal pós-revolucionário, como a reinserção de Portugal na UNESCO, a abertura de relações diplomáticas com a China e as políticas integradoras das comunidades portuguesas emigradas.”

O Presidente da República referiu que Coimbra Martins foi “ensaísta, académico, fundador do PS, deputado, eurodeputado e ministro da Cultura do IX Governo Constitucional”.

Nascido em Lisboa, em Janeiro de 1927, António Coimbra Martins era formado em Filologia Românica, pela Universidade de Lisboa, e foi professor do ensino secundário e leitor de português nas universidades de Montpellier, Aix-Marselha e Paris, tendo depois ingressado como assistente na Faculdade de Letras de Lisboa, onde regeu a cadeira de literatura francesa.

21 Mai 2021

Associação dos Advogados de Macau | 30 anos de adaptação a novos tempos

A Associação dos Advogados de Macau foi criada em 1991 para garantir a manutenção da classe e a autorregulação após a transferência de soberania do território. Advogados e antigos dirigentes falam de um projecto bem-sucedido, da importância de manter o Direito de matriz portuguesa e lamentam que não surjam nomes para substituir Jorge Neto Valente na presidência da associação

 

A advocacia é hoje a única profissão liberal em Macau com autorregulação e isso deve-se à visão dos advogados que, ainda na década de 90, ainda durante a Administração portuguesa, pensaram no futuro. Em 1991 seria oficialmente criada a Associação dos Advogados de Macau (AAM), provando-se que uma mera extensão da Ordem dos Advogados (OA) não iria funcionar.

Eram os tempos em que a “ideia de associação era uma coisa peregrina”, conforme lembrou o advogado Miguel de Senna Fernandes. Isto porque “o tradicional advogado sempre foi independente, um profissional liberal”. “Não havia muito a tradição dos escritórios de advogados”, lembrou.

“Os advogados começaram a ter a percepção da necessidade de se organizarem (…) para que a transição fosse harmoniosa. A base de autonomia, independência e autorregulação é a coisa mais preciosa que os advogados têm”, destacou Frederico Rato, sócio e fundador do escritório Lektou.

Para o causídico, o percurso da AAM, nos últimos 30 anos, “não tem tido grandes solavancos, mas não é fácil”. “Tem sido um percurso com coerência, homogeneidade e dignidade, respeitando o carácter técnico e ético da nossa actividade”, frisou.

Amélia António, advogada e presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), esteve ligada à criação do primeiro escritório de advogados no território. ao HM, faz um “balanço bastante positivo” do trabalho da AAM. “Se esse passo não tivesse sido dado [a criação da associação] os advogados não tinham hoje o estatuto que têm, não tinham um órgão autorregulador.”

Para Amélia António a associação foi sabendo viver com condicionantes momentâneas e conseguiu “pôr acima de tudo a defesa das condições do exercício da profissão, que continua a ser um ponto extremamente importante para todos os advogados”, acrescentou.

Miguel de Senna Fernandes também destaca a importância da associação “que foi um marco fundamental e estrutural da ideia e prática do Direito em Macau”. “Sem a associação, a prática do Direito estaria muito desorganizada. Está mais consolidada, é uma associação que se adaptou aos novos tempos. O universo dos colegas é radicalmente diferente daquele que era no início e ainda bem que assim é”, adiantou o advogado macaense.

João Miguel Barros, que foi secretário-geral da AAM, recorda o facto de a associação ter começado “de forma mais cautelosa, ganhando depois credibilidade”. “É a única associação pública profissional que existe na RAEM. Nem tudo é perfeito, mas é importante que se mantenha assim. Acima de tudo é importante ter presente o que é ser advogado e o papel da advocacia em qualquer sociedade”, adiantou.

Olhando para estes 30 anos, Barros destaca a criação dos centros de arbitragem e mediação, um processo que começou “tarde”. “Uma das últimas coisas em que me empenhei foi na criação de um centro de arbitragem, mas só agora é que se começam a dar passos mais seguros no sentido de desenvolver a arbitragem e a mediação”, frisou.

Neto Valente, o rosto de sempre

Jorge Neto Valente tem sido o presidente da AAM nos últimos anos e, à excepção de uma tentativa de candidatura de Sérgio de Almeida Correia, que acabou por não avançar, mais ninguém tem dado esse passo. João Miguel Barros lamenta que “a associação não tenha tido capacidade de renovação”.

“Sou a favor da limitação de mandatos, embora isto não tenha uma crítica implícita a ninguém. Vale tanto para este presidente como para qualquer outro, é uma questão de princípio. Não é saudável para a associação que sejam sempre os mesmos rostos que estejam a exercer o poder.”

Para Amélia António, não basta apontar o dedo a quem assume estes cargos. “As pessoas não estão impedidas de concorrer e de manifestar as suas posições. Se a associação mantém uma determinada gestão ao longo dos anos é porque as condicionantes apontaram para aí, porque não se colocam alternativas, as pessoas não aparecem. Com associações de peso, com impacto social, não é fácil que surjam alternativas credíveis assim de repente.”
Miguel de Senna Fernandes considera que Jorge Neto Valente tem sido um presidente “consensual”. “Naturalmente, há sempre vozes contra e respeita-se isso, mas neste momento não vejo outra pessoa com perfil para presidir à AAM. Obviamente que haverá e terá de haver, caso contrário a associação morre numa pessoa”, frisou.

A manutenção do Direito

Numa altura em que a integração regional do território, no contexto da Grande Baía, é palavra de ordem, já existem alguns escritórios de advogados do lado de lá da fronteira. Cabe então à AAM assegurar a manutenção do Direito local, de matriz portuguesa, e da língua portuguesa.

“É fundamental que se defenda a matriz própria de Macau, que assenta na igualdade de línguas. Oxalá que os futuros dirigentes da associação defendam esta matriz específica. Apesar de os colegas chineses estarem em maioria, não se esqueceu da matriz muito própria de Macau que passa pelo uso da língua portuguesa.”

Para Amélia António, “o Direito não é estático e tem de acompanhar a evolução” da sociedade. Ainda assim, “há princípios basilares em que assenta toda a estrutura que têm de ser defendidos e preservados”.

Hoje há cada vez mais advogados formados em Macau e que dominam o português e o chinês, o que faz com que o cenário da prática do Direito tenha mudado em relação aos primeiros tempos da AAM. “É inevitável que isto aconteça [mais advogados bilingues]. Mas o não domínio da língua chinesa não pode significar redução de direitos para os advogados de língua portuguesa em Macau. Não podemos abdicar da língua portuguesa e esse problema vem sempre ao de cima na abertura do Ano Judiciário. O bilinguismo é um facto, e é por aí que se deve caminhar”, disse João Miguel Barros.

O advogado não está contra a entrada de escritórios locais na Grande Baía, mas pede a manutenção dos princípios já consagrados nas leis. “Temos uma Lei Básica e uma configuração judiciária que está garantida por um período de 50 anos. A AAM tem o dever de zelar para que se cumpram os princípios orientadores que são próprios da RAEM. Mas outra coisa é manter o isolamento, e a AAM tem anunciado um conjunto vasto de acções para promover o intercâmbio com outras associações do continente. Acho que é importante que esse caminho seja prosseguido.”
Miguel de Senna Fernandes considera que é cedo para ver a ligação do sector ao projecto da Grande Baía, mas a integração é, sem dúvida, um passo. “É fundamental que em Macau haja respeito pelas especificidades do Direito local. Se no futuro tende a misturar-se e a diluir, não tenho dúvidas. A tendência natural é da uniformização, mas Macau continua a ter essa especificidade. Há escritórios que já estão na Grande Baía porque têm condições para o fazer. Mas é necessário ver o que isto significa para escritórios de menor dimensão e projecção e ainda não há nada visível que possa atrair isso de forma generalizada. Mas é uma questão de tempo.”

Criticar ou não criticar?

Nos últimos anos Jorge Neto Valente tem feito intervenções públicas pontuais, mas é no habitual discurso de abertura do Ano Judiciário que o presidente da AAM aproveita para fazer os devidos reparos ao estado da justiça.

Nos últimos anos, as suas bandeiras têm sido, por exemplo, o aumento do número de magistrados no Tribunal de Última Instância (TUI) e a valorização do papel dos tribunais. Além disso, não têm faltado reparos quanto à necessidade de apostar mais no sistema de arbitragem e mediação, à qualidade dos cursos de Direito no território ou às falhas de interpretação da lei em muitos serviços públicos. No discurso de 2019, Jorge Neto Valente falou também da “preocupação” sobre a situação que se vivia em Hong Kong, com protestos nas ruas. “O nosso quotidiano depende, em muitos aspectos, da normalidade da vida em Hong Kong. As imagens que a toda a hora nos chegam pelos noticiários e redes sociais revelam a destruição criminosa de propriedades públicas e privadas sem qualquer razão, agressões a residentes pacíficos só porque não apoiam os manifestantes e, sobre tudo, ataques armados aos agentes policiais que tentam fazer cumprir a Lei e proteger os cidadãos. É sabido que a violência gera violência; mas há que escolher entre restabelecer a ordem nas ruas e regressar à paz social, ou permitir que os motins se arrastem até situações caóticas de que será muito difícil recuperar.”

Para Frederico Rato, “a associação tem tido uma voz activa e participante”. “Há associados que defendem que a AAM deveria ter uma voz ainda mais crítica para determinadas situações, e há outros que dizem que exagera nas suas posições, mas as coisas são assim. A AAM tem de ter uma actuação que seja, de algum modo, coadunada com a realidade em que vai actuando, que tem alterações às quais é necessário estar atento e tomar medidas”, apontou.

João Miguel Barros é uma das vozes que pede maior intervenção. “Noto uma grande diferença de posicionamento entre a direcção da AAM e a associação de advogados de Hong Kong, que tem um papel mais interveniente na defesa de princípios e de valores fundamentais. A AAM é muito silenciosa relativamente a esse aspecto e isso é uma coisa que me custa, porque faz parte do código genético dos advogados defender direitos e as liberdades das pessoas. A AAM tem de começar a ter uma intervenção pública mais acutilante sempre que estejam em causa certas situações.”
João Miguel Barros considera “inaceitável que não exista um impedimento ou incompatibilidade para o exercício de cargo na AAM em relação aos advogados que exerçam actividades comerciais e empresarias executivas em empresas”. “Não vejo inconveniente em pertencer a mesas de assembleias-gerais ou a conselhos consultivos, mas vejo potenciais conflitos de interesses quando em simultâneo se exerçam actividades em conselhos de administração ou de direcção de empresas. E esta exigência de transparência deve ser reforçada em relação a todos aqueles que se proponham exercer cargos socais na AAM”, adiantou o advogado.

O HM tentou chegar à fala com Jorge Neto Valente, mas até ao fecho desta edição não foi possível estabelecer contacto. Também não foi possível obter um esclarecimento sobre em que fase está o processo de negociações com a OA para um novo protocolo relativo à vinda de advogados portugueses para o território.

