Andreia Sofia Silva SociedadeDSAT | Mais 18 auto-silos com pagamento electrónico este ano A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) garante que este ano haverá mais 18 parques de estacionamento com pagamento electrónico disponível para os utilizadores. A informação consta numa resposta, assinada por Lam Hin San, director da DSAT, a uma interpelação escrita entregue ao Governo pelo deputado Lam Lon Wai. Actualmente, dos 55 parques de estacionamento sob alçada da DSAT, só 32 têm pagamento electrónico. A DSAT explica ainda que “no contrato de gestão e exploração dos parques de estacionamento públicos não foi expressamente exibida a integração de diferentes plataformas de pagamento electrónico”, pelo que só mediante as necessidades “este requisito será introduzido nos concursos públicos futuros”. Quanto à aplicação do sistema de “Simply Pay” nos parques, a DSAT explica que a Autoridade Monetária e Cambial de Macau “está a estender este serviço”, além de “incentivar as instituições financeiras a disponibilizarem o mesmo na caixa de pagamento nos parques de estacionamento públicos, bem como a actualizarem o sistema de cobrança de tarifas”. Tudo para proporcionar “um serviço de pagamento mais inovador e conveniente”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCapitais públicos | Avaliações de desempenho com efeitos nos salários O Conselho Executivo já terminou a análise do novo regime jurídico das empresas de capitais públicos. Uma das alterações, passa pela introdução de um “regime de avaliação da exploração e funcionamento” das empresas, que terá efeitos nos salários pagos aos dirigentes. O Conselho Executivo concluiu também a análise de legislação sobre arquivos e sistemas de segurança contra incêndios, bem como a regulamentação do novo estatuto das forças de segurança Está concluída a análise do novo regime jurídico das empresas de capitais públicos, depois de um período de consulta pública realizada em 2021. O Conselho Executivo apresentou algumas linhas gerais do novo diploma na última sexta-feira, sendo que uma das alterações passa pela criação do regime de avaliação do desempenho da exploração e do funcionamento das empresas financiadas com fundos públicos. Segundo uma nota de imprensa, estas entidades “devem ser sujeitas periodicamente à avaliação do serviço competente relativamente à situação de exploração e funcionamento”. Esta avaliação, vai depois “influenciar as remunerações e a renovação dos mandatos dos membros dos órgãos”. O diploma, além de regulamentar a “constituição, exploração, funcionamento e supervisão das empresas de capitais públicos, bem como o exercício dos direitos dos titulares da participação pública”, estabelece uma definição do que é uma empresa deste tipo e os princípios que esta deve respeitar. Relativamente às participações detidas numa empresa de capitais públicos, caberá ao serviço de supervisão definir as atribuições dos titulares dessas acções. Fica definido que ao alienar as participações de capital detidas nas empresas de capitais públicos e os respectivos direitos e interesses, deve-se adquirir uma contrapartida razoável. Ainda na área da supervisão, determina-se que deve ser feita uma auditoria ao desempenho financeiro da empresa por contabilistas habilitados, devendo os resultados ser divulgadas junto do público. São ainda dadas “competências especiais” à assembleia-geral, conselho de administração e conselho fiscal destas empresas, definindo-se “as formas de escolha e nomeação dos membros dos órgãos das empresas de capitais públicos e os requisitos para o exercício das funções”. Estatuto regulamentado Na área das forças de segurança, e tendo em conta a entrada em vigor de um novo estatuto, o Conselho Executivo também concluiu a análise sobre o regulamento administrativo que determina a sua regulamentação. Este diploma “define as características das funções de cada um dos postos dos agentes das Forças e Serviços de Segurança, bem como o desempenho de funções pelos agentes”. São ainda reguladas matérias como “os cursos de formação para ingresso, de promoção e curso de comando e direcção, bem como o procedimento para promoção e a publicação e registo da lista de antiguidade”. Fica ainda determinado que “nos casos em que o pessoal que preste serviço fora do seu quadro de origem requeira uma avaliação extraordinária, passa a ser o dirigente do serviço onde esse pessoal está colocado a entidade competente para homologar a avaliação de desempenho”. Quanto à lei dos arquivos, que visa reformar o decreto-lei em vigor desde 1989, esta pretende “regulamentar os serviços e entidades públicos, a Assembleia Legislativa e os órgãos judiciários para que procedam à gestão, conservação e utilização sistemática dos seus arquivos, evitando danos dos mesmos”. É, assim, criado, “um mecanismo permanente de transferência e eliminação dos arquivos públicos”, regulamentando-se também o seu acesso, gestão e informatização. São também alvo de regulação, os arquivos das empresas de capitais públicos, de utilidade pública e instituições que prestem serviços públicos. Caberá ao Instituto Cultural, nomeadamente ao Arquivo de Macau, a gestão destes arquivos. Desta forma, “os serviços e entidades públicos, a Assembleia Legislativa e os órgãos judiciários têm o dever de colaboração”, em prol da preservação de documentos. Será ainda criado um “grupo especializado” que substitui o actual Conselho Geral de Arquivos. Na sexta-feira, o Conselho Executivo concluiu ainda a análise do regulamento administrativo intitulado “Regulamentação de inscrição para exercício de actividades de verificação, manutenção e reparação de sistemas de segurança contra incêndios”.
Andreia Sofia Silva EventosFotografia | “ASIA.FAR”, de Francisco Ricarte, inaugurada este sábado Um total de 80 fotografias tiradas por Francisco Ricarte desde 2007 em Macau e vários locais da Ásia compõem a nova exposição que estará patente na Casa Garden a partir de amanhã. “ASIA.FAR” revela o olhar sensorial do fotógrafo e que constitui, acima de tudo, um exercício de memória e de reflexão Um olhar não é sempre igual, muito menos a memória. Quantas vezes voltámos a pousar os olhos em imagens tiradas num outro tempo, que hoje têm outro sentido? Este foi o ponto de partida para a nova exposição que Francisco Ricarte, arquitecto e fotógrafo, apresenta, a partir deste sábado, na Casa Garden. “ASIA.FAR” é o nome da mostra e espelha a sua essência: o olhar de Francisco António Ricarte (FAR) sobre Macau e os diversos locais da Ásia que tem visitado desde 2007. Francisco Ricarte deixa de antemão um aviso: esta não é uma exposição com fotografias turísticas, mas sim imagens que revelam uma outra sensibilidade. É, acima de tudo, uma “interpretação da Ásia aos olhos de um indivíduo”, contou ao HM. “Este exercício de memória sofre alterações e há aspectos que adquirem um outro significado, e é essa ideia que eu quis trabalhar, fazendo uma releitura dos registos fotográficos que fiz desde 2007 até este ano. Seleccionei um conjunto de imagens em que procurei demonstrar a minha sensação e percepção dos vários espaços visitados e como me marcaram inicialmente e ao fim de uns anos. Este foi o ponto de partida para esta exposição”, acrescentou Ricarte. Macau é, como não poderia deixar de ser, ponto de destaque para esta mostra. Há “duas linhas principais”, revelando-se “o foco na natureza, o património natural muito rico do ponto de vista visual” e depois a densidade populacional, o urbanismo intenso, os prédios altos. “Há também elementos físicos e mais contemporâneos, ligados à densidade e nas visões correntes que temos de Macau. Essa é uma série que designei como ‘Conheça os vizinhos’, e que traduz essa hiper-realidade que temos à nossa volta”, destacou. Uma Ásia “especial” “ASIA.FAR” revela também os locais que mais marcaram Francisco Ricarte, contando-se imagens de lugares como Hue, no Vietname. “Outro é um lugar fantástico e soberbo que é Angkor Wat, no Cambodja, que deixa qualquer pessoa sensibilizada. Mas há também outros locais como Banguecoque, uma primeira viagem que fiz ao Tibete, quando fui ao norte do Vietname, a Sapa. Não posso deixar de referir Japão e a cidade de Quioto que é uma lição de estética e de beleza.” Francisco Ricarte já nos habituou a apresentar muitas das suas fotografias a preto e branco, mas desta vez revela-se a cor, numa exposição que não tem um tema específico. “A exposição anterior que fiz foi mais temática, baseada num determinado contexto e realidade. Revelava uma visão muito particular e pontual. Este é um exercício sobre a memória dos espaços que me marcaram.” “Ao mesmo tempo que reconhecemos na Ásia a vibração da cor, também podemos reconhecer a intensidade dos negros, do claro e do escuro, dos contrastes, as sombras, o que é mais percebido e não visto. Esta exposição poderá dar lugar a esse entendimento”, adiantou Ricarte. Ao olhar para o trabalho fotográfico que fez nos últimos anos, Francisco Ricarte reconhece que evoluiu como fotógrafo, apesar de não ter pretensões. “Mal seria se assim não tivesse acontecido. Não tenho a pretensão de fazer coisas perfeitas mas a preocupação de fazer o exercício do olhar, a forma como vejo as coisas. Essa é a preocupação que foge da visão imediatista daquilo que é só curioso e típico. Procuro fugir disso e que as minhas fotografias traduzam algo mais emotivo e sensorial. Não são fotografias turísticas mas traduzem, sim, sentimentos sobre determinados aspectos.” É por isso que, em “ASIA.FAR”, as imagens “vão variando, no sentido em que no início somos contaminados quando chegamos à Ásia e a Macau, pelas cores e pelos cheiros, pela exuberância do que vimos, mas lentamente assimilamos esses factores e procuramos transformá-los e criar uma outra percepção”. A exposição é inaugurada amanhã às 17h30 e poderá ser vista até ao dia 19 de Junho.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCovid-19 | Quem vem de Hong Kong terá código verde durante auto-gestão de saúde A partir da meia-noite da próxima segunda-feira deixa de ser obrigatório, para quem viaja de Hong Kong, o cumprimento de sete dias de auto-gestão de saúde com as restrições actuais, uma vez que estas pessoas terão código de saúde verde ao longo desse período. A larga maioria dos casos positivos é detectada nos primeiros sete dias de quarentena, porém, o isolamento mantém-se em 14 dias O “abrandamento da situação epidémica de Hong Kong” é uma das razões pelas quais as autoridades de saúde decidiram que, a partir da meia noite da próxima segunda-feira, 16, deixe de ser obrigatório o cumprimento, por parte de quem viaja de Hong Kong para Macau, da realização da auto-gestão de saúde de sete dias. Nesse período, o código de saúde deixa de estar amarelo e passa a cor verde, o que permite uma maior circulação no território. No entanto, é obrigatório realizar testes de despistagem à covid-19 a cada dois dias. Apesar desta alteração, as autoridades permanecem irredutíveis numa mudança do período de quarentena de 14 dias, ainda que a maior parte dos casos de covid-19 sejam detectados nos primeiros sete dias. Os dados foram anunciados ontem por Leong Iek Hou, coordenadora do Centro de Coordenação e de Contingência do novo tipo de coronavírus, na habitual conferência de imprensa sobre a pandemia. “Desde o início da pandemia que 75 por cento dos casos importados são detectados no prazo de sete dias. Do quarto ao sétimo dia são detectados 16,8 por cento dos casos, e depois 6,4 por cento entre o oitavo e décimo dia. Do 11.º ao 14.º dia são detectados 1,7 por cento”, frisou. Não há dados relativos ao número de casos diagnosticados. “Com a variante Ómicron, observamos que o período de incubação é cada vez mais curto. Estamos a fazer uma avaliação. Não me recordo da última vez que detectámos um caso positivo no décimo dia, mas vamos fazer uma comparação com os dados dos últimos seis meses”, adiantou a responsável. Leong Iek Hou frisou também que está a ser analisada a possibilidade de reduzir os dias da quarentena. “Sabemos que algumas regiões vizinhas reduziram o período de observação médica e estamos a avaliar o resultado. Queremos equilibrar as medidas e reduzir a inconveniência para as pessoas.” Dúvidas nos hotéis Outra das alterações anunciadas ontem, prende-se com o facto de os Serviços de Saúde de Macau (SSM), em cooperação com a Direcção dos Serviços de Turismo (DST), passarem a coordenar a marcação de quartos de hotel para a quarentena de todos os que viajam do Interior da China. Estes “não têm de fazer a marcação antecipada”. Já para quem viaja de outras regiões o cenário é bem diferente. Actualmente, apenas é permitido marcar um quarto com a antecedência de cerca de um mês, mas Leong Iek Hou garantiu ontem que “é permitida a marcação de hotéis até Agosto”, sendo que os residentes podem “comunicar directamente” com as entidades hoteleiras. De momento existem quartos suficientes, assegurou a responsável. No entanto, a médica admitiu não saber quantos residentes poderão viajar para Macau nos próximos meses, em consonância com o número de quartos disponíveis. “Os hotéis estão a tratar da marcação dos quartos aos poucos e a cada mês dão resposta a quem reservou. Não sei quantas pessoas vão regressar em Agosto, pois o residente pode prever viajar para Macau e não o fazer. Para quem já reservou os quartos estamos a tratar dos casos passo a passo e pedimos paciência.” Código de saúde | Segunda parte Já está em andamento a segunda fase da afixação dos códigos de saúde em estabelecimentos, e que inclui mais locais que não foram integrados na primeira fase. Desta forma, e segundo um comunicado ontem divulgado, os estabelecimentos devem imprimir e afixar o código de saúde até ao próximo dia 31. Cabe à Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) notificar os estabelecimentos ou associações abrangidas por esta segunda fase, devendo as mesmas registar-se no portal da DSI, em https://webservice.dsi.gov.mo/AssoSurvey/. Será depois enviado, no dia útil seguinte, o link da plataforma para o descarregamento de código QR de estabelecimento, e a conta para a pessoa de contacto, para que a mesma possa aceder à conta e descarregar o código de estabelecimento através do link. Na mesma nota, lê-se que a primeira fase da implementação dos códigos de saúde foi concluída em Janeiro, mas “há ainda alguns tipos de estabelecimentos na comunidade que estão em risco, mas que não foram incluídos na primeira fase”. Mais de 30 mil locais já têm o código relativo à 2.ª fase do programa. Docentes sem famílias As autoridades não vão permitir, para já, que os docentes ou pessoal de gestão escolar do estrangeiro tragam as suas famílias quando vierem trabalhar para o território. “Até agora recebemos nove pedidos que ainda estão a ser analisados. Apenas vamos autorizar a entrada dos docentes e não das suas famílias. Teremos de observar a situação epidémica e, passo a passo, ajustar as nossas medidas”, disse Leong Iek Hou. “Neste momento daremos prioridade ao pessoal docente de que carece Macau e vamos ouvir as opiniões dos serviços de educação”, adiantou. Quanto à vinda de empregadas domésticas das Filipinas, no âmbito do programa piloto, foram recebidos 12 pedidos até ao momento, tendo sido aprovados oito. Os restantes casos não “são qualificados” devido à ausência da toma de algumas doses da vacina contra a covid-19.