Hoje a AAM tem 446 advogados inscritos e 133 advogados estagiários, segundo dados do ano passado. Estes agrupam-se em 100 escritórios independentes. De entre os advogados, há 91 notários privados.

21 Mai 2021

Covid-19 | Residente com recaída, mas não é considerado caso importado

Uma mulher de 24 anos, residente de Macau, teve uma recaída da covid-19 depois de ter estado infectada em Janeiro, informou ontem o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus. A doente entrou ontem em Macau, tendo o teste de ácido nucleico de despistagem da covid-19 dado “francamente positivo”. Além disso, “os testes de anticorpos realizados foram positivos, tendo esta mulher sido encaminhada para o Centro Clínico da Saúde Pública de Alto de Coloane para observação”. Neste momento a mulher não apresenta quaisquer sintomas.

O Centro denota que “esta mulher já tinha sido confirmada como tendo sido infectada no exterior”, tendo o caso sido classificado como “de recaída da infecção no exterior, mas não contabilizado como caso importado em Macau”.

O primeiro diagnóstico da residente foi feito a 15 de Janeiro deste ano, tendo a mulher sentido dores de cabeça e de garganta. Realizou o isolamento na sua casa. Nos dias 30 de Abril e 17 de Maio, os testes de ácido nucleico deram negativo. A residente partiu de Londres na terça-feira com destino a Paris, tendo efectuado trânsito com destino ao Aeroporto Internacional Taoyuan de Taiwan. Ontem, num novo voo em trânsito, viajou para Macau no voo BR801 da EVA Air de Taiwain para Macau, no assento 47C.

O Centro de Coordenação alerta para o facto de existirem “muitos casos em que o diagnóstico foi confirmado após terem sido realizados vários testes de ácido nucleico negativos”.

Foi decretada a obrigatoriedade de, à chegada ao território, a realização, por parte de “todos os indivíduos que regressam de países estrangeiros, além do teste de ácido nucleico, o teste de anticorpos contra a covid-19”. O Centro alerta que esta medida pretende evitar “a ocorrência de um foco infeccioso quando deixem o hotel de observação médica”.

20 Mai 2021

Albergue SCM | “Profound”, exposição de David Sheekwan, abre hoje portas

A segunda parte da exposição “Profound”, do artista David Sheekwan, é inaugurada hoje na galeria do Albergue SCM, ao mesmo tempo que a primeira parte se mantém de portas abertas na galeria At Light. No total, o público pode disfrutar de 14 pinturas a óleo do artista de Hong Kong

 

“Profound – Works by David Sheekwan” abre hoje portas na galeria A2 do Albergue da Santa Casa da Misericórdia (SCM) às 18h30. Um total de 14 pinturas a óleo do artista serão exibidas até 4 de Julho, ao mesmo tempo que continua patente a primeira parte da mesma exposição já patente na galeria At Light, da associação Arts Empowering Lab, até ao dia 26 de Junho.

A curadoria está a cargo de Joey Ho que, num texto intitulado “Entre a Ilusão e o Sonho”, descreve o trabalho de David Sheekwan como “profundo, simples e abstracto”, quer seja em fotografia, pintura a óleo ou caligrafia chinesa.

“David tem uma grande capacidade de organizar cores profundas e frias, como o cinzento, preto, azul e verde escuro, na tela de uma forma delicada. Com esta organização, as cores frias apresentam uma atmosfera pacífica e amável”, escreveu ainda Joey Ho.

Natural de Hong Kong, David Sheekwan é um artista multifacetado. Formado em cerâmica e pintura pelo Instituto de Arte de São Francisco em 1955, com o apoio de uma bolsa de três anos, David fez as malas e partiu depois para Paris, onde abriu um estúdio de design. Em 1972 regressou a Hong Kong onde começou a marca de roupa David & David.

Coube à David & David a concepção do guarda-roupa do espectáculo “A Story of White Serpent”, dirigido por Rebecca Pan Dihua, entre outros. Nos anos 80, David Sheekwan tornou-se professor na Parson’s School of Design, ao mesmo tempo que começou a estudar fotografia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. A primeira obra que assinou nesta área seria publicada em 1999, com o nome “Photographs by David Sheekwan”.

Uma nota descreve o artista como alguém curioso “sobre o cosmos desde a infância”, um tema recorrente no seu trabalho actual. “A sua caligrafia abstracta e pinturas revelam uma observação única das cores, linhas e proporções. O seu estilo de pintura é simples mas misterioso – as suas obras deixam sempre espaço para as pessoas pensarem”, lê-se.

Arte sem explicação

Joey Ho destaca a importância do trabalho de David Sheekwan na indústria da moda em Hong Kong e a postura que este assume perante a arte. “Falar com o David é um verdadeiro prazer. Quando discutimos os trabalhos artísticos, os seus olhos brilham com pureza e clarividência, afirmando ‘Quando pinto, o meu cérebro está vazio e não penso em nada. Se a arte pode ser explicada, não existe de todo”, descreveu a curadora.

Quando estudou fotografia, em Los Angeles, David Sheekwan já tinha 60 anos de idade, e voltou a pintar com 80. “Estou grata por, graças a um acaso do universo, ter conhecido David Sheekwan, um perfeito exemplo de um fantasma. Através das suas experiências e da criação artística, agarrei um verdadeiro vislumbre entre a ilusão e o sonho”, rematou Joey Ho.

20 Mai 2021

Eleições | Neto Valente diz que funcionários públicos não devem fazer campanha

O presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), Jorge Neto Valente, disse que não há uma lei que proíba funcionários públicos de subscreverem listas candidatas às eleições, mas acredita que não devem participar em campanhas eleitorais em nome da neutralidade. A AAM celebra 30 anos este fim-de-semana

 

Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM) defendeu na terça-feira que os funcionários públicos não se devem envolver em campanhas eleitorais, apesar de não haver nenhuma lei que os proíba de subscrever listas candidatas às eleições para a Assembleia Legislativa.

“Não conheço nenhuma lei que proíba os funcionários [públicos] de subscreverem listas de candidatura. Mas acho que não devem envolver-se em campanha”, começou por dizer o responsável, em declarações à TDM Canal Macau.

“Não é que não tenham liberdade de o fazer, mas os funcionários não podem seleccionar os residentes, aqueles que pensam como eles ou os que pensam o contrário. Os funcionários devem ser neutros em política e devem ser vistos como neutros, porque se são vistos como estando encostados a um lado isso pode afectar a credibilidade do serviço. Não se devem envolver em campanhas, mas isso é uma opção pessoal porque ninguém pode controlar o que vai dentro da cabeça das pessoas. Subscrever uma candidatura não é proibido”, adiantou.

Jorge Neto Valente falou à margem da apresentação do programa de celebrações do Dia do Advogado e dos 30 anos da AAM, que acontece até domingo. As comemorações começaram ontem, com a celebração de uma missa na Igreja de São Domingos, prolongando-se ao longo do fim-de-semana. Amanhã decorrem também as actividades do Dia do Advogado, com a cerimónia de inauguração e jantar no MGM Cotai a partir das 18h30.

Debate na Universidade

Ao longo do fim-de-semana, haverá lugar para a conferência “O Cibermundo e o Direito”, no sábado e domingo entre as 15h e 18h30, no auditório do Centro Cultural da Universidade da Cidade de Macau. Os oradores serão advogados de Guangdong, Hong Kong e Macau, bem como juristas e especialistas da RAEM, informa um comunicado da AAM.

Jorge Neto Valente defendeu que o cibercrime “é um tema muito vasto e complicado, porque envolve a protecção de dados pessoais, o que suscita alguns problemas e dúvidas”. “Depois temos uma outra parte do último dia sobre a digitalização da justiça, que é uma matéria na qual Macau está muito, mas mesmo muito, atrasado”, frisou o presidente.

À TDM Rádio Macau, Neto Valente defendeu que a profissão de advogado passou “o teste do tempo”. “Naturalmente que o estatuto do advogado em 30 anos tem desactualizações, tem situações que hoje poderiam ser reguladas de maneira algo diferente. Mas o essencial não é isso. O essencial é o que está feito e que continua a provar que passou o teste do tempo. Há outras prioridades, e um dia destes se pensará nisso, um dia destes se pensará melhor como regular as situações que temos hoje em dia”, disse.

De 80 advogados inscritos em 1999 para 450, incluindo 130 estagiários, a AAM tem hoje mais licenciados locais e, sobretudo, bilíngues. “Passou a haver muito menos candidatos formados em Portugal e passou a haver muito mais licenciados locais e sobretudo muitos mais advogados e estagiários de língua materna chinesa”, concluiu Neto Valente.

20 Mai 2021

Covid-19 | Serviços de Saúde alertam para “consequências graves” de um surto comunitário

Alvis Lo, director dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), disse ontem que “se houver um surto epidémico as consequências podem ser muito graves”, numa referência à necessidade de atingir uma maior taxa de vacinação contra a covid-19 no território. Alvis Lo visitou ontem o Posto de Inoculação Comunitário sobre vacinas contra a covid-19 dos Serviços de Saúde, instalado no Fórum de Macau, que abre hoje portas.

O médico lembrou que actualmente a situação epidémica em todo o mundo “é ainda muito grave”, pelo que “a pandemia espalhada por várias regiões vizinhas é uma ameaça séria a Macau”. “A taxa de vacinação em Macau está ainda num nível baixo e não facilita o trabalho geral de prevenção académica”, lembrou ainda.

O director dos SSM frisou que “se houver um surto os profissionais de saúde terão de estar empenhados no combate à epidemia e, ao mesmo tempo, acorrer ao aumento súbito da procura da administração da vacina”, pelo que se pode “agravar os encargos com o trabalho epidémico”.

Com marcações disponíveis desde terça-feira, este posto de vacinação terá, para já, duas mil vagas para a administração da vacina da Sinopharm, funcionando entre as 9h e as 17h. Os destinatários são todas as pessoas elegíveis para a vacinação gratuita com idade igual ou superior a 18 anos.

Todos os postos de vacinação recebem agora pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, que passam a poder vacinar-se em outros locais além do Centro Hospitalar Conde de São Januário. Os SSM vão também administrar vacinas aos funcionários da MGM entre segunda e terça-feira, dias 24 e 25, e do casino Sands entre os dias 31 de Maio e 3 de Junho.

19 Mai 2021

Covid-19 | Suspensos voos de escala em Taiwan. Centenas de alunos querem voltar 

As autoridades de Taiwan suspenderam os voos de escala com destino a Macau devido ao aumento de casos de covid-19, mas mantêm-se os voos regulares. Um total de 690 estudantes da RAEM em Taiwan pretendem voltar ao território nos próximos dois meses

 

O aumento do número de casos de covid-19 em Taiwan obrigou a região a suspender os voos de escala oriundos do estrangeiro a partir desta quarta-feira e até ao dia 18 de Junho, o que traz consequências para quem deseja regressar ou sair do território. Mantêm-se, no entanto, os voos regulares entre as duas regiões, tendo chegado ontem a Macau três voos oriundos de Taiwan. “Ainda não recebemos qualquer informação de que os voos de Macau para Taiwan foram suspensos, só recebemos a informação de que os voos de escala por Taipé foram suspensos”, disse um responsável do Centro de Coordenação de Contingência do Novo Coronavírus, durante a habitual conferência de imprensa de actualização dos dados da pandemia.

As autoridades locais estão a prestar atenção ao regresso de alunos do ensino superior de Macau que se encontram na Ilha Formosa. Até ontem 690 estudantes tinham pedido informações à Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ). Foram recebidos, no total, 914 pedidos de informação.

Quanto à possibilidade de serem organizados voos fretados, os responsáveis nada adiantaram. “Propomos que todos os necessitados mantenham o contacto com os Serviços de Saúde de Macau e Direcção dos Serviços de Turismo para resolverem as suas dificuldades. Vamos prestar atenção para ver como podemos ajudar os alunos a voltar a Macau”, disse o responsável da DSEDJ.

Além de aumentar o período de quarentena de 14 para 21 dias para quem chega de Taiwan, o Centro de Coordenação decidiu também implementar um período de auto-gestão de saúde de sete dias para quem tiver testes anti-corpos com resultado positivo realizados durante a quarentena. Isso implica que, nos casos de pessoas chegadas da Índia, Paquistão, Filipinas, Nepal e Brasil a quarentena possa atingir os 35 dias.

Das vacinas

Foi também anunciado que as pessoas com mais de 60 anos podem agora ser vacinadas contra a covid-19 em qualquer local e não apenas no hospital público. Além disso, o edifício do Fórum irá vacinar, a partir desta quinta-feira, duas mil pessoas contra a covid-19. As marcações começam hoje, sendo administradas apenas vacinas da Sinopharm.

As pessoas com as duas doses da vacina passam a estar isentas, a partir de hoje, de realização do teste de ácido nucleico, à excepção das que trabalham em cadeias de frio, hotéis de observação médica, no aeroporto e nas fronteiras, foi ainda adiantado. O Governo deixa também de fornecer testes em eventos organizados pela Administração a partir do dia 18 de Julho.

Três meses isolado

Em relação ao 50.º caso de covid-19 no território, trata-se de um não residente do Nepal que trabalha no Estabelecimento Prisional de Macau (EPM). “Está sem sintomas neste momento. Os resultados mostram que se trata de uma variante do vírus com o código D614J, não é uma variante do Reino Unido, África do Sul, Brasil, Índia ou EUA”, disse a médica Leong Iek Hou, coordenadora do Centro.

O homem será sujeito a regras específicas quando voltar ao trabalho. “O EPM implica um trabalho num ambiente fechado e [este trabalhador] vai ter de usar sempre máscara e ser sujeito à medição da temperatura. Terá de usar luvas e no período inicial de trabalho não vai contactar com os prisioneiros nem ter muito contacto com os outros colegas. Vai também ficar numa residência particular e estar afastado das outras pessoas durante as refeições. Essas medidas serão aplicadas durante três meses”, adiantou a mesma responsável.

18 Mai 2021

Heitor Romana: “Macaenses têm de estar no exercício do poder”

Assessor do ex-Governador Rocha Vieira em Macau e actualmente professor catedrático no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Heitor Romana fala do tom paternalista que a China tem assumido em relação a Hong Kong e Macau e defende que os macaenses têm de ter maior protagonismo no poder político em prol da sua sobrevivência

 

Falou recentemente, numa palestra online, da importância da cultura estratégica dos países na tomada de decisões diplomáticas. No caso da China, que análise faz?

A cultura estratégica da China tem como elemento de referência o conceito de tempo histórico, civilizacional, estratégico. Quando os líderes chineses, o Partido Comunista Chinês (PCC), nas diferentes gerações, se referem ao papel da China na ordem internacional, no equilíbrio do sistema internacional, vão sempre apoiar a posição do país no mundo, e até a sua política interna e externa, em aspectos de base ideológica. A propósito do conceito “o sonho chinês”, de Xi Jinping, é trabalhado num quadro onde estão sempre presentes as ideias de história e tradição e valores culturais. Outro aspecto da cultura estratégica associado ao tempo é a ideia de flexibilidade, dualidade, equilíbrio. Podemos dizer que há uma certa continuidade em ideias chave no pensamento chinês que incorpora os princípios do equilíbrio, harmonia.

A China tem vindo a afirmar que não quer enveredar pela via bélica.

Exactamente. A China proclama que quer harmonia para o mundo. Mas há uma dualidade, as contradições que são a marca do comportamento estratégico chinês, o Ying e o Yiang. É o equilíbrio dessa contradição que sustenta essa harmonia. A forma como a China olha para a ordem internacional também é assim. Vejamos, aliás, um conceito interessante que não é de Mao Tse-tung, mas que ele desenvolveu, que é o das contradições antagónicas e não antagónicas. Foi Lenine que avançou com isso, na ordem internacional e na luta de classes. A China pratica isso no desenvolvimento da sua política externa. As contradições antagónicas, que separam de forma incontornável os actores, e aí poderemos dizer que há uma contradição antagónica entre a China e os EUA.

Refere-se ao sistema político.

Por exemplo, mas não só. Também pela percepção que cada país tem do que deve ser a ordem internacional. A China rejeita liminarmente a hegemonia dos EUA no mundo. Hoje a China continua a assumir o papel de líder do [eixo] Sul-Sul, dos [países] que se opõem à hegemonia dos EUA ou dos blocos que se venham a constituir.

Até que ponto essa cultura estratégica se verifica na relação da China com as regiões administrativas especiais?

Há um aspecto central da cultura chinesa que é a natureza paternalista do exercício do poder ao longo da história, e também de indulgência. Primeiro por parte do Imperador e depois pelo Partido. É a ideia de que o indivíduo deixado a si próprio tem dificuldades em sobreviver, e a comunidade também. Historicamente e culturalmente Macau e Hong Kong são chineses, têm a influência do sul da China. E há uma perspectiva paternalista que, aliás, é muito visível quando Hong Kong e Macau voltam à soberania chinesa, à Pátria-mãe. Esta perspectiva paternalista do poder aplica-se perfeitamente a Macau e a Hong Kong.

Como?

Essa visão paternalista observa-se sobretudo em Macau, porque Hong Kong e Macau não são a mesma coisa. A ideia de garantir, controlar, disciplinar, monitorizar, para que tudo corra bem. Mas este discurso foi aplicado também em Portugal durante quase 50 anos, de que a sociedade deixada sozinha resultava num caos. É esse o medo da China, o caos.

Também em relação a Taiwan se verifica esse paternalismo?

É algo potencialmente belicista. O caso de Taiwan tem outros contornos, também há o regresso à Pátria-mãe. Taiwan é o filho pródigo que se afastou e que mais tarde ou mais cedo vai ter de voltar ao regaço da família e será castigado se não o fizer. Mas Taiwan tem outros contornos que não se esgotam nesta leitura, nomeadamente estratégicos. Tem uma posição geoestratégica fundamental na ligação entre o mar do sul da China e a China setentrional. Está no eixo de passagem do comércio marítimo do Estreito de Malaca até ao Japão. Hong Kong e Macau também têm esse posicionamento, mas não se compara. Mas a propósito de Hong Kong e Macau, esse paternalismo político dentro da cultura estratégica faz o seu caminho.

Mas até que ponto há diferenças?

É preciso perceber, sem complexos, que Hong Kong era uma colónia de um grande poder mundial, o Reino Unido. Hong Kong é uma grande metrópole cosmopolita, um centro de negócios, porta de entrada durante muito tempo de investimento estrangeiro na China e, por isso, tem uma posição geoestratégica ímpar, que dá à sua sociedade um carácter único. Há a figura dos naturais de Hong Kong que é diferente ds macaenses, é uma espécie de cidadania. O “hongkonguer” é até um conceito político. Corresponde a uma forma de estar e de vida e, aliás, a Lei Básica estabelece que durante 50 anos se mantém mais ou menos alterada essa forma de vida. Em Macau isso existe, mas não vale a pena fazer uma comparação com Hong Kong. Mas em relação a Macau, queria fazer a justiça do seu papel na China.

Em que sentido?

Macau já não é só a capital do jogo e verdadeiramente nunca foi só isso. Há uma funcionalidade geopolítica de Macau para a China em três momentos. Macau tem uma importância para a China que não pode ser esquecida.

Que momentos são esses?

Dois deles correspondem também a interesses de Portugal. O primeiro momento foi em 1987 com a assinatura da Declaração Conjunta. Macau estava num processo de transformação, o PCC tinha aprovado as quatro modernizações e a política de abertura ao exterior, que levou à criação das Zonas Económicas Especiais. O ano de 1987 antecede o processo de abertura da China. A China aí procurou garantir a credibilidade internacional e demonstrar que era um parceiro fiável. O processo que começou em 1987 e terminou em 1999 corresponde no plano dos interesses estratégicos externos da China ao momento de afirmação do país na ordem internacional. E Macau tem um papel importante aí porque foi o seguro da estabilidade da China. Se as coisas tivessem corrido mal em Macau a imagem da China teria sido afectada.

O processo de transição de Hong Kong foi bem mais conturbado.

É verdade. Mas mesmo assim em Hong Kong acaba por correr bem. Houve questões de natureza política que envolveram o último Governador, mas não se evitou que a transição tivesse corrido com normalidade, nunca houve uma ruptura. Houve algumas posições antagónicas, também verificadas em Macau, mas a nossa diplomacia era completamente diferente, menos agressiva.

De que posições antagónicas fala em relação a Macau?

A questão da localização dos quadros e a atribuição da nacionalidade portuguesa aos chineses residentes em Macau, uma questão muito sensível.

Resolvida por Mário Soares.

Sim. Mas era um problema. A localização da justiça também era outro problema. E há um outro que é de uma enorme sensibilidade. Participei nesse processo. Chegou a estar em cima da mesa e a ser discutido a possibilidade, quer em Hong Kong quer em Macau, da implementação da pena de morte. E não está lá, na Lei Básica. Isso são vitórias muito importantes para Portugal. Não quero ser injusto para Portugal nem para Macau, mas provavelmente a China estava naquela fase em que queria garantir que era um parceiro credível na ordem internacional, com uma posição mais defensiva.

E qual a segunda funcionalidade de Macau?

Temos de 1999 até 2016 uma funcionalidade, que achava que era mais de narrativa do que foi na prática, que é quando a China cria o China-Africa Fórum e quando Macau passa a ter a funcionalidade de ligação à CPLP graças à instalação do secretariado do Fórum Macau. Essa segunda funcionalidade de Macau é de natureza geoeconómica. A terceira funcionalidade é a que Macau vive hoje, de geotecnológica.