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteDora Nunes Gago, autora: “Gostava que o leitor encontrasse esperança” A ex-directora do departamento de português da Universidade de Macau lança amanhã em Lisboa o livro de contos “Floriram por engano as rosas bravas”. Segundo a autora, a obra resultou de uma sucessão de idas e vindas a Macau, da inspiração em vultos culturais como Camilo Pessanha e Maria Ondina Braga, mas também da vontade de estabelecer uma ligação com a realidade noticiosa local “Floriram por engano as rosas bravas” contem alguns contos que já foram publicados. Porquê lançar agora esta obra? Não foram muitos publicados. Se calhar, no leque de 24 contos, seis tenham sido publicados, pelo que a grande maioria são textos inéditos. Esta é uma colectânea que fui organizando nos últimos seis anos. Recordo-me que o primeiro conto foi escrito no Ano Novo Chinês de 2016. No fundo acaba por ser um registo dos últimos dez anos de vivências em Macau e na Ásia, pois comecei a trabalhar na Universidade de Macau em Fevereiro de 2012. Fiz alguns rascunhos de situações que vivi e conheci, como viagens, e alguns contos baseiam-se em notícias de jornais, como é o caso do suicídio da então directora dos Serviços de Alfândega [Lai Man Wa], nos Ocean Gardens, ou aquele caso da morte do meio irmão do presidente da Coreia do Norte que foi assassinado em Kuala Lumpur e que viveu em Macau [Kim Jong-nam]. “A Roleta da Vida” é um conto sobre alguém que perdeu tudo num casino. Foi um trabalho feito ao longo do tempo, até que vi que era altura de juntar tudo e publicar. Decidiu então pegar em assuntos do quotidiano e adaptá-los à literatura. Como foi o processo criativo de unir realidade e ficção? Essa junção aconteceu de forma muito natural. Escrevo há muitos anos e a escrita e a literatura sempre foram, para mim, uma forma de olhar o mundo e também de me tentar integrar nele. Foi um pouco isso que tentei fazer através desses contos, tentar perceber melhor as diversidades culturais que existem em Macau e integrá-las em mim. Daí que acaba por ser quase inevitável essa junção dos mundos. Quando se sentava para escrever, que temas da actualidade local lhe despertavam mais a atenção do ponto de vista literário? Sempre me interessei por tudo. Uma boa história pode surgir no momento mais inesperado. Não procurei nos jornais ou em meu redor temas específicos. Por exemplo, a investigação que tenho feito na universidade, que tem muito a ver com imagens do estrangeiro e relacionadas com exílio, talvez tenha sido um pouco condicionada por isso. Mas interessam-me sobretudo temas sociais, que tenham a ver com cultura e sociedade. Tudo depende de como as coisas vão surgindo e do que despertam em mim. Porquê o género conto? Tenho uma colectânea de poemas completa e também estou a escrever algumas crónicas, que irei publicar em breve. O romance está ainda numa fase inicial porque exige outro tipo de trabalho, não é apenas inspiração, mas o trabalho textual tem de ser mais persistente e exigente, algo que não tenho conseguido conciliar com a minha profissão. O conto, por ser uma narrativa mais breve, e por ter um princípio, meio e fim, e porque naturalmente sempre tive mais tendência para ser sintética do que analítica, foi o género em que me senti mais à vontade. O título da obra remete para um poema de Camilo Pessanha. Pessanha é, aliás, uma grande influência para este livro, tal como Maria Ondina Braga. No caso do verso de Pessanha é curioso porque gostei muito dele e andava dentro de mim há muitos anos, há mais de 30 anos talvez, desde que li o poema. De repente, achei que esse verso fazia sentido porque está incluído num poema que fala de questões como a brevidade da vida, os desencontro, as ilusões e desilusões. É um poema simbolista com uma temática muito densa e que achei que se encaixava muito bem nesta colectânea. Quanto à influência da Maria Ondina Braga, sempre me identifiquei muito com a sua obra. Cheguei a conhecê-la pessoalmente num encontro de escritores, nos anos 90. Foi engraçada a minha entrada na sua obra. Em 1991, quando era aluna da Universidade de Évora, ganhei um prémio de escrita que incluía uma viagem a Macau. Quando regressei a Évora fui à livraria do centro comercial e havia lá um livro da Maria Ondina Braga, o “Nocturno em Macau”. Tinha acabado de sair. Identifiquei-me muito com esse romance e parecia que dava resposta a um certo fascínio que tinha sentido por Macau. A partir daí comecei a ler muita coisa sobre a autora e a nível de investigação também tenho escrito muita coisa sobre ela. Tem sido uma presença forte na minha vida. No prefácio é referido o lado de exilado de Pessanha, que morre em Macau, dependente do ópio. Há também esta relação com Pessanha? Camilo Pessanha é uma figura muito relevante na literatura portuguesa. É o nosso grande poeta simbolista e deixou uma grande influência na literatura portuguesa, nos modernistas, em Fernando Pessoa, por exemplo. Tendo este livro Macau como um dos cenários e estando Pessanha tão ligado a Macau, Pessanha é um autor que não se pode ignorar quando se fala de Macau e quando referimos o Oriente. É uma presença muito interessante. O primeiro conto é “A Chegada” e depois termina com o conto “A Partida”. Há aqui a ideia de distância, de exílio, de ligação a uma terra que se ama mas não se conhece? É verdade. Esta ideia de exílio colocou-se ainda mais nestes dois anos com a questão da pandemia, pois não pude ir a lado nenhum. Foi viver numa bolha à parte do mundo, uma bolha que fica longe. Outra das mensagens muito presente no livro é o contraste entre culturas e línguas. Sim. É também uma questão muito relevante em Macau, a questão linguística e as dificuldades que muitas vezes existem para se comunicar. Mas a literatura está sempre aberta às interpretações e cada leitor pode descobrir mensagens diferentes. Mas o que eu gostava realmente que o leitor encontrasse é a mensagem de esperança, mesmo nos momentos mais complicados e difíceis. Tentei em muitos contos apontar essa ideia de esperança. Este livro mostra uma percepção do que é Macau? Talvez. Macau é um território muito complexo, é um espaço geograficamente pequeno mas que tem dentro dele muitos mundos e culturas. Ao mesmo tempo é também um espaço em constante mudança, mas suponho que, pelo menos, o leitor fica com uma imagem de alguns aspectos relevantes do território. Este livro vai ser editado em Portugal. Sente que existe interesse das editoras portuguesas relativamente a Macau e ao Oriente, sobretudo na literatura? O panorama editorial em Portugal é complicado porque há imensas editoras e existe a sensação de que todos são escritores. Isso tem-se sentido muito nos últimos tempos, e faz impressão porque é um país onde não há muitos leitores. Creio que ainda há algum interesse pelo Oriente, porque continua a ser um mundo um pouco misterioso, apesar das viagens e da banalização. Que cenário traça em termos de edição de livros e produção literária em Macau, em língua portuguesa? Creio que esse mercado estará vivo mas começa a ressentir-se com a saída de estrangeiros, nomeadamente portugueses. Um dos problemas que vejo no mercado literário em Macau é a circulação dos livros fora do território.
Andreia Sofia Silva EventosDocumentário | Comuna de Han Ian organiza primeiro festival de produções locais Penny Lam, da associação Comuna de Han Ian, é o curador da primeira edição de um festival inteiramente dedicado ao documentário produzido sobre e em Macau e, acima de tudo, por quem é do território. O objectivo é revelar histórias que estão por contar e mostrar o trabalho de jovens realizadores A associação Comuna de Han Ian está a organizar a primeira edição de um festival inteiramente dedicado ao género documentário mas com produções sobre o território e feitas por realizadores locais. A primeira edição da Competição do Documentário de Macau, que, além da exibição dos filmes irá incluir uma exposição, decorre em Julho, sendo que as submissões de projectos podem ser feitas até à próxima segunda-feira, dia 16. A organização não tem ainda um local definido para a realização do evento. “Como uma das maiores associações que promove o cinema documental na cidade, a Comuna de Han-Ian tem providenciado uma plataforma para mostrar os trabalhos que são feitos em todo o mundo, procurando uma liberdade criativa nos últimos anos. Esperamos poder estabelecer a primeira competição que se foca apenas nos documentários de Macau, a fim de apresentarmos o trabalho dos realizadores locais de forma profissional”, lê-se numa nota. O júri será composto por realizadores e representantes da indústria do cinema da China, sendo que o documentário seleccionado como “Melhor Filme” irá obter um certificado e um prémio de dez mil patacas, além de ser exibido publicamente. Ao HM, o curador do evento, Penny Lam, explicou que quaisquer residentes de Macau, mesmo os que vivam no estrangeiro, podem concorrer. De frisar que a Comuna de Han-Ian tem vindo a organizar, desde 2016, um outro evento dedicado ao género documentário, o Festival Internacional do Documentário de Macau, que irá também decorrer em Julho. “Organizamos, desde 2016, este festival, mas este não se foca muito nos documentários produzidos em Macau, porque existem outros eventos nos quais os realizadores participam. Pensei que, com a minha experiência, poderia promover mais os documentários que são realizados em Macau para um nível mais profissional, uma vez que tenho contacto com curadores de outros festivais a nível internacional.” Segundo Penny Lam, a ideia sempre foi “fazer uma competição focada apenas nos realizadores locais, juntamente com um ciclo de exibição de filmes e uma exposição, para mostrar os trabalhos dos participantes junto do público”. O objectivo é atrair “uma grande quantidade de submissões”, incluindo projectos que normalmente são candidatos às competições organizadas pelo Instituto Cultural. “Também espero muitas submissões de realizadores de Macau que vivam fora do território, em Portugal por exemplo, porque não necessitamos que o filme seja filmado em Macau. Podem ser realizadores com ligações a Macau ou então co-realizadores, por exemplo. Estou algo ansioso pelas submissões que serão apresentadas e que tenham sido filmadas noutros países.” Números “muito bons” Penny Lam acredita que Macau é, acima de tudo, um território onde há muitas histórias por contar, daí um novo festival fazer todo o sentido. “Há temas de Macau que são bons para explorar no género documentário, tal como elementos culturais que estão a desaparecer. Mas o que espero no futuro é que possa existir maior criatividade na produção de documentários e essa é uma das razões pelas quais eu estou a promover esta competição, porque queremos ver e descobrir até que ponto vai essa criatividade junto dos realizadores locais.” O curador diz ainda que os jovens realizadores têm prestado cada vez mais atenção a este género cinematográfico. “Todos os anos os números relativos ao público [dos nossos eventos] são muito bons. Acredito que o género documentário tem um impacto positivo não apenas junto do público mas também por parte dos realizadores. Os realizadores de Macau são muito focados neste género e revelam muito entusiasmo, e penso que muitos jovens optam por fazer documentários, porque Macau está a mudar muito rapidamente, mesmo que seja uma cidade pequena.” Desta forma, “o documentário constitui um bom começo para muitos realizadores locais, porque a produção é mais barata e existe maior liberdade em matéria de conteúdos e filmagens”. “Muitas pessoas estão de facto a começar a sua carreira por este género”, frisou Penny Lam. Ainda assim, o responsável da associação Comuna de Han-Ian alerta para os desafios constantes em organizar festivais deste género. “Há o patrocínio do IC mas existem muitas dificuldades em organizar estes eventos porque não há uma grande indústria cinematográfica e não existe, a nível local, uma mentalidade para a realização de um festival de cinema. É difícil para nós encontrar bons parceiros e a equipa para este evento é muito nova, tudo é novo. Temos de fazer muitas tentativas e discutir muitas coisas porque não temos um modelo de evento semelhante que possamos copiar. Não temos experiência e profissionais”, conclui.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteA história de Mário Póvoa, o português preso por navegar em águas chinesas Em 1965 Mário Póvoa vivia em Coloane e, juntamente com um grupo de chineses, partiu numa embarcação em busca do cadáver do colega, Fat Chun, que havia morrido afogado. Apanhados pelas autoridades por estarem em águas territoriais chinesas, foram interrogados e doutrinados sobre Mao Tse-tung e Chiang Kai-chek. Acabariam por regressar a Macau no dia seguinte. A PIDE, em Portugal, teve conhecimento do caso A morte de Fat Chun por afogamento, aos 39 anos de idade, em Macau, no dia 23 de Junho de 1965, provocou um episódio marcante na vida do português Mário Póvoa, então residente em Coloane e natural da freguesia de Noselos, concelho de Moncorvo, em Portugal. Foi no dia seguinte que o português partiu numa embarcação, juntamente com familiares de Fat Chun e mais trabalhadores chineses, em busca do corpo deste homem. No entanto, saídos de Coloane, acabariam por chegar a águas territoriais chinesas e detidos pelas autoridades na ilha de Ma Liu Ho, hoje conhecida como a ilha de Hengqin. Depois de prestadas declarações, voltaram ao território, à época administrado pelos portugueses. O caso foi reportado ao então Ministério do Ultramar e à PIDE-DGS [Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção-geral de Segurança] pelo Governador de Macau em funções, o tenente coronel António Lopes dos Santos. O documento que descreve esta aventura, consultado pelo HM, está hoje guardado no arquivo diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa. Coube a um responsável da Polícia de Segurança Pública (PSP) interrogar, a 27 de Junho, Mário Póvoa sobre o que de facto tinha acontecido. O português, que trabalhava como capataz da brigada da “MEAU”, casado, à época com 36 anos de idade e residente na granja da “MEAU”, explicou tudo ao responsável da PSP. A viagem começou no dia seguinte à morte de Fat Chun, portanto a 24 de Junho, pelas 16h15. Mário Póvoa embarcou com mais 14 chineses com o objectivo de “procurar um cadáver no mar de Má-Lou Hó”. Fat Chun estava desaparecido desde o dia 23 e esta era já a terceira tentativa para a localização do corpo. O português fez-se então acompanhar por Va Fong, Cheoc Keong, Leong Peng, Vong Leong, Leong In, Sun Chong Seng, Ho Kuang e Chau Kang, “todos operários do