Em que sentido?

Tem a ver com a zona da Grande Baía, que tem um espaço extraordinário de crescimento tecnológico e científico. Tem activos tecnológicos e académicos e Portugal pode entrar novamente em Macau através da cooperação científica e tecnológica. Não nos podemos esquecer que Macau, para o seu território e população, tem muitas instituições do ensino superior. Não há falta de massa crítica para se alavancar projectos de investigação científica no espaço da Grande Baía. [Macau] até pode desenvolver pequenos nichos tecnológicos que têm a ver com essa massa crítica. Apesar da dimensão de Macau, o ponto de ligação de culturas é mais do que um discurso.

Em que sentido?

Uma vez, numa palestra, lancei uma provocação: imaginar que Macau, um dia, não tinha um único falante de português. A influência portuguesa terminava nesse dia? Acho que não. Há questões relacionadas com uma forma de vivência, modelos organizacionais da Administração, a paisagem urbana que são marcantes ainda. Há a ideia de para onde irá o macaense no futuro.

Esse é o grande debate, onde fica a comunidade macaense quando a integração regional é, cada vez mais, uma realidade.

Era inevitável. Não falo da extinção do macaense porque há sempre elementos de continuidade. Mas a apresentação da variável macaense tem de ter uma componente política, não se esgota na componente identitária e cultural. Os macaenses têm de estar também no exercício do poder.

Mas não têm estado. Hoje temos apenas um secretário macaense [Raimundo do Rosário].

Pois. Mas o macaense, no sentido identitário e sociológico, só conseguirá ter presença se essa presença for política e também na máquina da Administração pública. São esses dois pilares importantes da afirmação dos macaenses no século XXI. A comunidade macaense tem de estar nas universidades e nos centros estratégicos. No período da transição a comunidade ganhou muito maior projecção do que tinha até então. Mas Portugal fez muito e a Administração portuguesa fez muitíssimo. Deixamos dois tipos de herança, incluindo infra-estruturas físicas. Podíamos ter deixado mais, podíamos, mas fizemos em pouco tempo o inimaginável. E deixamos um modelo de organização social, de matriz portuguesa, de concepção da justiça, da Administração. Há um sistema para democrático, com a composição do órgão legislativo e elementos de participação política, mas de sujeição também.

Este sistema será mantido até 2049?

É um grande desafio. A Lei Básica de Macau, tal como a de Hong Kong, são documentos emanados do poder central. Dentro do PCC existem facções e a evolução desse jogo irá depender da aplicação mais ou menos plástica da aplicação das leis básicas. O processo de transição das duas regiões teve momentos de avanços e recuos negociais que resultaram de interpretações diferentes dos Estados, mas também das disputas internas dentro do Partido sobre o que deveria ou não ser aplicado dentro de Macau e Hong Kong. É da dialéctica dessas forças [internas do Partido] que vai resultar o ajustamento à evolução da realidade política, social e económica das duas regiões administrativas especiais.

18 Mai 2021

“Out! Coloane Art Festival” acontece em Junho e promete diversidade

O grupo teatral Rolling Puppet, de Kevin Chio e Teresa Teng Teng, traz em Junho a segunda edição do “Out! Coloane Art Festival”, que acontece no espaço da companhia em Coloane, o “House of Puppets Macau”. A pandemia e o isolamento vivido por muitos no período de confinamento é o tema do espectáculo “Lone Together”. Mas nem só de teatro se fará este festival

 

No próximo mês de Junho, os amantes do teatro e das artes têm em Coloane, no espaço “House of Puppets Macau”, a oportunidade de desfrutarem de diversos espectáculos e assistirem às mais variadas representações artísticas. A companhia teatral “Rolling Puppet – Alternative Theatre” organiza a segunda edição de “Out! Coloane Art Festival”, uma iniciativa que ganha agora um nome diferente depois da edição inaugural que aconteceu no ano passado.

O cartaz deste ano inclui o espectáculo “Lone Together”, que acontece nos dias 19 e 20 de Junho e que tem o lado emocional da pandemia como tema de fundo, conforme contou ao HM Kevin Chio, um dos fundadores da companhia “Rolling Puppet”.

“O ano passado vivemos em confinamento e parámos todas as actividades sociais, deixamos de ver os nossos amigos. A certa altura sentimo-nos muito sozinhos e isolados, mas ao mesmo tempo houve pessoas que sentiram uma certa liberdade para poderem ser elas mesmas, sem multidões, para fazerem o que querem. Então este espectáculo é, ao mesmo tempo, sobre liberdade e isolamento.”

Este não será apenas um espectáculo de marionetas, mas terá outros elementos que ajudam a contar esta história. “Não vamos fazer o tradicional espectáculo de marionetas em que dizemos tudo. Em vez disso vamos ter sete narradores que precisam de parceiros em palco. Alguns deles vão recorrer às marionetas, aos seus corpos ou a alguns objectos. [Haverá números de] stand-up comedy, projecções. Alguns só fazem trabalho físico. Vamos, portanto, ter diferentes estilos”, frisou Kevin Chio.

Apesar de a linguagem base do espectáculo ser o cantonês, sem tradução ou legendas, Kevin Chio acredita que a mensagem poderá ser transmitida a um público estrangeiro.

Em nome da diversidade

Com o “Out! Coloane Art Festival”, Kevin Chio explica que a ideia é trazer diversas expressões artísticas ao público de Macau. A prova disso é que, além de “Lone Together”, que Kevin Chio descreve como uma forma de teatro alternativo, haverá também o “Art Soup Bazar”, com partilha de receitas de sopas ou outros elementos relacionados com este tema. “Teremos um espaço aberto, um bazar onde se pode fazer esta partilha”, de ideias e objectos, apontou.

Acima de tudo, Kevin Chio defende que, nesta segunda edição, o espectro das artes reveladas é maior. “Não nos focamos apenas no teatro com marionetas. Resolvemos apostar nas residências artísticas e temos outras iniciativas que não estão propriamente relacionadas com o teatro. Quisemos trazer uma maior diversidade para promover a arte e um estilo de vida ligado ao espaço que temos em Coloane.”

Kevin Chio recorda que “uma iniciativa destas nunca aconteceu em Coloane”, além de que a primeira edição do festival teve lugar semanas antes da pandemia, “numa fase estranha”. “As coisas agora estão melhores, começamos a ter o nosso próprio espaço, a ter mais pessoas a compreendê-lo. Temos um maior espectro ao nível das artes e do espectáculo”, frisou.

O “Out! Coloane Art Festival” é também o resultado de algumas residências artísticas que o grupo tem acolhido, nos últimos meses, no espaço “House of Puppets Macau”. A ideia era estabelecer um programa de intercâmbio com o grupo “Thinkers’ Studio”, de Taiwan, mas esse projecto foi adiado devido à pandemia.

“Partilhamos com eles o que fomos desenvolvendo. No próximo ano quando a pandemia terminar vamos ter este intercâmbio de artistas com Taiwan”, disse Kevin Chio.

A mudança para Coloane aconteceu em 2018, depois de o tufão Manghkut ter destruído o espaço que os Rolling Puppet tinham na península de Macau. Depressa o grupo conseguiu construir uma forte relação com a comunidade onde se inseriu.

“Temos um café e as pessoas podem vir e conhecer os artistas, em vez de estarmos escondidos num qualquer edifício industrial. [O público] compreende e apoia mais o teatro em Macau. Começámos a ter alguns amigos que nunca tinham ido ao teatro, mas depois de nos conhecerem começaram a ver os nossos espectáculos”, rematou.

17 Mai 2021

TNR | TUI rejeita recurso mas critica actuação do CPSP sobre manifestações 

A União Progressista dos Trabalhadores Domésticos de Macau queria celebrar o Dia do Trabalhador, mas o Corpo de Polícia de Segurança Pública recusou o pedido de manifestação por entender que os trabalhadores não residentes não têm esse direito. O recurso da associação foi rejeitado pelo Tribunal de Última Instância, mas a actuação das autoridades não escapou às críticas do TUI

 

O Tribunal de Última Instância (TUI) rejeitou o recurso interposto pela União Progressista dos Trabalhadores Domésticos de Macau, presidida por Jassy Santos, no âmbito de um pedido de manifestação apresentado junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) para a celebração do dia 1 de Maio, e que foi recusado. O recurso da União avançou a 4 de Maio, juntamente com mais duas associações, mas foi rejeitado porque não foram seguidos os trâmites legais.

Segundo o conteúdo do acórdão noticiado pelo Canal Macau da TDM, o TUI entende que os agentes do CPSP não fundamentaram devidamente a sua decisão. “Salta à vista que o alegado indeferimento não constitui uma decisão da entidade – ou órgão – por lei declarada(o) como competente para se pronunciar sobre a matéria em questão, no caso, o comandante do CPSP.”

Neste sentido, “os ditos ‘agentes’ poderão ter feito – por manifesta e absoluta falta de competência sobre a matéria – a ‘prestação de uma (mera) informação’ sobre o pedido que lhes foi apresentado, não se podendo de forma alguma considerar aquela como uma ‘manifestação de vontade’ da entidade competente para o efeito”.

O TUI acrescenta ainda que “não se deixa de notar que se tem como estranha a ‘conduta dos agentes da Polícia de Segurança Pública’ em questão que, em nossa opinião, deviam submeter o ‘pedido’ apresentado à consideração e decisão nos termos legalmente previstos”. Caberia então ao comandante do CPSP comunicar a decisão por escrito “e com expressa invocação das respectivas razões justificativas”.

Em discussão

Em declarações ao HM, Jassy Santos declarou que está a ser analisada a hipótese de fazer um novo pedido de manifestação. Desta vez, a dirigente espera que o CPSP possa fazer outra interpretação da lei de reunião e de manifestação. “O grande objectivo deste recurso é ter a correcta interpretação da lei de reunião e de manifestação para que a possamos usar como base num futuro próximo. Vamos tentar novamente [submeter outro pedido de manifestação] e temos vindo a dialogar entre nós. Se começarmos do início teremos de apresentar o formulário e teremos de ter o documento que comprova que aceitam ou que recusam o nosso pedido.”

O pedido de protesto poderá ser sobre o facto de os trabalhadores não residentes (TNR) não estarem incluídos no novo plano de apoio ao consumo por meios electrónicos, mas há mais problemáticas em cima da mesa. “Veremos o que podemos fazer, porque não sei o que vamos celebrar este ano, além do Dia do Trabalhador. Ainda estamos na fase de planeamento”, rematou.