Fomento”, bem como de Kong Kao, “peixeiro” e Lai Iong Seng, “operário da obra de ligação”. No mesmo barco seguiam “Ieong Lou, Lai Sio Ieng, Lai Sio Hoi e Chan Iong Cheng, respectivamente, mulher, filhos e prima do afogado”. Às 16h foi avistada a embarcação das autoridades chinesas, descrita como um “barco tipo carga (barco esse de todos conhecido como sendo quem fiscaliza, por parte da China, o estreito entre Coloane e a ilha de Má Liu Ho)”. À PSP de Macau, Mário Póvoa explicou que, “como se encontravam dentro das águas chinesas, rumaram rumo às nossas águas [de regresso a Macau], sendo já dentro destas detidos pelo citado barco”. As autoridades chinesas, no momento da detenção, “lançaram uma amarra à sampana (proa a proa)”, tendo conduzido os tripulantes à “ilha de Má Liu Ho onde chegaram pelas 17h”. “O barco que os deteve é do tipo de barcos que transportam carga entre as ilhas e Macau, tendo uma metralhadora, e nele viajavam três indivíduos fardados”, descreve o documento. Alimentados e doutrinados Chegados a território chinês para serem interrogados sobre os motivos pelos quais entraram em águas estrangeiras, Mário Póvoa e os colegas da tripulação deram as devidas explicações e nunca foram maltratados, bem pelo contrário. Não só receberam os alimentos que pediram como foi-lhes entregue o tabaco da marca preferida. “Desde o momento do desembarque foi-lhes dito pelas autoridades locais que estivessem descansados, pois nada de mal lhes aconteceria. Cerca das 20h foi-lhes servido de jantar em conformidade com aquilo que cada um pediu, tendo ao declarante [Mário Póvoa] sido servido ovos e uma cerveja depois de instado para que comesse algo, dado não querer comida chinesa.” Ouvidos “três chineses” entre as 21h30 e a 1h, Mário Póvoa deitou-se por volta das 22h, “sendo-lhes dadas esteiras e cobertas, lamentando as autoridades chinesas não os poderem acomodar melhor”, conforme o relato do português à PSP. No dia 25, logo às 10h, seria retomado o interrogatório até ao meio dia. As autoridades chinesas pretendiam saber o que fazia este grupo de pessoas nas suas águas e porque tinham fugido. O tratamento condigno dado aos detidos manteve-se. À hora de almoço “foi-lhes servida carne enlatada, tendo de novo as autoridades insistido com o declarante [Mário Póvoa] se pretendia qualquer coisa especial para a alimentação”. Nesse momento, o português “pediu tabaco para todos, tendo-lhe sido dados dez maços de tabaco consoante a marca que cada um pediu”. Mas o interrogatório não se ficaria por aqui. As autoridades chinesas decidiram dar ainda uma aula sobre os acontecimentos políticos e sociais que então se viviam, nomeadamente sobre “a miséria do povo no tempo de Chiang Kai-chek” as “dificuldades no começo do regime de Mao Tse-tung”, a “actual igualdade entre cidadãos chineses” e a “não existência de miséria na China”. Mário Póvoa e os seus companheiros ouviram também explicações sobre a “capacidade industrial com a construção de barragens”, tendo sido “citado, por exemplo, uma construção recente” na ilha de Ma Liu Ho. Não faltaram ainda informações sobre a “produção de aviões, bombas teleguiadas e armamento eficaz que está a ser utilizado no Vietname”, país que, à época, vivia uma guerra civil. Interrogatório nocturno Mário Póvoa só seria ouvido às 20h, tendo sido questionado sobre “se ele reconhecia ou não que errara em ir para as águas chinesas”. O português acabaria por afirmar que “fez isso inconscientemente e que foi à procura do cadáver de um homem que com ele trabalhou seis anos”. Assinada uma declaração em como tinham sido devolvidos todos os bens dos detidos, estes regressaram na mesma embarcação à ilha de Coloane, tendo partido às 21h e chegado às 21h20. “À partida foram ajudados pelas autoridades a porem o barco na água, tendo estes, até ao último momento, instado com todos se pretendiam algo de comer antes de embarcarem”, lê-se ainda. Aquando da detenção, não foram utilizadas armas e existiu sempre “liberdade de movimentos”. Com estas informações em cima da mesa, as autoridades portugueses em Lisboa não conseguiram concluir se, de facto, Mário Póvoa e os restantes tripulantes tinham violado o espaço marítimo chinês. “Dada a proximidade da ilha chinesa de Má Liu Ho no local da ocorrência, e a imprecisa definição de fronteira, é difícil afirmar-se, não obstante a constante informação atrás transcrita, que a embarcação tenha penetrado nas águas territoriais chinesas e que foi detida já nas águas territoriais portuguesas”, lê-se numa nota adicional. O rebentar do 1,2,3 Para João Guedes, jornalista e autor de vários livros sobre a história de Macau, este episódio “ilustra bem o adensar do clima de desconfiança política e militar da China em relação a Macau”, e que haveria de “explodir” com os episódios do 1,2,3, em 1966. “O facto de Macau não possuir então águas territoriais agudizava a situação. Além disso, os chineses sabiam que em Macau se encontrava em actividade uma rede terrorista que efectuava operações contra alvos no Interior da China, tendo afundado nesse ano, ou no ano anterior, um navio de guerra de grande envergadura que se encontrava ancorado no porto da cidade de Kong Mun, não longe de Macau.” Segundo João Guedes, o general Kot Siu Wong era o espião chefe dos nacionalistas do partido Kuomitang em Macau e acabaria por desertar para a China, “levando consigo toda a informação sobre a rede de espionagem que comandava”. O responsável afirma mesmo que “esta acção [de Kot Siu Wong] terá contribuído para o eclodir dos tumultos de 1966”. Moisés da Silva Fernandes, investigador da história de Macau da Universidade de Lisboa, dá conta que, entre 1950 e 1960 “havia, com uma certa regularidade, estes confrontos transfronteiriços, porque não havia entendimento entre a China continental e a administração portuguesa” quanto à definição das águas territoriais. João Guedes relata mesmo as histórias que ouviu da boca do “senhor Bilro”, que depois de trabalhar como guarda da PSP em Coloane era porteiro da TDM. À época, era a unidade militar do “senhor Bilro” a responsável por acender o farolim da navegação que se encontrava a meio do canal entre Coloane e a ilha da Montanha. “A embarcação com que cumpria essa missão diária era blindada, porque se o não fosse não a poderiam levar a efeito. Isto porque a maior parte das vezes as tropas chinesas postadas na costa do lado oposto abriam fogo contra ela, obrigando os tripulantes a abrigar-se atrás das chapas de aço da protecção para para não serem atingidos.” Segundo João Guedes, “o senhor Bilro dizia que os militares chineses não tinham intenção de matar ninguém (pelo menos nunca o fizeram) mas o tiroteio servia para advertir as autoridades de Macau que o farol só era aceso todos os dias graças à boa vontade da China”. O caso Salgado Dos casos mais célebres de detenções de embarcações, conta-se a do capitão Álvaro Salgado. Moisés da Silva Fernandes recorda que este foi capturado no dia 22 de Março de 1952 quando velejava entre a península de Macau e a ilha da Taipa, tendo ficado em cativeiro na China durante 31 meses. Álvaro Salgado só seria libertado a 19 de Dezembro de 1954. “Antes de ser preso, exercia na repartição de Informações do Quartel-General da guarnição militar”, descreve o historiador. João Guedes conta ainda que Álvaro Salgado tinha sido comandante da PSP em Macau e foi preso quando praticava vela desportiva. O vento tê-lo-á levado para as águas chinesas. “Este oficial acabaria por ser acusado de espionagem, tendo estado quatro anos preso em Cantão, depois de ter sido passeado pelas ruas juntamente com outros suspeitos de serem agentes estrangeiros presos com cordas e com cartazes a enumerar os seus alegados crimes contra o povo”, remata João Guedes.
Andreia Sofia Silva Entrevista ManchetePaulo Canelas de Castro, académico: “Conflito na Ucrânia obriga UE a testar limites” A Declaração Schuman, que marcou o arranque do que é hoje a União Europeia, foi assinada há 72 anos. Paulo Canelas de Castro, especialista em Direito Internacional e Europeu, analisa o projecto europeu que actualmente enfrenta a situação caótica da guerra na Ucrânia, assim como a chegada ao pelotão da frente de novos actores internacionais, nomeadamente a China Tendo em conta os objectivos iniciais, como encara a evolução do projecto europeu desde a sua génese? A União Europeia (UE) é hoje uma realidade incontornável do nosso mundo A Declaração Schumann visava reconciliar duas grandes potências em conflito durante anos, construir um mundo de paz e garantir a prosperidade económica e social. Julgo que a trajectória da União Europeia (UE) e dos Estados-membros nestes anos é a prova de que essa aspiração foi conseguida. A Europa vive num mundo de paz e não voltou a haver guerra dentro do espaço da UE, que se tem alargado. E em termos económicos, como avalia o projecto? Saiu-se de uma situação de grandes dificuldades no pós-II Guerra Mundial para um cenário em que existe o maior mercado interno do mundo. Isso explica que todos os Estados que saíram de regimes autoritários tenham procurado tornar-se membros da UE. Claro que permanece sempre a necessidade de revigorar o projecto europeu, mas parece-me imperioso celebrar essa mensagem inicial de paz que deu influxo ao projecto europeu. No contexto China/Estados Unidos, considera que a UE conseguiu manter a sua posição estratégica? Há muito que a UE está confrontada com um mundo diferente. A consagração em 1992 da própria noção de UE, diversa das precedentes Comunidades Europeias, é credora dessa interpelação fundamental. Em reacção à queda do Muro de Berlim, o projecto europeu deu um salto qualitativo evidente, tornando-se um projecto político também, que respeita aos cidadãos europeus, que interpela e procura mobilizar e integrar cidadãos, além de prosseguir a vertente de integração económico-social mais plural e exigente. A UE confronta-se hoje com uma realidade geopolítica diferente, mais complexa do que a vivida durante a Guerra Fria, nomeadamente com outras potências a emergir, como a China. Este contexto global cria uma nova tensão para a qual a UE procura encontrar soluções. Hoje, acontecimentos ou tendências internacionais recentes interpelam a UE a repensar-se. Em que sentido? Assim se explica, por exemplo, a adopção recente da uma bússola estratégica em que configura orientações para os novos desafios de um mundo em mudança. E há que tomar posição relativamente a essa situação nova, profundamente perturbadora do quadro de segurança estabelecido, que é uma guerra às portas da UE. Ainda por cima desencadeada por um grande Estado que partilha a geografia europeia. Um Estado que, durante algum tempo, se pensou honraria a sua responsabilidade especial consagrada na Carta das Nações Unidas, que após a Guerra Fria ensaiou uma estratégia de alguma aproximação aos países ocidentais, mas que agora não coloca em crise todo esse quadro de segurança da Europa. Na sua óptica, qual o papel da UE neste contexto? A guerra na Ucrânia interpela a UE a regressar e reafirmar os seus valores, a dar resposta a questões práticas imediatas, como o enorme fluxo de refugiados, ou ainda a questões politico-diplomáticas como a procura da Ucrânia por um ancoramento no horizonte europeu. Isto tendo em conta que a Georgia e a Moldávia também pediram a adesão a UE por viverem situações de proximidade com a realidade que a Ucrânia já vivia antes da guerra. A entrada da Ucrânia na UE é possível, juridicamente, neste contexto? Que implicações terá? Os critérios de adesão à UE exigem que o Estado candidato tenha uma economia de mercado funcional e seja um Estado de Direito. Há depois procedimentos que têm de ser cumpridos para provar o preenchimento destes requisitos, nomeadamente estabilidade e segurança. Procura-se que a adesão não conduza a conflito ou instabilidade no quadro da UE. Num tal quadro mais largo de exigências, esta pode ser uma condição difícil de preencher. Os Estados-membros terão depois de tomar uma posição, conjuntamente com a instituições europeias. Há indícios de uma compreensão muito aguda por parte dos europeus de quanto a situação na Ucrânia os interpela. Temos uma tomada de posição institucional, sobretudo da parte da presidente da Comissão Europeia, que reconhece a legitimidade da Ucrânia em prosseguir esta aspiração. Teremos de ver como os líderes dos Estados-membros reagem. Outros factores concorrem em sentido divergente, tal como o facto de algumas candidaturas à UE passarem por um processo demorado até obterem resposta. Muito se tem falado da necessidade de a UE ter uma nova estratégia em matéria de defesa. Qual a sua posição? A UE não era, inicialmente, um projecto de defesa ou militar. O fim da Guerra Fria teve o efeito paradoxal de fazer a UE perceber que a dimensão política também era importante e que na reconfiguração do mapa geopolítico, com a dissolução da URSS e a reconfiguração do mapa da Europa, teria de assumir uma vertente de segurança e defesa. Isso explica que a UE após Maastricht e, sobretudo o Tratado de Lisboa, tenha assumido uma política externa comum onde o vector defesa que tem crescido ao longo dos tempos. Este conflito na Ucrânia vai obrigar a UE a testar os seus limites e a pensar em termos inovadores como é que prossegue este vector num quadro mais hostil e menos estável. Muitos Estados na UE têm uma relação histórica com o centro russo da [antiga] URSS que trazem este tema para a agenda da UE de forma mais determinada. Como o fazem outros Estados em posições de liderança, como a França e Alemanha. A noção de que existem riscos sérios de segurança à porta da Europa, que é necessário uma resposta muito unida e determinada relativamente a ameaças do exterior levam a UE a ter de pensar de forma inovadora. Temos sinais de que alguma coisa está a acontecer. Tais como? A acusação fundada de que os europeus não contribuíam o suficiente para a NATO e para a sua própria segurança, poderá estar a perder actualidade. Assiste-se também ao repensar de posição de Estados neutrais membros da União. A UE terá de pensar qual será a forma eficaz de responder aos desafios com que se confronta na área militar e de segurança, mas também na área diplomática e de acção humanitária. A relação com a NATO será uma questão central neste quadro, mas ela também se joga noutros campos da actualidade da UE. A questão do acordo-quadro entre a China e a UE em matéria de investimentos ficou pendente nos últimos meses. Que expectativas tem nesta matéria? O acordo parecia-me interessante e importante para aproximar a UE de um actor fundamental nas relações internacionais contemporâneas. Neste período de grande instabilidade nas relações internacionais, em que todas as certezas foram postas em causa, mais proximamente por força da pandemia e em que todos os processos da globalização que pareciam sólidos se revelaram afinal, algo frágeis, era importante evitar mais um vector de tensão. Mas esse vector existe. Um acordo como este correspondia a aspirações da UE e da China de revigorar as respectivas economias e sociedades e dar um passo em frente numa relação que vinha a esmorecer, apesar da proclamação de que a relação configuraria uma parceria estratégica. O acordo contemplava elementos muito inovadores no sentido de integrar a China numa visão de construção do mundo segundo regras que foram criadas na ordem mundial para o conjunto dos seus membros. Sabe-se, porém, que, por forças de práticas de direitos humanos que serão contraditórias com tais aspirações e as regras do próprio acordo, o Parlamento Europeu introduziu um elemento de perturbação neste processo de aproximação. Parece-me que, de momento, não há dados novos que permitam ultrapassar esta situação. A última cimeira UE-China teve, deste ponto de vista, poucos resultados palpáveis e as diferentes posições em relação ao conflito que marca a hora presente [Ucrânia] acabam por ter um impacto negativo. As possibilidades práticas de retomar este acordo, num quadro com discursos de tom diferente, não me parecem ser a perspectiva mais imediata. Isso não quer dizer que não fosse útil. Mas gostaria de frisar quão auspiciosos são, pelo contrário, os entendimentos entre a UE e a China no domínio da resposta internacional às alterações climáticas, bem como da relevância das instituições internacionais e do multilateralismo, numa senda de governação global em que importa que estes dois actores principais das relações internacionais contemporâneas estejam comprometidos. É no quadro desta perspectiva que via como particularmente relevante o acordo compreensivo sobre investimentos. Quais os grandes desafios da UE nos próximos tempos? É óbvio que estamos perante uma emergência. Este conflito injustificado tem reflexos imediatos na UE. Pede respostas imediatas no plano humanitário de acolhimento de refugiados, e a UE respondeu de forma condigna a essa crise. Exige também resposta diplomática de UE para surtir efeitos, nomeadamente de diálogo com a Rússia. Há também que permitir, por um lado, a legítima resistência da Ucrânia e sinalizar, ao mesmo tempo, à Rússia, que as suas acções são uma clara violação do Direito internacional e, por isso, têm de ser devidamente sancionadas. A UE tem sinalizado Estados que mais directamente se têm sentido agredidos, não lhes negando o horizonte europeu a que aspiram. Isso vale para a Ucrânia mas também para a Geórgia e Moldova que têm experiências similares, com ocupações parciais dos seus territórios. Mas a UE tem de lidar também com questões estruturais. Uma delas é a pandemia, que acentuou a necessidade de reconstruir o tecido sócio-económico tão afectado. A UE tem também que contribuir para uma globalização mais justa e sustentável, em que os diversos actores não tenham que viver angústias perante a paralisia dos processos globais. As crises e emergências que se esperam não devem também fazer perder de vista a relação com o ambiente e a preservação do planeta. Há que fazer a transição climática, não sendo permitidos adiamentos, tal como a transição digital que deve estar ao serviço da humanidade, da ecologia e do respeito pelos direitos dos indivíduos. Além disso, a guerra na Ucrânia coloca uma nova urgência na prossecução da transição energética, sem mais delongas, apesar de provavelmente ser um processo custoso.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteJohn Lee eleito Chefe do Executivo de Hong Kong John Lee foi eleito, no domingo, Chefe do Executivo de Hong Kong com 1.416 votos do comité eleitoral, tendo sido registada uma participação eleitoral de 97,7 por cento. O Chefe do Executivo eleito é visto como o rosto de um “novo capítulo” de um mesmo livro, focado nas questões da segurança nacional e da estabilidade sócio-económica da região vizinha O único candidato a Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, foi no domingo confirmado no cargo, ao obter 1.416 votos, anunciou a comissão dos assuntos eleitorais. O candidato Lee Ka-chiu, John, “obteve 1.416 votos”, sendo eleito Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, indicaram as autoridades eleitorais, num comunicado publicado no ‘site’ das eleições. “Agradeço o vosso apoio à eleição do Chefe do Executivo”, disse Lee, de 64 anos, num breve discurso proferido depois de anunciados os resultados, noticiou o jornal local South China Morning Post. No período de votação, entre as 9h e as 11h30, 1.428 membros da comissão depositaram o seu voto, o que representa uma taxa de participação de 97,7 por cento, de acordo com um comunicado das autoridades locais. A comissão eleitoral é composta por 1.463 membros, na maioria pró-Pequim. Cerca de sete mil polícias foram destacados para evitar qualquer incidente durante a votação, indicou a imprensa local. Ainda assim, a Liga dos Sociais-Democratas, um dos últimos grupos pró-democracia na região, organizou uma manifestação de três pessoas, antes da abertura das assembleias de voto, para exigir “o sufrágio universal, agora”. “Sabemos que esta acção não terá qualquer efeito, mas não queremos que Hong Kong fique completamente silenciosa”, declarou a manifestante Vanessa Chan, perante dezenas de agentes policiais. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, a seguir à vitória, John Lee adiantou aos media que o seu Governo “estará determinado em confrontar os problemas enraizados que Hong Kong enfrentou durante muitos anos, ter passos decisivos e adoptar acções eficientes e efectivas para resolvê-los”. “Espero que possamos começar um novo capítulo juntos, construir uma Hong Kong que cuida, que é aberta, vibrante, e que está cheia de esperança, oportunidades e harmonia”, adiantou. Apesar de o manifesto eleitoral apontar sobretudo para uma política de continuidade em relação a Carrie Lam (2017-2022), Lee avisou: “Será uma nova sinfonia, e eu serei o ‘maestro’”. Da herança Secretário para a Segurança no Executivo da Chefe do Executivo cessante, Carrie Lam, Lee supervisionou as operações policiais para pôr fim aos protestos anti-governamentais que abalaram a cidade em 2019. John Lee herda uma cidade e terceira praça financeira mundial praticamente isolada do mundo devido às medidas restritivas de controlo da covid-19. Sob o slogan “Iniciar em conjunto um novo capítulo para Hong Kong, Lee prometeu um Governo “orientado para resultados”, mas o programa de 44 páginas, publicado na semana passada, apresentou poucas medidas concretas. Na campanha eleitoral, Lee comprometeu-se a promulgar legislação local para proteger o território das ameaças à segurança nacional, aumentar a oferta de habitação no mercado imobiliário mais caro do mundo, melhorar a competitividade da cidade e estabelecer uma base firme para o desenvolvimento de Hong Kong. Em 1 de Julho, data que marca a transferência de soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China, John Lee vai substituir Carrie Lam, de 65 anos, que decidiu não se candidatar a um novo mandato de cinco anos. Reforma a caminho Ontem, numa conferência de imprensa, Carrie Lam declarou que o sistema político baseado no conceito dos “patriotas a administrar Hong Kong” ficou totalmente implementado com a eleição de John Lee. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, Carrie Lam reuniu com John Lee para discutirem a reestruturação governativa, as medidas para travar o surto pandémico e as actividades que vão celebrar os 25 anos da transferência de soberania de Hong Kong para a China. A Chefe do Executivo ainda em funções acredita que esta reforma vai permitir a continuação da prosperidade de Hong Kong. “Eu e a minha Administração vamos continuar a lutar contra esta pandemia da covid-19 a fim de permitir que a população de Hong Kong regresse a uma vida normal o mais cedo possível e também garantir uma base forte para a retoma das viagens [sem quarentena] para o continente.” John Lee comentou ainda os planos do Governo para a reestruturação de alguns organismos públicos, nomeadamente a separação das direcções de serviços de transportes e habitação. “A actual proposta já teve em conta vários factores e as sugestões são detalhadas. Trocámos opiniões sobre alguns elementos da proposta. Deverei reflectir sobre essas visões com os colegas da Chefe do Executivo em detalhe [o mais cedo possível]”, frisou. Uma das primeiras acções que John Lee fará após a sua eleição será a visita às quatro representações de Pequim em Hong Kong, incluindo o Gabinete de Ligação e o Gabinete para a Salvaguarda da Segurança Nacional. Ontem, além de reunir com Carrie Lam, John Lee reuniu também com o Chefe da Justiça e o Presidente do Conselho Legislativo. Novo capítulo, mesmo livro Contactado pelo HM, Jorge Tavares da Silva, académico da Universidade de Aveiro e analista de assuntos políticos chineses, considera que a eleição de John Lee “vem refrescar o ambiente política em Hong Kong, ainda que seja um homem pertencente à estrutura política anterior, após o desgaste da governação de Carrie Lam”. O facto de John Lee estar no poder constitui “um sinal à população de que há uma nova gestão no território, revelando uma vontade de mudança e um sinal atenuador para os ímpetos reivindicativos locais”. Além disso, John Lee “tem no seu discurso uma vontade explicita de resolver um dos maiores problemas da geração mais nova, a crise de habitação”. Há também “a perpetuação de um clima de segurança apertado no território, área de onde transita John Lee”. “Não deixa de ser um sinal para que a indisciplina será fortemente condicionada. Em suma, em simultâneo, uma vontade de dar uma nova resposta à população de Hong Kong sem sair das suas linhas mestras. Como diz o slogan do seu programa ‘iniciando um novo capítulo para Hong Kong Juntos’. Uma viragem de página no mesmo livro”, apontou o académico. Relativamente ao programa eleitoral apresentado pelo Chefe do Executivo eleito, Jorge Tavares da Silva entende que revela “algumas linhas orientadores do que poderá ser o seu mandato”, existindo “uma vontade de proteger Hong Kong enquanto importante centro financeiro internacional, abalado pelas sublevações e pela pandemia da covid-19”. Está em causa “uma plataforma muito relevante para a saúde financeira da República Popular da China”, além de que a habitação é hoje “um dos pontos vulneráveis na gestão urbana de Hong Kong”. A eleição de John Lee significa ainda “uma garantia para Pequim e um sinal a Washington, pela não aceitação de ingerências externas nos assuntos locais, tendo em conta que Lee foi vice-chefe da polícia, sancionado pelos americanos”. Também ao HM, o analista político Sonny Lo defendeu que um dos grandes focos de John Lee para o mandato como Chefe do Executivo passa pela regulamentação do artigo 23 da Lei Básica e a lei de cibersegurança, procurando também lidar “com as origens sócio-económicas dos protestos de 2019 ao melhorar a mobilidade jovem, o patriotismo dos jovens e a habitação”. John Lee deverá também trabalhar mais em prol de uma maior “competitividade em Hong Kong e numa melhoria da capacidade governativa”. Sobre a questão da segurança nacional, Sonny Lo pensa que Pequim espera sobretudo que haja estabilidade em Hong Kong, a nível social e económico, ao mesmo tempo que se regulamenta o artigo 23 da Lei Básica e se promove “a incorporação económica e social na Grande Baía”. A nível económico, Sonny Lo acredita que Hong Kong “vai gradualmente abrir as portas para o mundo, enquanto que as restrições fronteiriças com o continente e Macau serão relaxadas, é uma questão de tempo”. “A recuperação está a caminho”, defendeu. E Macau? Sonny Lo não tem dúvidas de que, caso Hong Kong avance para a regulamentação do artigo 23, Macau irá seguir-lhe os passos através do “aperfeiçoamento e do reforço da lei de segurança nacional”, ocorrendo “uma convergência na segurança nacional das duas regiões”. Jorge Tavares da Silva recorda que, embora a realidade política em Macau seja “amplamente diferente” de Hong Kong, esta eleição “não deixa de mostrar as preocupações do Governo em manter na região da Grande Baía um clima de paz que leve ao desenvolvimento regional”. Além disso, aponta o académico, “o 20.º Congresso do Partido Comunista Chinês vai-se aproximando, sendo importante manter um ambiente político estável nos próximos meses”. Bilhete de identidade Ex-secretário para a Segurança e número dois do Governo de Carrie Lam, John Lee foi o grande responsável pela implementação da nova Lei de Segurança Nacional no território, além de ter actuado para travar a acção dos protestos em 2019. Apesar do resultado, o único candidato à liderança de Hong Kong já prometeu a introdução de novas infrações que reforcem a legislação sobre a segurança nacional. Aquando das eleições no final de 2021 para o parlamento local, dominado por deputados “patriotas”, Lee deixou um apelo à população, para ajudar as autoridades na missão de impedir que “os desordeiros, as forças estrangeiras e as forças destrutivas prevaleçam”. Aos jornalistas detidos, classificou-os de “elementos malignos (…) que abusaram das suas posições (…) como funcionários dos ‘media’”. Ex-inspector e comissário adjunto da Polícia, assumiu a pasta da Segurança no Executivo de Carrie Lam em 2017 e avançou com a proposta da polémica Lei da Extradição, que espoletou os protestos em 2019, que levaram milhões de pessoas às ruas durante nove meses. Em Junho de 2021, acabou por ser promovido a secretário principal governamental. John Lee integra uma lista de altos responsáveis de Hong Kong alvo de sanções norte-americanas, impostas em Agosto de 2020. Felicitações de Ho Iat Seng O Chefe do Executivo de Macau disse esperar que as duas regiões administrativas especiais chinesas “possam avançar unidas”, numa mensagem de felicitações enviada a John Lee pela eleição como líder de Hong Kong. Ho Iat Seng defendeu também que os territórios possam “avançar unidos e cooperar com firmeza através da participação na construção de uma Grande Baía Guangdong, Hong Kong, Macau de topo de gama, e na integração da conjuntura do desenvolvimento nacional para concretizar da melhor forma os respectivos desenvolvimentos, criando uma vida melhor para a população, elaborando em conjunto um novo capítulo da grandiosa causa de ‘um país, dois sistemas’, disse, de acordo com um comunicado oficial. O Chefe do Executivo de Macau sublinhou ainda “a mesma origem” cultural das duas regiões, bem como as “relações estreitas na economia, comércio, com resultados eficazes no intercâmbio e cooperação”. Com Lusa Preocupação do G7 Os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países do G7 expressaram ontem a sua “grande preocupação” com a nomeação do novo líder de Hong Kong, John Lee. O grupo das nações industrializadas, ao qual pertencem Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Japão e Alemanha, classificou a eleição de Lee como um “ataque contínuo contra o pluralismo político e as liberdades fundamentais”. Os responsáveis do G7 instaram a China a agir de acordo com a declaração sino-britânica e o restante das suas obrigações legais. “Pedimos fortemente ao novo Chefe do Executivo que respeite os direitos protegidos e as liberdades ancorados na Constituição de Hong Kong e cuide para que a justiça defenda o Estado de Direito”, referiram os responsáveis.