17 Mai 2021

ARTM | “Hidden Gems” inaugurada este sábado no espaço “Hold on to Hope”

Alice Kok é a curadora da nova exposição promovida pela Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau. “Hidden Gems” visa recolher fundos com a venda de obras doadas por artistas como Arlinda Frota, Cristina Vinhas ou Denis Murell, entre outros

 

Ajudar através da arte e, ao mesmo tempo, revelar ao grande público os talentos de quem saiu do vício da droga são alguns dos objectivos do novo projecto artístico da Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM). É este sábado que é inaugurada uma nova exposição, intitulada “Hidden Gems” [Pedras Escondidas], com curadoria de Alice Kok, e que conta com trabalhos doados por mais de uma dezena de artistas de Macau.

A mostra estará patente na galeria de arte situada na antiga leprosaria de Ka-Hó, em Coloane, onde hoje funciona o mais recente projecto da ARTM, “Hold on to Hope”. Ao HM, Alice Kok falou da mensagem principal por detrás desta iniciativa. “O nome da exposição refere-se aos bonitos trabalhos que podemos encontrar na exposição e, ao mesmo tempo, à localização do espaço, uma vez que Ka Hó fica um pouco afastado da cidade e é um lugar cheio de amor, com uma história de pessoas marginalizadas pela sociedade”, disse, numa referência à antiga leprosaria.

Alice Kok destaca ainda os “talentos escondidos” dos antigos toxicodependentes que trabalham no café que funciona ao lado da galeria de arte. “Estas pessoas tentam desenvolver os seus talentos e o seu lado artístico.”

Muitos dos artistas foram convidados por Augusto Nogueira, presidente da ARTM, e tiveram total liberdade para escolher os trabalhos que vão estar patentes nesta mostra. “Demos-lhe total liberdade. Temos uma grande diversidade de trabalhos com diferentes formas artísticas, como fotografia, pintura, impressão, e também pintura chinesa, escultura, cerâmica”, frisou Alice Kok.

Uma missão

Alice Kok, ela própria artista e presidente da associação AFA – Art for All Society, tem estado ligada aos projectos artísticos da ARTM e assume-se satisfeita com esta colaboração. “Quando o Augusto [Nogueira] me convidou o ano passado para este projecto achei que tinha muito significado, porque através das actividades artísticas podemos convidar mais pessoas a estar envolvidas na missão da ARTM. Em nome da arte podemos ter um grande público e uma partilha da beleza e das capacidades, e como curadora estou muito feliz por poder contribuir com o meu conhecimento artístico para um trabalho com tal significado.”

O café e a galeria de arte abriram portas em Dezembro do ano passado e, desde então, tem sido um espaço muito procurado pelos residentes que não podem viajar neste momento. “De certa forma a pandemia está a ajudar [a desenvolver] este projecto, porque as pessoas estão mais dispostas a explorar os lugares de Macau. Nos fins-de-semana o lugar está cheio e penso que as pessoas estão dispostas a vir. É um lugar muito diferente de outros lugares artísticos em Macau, uma vez que Ka Hó tem um maior contacto com a natureza e é um bom lugar para as famílias”, rematou Alice Kok.

14 Mai 2021

Jornalista José Pedro Castanheira recorda ligação com Roque Choi: “Uma fonte absolutamente excepcional”

A forte ligação profissional que uniu o tradutor-intérprete Roque Choi ao jornalista de investigação José Pedro Castanheira foi recordada esta quarta-feira numa masterclass online promovida pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Castanheira diz “dever-lhe muito” e recordou o “silêncio total” que ainda permanecia sobre o 1,2,3 na década de 80

 

O jornalista de investigação português José Pedro Castanheira, autor de dois livros sobre Macau, recordou esta quarta-feira a ligação profissional intensa que desenvolveu com Roque Choi, que foi intérprete-tradutor de todos os governadores de Macau a partir dos anos 40, e até 1999, e uma importante figura nas comunidades portuguesa, chinesa e macaense. O diálogo aconteceu numa masterclass promovida pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, intitulada “Encontros de um repórter com Salazar”.

“Ajudou-me muito a escrever a reportagem sobre o 1,2,3”, começou por dizer. “Quando estive em Macau, no final da Administração portuguesa, voltei a cruzar-me com Roque Choi que me confirmou a sua confiança e simpatia por mim.” Mas já antes, em 1987, José Pedro Castanheira se havia cruzado com ele, aquando de uma visita realizada ao território na qualidade de presidente do Sindicato de Jornalistas.

“Quando ele apareceu foi, precisamente, como intérprete. Falei com os directores dos jornais chineses de Macau e foi ele que traduziu. Eu poderia ser filho dele, pois nasceu nos anos 20, respeitávamo-nos e tivemos uma colaboração magnífica. Foi uma fonte absolutamente excepcional. Todo o meu trabalho sobre Macau tem a impressão digital do senhor Roque Choi.”

Para escrever o livro sobre o 1,2,3, intitulado “Os 58 dias que abalaram Macau”, José Pedro Castanheira conseguiu também outro acesso valioso a fontes documentais. “O Arquivo Histórico-Diplomático [em Lisboa] desclassificou a meu pedido toda a correspondência entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa e o Governador de Macau dessa época. É uma documentação riquíssima.”

Roque Choi, que esteve “no centro do furacão”, uma vez que “todos os segredos passaram por ele”, voltaria a cruzar-se com Castanheira nos anos 90, quando deu uma longa e talvez a última entrevista, publicada na íntegra anos mais tarde no livro “Roque Choi – Um homem, dois sistemas”, de Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho.

“Acabou por me dar uma longuíssima entrevista de dezenas de horas no seu gabinete do banco, de que era administrador, e através da conversa e da sua vida fui capaz de reconstituir a vida de Macau e da Administração portuguesa, e das relações com o poder político em Pequim. Foi um privilégio inacreditável ter tido acesso a essa fonte, que é única. É a melhor fonte sobre a história de Macau dos últimos 50 anos, não tenho qualquer dúvida.”

“Silêncio” sobre o 1,2,3

José Pedro Castanheira recordou ainda que, aquando da sua primeira visita ao território, ouviu falar do 1,2,3, mas havia ainda muito por dizer e explorar, em 1987. “Falaram-me logo de uma coisa chamada 1,2,3 que achei estranhíssima, um nome de código. E depois explicaram-me que era o nome conhecido dos reflexos da Revolução Cultural em Macau.”

“Havia um silêncio total sobre o 1,2,3. As pessoas tinham vergonha, medo de falar nisso. Achei isso tão estranho que prometi a mim mesmo que a próxima vez que fosse a Macau haveria de tentar encontrar pistas e fontes que me iriam levar a perceber o que se tinha passado nesse mês de Dezembro de 1966 que se prolongou até Março e Abril de 1967, mas em Hong Kong”, recordou ainda.

Confiança de Rosa Casaco

Na mesma masterclass, o jornalista, que começou a exercer em 1974 e é jornalista do semanário Expresso desde 1989, lembrou ainda a sua entrevista a António Rosa Casaco, o agente da PIDE [polícia política do tempo do Estado Novo] responsável pelo assassinato do general Humberto Delgado, candidato à Presidência da República em 1958 e que disse, caso fosse eleito, que demitiria Salazar, então presidente do Conselho.

Essa conversa, publicada na revista do Expresso em 1998, é fundamental pela “importância que tem na nossa memória colectiva do assassinato do general Humberto Delgado”, tido como “o maior crime pessoal e político cometido pela ditadura em território continental português”. Nas ex-colónias portuguesas, “o maior crime cometido foi o do assassinato de Amílcar Cabral”, apontou Castanheira.

“Tive sorte”, respondeu quando questionado como conseguiu a entrevista com Rosa Casaco, que à data tinha sido condenado, à revelia, a oito anos de prisão. “Tenho tido acesso a muitas boas fontes e no caso particular do Rosa Casaco tive acesso a uma que resultou. Tentei usar várias, lancei o anzol, e tive a sorte de uma delas morder o isco. E revelou-se de uma tremenda eficácia, pois levou-me directamente ao Rosa Casaco. Era uma pessoa muito próxima dele que merecia a confiança.”

O jornalista recorda que teve de esperar dois anos até estar frente a frente com Rosa Casaco. “A fase final foi de intensas negociações, porque o Rosa Casaco impôs uma série de condições, por escrito, mandou-me um documento que ainda guardo e tenciono usá-lo quando escrever as minhas memórias como repórter, porque tem mais de 20 páginas. Inclusivamente é engraçado porque é um documento onde assina todas as páginas autenticando, e a última página tem a sua assinatura e impressão digital.”

Com a confiança a aumentar, Rosa Casaco acabaria por se deixar fotografar, condição que inicialmente recusou. “A entrevista foi publicada com uma série de fotografias do próprio Rosa Casaco junto à Torre de Belém, feitas pelo meu colega Luís Carvalho.”

José Pedro Castanheira não tem dúvidas de que esta entrevista foi dada com o intuito de passar uma clara mensagem. “Na nossa gíria, como costumamos dizer, não há entrevistas grátis. Durante muitos anos achava que sim, hoje não tenho ilusões. Mas só percebi a intenção dele depois da entrevista. Rosa Casaco, quando me deu a entrevista, calculou muito bem o timing. Percebi que ele fez as contas e considerou que em 1998, quando me deu a entrevista, em Fevereiro, prescrevia a pena pela qual tinha sido condenado. Ele apostou forte nisso e nesse momento pensou que já podia falar e ajustar contas com a democracia. A entrevista foi uma tentativa de ajuste de contas com a democracia.”

“Tentei convencer o Luís Carvalho a fazer as fotografias junto à sede da PIDE, mas o Rosa Casaco preferiu que essas fotografias fossem feitas na Torre de Belém e tiveram muito mais impacto. A ideia era vingar-se da democracia e humilhar a Polícia Judiciária e a Interpol, pois havia um mandato de captura. Ele acabaria por ter razão, porque houve depois uma pugna judicial que foi até ao Supremo Tribunal de Justiça. Posteriormente o Tribunal Constitucional foi chamado a intervir, e o último acordão do TC considerou que a pena de Rosa Casaco havia caducado. Ele podia estar em Portugal”, rematou Castanheira.

Ainda sobre as diferenças do aparelho censório entre os períodos em que Salazar e Marcelo Caetano estiveram no poder, José Pedro Castanheira não tem dúvidas de que houve uma mudança. “É inquestionável que houve uma grande descompressão por parte da censura, sobretudo a partir do momento em que Marcelo Caetano toma posse.

Até à posse de Caetano era tudo controlado à minúcia, ao segundo, à palavra. É o próprio secretário de Estado [Paulo Rodrigues] que tutela a censura que dá a notícia da morte de Salazar e é ele que leva o comunicado oficial à Emissora Nacional para ser lido pelo locutor de serviço. E antes de passar o comunicado para as mãos dele, o Paulo Rodrigues decide fazer ainda mais uma alteração no comunicado”, exemplificou.