Andreia Sofia Silva EventosBeatriz da Silva, designer de moda macaense: “Continuo apaixonada por aquilo que faço” Fez formação em belas artes, mas a necessidade de ter autonomia financeira fê-la voltar-se para o mundo da moda. Há 14 anos, Beatriz da Silva, macaense, abriu o seu atelier no Soho, em Hong Kong, e não mais parou de criar peças femininas, elegantes e de alta qualidade. Manter a marca em contexto de crise pandémica tem sido um dos grandes desafios Como começou a paixão pelo mundo da moda? Estudei belas artes no Canadá, nos anos 80. Fiz algumas exposições individuais em Londres, Canadá e Macau. É difícil viver a cem por cento da arte. Tive sorte de, em Xangai, conhecer uma pessoa numa das minhas exposições que gostou do meu trabalho e me contratou como designer para trabalhar na sua fábrica. Nessa altura, quando trabalhava numa sala com amostras, fui aprendendo como fazer uma colecção de vestuário, e apaixonei-me por essa área. Além disso, realisticamente, tinha de me sustentar, porque ser artista, uma pintora, é impossível atingir esse objectivo. Por essa razão é que transformei a minha carreira e me tornei numa designer de moda. Depois dessa experiência trabalhei em Londres durante muitos anos para marcas como a Burberry. Até que tive a oportunidade de vir para Hong Kong e trabalhar numa empresa ligada ao comércio de vestuário. Aí aprendi muito sobre o mundo da manufactura e em termos de desenvolvimento [de peças e colecções]. Antes estava na área do retalho e do design e não tinha muitos conhecimentos sobre o fornecimento de encomendas e produção. Depois de sete ou oito anos, quando se deu a crise financeira de 2008, fiquei em regime de lay-off. Era difícil encontrar trabalho, e em 2009 decidi lançar a minha própria marca. Aluguei uma loja no Soho e ainda hoje estou aqui. Acabou por construir uma carreira quase por acaso. Continuo apaixonada por aquilo que faço. Construí uma carreira sólida, tenho os meus clientes fiéis que me apoiam desde que lancei a minha marca. Quais os grandes conceitos e ideias que estão por detrás da sua marca? Ela é, acima de tudo, sobre individualidade, paixão, inspiração, a crença na nossa própria personalidade. A marca “Beatriz da Silva” foca-se muito na ideia de bem-estar. Posso garantir que as minhas peças duram bastante tempo e são intemporais. Uso bons tecidos e a minha aposta é sempre em fazer moda de qualidade e não a chamada moda rápida [fast fashion]. Uma peça minha feita há 10 ou 15 anos pode continuar a ser usada hoje em dia, e a qualidade mantém-se. Acredito na necessidade de protegeremos o ambiente e tento fazer algo que seja sustentável. Há pessoas que compram uma peça barata, usam-na duas ou três vezes e depois essa peça deixa de ter qualidade e é deitada fora. Para mim, isso é promover o desperdício. A minha filosofia é fazer algo com valor, e quando se adquire uma peça minha, adquire-se qualidade. O preço pode ser um pouco elevado, mas se olharmos para a qualidade dos tecidos e materiais, não é assim tão elevado. Uso linhos e sedas, tecidos naturais e elegantes para enriquecer as minhas colecções. A sustentabilidade é, portanto, um aspecto fundamental da sua marca. Para mim há toda uma filosofia por detrás [da marca]. Ser uma pessoa por detrás de cada colecção visa atingir uma sensação de bem-estar ao vestir uma peça e ter consciência do que está à nossa volta. Quero construir [peças] que devolvam algo à sociedade e que tragam algo de diferente. Em última análise, compramos algo que não é caro, e entendo que nem toda a gente pode comprar peças de roupa caras, mas entendo que, como seres humanos, devemos criar algo em prol da comunidade. Há muitas questões em torno desta ideia de sustentabilidade. Quando alguém veste uma peça de roupa criada por si, como é que essa pessoa se pode definir? Prefiro fazer sempre roupa de mulher, em primeiro lugar. Quando trabalhei em Londres cheguei a ter formação em roupa de homem, e quando cheguei a Hong Kong trabalhei com colecções masculinas e femininas, mas sempre gostei mais de fazer roupa de mulher. Penso que as mulheres que vestem as minhas roupas são inteligentes, elegantes e muito focadas na sua carreira. São mulheres que sabem o que querem e que têm uma personalidade forte. Não tenho problema em vender as minhas colecções para mulheres que sabem apreciar a qualidade dos tecidos e dos materiais. A maior parte dos meus clientes são pessoas bem formadas em termos profissionais e têm um estilo de vida apaixonado, sabem como viver plenamente. Muitas dizem-me “tenho uma festa, arranje-me um vestido que me faça parecer fabulosa”. Adoro fazer com que as minhas clientes se sintam bem com elas mesmas. Hong Kong constitui um importante mercado no mundo da moda. Como é ser designer no território numa altura em que o território enfrenta grandes mudanças? Hong Kong é um mercado difícil, porque tem sido um lugar com uma tensão entre ricos e pobres. Não temos uma classe média, pois temos os expatriados que vivem muito bem e os locais, a classe trabalhadora, que vive constrangida no dia-a-dia, com baixos salários. Obviamente não tenho um grande nome, não tenho uma grande empresa, trabalho sozinha. Posso dizer que é muito difícil construir uma marca em Hong Kong, a não ser que tenhamos uma almofada financeira ou uma grande empresa por detrás. Como não é esse o caso, tenho de ser muito cuidadosa na forma como construo uma colecção, pois tenho de fazer muito bem o trabalho de publicidade. Até este momento vendo as minhas peças e também faço fornecimento para grandes empresas, como designer. Tenho uma equipa de recursos humanos limitada, mas acredito que se formos bons e profissionais não precisamos de uma grande equipa para nos ajudar. Tendo em conta a pandemia, houve mais desafios para manter o negócio? Sem dúvida. Também os protestos que decorreram no centro de Hong Kong, em 2019, afectaram bastante o meu negócio. Mesmo as pessoas normais [que não estavam ligadas aos protestos] não tinham vontade de sair e consumir. E depois foi a pandemia, todos passámos por algo que ninguém esperava, e o meu negócio voltou a ser severamente afectado. Mas acredito que, ao fim ao cabo, as coisas vão voltar ao normal e acredito que Hong Kong se torne num lugar resiliente. Acredito nas pessoas que lutam todos os dias para manter a sua vida e a sua família. As pessoas de Hong Kong trabalham arduamente e dou-lhes todo o crédito. Sente que a sua marca evoluiu e mudou nos últimos anos? Sim. Aprendi muito nos últimos anos, desde a minha primeira colecção, embora haja coisas que nunca mudam, como o espírito das minhas colecções. Mas, em 14 anos, há certos elementos do meu design que fui alterando, porque quando temos uma marca temos de criar esse valor comercial e eu tenho de ser um pouco comercial. Essa parte representará cerca de 30 por cento do meu trabalho, e o restante diz respeito à qualidade e valor [das peças] e aquilo em que acreditamos sempre.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteViolência doméstica | O efeito da pandemia no aumento do número de casos No espaço de um ano Macau registou mais 43 casos de violência doméstica. Cecília Ho e Melody Lu, académicas e membros da Coligação Anti-violência Doméstica, alertam para o facto de o fecho das fronteiras e a crise económica serem duas das grandes causas para o aumento dos casos. Ambas acreditam que a violência poderá continuar a acentuar-se se as restrições pandémicas se mantiverem Com Nunu Wu O relatório que traça o panorama da violência doméstica no território, divulgado esta quinta-feira pelo Instituto de Acção Social (IAS), revela um aumento do número de casos, situação largamente influenciada pelos efeitos da pandemia. Entre 2020 e 2021 houve mais 43 casos de violência doméstica, sendo que, se olharmos para a tendência dos últimos cinco anos, vemos que a média mensal de casos, de 6,8, voltou a aproximar-se a valores de 2017, quando ocorriam cerca de oito casos de violência doméstica por mês. O maior número é de 2016, ano em que a nova lei da violência doméstica entrou em vigor, quando se registava uma média de 10,3 casos por mês. De frisar que, em 2020, tinha-se atingido a média de casos mais baixa, com 3,2 por cento. A violência contra mulheres casadas continua a representar a maior fatia, 45,7 por cento, tendo sido registados, em 2021, 37 casos. Por oposição, foi registado apenas um caso de violência doméstica contra um homem casado. Relativamente à violência conjugal, 81,6 por cento das situações implica violência física. Em todas as situações de violência, seja contra crianças, idosos ou pessoas incapazes, as vítimas do sexo feminino estão sempre em maioria, 74,4 por cento, sendo que as vítimas masculinas são apenas 25,6 por cento. No que diz respeito à violência perpetrada contra crianças, ocorreram 30 casos, uma fatia de 37,1 por cento. Neste caso, a maioria das situações, 56,7 por cento, registou violência física. O relatório traça ainda um quadro geral do tipo de agressor e dos motivos que o levam a agredir a vítima. Em 55,6 por cento dos casos ocorrem “distúrbios ou descontrolo das emoções”, sendo que, em segundo lugar, surge, com 25,9 por cento, o factor “concordância com o uso de violência”. O alcoolismo aparece em terceiro lugar como razão da violência, com 17,3 por cento. Quanto à origem dos casos, a maioria, 34,6 por cento, ocorre na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, na zona norte da península de Macau. Sobre o perfil profissional do agressor, 34,6 por cento não tem rendimentos, enquanto que 35,9 por cento está “inactivo”. Sobre o nível de ensino, 27,2 por cento tem apenas o ensino secundário completo. No quadro geral, os cenários que levam a situações de violência física prendem-se, em 45,7 por cento dos casos, com “dificuldades ou obstáculos de comunicação no casal” e, em 27,2 por cento, em situações de adultério ou suspeitas do mesmo. Seguem-se, em terceiro lugar, com 18,5 por cento, “obstáculos na comunicação entre pais e filhos”. Desde 2016, que a violência doméstica é um crime público, o que significa que qualquer pessoa fora do contexto familiar pode fazer queixa junto das autoridades se observar uma situação de violência. Segundo o relatório do IAS, as queixas por parte de vizinhos, amigos ou familiares da vítima representam ainda uma baixa fatia, 3,7 por cento, tendo em conta que a grande parte dos casos conhecidos, 29,6 por cento, veio do Corpo de Polícia e Segurança Pública. A Polícia Judiciária lidou com 4,9 por cento dos casos, enquanto que os organismos públicos trataram de 13,6 por cento das situações. De frisar que, em 26 por cento dos casos, foram as próprias vítimas a pedir ajuda. Futuro sombrio Melody Lu, socióloga e membro da Coligação Anti-violência Doméstica, aponta como a grande causa para este aumento do número de casos a crise económica que o território atravessa. “A investigação revela que a quebra na economia, o desemprego e o isolamento são os factores mais importantes para o aumento da violência doméstica”, contou ao HM. “Mais do que continuar o trabalho da educação pública [sobre este tema] e aperfeiçoar a lei de violência doméstica, penso que é mais importante olharmos para as condições estruturais, como a recuperação da economia e a saúde mental da população. É necessário estudar os casos existentes a fim de identificar os padrões e as causas [para a violência]. Neste momento não temos acesso a essa informação”, frisou. A socióloga da Universidade de Macau não tem dúvidas de que a continuação das medidas restritivas impostas pelas autoridades para lidar com a pandemia vai levar a um aumento do número de casos. “Poderemos ver um enorme aumento porque, nos últimos dois anos, as pessoas tiveram de aguentar momentos de maior dificuldade na esperança de que terminassem em breve. Quando não vislumbramos um fim, a depressão torna-se mais séria. Uma maior taxa de desemprego pode tornar-se algo permanente no futuro”, frisou. Cecília Ho, também membro da Coligação Anti-violência doméstica e académica na área do serviço social da Universidade Politécnica de Macau, acredita num potencial aumento de casos. “A pandemia tem um enorme impacto nos casos de violência doméstica, especialmente devido ao fecho de fronteiras, pois as pessoas têm falta de liberdade nas viagens para o continente. Antes, muitas famílias preferiam ficar no continente ou viajar entre Macau e Zhuhai devido ao menor custo de vida [do outro lado da fronteira]. Mas agora não o podem fazer e estão forçados a viver numa pequena área. Esperam-se mais conflitos e tensões”, defendeu ao HM. Para Cecília Ho, parece que o IAS “não analisou o impacto da violência doméstica através de uma base com mais educação pública, como a promoção de meios de comunicação não violentos entre membros da mesma família”. “A pandemia aumenta, de forma indirecta, a demissão de trabalhadores e mais pessoas enfrentam, de repente, dificuldades financeiras, o que traz uma maior tensão e discussões entre as famílias. Acredito que o número de casos de violência doméstica vai continuar a aumentar e que haja mais casos de violência física, dada a permanência de um temperamento depressivo e stressado até que haja uma recuperação económica.” Atenção aos pequenos Olhando para os dados do relatório, Cecília Ho destaca o facto de uma boa percentagem dos casos partir de denúncias das próprias vítimas, bem como de queixas de pessoas fora da família. Tal significa que “a consciência do público em torno da violência doméstica, e a busca de ajuda, tem vindo a aumentar”. Desta forma, o IAS deveria “depositar mais esforços na promoção, criando mais serviços de aconselhamento jurídico ou centros de acolhimento, a fim de encorajar a que mais casos de violência sejam reportados”. Quanto aos casos de violência contra crianças, Cecília Ho defende que não devem ser subestimados. “É urgente um acompanhamento em termos de aconselhamento a fim de combater a violência doméstica inter-geracional e o abuso psicológico.” Além de ainda existir uma percepção errada na sociedade local de que a violência doméstica apenas diz respeito aos casos de violência física, Cecília Ho alerta para a forma como as autoridades e agentes jurídicos continuam a lidar com estes casos. “Por norma os advogados estagiários são muito inexperientes a lidar com estes processos. A maior parte das vítimas não está informada e não tem conhecimentos jurídicos suficientes para tomar decisões e para se defender em tribunal. É urgente melhorar o sistema de ajuda jurídica”, adiantou. Quanto aos casos que chegam a tribunal, e que geram uma acusação efectiva do agressor, serão ainda poucos. “Não temos estatísticas, mas acreditamos que a maior parte dos casos são acompanhados não tratando a violência doméstica como crime público, mas aplicando o artigo 137 do Código Penal [ofensa simples à integridade física], que é um crime semi-público.” Desta forma, a maior urgência não recai na revisão da lei, mas sim “na revisão detalhada do sistema de ajuda [à vítima] e no sistema de investigação e recolha de provas por parte das autoridades policiais”. Estas alterações podem “acabar com o ciclo de violência doméstica se os agressores lidarem com as consequências”, apontou Cecília Ho. O HM falou ainda com a deputada Wong Kit Cheng que frisou também um maior aumento de pedidos de ajuda por parte das vítimas. “Tendo em conta os factores que levam a casos de violência, o IAS deve intervir e tratar os casos. Tendo em conta que as questões conjugais representam o maior factor, podemos recorrer à arbitragem e reforçar a intervenção dos assistentes sociais e serviços de aconselhamento familiar, sem esquecer uma maior educação parental.” Também ligada à direcção da Associação Geral das Mulheres, Wong Kit Cheng acredita que, acima de tudo, é importante a divulgação destes dados por parte do IAS, pois só assim “saberemos as razões da violência e poderemos elaborar mais medidas de acompanhamento”. “Os dados não revelam os casos confirmados de violência doméstica e quais os que não terminam com uma condenação, por isso é elevada a possibilidade de reincidência. É importante fazer um trabalho de prevenção”, rematou a deputada.