14 Mai 2021

Justiça | TUI dá razão a advogado estagiário alvo de acção disciplinar 

O Tribunal de Última Instância (TUI) deu razão a um advogado estagiário que viu ser-lhe aplicada uma acção disciplinar de censura por alegada violação do Código Disciplinar dos Advogados. O caso remonta a 24 de Abril de 2016, quando um jogador, num casino, perdeu dez mil patacas numa jogada e arremessou contra o empregado da mesa de jogo “uma placa publicitária de papelão”.

O filho do empregado era advogado estagiário e acompanhou-o ao hospital depois desse incidente, tendo apresentado também queixa na Polícia Judiciária. Em Maio, este enviou uma carta ao casino dizendo que o empregado não ia exigir o pagamento de uma indemnização.

No entanto, “faltou às aulas de estágio por ter que tratar o referido incidente”, além de não ter conseguido preparar o exame que se realizou a 28 de Abril, e que por isso ia apresentar um pedido de indemnização “a fixar de acordo com os valores praticados na profissão de advogado”, referindo que o empregado ia retirar a queixa contra o jogador se o casino pagasse a indemnização. Esta carta levou o casino a fazer uma participação à Associação de Advogados de Macau, tendo sido depois aplicada a acção disciplinar.

13 Mai 2021

Fraude | Proprietários do “Yoga World” falham reunião com Conselho de Consumidores

Os proprietários do estúdio de yoga “Yoga World”, situado na Rua do Campo, não compareceram a uma reunião com o Conselho de Consumidores (CC) a propósito de uma alegada fraude. Conforme noticiou o Jornal Tribuna de Macau (JTM), o “Yoga World” pediu aos sócios, o ano passado, o pagamento adiantado das mensalidades, alegando que os preços iriam subir este ano. No entanto, o estúdio deixou um aviso na porta, a 6 de Maio, de que iria fechar de forma permanente. Há cerca de 500 pessoas envolvidas neste caso, sendo que o CC já recebeu 42 queixas.

O CC informou ontem que tentou entrar em contacto com o “Yoga World” a fim de “solicitar que proponha uma solução devido às reclamações”. No entanto, os proprietários “não compareceram ao encontro marcado”, pelo que “o CC irá tomar medidas para acompanhar o andamento do caso”.

Ontem a deputada Wong Kit Cheng reuniu com alguns dos queixosos, tendo ajudado a submeter algumas queixas junto do CC. A deputada espera que este organismo “adopte medidas para dar apoio aos sócios afectados”, sendo importante informar o público para os riscos do pagamento prévio de inscrições deste género.

Segundo o JTM, cada sócio terá pago 10 mil patacas relativos a um ano de inscrição, o que perfaz um total de 5 milhões de patacas. O diário apurou que o dinheiro não será devolvido devido a “dificuldades financeiras”. Antes de se dirigirem ao CC, os queixosos tentaram apresentar queixa junto da Polícia Judiciária, que considerou “não haver natureza criminal” no caso.

13 Mai 2021

Património | Novo projecto do edifício “Chao Lei Aves” descarta traços originais 

A nova planta de condições urbanísticas (PCU) relativa ao projecto de preservação do edifício “Chao Lei Aves”, situado nas imediações da Avenida Almeida Ribeiro, não prevê a manutenção da placa original nem da fachada, noticiou o jornal Cheng Pou.

Em 2016, o proprietário do edifício, onde funcionou uma empresa ligada ao negócio de aves, remodelou a fachada do prédio e retirou a antiga placa da parede, que continha o nome “Chao Lei Aves”. As obras foram feitas sem licença, num caso descoberto pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT). Mais tarde, este organismo exigiu ao proprietário a recuperação da fachada original.

Nessa altura, o então presidente do Instituto Cultural (IC), Guilherme Ung Vai Meng, lamentou a extinção da placa e disse que, mesmo que o edifício não esteja classificado como património, pertence à paisagem histórica do local. A DSSOPT chegou a incluir as opiniões do IC sobre a preservação da fachada e a manutenção da placa com o nome da antiga empresa, tendo as obras sido canceladas. Entretanto, a actual PCU prevê a reconstrução da fachada com novos materiais, tendo sido excluídas as opiniões do IC datadas de 2016.

13 Mai 2021

Colina da Ilha Verde | Si Ka Lon questiona planos de preservação

Si Ka Lon interpelou o Governo sobre a preservação da colina da Ilha Verde, onde se situa o antigo convento jesuíta. O deputado lembrou que o Executivo “ainda não iniciou o sequestro provisório para avançar com a preservação das edificações na colina”, tendo-se limitado apenas “a fazer reparações a posteriori face a problemas como a ocupação ilegal, vandalismo e ligações de electricidade ilegais no convento”.

Neste sentido, o deputado questiona “o ponto de situação do estudo efectuado pelo Governo sobre os danos, nomeadamente na casamata militar e no convento da colina da Ilha Verde”, e se vão se plantadas árvores na zona.

O deputado recordou também que, segundo o projecto do Plano Director de Macau, a colina da Ilha Verde será transformada em zona de protecção ecológica, “na qual o uso dos terrenos não é compatível com a finalidade habitacional, industrial, turística e lazer”, além de existir um problema de propriedade privada. “O Governo reconhece que a colina da Ilha Verde tem valor de preservação. Então, como a vai preservar? Em conjugação com os vestígios históricos e as árvores antigas, o Governo deve transformar a colina da Ilha Verde num novo ponto turístico e cultural na zona noroeste de Macau”, sugeriu.

13 Mai 2021

Paulo Osório, linguista e professor catedrático: “Macau não deve ser só árvore das patacas”

Professor Catedrático de Linguística Portuguesa na Universidade da Beira Interior, Paulo Osório gostaria de realizar em Macau um estudo que faça a descrição do português falado no dia-a-dia, para que se possam identificar problemáticas e criar, a partir daí, novos materiais didácticos. Paulo Osório defende que a UM “tem tido um espaço mais reduzido de evolução” nesta área face ao IPM

 

Colabora com a Universidade de Macau (UM) e o Instituto Politécnico de Macau (IPM) ao nível dos doutoramentos, mas também se dedica ao estudo da expansão do idioma em termos históricos.

Uma das minhas áreas de investigação tem sido a história da língua portuguesa. Há um período que me tem interessado particularmente, que é do século XV em diante, a que o professor Ivo Castro chama o ciclo da expansão da língua portuguesa, quando a língua vai em busca de outros territórios graças à expansão ultramarina. Esse processo da diáspora foi longo e claro que o português ao chegar a esses espaços teve de contactar com as línguas já existentes. Isso aconteceu na Ásia, em África, no Brasil. Este tema tem-me levado a fazer várias questões para as quais tenho tentado encontrar algumas respostas, e que não são fáceis.

Tais como?

Por exemplo, conheço bem Macau. E um dos aspectos que me faz muita confusão é que, embora a implementação dos portugueses tenha sido longa, o português enquanto língua de comunicação basicamente não existe. Noutros pontos do globo o português conseguiu vingar e ter uma implantação. Mas na Ásia… quando falo em Ásia os dois locais que tenho como referência e que conheço melhor são Macau e Timor-Leste. São dois pontos onde não notámos grande implantação da língua. É quase impossível uma comunicação em língua portuguesa em Macau. Mas é interessante porque se olharmos para um território como Hong Kong, e que teve um processo de colonização, o inglês ficou bem radicado.

Na sua visão, porque é que o português não ficou como língua de comunicação em Macau, apesar de ser língua oficial?

Seria mais fácil dizer que não houve empenho por parte do poder local na língua portuguesa, mas isso também não pode ser dito assim. Temos instituições de ensino com departamentos de português. Temos ainda o IPOR que tem feito a defesa da língua portuguesa. Temos de fomentar mais políticas linguísticas de defesa da língua portuguesa, mas há um factor linguístico que não podemos escamotear, que é o facto de estarmos na presença de línguas tipologicamente muito diferentes, o português e o cantonês / mandarim. Isso faz com que seja mais difícil a própria aquisição e aprendizagem de um falante de chinês. Há depois outras questões que não são linguísticas, mas que estão envolvidas no desenvolvimento da língua, e que têm a ver com o facto de estarmos perante culturas muito diferenciadas. Em Macau é curioso… saio e noto pouca presença portuguesa. Há a calçada portuguesa no Leal Senado, temos algum património, mas não me parece que haja uma relação tão directa entre o que lá foi deixado com a existência de facto de uma permanência tão duradoura. Tivemos várias classes profissionais que propiciaram a ida da língua portuguesa para esses pontos. Uma das quais foi os missionários, que têm aqui uma importância muito grande. Talvez possam ser feitas outras medidas de investimento. Se reparar, a língua oficial da UM é o inglês, nem sequer é o mandarim ou o português. Acaba por ser, com a proximidade de Hong Kong, a língua de comunicação, como uma segunda língua, e é a única

Que projectos está a desenvolver com a UM e o IPM?

Na UM tenho colaborado com a professora Maria José Grosso ao nível de júris de provas de doutoramento, questões de aprendizagem do português como língua não materna. Com o IPM tenho colaborado com a professora Rosa Bizarro, há um ano, para dinamizar sessões ao nível do doutoramento em português. O doutoramento da IPM em português é muito interessante, abrange vertentes da linguística e da literatura, que tem bastantes alunos. Pelo que conheço, parece-me que o IPM tem feito um esforço muito grande na defesa e expansão do português e até na formação que têm dado aos professores. Um dos aspectos que gostaria de estudar no terreno era fazer um estudo descritivo do português que é falado, a fim de tentar aferir algumas diferenças linguísticas mais acentuadas nos dois sistemas de língua e depois como isso se pode operacionalizar para a sua aprendizagem. O professor de português de língua estrangeira tem de ter atenção à questão da descrição das línguas em uso, para depois poder fazer algumas pedagógico-didácticas para se aferir um maior sucesso. Ensinar português a hispano falantes não é o mesmo do que ensinar a língua a chineses ou macaenses.

Como seria feito esse estudo?

Seria um trabalho no terreno, de auscultação e gravação de reproduções de falantes que usem o português, ou que saibam um pouco da língua, de modo a que conseguisse diagnosticar quais são as principais dificuldades no uso do idioma. Para que depois possamos desenvolver a criação de materiais didácticos para o ensino do português. Tem de haver uma aposta nesse campo. Mas só quando diagnosticamos as dificuldades é que conseguimos depois elaborar os materiais para promover esse processo de aprendizagem da língua. Deveria haver muitos mais materiais didácticos, pois nem sempre são os suficientes para as necessidades.

Espera que com este doutoramento no IPM o ensino do português possa chegar a um outro nível?

Vai permitir uma formação de quadros. Esses doutorandos, muitos deles são professores, de Macau e da China, e serão as pessoas indicadas para fazer o ensino da língua portuguesa. Tem sido assim a nossa história, neste momento em Portugal estamos a fazer uma grande aposta na formação de quadros angolanos.

Que análise faz ao ensino do português em Macau, em termos gerais?