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaPequim reforça restrições anti-covid para fugir ao confinamento A apresentação de um teste à covid-19 com resultado negativo, e com validade de 48 horas, para entrar em locais e transportes públicos, está entre uma das novas medidas anunciadas esta terça-feira pelas autoridades de Pequim para travar a ocorrência de mais surtos e a possibilidade de ocorrer um confinamento como o que acontece em Xangai. Segundo o jornal New York Times, a reabertura das escolas, que se vinham mantendo encerradas desde o período anterior ao feriado de 1 de Maio, vai agora ser adiada por mais uma semana. Residentes da capital contaram ao jornal que se sentem cansados destas medidas, adoptadas no âmbito da política de zero casos covid-19 em vigor na China. “Sinto-me pessimista. O que aconteceu em Xangai faz-nos estar em alerta”, disse Yang Hui, de 37 anos e gestora de vendas em Pequim. Yang Hui revelou já se ter preparado para a eventualidade de Pequim entrar em confinamento por um longo período de tempo após ter sido diagnosticado um caso positivo perto da sua casa. Nesse sentido, encomendou comida para armazenar em casa. Com dois filhos, Yang Hui diz ser “difícil planear algo com antecedência”, tendo em conta que muitos espaços de entretenimento na China permanecem fechados e que jantares de grupo em restaurantes foram proibidos. Entretanto, a Xinhua noticiou ontem que 12 distritos da cidade continuam a realizar campanhas de testagem em massa a toda a população. Até ontem estavam planeadas três rondas diárias de testes a fim de travar a expansão do novo coronavírus na capital. Crítica ao NYTimes No domingo, foi divulgado um comentário pela agência Xinhua onde é criticada uma reportagem do jornal NYTimes sobre a situação pandémica em Xangai. A opinião, assinada por Zhao Wencai, acusa o jornal norte-americano de ser “ignorante” em relação à China. “Numa reportagem recente sobre a luta contra a covid-19 em Xangai, o jornal americano chegou à conclusão de que a legitimidade do Partido Comunista Chinês (PCC) está a ser testada, porque os residentes de Xangai estão a voluntariar-se para se ajudarem mutuamente durante o ‘confinamento’ nas últimas semanas. Este argumento é ridículo e malicioso”, lê-se no artigo. A mesma opinião destaca o facto de, no seio dos voluntários, “um grande número” ser do PCC. “Xangai tem vindo a vivenciar a onda mais severa de covid-19 dos últimos dois anos. A vida e o trabalho dos residentes teve um impacto com as medidas restritivas. Numa fase inicial do surto, algumas pessoas encontraram diversos tipos de inconvenientes para ter comida e acesso a tratamentos médicos”, acrescenta. O mesmo texto dá conta de que as autoridades sempre “reconheceram os problemas” e tentaram “melhorar os seus serviços”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeRelatório | Votos da emigração com número recorde. Problemas mantêm-se Um relatório da associação Também Somos Portugueses aponta para um aumento de 63 por cento do número de votos dos círculos da emigração para a Assembleia da República, graças à implementação do recenseamento automático. No entanto, é dado o alerta para os entraves que afastam os emigrantes de votar A associação Também Somos Portugueses (TSP) divulgou esta segunda-feira um relatório sobre os resultados da votação dos círculos da emigração (Europa e Fora da Europa) nas últimas eleições para a Assembleia da República (AR) em Portugal. Apesar de terem votado 257.791 eleitores nestes círculos, mais 63 por cento face a 2019, persistem ainda vários problemas na hora de votar, o que, para a TSP, se traduz num “défice democrático”. O “número recorde de votantes” registado a 10 de Fevereiro ficou a dever-se, segundo a TSP, ao recenseamento automático, factor que se revelou “essencial”. “Devido à sua implementação, passou-se de 28 mil votantes em 2015 para mais de um quarto de milhão em 2022. Nunca desde o 25 de Abril uma alteração legislativa teve um efeito tão profundo na participação política dos portugueses residentes no estrangeiro”, aponta a TSP no documento. A associação apresenta ainda outros factores para estes números como “as melhorias introduzidas nos envelopes e seguimento das cartas”, às redes sociais, ao papel “esclarecedor das estruturas organizativas” e à própria comunicação social, o que levou “a uma maior difusão da informação e para o debate em termos gerais”, bem como “a umas eleições politicamente mais renhidas”. Tudo como dantes Num relatório onde se volta a apelar a diversas mudanças na lei eleitoral portuguesa, nomeadamente através da implementação do voto electrónico, é referido que muitos portugueses a residir no estrangeiro não conseguiram votar. O inquérito realizado pela TSP conclui que 43 por cento dos inquiridos “respondeu que não tinha conseguido votar”, estimando a associação que “pelo menos duzentos mil portugueses no estrangeiro que desejavam votar não receberam o boletim de voto”. Dos inquiridos, 36,8 por cento disse não saber as razões pelas quais não recebeu o boletim. Para a TSP, este foi “um escândalo” e uma lacuna admitida pelo próprio Ministério da Administração Interna. Neste sentido, a TSP faz um apelo à melhoria dos serviços dos correios, a fim de “permitir que os eleitores possam imprimir os seus próprios boletins”, descarregados directamente do portal do euEleitor. A TSP defende também que deve ser permitido “que seja sempre possível votar presencialmente no Consulado, como último recurso”. Sobre o voto digital, o inquérito da TSP conclui que 80 por cento dos inquiridos entende que este é “o seu método preferido”, mas sempre “em acumulação com o voto presencial e o voto postal”. Sobre o problema registado com as moradas, a TSP recomenda que “o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o Ministério da Administração Interna (MAI) e o Ministério da Justiça (MJ) organizem uma campanha para correção das moradas dos portugueses no estrangeiro no Cartão de Cidadão”. É ainda pedido que, através da Chave Móvel Digital, seja possível ao eleitor alterar a sua morada de residência, sem que tenha de se deslocar a um Consulado ou recorrer a um leitor de cartões. No relatório, a TSP destaca ainda a anulação de 80 por cento dos votos no círculo da Europa, que obrigou à repetição da votação, uma decisão “inédita” que gerou uma “abstenção de protesto” de muitos portugueses. Em jeito de conclusão, a TSP entende que “o direito de voto que a Constituição garante a todos os portugueses não está de facto garantido aos portugueses que vivem no estrangeiro”. Está, portanto, em causa “um défice democrático que se arrasta há demasiado tempo e que tem de ser corrigido”. A TSP afirma mesmo que as leis eleitorais em vigor em Portugal “não respeitam a Constituição, pois não garantem que todos os portugueses que o queiram possam exercer o seu direito de voto”, algo que “mina a democracia” no país.
Andreia Sofia Silva PolíticaAssociações querem manter espírito do movimento de 4 de Maio Alvis Lo, presidente da Federação de Juventude de Macau, e também director dos Serviços de Saúde, disse ao jornal Ou Mun que tudo será feito para manter o espírito do 4 de Maio, data em que se celebram os 103 anos sobre o movimento estudantil anti-imperialista, ocorrido em 1919, e o Dia da Juventude. Segundo o jornal Ou Mun, Alvis Lo prometeu seguir o livro branco sobre a juventude chinesa da nova era, reforçando, através do trabalho da associação, um maior conhecimento dos jovens sobre a China e o princípio de Macau governada por patriotas. O mesmo responsável pretende ainda incentivar a juventude local a participar nos projectos nacionais da Grande Baía e da Zona de Cooperação Aprofundada com Hengqin. João Ma, director da comissão da juventude da Associação Comercial de Macau, disse que a histórica entidade vai continuar a lutar pelo mesmo princípio de Macau governada por patriotas. João Ma defende que os jovens devem aprender mais sobre as orientações dadas pelo Presidente Xi Jinping, para que a RAEM possa ser mais facilmente integrada no desenvolvimento do país. Medidas, precisam-se Wong Kit Cheng, deputada e dirigente da Associação Geral das Mulheres, diz que o Governo deve lançar mais políticas de apoio aos jovens em matéria de ensino, emprego, empreendedorismo e habitação. Já Ma Io Fong, deputado, pede uma maior aposta na formação subsidiada e em programas de estágios para recém-licenciados. O deputado acredita que se deve reforçar a ligação com empresas do Interior da China a fim de disponibilizar mais oportunidades de carreira para os jovens de Macau. Ainda a propósito do 4 de Maio, Kong Chi Meng, director da Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude, disse que os jovens de Macau têm actualmente um grande reconhecimento do país e um forte orgulho na nação chinesa. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, Kong Chi Meng disse esperar que as actividades de celebração do 4 de Maio, ontem anunciadas, possam ensinar mais os jovens locais sobre este movimento ocorrido em 1919, além de reforçar as ideias sobre o desenvolvimento do país.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteCarlos Ascenso André, académico e linguista: “Língua portuguesa tem a dimensão do mundo” Celebra-se hoje o Dia Mundial da Língua Portuguesa e, para Carlos Ascenso André, tradutor, académico e linguista, é fundamental chamar a atenção para a grandeza de um dos idiomas mais falados do mundo. O especialista em literatura clássica defende que a língua portuguesa é apenas uma e que o papel de Macau é agora outro na difusão e ensino do idioma, bem como na formação de professores Este dia significa o quê, na prática? Não sou dado a dias internacionais. Acho estas efemérides importantes enquanto se justificar chamar a atenção para o que deu origem a esses dias internacionais. O Dia Internacional da Mulher, por exemplo, é importante enquanto houver desigualdade de género. No caso da língua portuguesa, este dia justifica-se para chamar a atenção, a vários níveis, para a sua importância. Deve-se chamar a atenção de fora do universo da língua portuguesa, pois nem todas as pessoas desse universo têm a consciência da grandeza e importância do idioma. Falo dos países que não são falantes da língua. Mas deve-se também chamar a atenção dentro do universo do português, porque uma grande parte dos seus falantes não se dá conta dessa importância. Não me importa falar do lugar que ocupamos em termos do número de falantes, mas sim chamar a atenção para uma língua que nasceu num território minúsculo e ganhou as fronteiras do mundo. Isto é uma coisa que merece dois sentimentos, admiração e respeito. Não tem a ver com o passado colonial e não devemos confundir essas realidades. Ganhámos esta grandeza e é uma língua que vai crescer muito mais do que as outras. Segundo as últimas projecções estatísticas, se não houver nenhum cataclismo em África, chegaremos a 2100 com mais de 500 milhões de falantes de português. Vamos duplicar o número actual. O resto decorre tudo daqui: podemos falar das escolas, das universidades, do crescimento da língua nos vários territórios. Portugal é um país de escritores, mas não tanto de leitores. Actualmente, no sistema educativo, os nossos autores são bem ensinados e divulgados? Não tenho uma visão tão pessimista em relação ao número de leitores que existem hoje. Tenho uma visão pessimista em relação à apetência por bens culturais que se verifica na sociedade moderna, há explicações para isso. O número de atracções é muito grande e as pessoas gastam menos tempo na leitura. Comparo os meus netos comigo. Eu cresci numa aldeia e visitava sempre a biblioteca itinerante da Gulbenkian, e pouco mais tinha para fazer a não ser ler. Hoje os meus netos têm iPads, computadores, e, apesar de tudo, gostam de ler, e eu sinto-me feliz com isso. Acho, com realismo, que é preciso fazer alguma coisa pelos nossos leitores. Os nossos responsáveis devem preocupar-se na presença dos nossos autores clássicos no panorama cultural e nos programas educativos. Escritores como Eça ou Camões mereciam outro lugar nos programas educativos. Mas é preciso que os nossos professores saibam ensinar esses escritores, para que não sejam odiados. Camões, se não for bem ensinado, pode ser odiado. Mas não podemos falar só de clássicos, pois a língua portuguesa tem a dimensão do mundo. Temos o Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade. Tem o Craveirinha e Mia Couto, em Moçambique. Estes autores precisam de ser trazidos para a mesa do nosso convívio. Isto faz falta para termos a dimensão da língua portuguesa e acho que esse passo não foi ainda totalmente dado. Se olharmos para o nosso passado colonial, não há ainda a união certa entre esses vários autores de língua portuguesa? Há, mas uma coisa são as instituições, outra são as pessoas. Refiro-me à língua portuguesa e às culturas de língua portuguesa. Tenho essa preocupação, sobretudo agora que presido à Associação Internacional de Lusitanistas. Algumas pessoas cultas, falantes de português, não têm a noção de que a língua portuguesa é só uma. No Brasil há muita gente que não pensa assim, e é um erro. Mas as culturas de língua portuguesa são muitas. Esta é uma realidade que contribui para a nossa riqueza e é um enorme património sobre o qual é preciso alertar as pessoas desde os bancos da escola. E penso que não se faz isso. A chegada da língua portuguesa à China foi o grande desafio para Portugal em matéria de política externa de língua? Está a ser, mas não foi. Quem apostou mais forte no crescimento da língua portuguesa no Oriente foram os chineses e não os portugueses. Nós fomos atrás deste impulso mas não fomos