Tem sido feito um esforço, e temos também a Escola Portuguesa de Macau. Esse esforço deve ser continuado. Macau não deve ser só um espaço da árvore das patacas, mas quem vai com a missão de ensinar tem de ter isso mesmo, um espírito de missão, quase como um sacerdócio. O que não é fácil. É sempre possível fazer melhor, mas acho que o português tem sido dinamizado com algum afinco. Parece-me que talvez a UM tenha tido um espaço mais reduzido de evolução do que o IPM. O IPM tem abraçado mais para si essa função de ensino e difusão do português. Na UM tem-se optado mais pela investigação neste domínio, até porque têm o centro bilingue português-chinês, onde não tenho visto muita produção. As primeiras teses de doutoramento em português do IPM ainda não saíram, há um ano tinham um número muito significativo de alunos. A UM já tem uma tradição mais antiga ao nível da academia e tem naturalmente muitos doutoramentos.

Voltando à expansão do português na Ásia. Foi feita em diferentes fases, a diferentes ritmos?

A implantação das línguas em todos os territórios não ocorreu com a mesma intensidade. Encontrou sempre resistências locais. Mas a partir do momento da expansão ultramarina digamos que a língua se estende nos diferentes pontos do globo. Claro que com pontos intermitentes de actuação, para os quais muitas vezes não temos muitos dados. Depois foi tendo as suas evoluções. No fundo, o português que chega a esses territórios já é uma língua, segundo alguns académicos, um português moderno, do século XVI para a frente, que põe termo ao português medieval ou antigo.

No caso de Macau, quando os portugueses chegaram ao território, já era esse português que se falava.

Esse português moderno é que vai para esse espaço fora da Europa.

Depois da chegada dos portugueses podemos falar dos missionários jesuítas como os grandes dinamizadores do português em Macau.

Sim. Não apenas expandiram a língua como também contribuíram para o seu ensino, que era uma tarefa muito importante. Os missionários vão ter em vários pontos do espaço asiático uma importância muito marcante na difusão e ensino do idioma.

Há muitas comunidades de luso-descendentes onde restam estas formas de falar e que são resultado da expansão do português. As autoridades portuguesas deveriam dar mais atenção a esses crioulos?

Deveria haver mais atenção e até mais estudos. Sob o ponto de vista governamental deveria haver um maior cuidado pela descrição desse tipo de línguas e da sua preservação. Há alguns grupos que vão sendo excluídos e vamos perder o testemunho desses falares. Tratam-se de formas linguísticas muitíssimo importantes que atestaram a passagem dos povos. Seria importante uma preservação através de um estudo científico. É complexo, porque implica trabalho de campo. Não digo que se deva dar um estatuto de língua, porque isso prende-se com outras questões, mas sim dignificar essas formas de falar como uma forma importante do património imaterial das civilizações.

13 Mai 2021

Covid-19 | Consulado das Filipinas distribuiu 330 mil dólares num ano

O consulado-geral das Filipinas em Macau atribuiu, desde Março do ano passado, mais de três mil cabazes de comida aos seus cidadãos (mais de 30 mil no território). Além disso, atribuiu apoios financeiros superiores a 300 mil dólares norte-americanos e repatriou mais de 3000 pessoas em 16 voos

 

O consulado-geral das Filipinas em Macau tem providenciado ajuda alimentar e financeira aos seus cidadãos que, devido à pandemia da covid-19, se viram sem trabalho e sem possibilidade de regressar ao seu país de origem. Segundo dados fornecidos ao HM, tanto o consulado como o gabinete Phillipines Overseas Labour Office, da agência Overseas Workers Welfare Administration (POLO – OWWA), ligada ao Departamento do Trabalho e Emprego do Governo, distribuiu em Macau um total de 3,300 cabazes de comida aos cidadãos filipinos. Estes cabazes contêm arroz, noodles, comida enlatada, café, biscoitos, produtos de higiene e máscaras”. De frisar que a agência estatal funciona como um sistema de segurança social e também como seguradora. Importa ressalvar que a comunidade filipina em Macau totalizou 30.913 indivíduos no final de Março deste ano.

Através de um outro programa de assistência financeira, também gerido por esta agência, 1,650 cidadãos filipinos que estão no território receberam, cada um, um vale de 200 dólares americanos. No total, as autoridades das Filipinas atribuíram também 330 mil dólares americanos.

Nos últimos meses vários trabalhadores não residentes (TNR) que se viram sem rendimentos devido à pandemia têm procurado ajuda alimentar junto de associações locais, como é o caso da Caritas Macau. O HM tentou contactar Nedie Taberdo Palcon e Jassy Santos, duas dirigentes de associações de defesa dos direitos dos trabalhadores migrantes, para perceber se estes apoios conseguem abranger toda a comunidade. Apenas Jassy Santos respondeu às nossas questões, alertando para o facto de haver muitos trabalhadores migrantes que não estão a ser abrangidos por esta ajuda institucional, uma vez que não estão inscritos na OWWA.

Regresso a casa

Relativamente aos serviços de repatriamento, o consulado diz ter organizado, desde Março de 2020, um total de 16 voos de repatriamento, que transportaram para casa 3,399 pessoas. “Enquanto os voos comerciais estiverem suspensos, vamos continuar a dar assistência aos cidadãos filipinos para o regresso” ao país, explica o consulado na sua resposta.

Para já, a prioridade é dada aos idosos, grávidas, menores de idade e todos aqueles que fizeram o registo das suas condições médicas e de saúde junto das autoridades. Esta prioridade acontece “devido às actuais restrições de chegada do número de passageiros diários às Filipinas”.

12 Mai 2021

Gastronomia | Patuá, a casa da comida macaense em Lisboa 

É na rua Ilha de São Tomé, em Lisboa, que mora o restaurante Patuá, de Francisco Rodrigues e Daniela Silvestre. Ele é um macaense que nunca pôs um pé em Macau, mas cresceu a ouvir histórias do território e a aprender as receitas da família. Ela estudou antropologia e sempre foi fascinada pela cultura oriental. O Patuá é, neste momento, o único restaurante que serve comida macaense em Lisboa

 

“Isto aqui são caixas de cigarros que o tio Rogério trouxe.” A decoração do restaurante Patuá, em Lisboa, é feita de memórias familiares, coisas que se foram buscar às vivências antigas em Macau e que se trouxeram para Portugal depois de muitas viagens. O menu também tem pedaços dessas memórias, com receitas que foram passando de boca em boca, feitas com ingredientes partilhados.

Aberto em Outubro de 2019, o Patuá, de Francisco Rodrigues e de Daniela Silvestre, tem vindo a resistir à crise gerada pela pandemia e é hoje o único restaurante em Lisboa de comida macaense. Além do tradicional minchi – e há também uma versão vegan, com soja – servem-se pratos como o bacalhau macaísta ou o caril de quiabos.

Francisco Rodrigues nunca viveu em Macau, mas os laços que o unem ao território são muitos. A família regressou a Portugal após o 25 de Abril de 1974 com receio de um novo 1,2,3 e fixou-se em Torres Vedras. Francisco foi crescendo a ouvir histórias de uma Macau que já não existe e a aprender umas palavras de cantonês. O interesse pela gastronomia macaense foi crescendo e materializou-se na abertura do seu próprio negócio ao lado da companheira, Daniela Silvestre que, além de ser formada em antropologia e cozinha, sempre foi uma apaixonada pela comida chinesa e pela cultura oriental.

“Eu é que trago a bagagem da comunidade macaense do lado da minha mãe”, contou Francisco ao HM. “A minha avó era chinesa, o meu avô de Castelo Branco. A influência macaense sempre foi ecoando nos anos em que trabalhei na cozinha, de forma inconsciente. Assumir o lado macaense foi também para não deixar isto morrer”, adiantou.

Depois de uns meses fechado ou a funcionar apenas em regime de take-away, o Patuá quer agora regressar em força e manter a clientela que conseguiu conquistar.

“Uma das grandes inspirações para o nosso menu são aquelas fotografias antigas de que o Francisco fala, de Macau, que são fascinantes porque vemos uma série de pessoas de todo o mundo a partilharem comida. Queríamos que o Patuá fosse reflexo disso, uma casa onde o regime alimentar não fosse um constrangimento à comensalidade. queremos que o Patuá seja um sítio de partilha de comidas e de conversas. Temos também a premissa de que cozinhamos o que gostamos de comer”, contou Daniela.

Há quem vá ao Patuá para ter “uma experiência macaense”, e aí são escolhidos pratos como o minchi, o porco balichão, o bacalhau à macaísta ou o peixe à Cantão. Mas há depois grupos de macaenses “discretos”, que se revelam pelos pedidos que fazem. Daniela e Francisco recordam um macaense vegan que, depois de anos sem comer minchi, provou a versão com soja. “Disse-nos: voltei a casa, achei que nunca mais ia comer minchi na minha vida.”

Viagem de sonho

Francisco e Daniela mostram os livros que têm folheado nos últimos anos e nos quais se inspiram para as suas criações. Na prateleira está “Sabe comer com pauzinhos?”, de Cecília Jorge, mas também receitas africanas e da Índia. Os ingredientes da comida macaense misturam-se com sabores de outros lugares e não há como fugir a esse paradigma.

“Costumo dizer que o minchi é tão bom como a tua empregada era chinesa”, exemplifica Francisco. “[A origem do minchi] depende sempre das gerações de macaenses que vou conhecendo. Há quem diga que vem da comida malaia ou indiana. Na base do molho do balichão temos o óleo de Palma. Se formos a ver bem, havia guineenses em Macau, e são exímios em usar marisco seco desidratado. O balichão é isso, camarão seco pisado com banha, alhos. Não devia haver controvérsia [sobre a origem da comida macaense], deveria haver aceitação”, frisou Francisco.

Além de querer introduzir no menu o minchi de peixe, os chefes gostariam de ver sessões de cozinha ao vivo com comida macaense com idosas que guardam as suas receitas. Mas ir a Macau e fazer trabalho de campo é um dos grandes sonhos do casal.

“Queríamos passar uma temporada em Macau para investigar a comida. Queremos ver livros e falar com pessoas, recolher informação. Infelizmente a D. Aida de Jesus já não está entre nós, seria um sonho conhecer essa pessoa”, disse Daniela Silvestre.

Apesar do trabalho de preservação que é feito a nível institucional, nomeadamente com a Casa de Macau em Lisboa, Francisco Rodrigues defende que, para que a gastronomia macaense resista no tempo, “é preciso haver vontade do povo”, além da “vontade política”. “É necessário primeiro a preservação cultural parte do colectivo, em manter vivas as receitas e transmiti-las. Há montes de famílias com essa documentação que se vai perder”, rematou.

 

Restaurantes fecham portas, mas prometem regressar

Além do Patuá, Lisboa tinha ainda mais dois locais onde se podiam provar pratos verdadeiramente macaenses, mas que fecharam portas devido à pandemia. Um deles era a Taberna Macau, projecto do chefe André Magalhães, que funcionava na zona do Martim Moniz.

“Sempre achei que Macau estava muito mal representado em Lisboa e que era preciso fazer alguma coisa. Estávamos muito empenhados no projecto e acabamos por fechar, com muita pena. Não era viável, tínhamos muitos empregados e deixamos de ter clientes”, contou ao HM.

André Magalhães confirma que, neste momento, o restaurante Patuá é o único espaço que resta “com essa identidade” da comida macaense. Mas mesmo com a crise, o chefe de cozinha promete voltar ao conceito da Taberna Macau, um projecto que considera “interrompido”.

“Teve algum sucesso e percebemos que aquele sítio não era o mais indicado, pois as pessoas mereciam um serviço mais cuidado. Temos o nome e a marca e gostávamos um dia de voltar a este projecto. Conseguimos fidelizar clientes e tivemos pessoas que pela primeira vez descobriram a comida macaense. Foi muito gratificante enquanto durou.”

Outro restaurante em Lisboa com pratos macaenses que fechou portas devido à crise foi a Cozinha Urbana, de Sara Veríssimo. No entanto, a chefe de cozinha, que viveu em Macau entre os 3 e os 13 anos, vai abrir um novo espaço em Évora, chamado Kantu, com pratos asiáticos e minchi. “Será um espaço com comida de rua asiática. Vamos reunir os melhores pratos de alguns países asiáticos e fazer um restaurante com esta fusão.”

Sara Veríssimo fez o curso de cozinha em Portugal aos 25 anos. “Esta parte da Ásia que me tem acompanhado nas cozinhas por onde passei vem da minha lembrança pessoal de sabores e cheiros. Não aprendi isto em Macau, porque era muito nova, mas depois de ter estudado cozinha fui fazendo alguns pratos e fui investigando. O que me guia aqui é a memória, as coisas que provei e cheirei em Macau.”

Pouca aposta

Também Sara Veríssimo denota que, além do Patuá, não restam em Lisboa mais espaços onde a gastronomia macaense seja protagonista. “Ninguém apostou nisso a sério até agora, à excepção do Francisco [Rodrigues]. São poucos os que enveredaram pela área da cozinha. E depois Macau não é um sítio assim tão conhecido como são as outras ex-colónias. Macau ficou assim um pouco esquecido.”

André Magalhães, que além de chefe de cozinha também faz trabalho académico na área da gastronomia, explica que a pouca representatividade da comida macaense em Lisboa “é uma questão de conjuntura e de contexto. “Há uma diáspora macaense em Lisboa que está bastante envelhecida. São pessoas que têm os mesmos hábitos e que frequentam sempre o mesmo restaurante. Infelizmente os jovens macaenses não têm apostado no conceito de comida macaense. A maior parte do público também a confunde muito com a comida chinesa, nomeadamente a cantonense. E depois é difícil ter cozinheiros que saibam executar este tipo de comida”, rematou André Magalhães.

12 Mai 2021

Justiça | Condenado a pagar pensão de alimentos a ex-mulher

O Tribunal de Última Instância (TUI) confirmou a pena de um homem condenado a pagar uma pensão de alimentos mensal de 120 mil patacas à ex-mulher e aos dois filhos.

O caso remonta a 2017, quando a mulher avançou para um processo de divórcio litigioso, após traição admitido pelo homem e de várias brigas conjugais. O casamento foi celebrado a 16 de Setembro de 1994. Em 2008, o homem “pegou numa cadeira e atirou-a contra o filho que tinha 11 anos de idade na altura. Em 2011, no quarto dum hotel, B atirou uma colcha contra A em frente dos filhos”.

A partir de 2012 a mulher “às vezes não pernoitava em casa” e, no final de 2014, “descobriu que B tinha uma amante com quem mantinha uma relação estável e B admitiu isso”. O homem “mostrava sempre ‘cara chateada’ a A e filhos, proferindo asneiras contra A nas discussões verbais entre os dois”. A mulher acabaria por sair de casa em Janeiro de 2015.

11 Mai 2021

Concessão da Livraria Portuguesa prolongada por mais um ano

O Instituto Português do Oriente (IPOR) decidiu prolongar por mais um ano, sem realização de novo concurso, a concessão da Livraria Portuguesa, que actualmente pertence à Praia Grande Edições. A informação foi confirmada ao HM por Joaquim Coelho Ramos, actual director do IPOR. “Devido à pandemia foi decidido prorrogar a concessão à Praia Grande Edições por mais um ano. Nesta fase ainda não está a ser equacionado o modelo de concessão, ou sequer se haverá mudanças ao nível da metodologia ou de conteúdos”, lê-se na resposta enviada ao nosso jornal.

Ao HM, Ricardo Pinto, director da Praia Grande Edições, falou de enormes quebras nas vendas devido à pandemia e consequente fecho das fronteiras. “A pandemia é responsável por uma acentuada quebra das receitas da livraria, que estimo ser, nesta altura, de 30 por cento se comparadas com as de 2019. No ano passado, a quebra já se sentia, mas não era tão acentuada, embora tenhamos sido forçados a fechar a livraria por cerca de um mês.”

A queda na venda de livros a turistas ronda os 100 por cento, verificando-se também uma “descida muito acentuada, próxima dos 80 a 90 por cento, nas receitas provenientes de clientes institucionais”. Trata-se, segundo Ricardo Pinto, do “reflexo dos cortes orçamentais a que estão obrigados os serviços públicos da RAEM neste ano económico”.

Em termos gerais, este será “um ano de grandes desafios” para a gestão da Livraria Portuguesa. “Não temos grande esperança de que [a situação] possa melhorar de forma significativa no segundo semestre. Oxalá que o ano de 2022 seja de regresso à normalidade”, frisou.

Clientes individuais crescem

Mesmo sem os números do passado, a Livraria Portuguesa tem colmatado as quebras nas receitas com vendas a clientes individuais. “Estamos a ir cada vez mais ao encontro deles e de uma forma cada vez mais pró-activa”, disse Ricardo Pinto. Exemplo disso é o lançamento de iniciativas como a campanha A Editora do Mês, em que se vendem livros a preços semelhantes aos que se praticam em Portugal. Foram também feitos ajustes nas encomendas e no contacto com o cliente.

A Livraria Portuguesa vai continuar a acolher actividades “que passam pela promoção ou acolhimento de exposições organizadas por outras entidades, o lançamento de novas obras, a participação em feiras do livro ou a realização de actividades dirigidas ao público infantil”.

Ricardo Pinto adiantou também ao HM que este ano o Festival Literário de Macau Rota das Letras “vai voltar mais uma vez a ter lugar no final do ano nas antigas Oficinas Navais”.

11 Mai 2021

APOMAC | Dirigentes reuniram com Elsie Ao Ieong U

Francisco Manhão e Jorge Fão, dirigentes da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC) reuniram na tarde de ontem com Elsie Ao Ieong U, secretária para os Assuntos Sociais e Cultura.

Segundo um comunicado, a reunião serviu para trocar “opiniões sobre diversas matérias relacionadas com a assistência social e saúde pública”, e apresentadas “propostas que visam melhorar o sistema de saúde pública de Macau”, entre outras áreas.

Os dirigentes da APOMAC frisaram ainda o “apoio da Administração de Macau, com a qual irão estreitar as relações de amizade e abertura de mais canais de contacto”, nomeadamente com a secretaria para os Assuntos Sociais e Cultura.

11 Mai 2021

IPM | MNE apela a contributos para desenvolvimento nacional

O comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) da China em Macau, Liu Xianfa, visitou na passada quinta-feira o Instituto Politécnico de Macau (IPM). Segundo um comunicado oficial, divulgado ontem, Liu Xianfa “teve uma conversa cordial” com Ng Ka Kei, presidente da direcção da Associação de Estudantes do IPM, bem como outros alunos, tendo-os “encorajado a esforçarem-se pelo estudo” e a darem “contributos para o desenvolvimento nacional e de Macau”.

O comissário disse ainda reconhecer “as características pedagógicas e os resultados da formação de quadros qualificados do IPM”, tendo manifestado “a esperança de que o IPM continue a desenvolver as suas próprias características e vantagens, integrando-se activamente no desenvolvimento nacional”.

Marcus Im, presidente do IPM, prometeu que a instituição de ensino “vai continuar a reforçar a formação de profissionais práticos para o país e para Macau, aumentando a competitividade do Instituto e acompanhando as oportunidades de desenvolvimento na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.

11 Mai 2021

4 de Junho | IAM recusa exposição de fotografia por falta de espaços

O Instituto para os Assuntos Municipais voltou a proibir, pelo segundo ano consecutivo, a realização da exposição de homenagem às vítimas do massacre de Tiananmen, alegando que o jardim do mercado do Iao Hon já está reservado para outras actividades. No total, a organização sugeriu dezassete locais

 

Ontem seria o primeiro dia da exposição fotográfica que recorda o massacre na praça de Tiananmen, em Pequim, a 4 de Junho de 1989, e que costuma ser organizada pela associação União para o Desenvolvimento Democrático. Mas pelo segundo ano consecutivo o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) voltou a não autorizar a iniciativa, alegando que o espaço escolhido pelos organizadores para o efeito, o jardim do mercado do Iao Hon, já está reservado por outras associações e instituições para a realização de actividades. A informação foi divulgada no Facebook pelo deputado Au Kam San, membro da associação.

A associação fez ainda o pedido para nove espaços e oito suplentes, mas o IAM recusou também a proposta apresentada para estes locais.

Ao HM, o deputado disse que “não é conveniente especular se há razões políticas” por detrás da decisão. “Se os espaços forem realmente utilizados, o IAM tem o direito de não aprovar [a exposição]. Eu não vou verificar se são usados. Normalmente, temos um mecanismo de comunicação com o IAM, mas desta vez não comunicaram connosco, apenas nos enviaram uma carta que nos informa da não aprovação do nosso pedido.”

À TDM – Rádio Macau, o deputado Ng Kuok Cheong não se mostrou surpreendido com a decisão. “Pelo que tem acontecido em Hong Kong em anos recentes, talvez agora a mesma orientação esteja a ser aplicada em Macau. Sentimos claramente que são decisões políticas, mas o Governo vai sempre rejeitar, contrapondo e dizendo que é uma decisão normal. Mas quem poderá acreditar nestas justificações?”, questionou.

Vigília tentada

Au Kam San disse ainda que a associação, da qual também faz parte Ng Kuok Cheong, vai tentar organizar a vigília em memória das vítimas de Tiananmen, mas o pedido só poderá ser feito no próximo dia 17. “Vamos tentar organizar a vigília como sempre, mas segundo a lei só podemos fazer o pedido 15 dias antes da reunião”, frisou Au Kam San. A alternativa poderá ser a realização da vigília num local privado ou online, como aconteceu no ano passado.

11 Mai 2021