os primeiros. A China fez isso por motivos de natureza política, e na sua expansão, sobretudo comercial, ocupou um lugar de enorme relevo nos países de língua portuguesa. O país também quer estar na Europa e usou Portugal como porta de entrada para isso. Precisou, assim, da língua como instrumento, exactamente como os jesuítas precisaram do chinês para fazer a sua penetração na China. E foi graças a esse lado comercial que o português cresceu muito no interior da China. Em 2013, quando cheguei a Macau, havia 12 ou 14 universidades chinesas que leccionavam português. Em 2018 havia 43, e agora são 55. Este é um crescimento fantástico. As instituições portuguesas aperceberam-se desse crescimento e hoje há uma aposta política e um forte investimento no desenvolvimento da língua a Oriente. O Brasil fez esse trabalho do ensino da língua e edição de livros mais cedo? O Brasil tem mais vantagens do que Portugal, nomeadamente graças aos autores, que têm um maior potencial de leitores do que os autores portugueses. Uma das minhas traduções do latim foi sendo publicada em Portugal com edições de mil a dois mil exemplares, enquanto que no Brasil teve uma edição de 20 mil exemplares. Mas gostava que houvesse um envolvimento dos países de língua portuguesa, sem Portugal, nesta política de internacionalização da língua. Não vejo nem o Brasil, Angola ou Moçambique a fazerem investimento semelhante como aquele que é feito por Portugal através do Instituto Camões. Portugal é o país mãe da língua, mas justificava-se, sobretudo do Brasil, um maior investimento. Se o investimento do Brasil no ensino da língua e das culturas portuguesas fosse proporcional ao número de agentes de ensino que trabalham em instituições de todo o mundo, seguramente que estaríamos bem melhor. No caso de Macau, considera que as sucessivas administrações portuguesas fizeram pouco pela língua portuguesa no território, e menos do que o que está a ser feito pela RAEM? Não tenho essa impressão. Portugal tem dois fortíssimos agentes em Macau que dependem de financiamento português, que é a Escola Portuguesa de Macau (EPM) e o Instituto Português do Oriente. O resto é feito por instituições locais. Os outros fazem o que podem tendo em conta as necessidades do mercado, e há que distinguir as realidades. Da parte do Governo de Macau todo o investimento resulta de opções políticas e não de necessidades do sistema. É o honrar do compromisso que está na Lei Básica, não precisa de ir além disso e penso que às vezes vai bem além disso. Portugal não tem a obrigatoriedade de fornecer os elementos que o sistema precisa, tem é de fazer uma aposta política no crescimento da língua. Através da EPM e do IPOR, que fazem um trabalho excelente, Portugal está a cumprir o que deve. As instituições políticas em Portugal têm demonstrado sempre muito respeito por aquilo que é feito em Macau. Macau vai perder relevância como plataforma no ensino da língua? Macau desempenhou um papel fulcral num determinado momento, que foi o período de 2013 a 2019, que foi assumir a liderança do processo no interior da China, e peço desculpa por falar em causa própria. Fizemos isso com o Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa, fazendo formação de professores e reunindo com universidades, mas estas desenvolveram-se. Mas em breve haverá um professor doutorado em várias universidades chinesas. Chegamos a este ponto e o papel de Macau já não é o mesmo, pois essas instituições ganharam o estatuto de razoável autonomia e dispensam um pouco o paternalismo das instituições de Macau. O território deve ter um papel de acompanhamento. O que tem a língua portuguesa de mais apaixonante junto do estudante chinês? O que mais atrai os estudantes é o mercado. Os chineses aprendem português porque é um bom instrumento para ter um emprego. Sobre a cultura de língua portuguesa há sobretudo curiosidade. Mas há duas ou três coisas que os atraem, que é o facto de esta ser uma língua de Portugal e aberta a outras latitudes. Fascina-os o facto de ser uma língua de outros países maiores. Fascina-os a relação que a língua mantém com a Europa, e desde 1974 somos um país aberto à Europa, depois do 25 de Abril. Os alunos chineses fascinam-se sobre essa abertura. Não somos uma ilha isolada e fazemos parte da cultura mediterrânica.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteRostam Neuwirth, académico: “Macau está focada no lado bom da inteligência artificial” O director do departamento de Estudos Jurídicos Globais da Universidade de Macau, Rostam Neuwirth publica em meados de Agosto o livro “The EU Artificial Intelligence Act: Regulating Subliminal AI Systems”. O académico olha para a proposta de lei da Comissão Europeia que visa regulamentar usos e efeitos negativos da inteligência artificial e defende um maior debate mundial sobre esta matéria, incluindo em Macau Este livro analisa a proposta de lei da Comissão Europeia que regulamenta a inteligência artificial e também uma recomendação da UNESCO. Esta é uma problemática que vai estar cada vez mais presente no nosso dia-a-dia? O livro foca-se essencialmente na legislação proposta pela Comissão Europeia, que ainda não está em vigor. Esta proposta, que entra agora num complexo processo legislativo, deverá ser implementada no final deste ano. A proposta foi tornada pública em Abril do ano passado e visa apenas a União Europeia, mas depois a UNESCO adoptou também uma recomendação focada apenas nas questões éticas associadas ao uso da inteligência artificial. Não se trata de uma lei ou de um tratado internacional, mas revela um consenso e preocupação da UNESCO sobre as questões éticas associadas à inteligência artificial. A sua pergunta é filosófica e prática ao mesmo tempo, porque, se olharmos da perspectiva de que nada é novo e que a tecnologia há muito que vem acompanhando a evolução da humanidade, ao mesmo tempo percebemos que a inteligência artificial é algo novo que traz desafios. Não sabemos o que vai acontecer. O que é claro é que vemos um rápido desenvolvimento dos ciclos de inovação tecnológica nas últimas décadas. A rapidez com que são introduzidas inovações está a acelerar. E o que atingiu um nível sem precedentes é esta extensão da tecnologia face ao corpo humano. Com a inteligência artificial chegámos a um ponto em que, pela primeira vez, replicamos a mente humana. Até agora era apenas feita a reprodução dos movimentos do corpo humano. Será possível prever comportamentos através destes dados e da combinação destas tecnologias? Será que irão manipular a mente humana? À medida que conhecemos mais o sistema, melhor o podemos usar. A tecnologia tem um lado bom e mau, e se traz benefícios ou efeitos negativos depende sempre do uso que lhe damos. De que forma a proposta da Comissão Europeia aborda estas questões? O meu livro analisa um artigo desta proposta de lei sobre a proibição dos sistemas de inteligência artificial recorrerem a técnicas subliminares. Esta é uma questão interessante, definir o que é subliminar. Mas isto levanta uma consciência relativamente aos nossos pensamentos e comportamentos. A legislação também chama a atenção para um efeito negativo desta manipulação, que segundo a proposta deve ser regulada e proibida caso isto aconteça. Falamos das primeiras propostas legislativas sobre este assunto, a nível mundial? Na União Europeia sim. Quando, no processo de pesquisa para este livro, falei com cientistas e especialistas em computação, disseram-me que a inteligência artificial não faz sentido. Mas surgiu como conceito que é difícil de definir de uma forma conclusiva. Penso que o que é novo na União Europeia é uma tentativa de regular, de forma específica, a inteligência artificial, porque já existe legislação a nível mundial que regula alguns destes aspectos, como os dados pessoais ou as plataformas de redes sociais. O problema é que a inteligência artificial está de facto a penetrar em todos os campos das nossas vidas. É uma questão multidisciplinar. A minha preocupação com este livro é ver como a lei será aplicada. Pode haver uma fragmentação se olharmos em termos de Direito público, privado, para os sectores da saúde e das forças de segurança. As ferramentas com as quais tentamos lidar com este fenómeno estão ainda muito fragmentadas. A União Europeia deu um passo e a UNESCO também, no sentido de tentar olhar para a inteligência artificial [no seu todo]. Pelo que tenho visto nos últimos 20 anos, em matéria de regulação de media, por exemplo, é que há uma convergência. Uma das contradições do nosso tempo é que a tecnologia está a convergir ao mesmo tempo que a legislação diverge. Em que sentido? Há um cientista político que escreveu um livro intitulado “Cosmopolitismo” que diz que o paradoxo dos nossos tempos é que temos problemas globais tratados e olhados de forma local. Vimos isso na pandemia, que é um problema mundial, mas que foi tratado localmente. No livro diz que a inteligência artificial traz dificuldades severas em matéria de Direito e da própria democracia. Esta área vai ter um maior impacto em actos eleitorais ou no mundo da política, influenciando a opinião pública? Infelizmente não é uma novidade, porque tivemos o escândalo da Cambridge Analytica. Em todas as eleições vemos queixas sobre uma interferência do exterior, da Rússia, por exemplo. Esta é já uma realidade, a existência de plataformas como o Twitter ou o Facebook [com impacto nos resultados eleitorais]. Um dos aspectos importantes destas plataformas e do poder destes dados é que, conscientemente, permitimos a manipulação. Nos anos 50 já ouvíamos falar de publicidade subliminar, uma experiência feita nos cinemas e com marcas como a Coca-cola, por exemplo. Eram mostradas imagens que só eram percepcionadas pelo nosso inconsciente. Segundo alguns livros, temos plena consciência em apenas cinco por cento das situações, sendo que nos restantes 95 por cento não temos essa percepção. Quando conduzimos um carro há muitos gestos que são automáticos, por exemplo. Esta publicidade sublimar teve um impacto e houve legislação europeia que proibiu isto. Em Macau há também uma lei sobre esta questão que vigora até hoje. Actualmente, este tipo de publicidade subliminar está muito mais sofisticada, e quando combinamos vários tipos de tecnologia com dados e comportamentos humanos é verdade que estas tecnologias te conhecem melhor do que tu te conheces a ti próprio. Quem controla os algoritmos e estas tecnologias tem um grande poder e claro que pode manipular comportamentos. Este debate em torno da inteligência artificial vai estar muito presente nos próximos 30 a 40 anos e sobre esta legislação em particular cada país deveria fazer o seu debate, porque estas plataformas operam de forma global. Acredita que as autoridades de Macau vão prestar mais atenção à regulação desta matéria nos próximos anos, tendo em conta o debate que tem surgido na área dos dados pessoais, por exemplo? A lei que vigora em Macau foca-se apenas na transmissão de publicidade subliminar na televisão, que é proibida. Isto trouxe um importante precedente. Estudos feitos depois do ano de 2000 confirmam que estas técnicas são eficientes, podemos mostrar imagens muito rapidamente e [manipular] o consumidor. Sabemos o diferente impacto que têm jogos violentos, por exemplo, e há muitos factores a ter em conta, mas os efeitos estão cientificamente provados. Acredito que toda a jurisdição deveria debater estas matérias e vemos que a China, por exemplo, tem tentado reduzir o tempo que as crianças gastam a jogar online. Mas é uma aproximação sectorial. Muitas máquinas são desenhadas com o efeito de manipular, pois quanto mais tempo se vê mais se consome. Estes são os lados negativos e penso que mesmo em Macau estas questões têm de ser analisadas. Na Universidade de Macau discutimos muitas vezes a questão do efeito do digital na educação, após um período de aulas online devido à pandemia, e há perigos em termos psicológicos da utilização online. Em Macau, um estudo conduzido por um colega mostra que o vício da internet aumentou nos últimos dois anos. As iniciativas legislativas têm de seguir este caminho, embora haja diferentes aproximações por parte das jurisdições. Penso que neste momento Macau está focado no lado bom da inteligência artificial, com a ideia de cidade inteligente e na resolução do problema do trânsito, por exemplo, e não tanto nos efeitos negativos. Temos de usar a tecnologia a fim de reduzir os perigos e maximizar os benefícios.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteJosé Duarte de Jesus, autor de “O outro lado da diplomacia (1960-2007)”: “Há conversas que revelam uma outra China” A nova obra do embaixador português jubilado revela uma conversa com Li Peng, ex-primeiro ministro da China, sobre a tentativa do líder chinês de dialogar com os estudantes na praça Tiananmen. O livro de José Duarte de Jesus inclui conversas com algumas personagens relevantes na política do século XX, como Mário Soares e Samora Machel, e informações diplomáticas com base em documentos agora desclassificados. O livro foi apresentado no passado dia 21 de Abril no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa Fotografia de Álvaro Isidoro, Global Imagens Afirma que este não é um livro de memórias, reunindo situações e conversas que foi tendo ao longo da sua vida diplomática. Porquê esta partilha? Tive sérias dúvidas em publicar o livro. Achei que tinha falta de conteúdo, que não era interessante, mas um grupo de pessoas incentivou-me [a publicar]. O livro tem coisas muito diversas, não só as personalidades que refiro, como as épocas e lugares em que essas conversas tiveram lugar, que vão desde o Norte de África a França ou à China. As partes mais substantivas dizem respeito a Moçambique e à China. O que estas conversas e testemunhos dizem da sua carreira como diplomata? Não é tanto sobre a minha carreira. Muitas das personalidades com quem falei foram importantes, como as mais antigas do período da guerra colonial e a Portugal. Há coisas que eu refiro passadas em França com o Mário Soares, por exemplo, sobre o fim da URSS, e que me pareceram interessantes acerca das posições sobre a queda da URSS, se se devia intervir [no processo] ou não. Depois, sobre África, as informações que eu incluo têm muito a ver com a política portuguesa no início dos processos de independência [das antigas colónias], nomeadamente de Moçambique, tal como conversas com Samora Machel ou matéria sobre a política de Jaime Gama [ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros]. Há ainda muita coisa que não se conhece. Tornei pública essa informação depois de ter recebido autorização para desclassificar muitos documentos que estavam no arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Sobre a China apresenta dois episódios interessantes. Há conversas que revelam uma outra China, que não a China oficial. Uma delas foi uma conversa que tive com Li Peng sobre os acontecimentos de Tiananmen ou com a filha de Deng Xiaoping, pintora, Deng Ling, de quem cheguei a organizar uma exposição em Portugal. Foi interessante ver o que ela pensava sobre Mao Tse-tung e o posicionamento da China. Já em 2007, fui chefiar uma delegação da União Europeia (UE) à China para um diálogo sobre liberdade religiosa e direitos humanos. Foi uma viagem reveladora de uma série de coisas que passam um pouco à margem do que chamaria de “diplomacia oficial”. Voltemos à conversa com Li Peng. Este disse-lhe que procurou dialogar com estudantes na praça de Tiananmen, mas uma estudante chegou a cuspir-lhe em cima. Essa conversa nem foi directamente comigo, mas com Mário Soares. Eu estava ao lado dele. Foi num jantar aquando da visita oficial de Soares à China. O Mário Soares, sendo uma pessoa irreverente, resolveu falar da questão de Tiananmen, e ele [Li Peng] disse que a sua filha teve uma importância especial [face a Tiananmen], tendo referido que tentou dialogar com os manifestantes, que tinha ido à praça de Tiananmen e que lhe tinham cuspido na cara. Ele disse que não podia fazer nada e voltou para trás. Contou que a filha disse não querer mais que o seu pai se sujeitasse a uma situação dessas, que a envergonhava. Esta história pareceu-me importante para vermos a problemática por detrás da história de Tiananmen. Esta conversa revela que Pequim também quis dialogar com os estudantes. Há uma série de documentos que foram publicados, “Tiananmen Papers”, que mostram o que se passou e que ainda hoje muito está por saber, sobre os elementos que fomentaram a impossibilidade de entrar em diálogo, nomeadamente serviços secretos de outros países. Quem descreve isso muito bem é [Henry] Kissinger. Um grande amigo da China, mas um homem republicano, americano, que disse que o grande objectivo do país era manter a paz e o equilíbrio internamente e havia quem quisesse o contrário. Havia [em Tiananmen] um movimento espontâneo que foi largamente manipulado por forças com interesses estrangeiros. A China não tinha serviços de polícia, só tinha exército. Depois houve conversas com Portugal para arranjar uma polícia de cavalaria. Pensou-se que era melhor ter cavalos contra multidões do que tanques do exército. O exército foi enviado para a praça Tiananmen porque não havia outra opção? Exactamente. Mas não sei como ficaram esses diálogos com Portugal. Esses interesses de que falou relacionam-se com a queda da URSS e com a tentativa de reduzir a influência do comunismo? A ideia era provocar o Governo chinês. É difícil saber hoje qual era o movimento espontâneo e qual a manipulação que se estava a fazer por detrás. Os “Tiananmen Papers” revelam até diálogos que chegaram a existir com as autoridades de Pequim que receberam delegações de estudantes, com o diálogo a ser totalmente impossível por parte destes. Dava a ideia de uma vontade de provocar e não de dialogar. Sobre a conversa com a filha de Deng Xiaoping, decorreu em 1994, já num outro período. Falamos de Mao Tse-tung, na Revolução Cultural. Recordo-me de um exemplo que ela me deu, afirmando que houve excessos, mas que era importante lembrarmo-nos do primeiro imperador Han, que teve movimentos terríveis contra o Confucionismo. Ela dizia que ele era celebrado pelas coisas positivas, como a Muralha da China, por ter unificado a escrita, por ter permitido a criação de uma entidade própria, e não pelas coisas más. Estas conversas mostraram uma China diferente do que é vendido pelo Ocidente. Já em 2007, deslocou-se novamente a Pequim, chefiando uma delegação da UE. Ficou surpreendido com o que viu? Fiquei eu e parte da delegação, que era composta por pessoas de várias nacionalidades. No livro cito uma conversa com um monge budista sobre a liberdade religiosa, num mosteiro que não ficava muito longe de Pequim, que dá uma visão diferente das coisas. Também incluo uma conversa que tive com o então bispo de Pequim, que era presidente de um órgão da Assembleia Popular Nacional. Claro que a Igreja chinesa tem uma desobediência disciplinar em relação Vaticano, não é uma dissidência de fundo. Os bispos nomeados são reconhecidos pelo Vaticano, mas há uma disciplina diferente, mas isso hoje está a ser ultrapassado. Também aqui em matéria de liberdade religiosa a China está à procura de diálogo? Aposta no diálogo, absolutamente. Foi isso que retirei da conversa com o bispo de Pequim. É curiosa a ligação com Portugal, algo que eu desconhecia, através da escolha do primeiro nome português. Sobre a Coreia do Norte, faz referências a Kim Jong Nam, presidente do Presidium da Assembleia Popular Suprema da Coreia do Norte, e com o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros. Achei Kim Jong Nam um tipo extraordinário, que visitou Macau. Deu-me a ideia de ser um homem capaz de dialogar, embora a Coreia do Norte não tenha nada a ver com a China. Costumo dizer que não é um país mas um laboratório psíquico. As pessoas que encontramos na rua são automatizadas e psicologicamente condicionadas. Kim Jong Nam era um homem que podia ser aproveitado pelo Ocidente como um pólo de diálogo. Essa visita de Kim Jong Nam a Macau, que resultados teve? Durante bastante tempo havia um relacionamento de Macau com a Coreia do Norte que passava um pouco à margem de uma série de coisas. Hoje não sei se existe essa ligação, mas na altura era uma ligação comercial e não só. Havia uma série de coisas secretas que se passavam, chegou-se a verificar que havia notas falsas da Coreia impressas secretamente em Macau. Não eram ligações directas com o Governo de Macau e penso que depois as autoridades tentaram abolir isso. África tem também uma posição muito central neste livro. Samora Machel [ex-presidente de Moçambique] teve uma época muito ligada a Moscovo e depois teve uma nova época com o novo congresso da Frelimo em que isso foi ultrapassado. Em grande parte quem convenceu os EUA a ajudar o novo rumo da Frelimo foi o Jaime Gama, quando foi ministro. Samora Machel, em conversa comigo, levou-me à janela e disse-me para serem retirados os tanques soviéticos, para que nós fôssemos para lá. Houve uma série de processos secretos em que estive envolvido, pois os EUA forneciam dinheiro, através de nós [Portugal] secretamente. Fui incumbido de tratar dessa operação secreta. Abri uma conta na Suíça, o número dois da embaixada americana trazia-me um cheque ao meu gabinete e eu depositava na Suíça. Tudo num segredo total sem conhecimento do restante Ministério. O nosso embaixador na Suíça perguntava o que eu ia lá fazer, e eu dizia que ia numa outra missão. Jaime Gama dava-me ordens para essa transacção. Com esse dinheiro comprávamos armamento não letal para a Frelimo contra a Renamo, que estava feita com a África do Sul. Os EUA pagavam e isso era feito através de Portugal para ajudar a Frelimo contra a África do Sul.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaTNR | Poder do Povo pede substituição “mais eficaz” por trabalhadores residentes A associação Poder do Povo entregou ontem uma carta ao Governo onde pede um mecanismo mais eficaz para a substituição de trabalhadores não residentes por residentes. A missiva deixa ainda um alerta sobre a especulação de preços com o novo cartão de consumo A secretaria para a Economia e Finanças e a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) receberam ontem da associação Poder do Povo uma carta onde se faz o apelo para a substituição mais eficaz de trabalhadores não residentes (TNR) por residentes em plena crise económica. Os representantes entendem que a taxa de desemprego dos locais continua a subir, sendo “fraco” o actual mecanismo de saída de TNR em prol dos residentes. Lam Weng Ioi, secretário-geral da Poder do Povo, lembrou que quase todas as semanas há sócios a pedirem ajuda na busca de emprego, sobretudo trabalhadores ligados aos sectores do jogo e da construção civil. “A proporção entre residentes e TNR é desequilibrada, porque muitas empresas têm muitos TNR [cujos processos de blue card] foram aprovados no passado. Por isso é necessário que este número de trabalhadores seja reduzido quando os blue cards forem renovados, para que se evite a situação de haver mais TNR do que residentes numa empresa”, disse. O secretário-geral adiantou que o território tem uma população activa de cerca de 377 mil pessoas, segundo dados relativos ao quarto trimestre do ano passado, com os TNR a representarem 180 mil desse grupo. “Penso que o critério mínimo deveria ser uma proporção de dois residentes para um TNR”, defendeu Lam Weng Ioi. O dirigente associativo, que trabalha para o sector logístico, apontou que a DSAL deve reforçar também as inspecções nas empresas, sobretudo nas áreas da restauração e construção civil. Para Lam Weng Ioi, estas são as áreas em que a proporção entre residentes e TNR está mais desequilibrada. Escolher emprego Responsáveis da DSAL têm referido em várias ocasiões que muitas vezes os residentes não aceitam determinados tipos de empregos. Lam Weng Ioi considera isso “compreensível”, dando como exemplo o facto de muitos residentes não quererem trabalhar na área da limpeza. No entanto, acredita que há muitos empregos que podem ser ocupados por locais, nomeadamente em funções administrativas ou no sector logístico. A carta, entregue ontem, apela ainda a uma supervisão dos postos de abastecimento de combustível, a fim de melhor regular os preços de mercado. A associação entende que os preços praticados em Macau não correspondem aos valores mundiais, sendo ainda mais elevados do que os cobrados em cidades maiores como Pequim e Xangai. A Poder do Povo cita aumentos em Macau na ordem dos 30 por cento. Sobre a chegada de um novo cartão de consumo, a associação exige que o Governo fiscalize melhor a possível especulação de preços praticada pelos comerciantes. A propósito do Dia do Trabalhador, que se celebra este domingo, a associação confirmou que não pretende organizar qualquer manifestação devido à pandemia. Recorde-se que, no ano passado, a associação apresentou um pedido de reunião e manifestação junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública para celebrar esta efeméride, mas tal não foi aprovado também devido à pandemia.
Andreia Sofia Silva EventosAssociação Halftone cria Clube do Foto Livro É já este sábado que a Livraria Portuguesa acolhe a primeira sessão de um novo projecto da associação Halftone. Trata-se do Macau Photo Book Club [Clube do Foto Livro de Macau], que visa reunir fotógrafos e amantes de fotografia para que possam debater as edições que se fazem na área. O novo foto livro de António Leong apadrinha a estreia da iniciativa Discutir imagens, conceitos, cores e formatos à frente da câmara, bem como ideias e projectos dos fotógrafos locais são os principais objectivos do novo projecto da associação Halftone. O Macau Photo Book Club [Clube do Foto Livro de Macau] pretende discutir a fotografia que se edita em formato livro e dar a conhecer ao grande público livros de fotografia anteriormente editados. A nova obra do fotógrafo local António Leong, intitulada “Daily Impermanence” foi a escolhida para a estreia desta actividade, que acontece este sábado às 17h, na Livraria Portuguesa. Francisco Ricarte, arquitecto, fotógrafo e um dos fundadores do colectivo Halftone, contou ao HM que a ideia de criar um clube do foto livro foi “aproximar o autor do leitor, e o leitor do autor, com vantagens e sinergias mútuas”. A ideia de criar clubes de debate em torno de livros de fotografia nasceu em 2009 com Matt Johnston, tendo estes marcado presença em numerosas cidades de todo o mundo. Ele “pretendeu contribuir para o que chama de ‘economia do livro’, no sentido de optimizar a ligação entre a sua produção e os potenciais leitores”, frisou Francisco Ricarte. Neste sentido, “a nossa estratégia está em consonância com este movimento”, sendo objectivo dar a conhecer a outros clubes do foto livro no mundo o que de melhor se na faz na fotografia em Macau. A escolha de António Leong acabou por se revelar “natural”, estando outros nomes de fotógrafos locais na lista da Halftone para convites posteriores. “Ele vive em Macau e tem uma prática profissional muito interessante e regular. Nesse sentido, não se justifica este nome que não seja pela qualidade do seu trabalho e disponibilidade que manifestou. Há outros fotógrafos em Macau de igual valor, mas o António Leong surgiu como uma escolha natural, até porque publicou recentemente o seu livro, que se trata de um exercício interessante da sua visão sobre Macau, com fotografias a preto e branco”, adiantou Francisco Ricarte. Movimento crescente O evento de sábado coincide também com o lançamento do número dois da revista de fotografia da Halftone, embora o clube do foto livro e a associação sejam projectos diversos. “Estão previstas mais duas sessões do Macau Photo Book Club, serão quatro por ano. Este será o primeiro ponto de desenvolvimento e de acção, complementado com a divulgação de outros livros nas redes sociais que estejam publicados há mais tempo”, adiantou Francisco Ricarte. A ideia é mostrar estes projectos mais antigos de fotógrafos que residem ou que têm uma ligação ao território. O arquitecto e fotógrafo destaca que o movimento do foto livro é cada vez mais notório em vários países, nomeadamente na China. “Os foto-livros são um nicho de mercado que, ao contrário das outras edições de papel de livros, tem tido um crescimento muito expressivo, nomeadamente na China. Tem aumentado o interesse na produção e aquisição [de obras]. Esta nossa acção insere-se também na estratégia de promover o foto-livro como um veículo de divulgação da obra fotográfica de diversos autores e um melhor entendimento e conexão entre o autor e o leitor”, adiantou o membro da Halftone. António Leong começou a interessar-se por fotografia em 2010, após realizar uma viagem a Guilin. A nota da Halftone dá conta que “gosta de fotografar em viagem, mas o que domina é a sua prática fotográfica quotidiana em Macau”. “Com uma câmara de pequeno formato, que transporta diariamente, percorre as ruas e becos de Macau, fotografando a beleza da cidade. Sem olhar ao clima, percorre a cidade para revelar os locais e as pessoas através da sua lente. Desde sítios bem reconhecidos, classificados como Património Mundial pela UNESCO, às zonas menos conhecidas de Macau, a pessoas comuns nos bairros, ou gatos brincando em becos indistintos, todos têm sido fotografados por si”, lê-se. A partilha do seu trabalho tem sido feita nas redes sociais, nomeadamente na página de Facebook “Antonius Photoscript”. Nos últimos anos, António Leong participou em diversas competições de fotografia, “dando a conhecer imagens da cidade e promovendo Macau enquanto destino turístico, realizado sessões fotográficas voluntárias para várias instituições de caridade e eventos e colaborado com outros artistas em vários projectos”.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteRui Pedro Cunha, director da Fundação Rui Cunha: “Existimos para Macau e as suas gentes” Faz hoje dez anos que a Fundação Rui Cunha (FRC) nasceu com o objectivo de fomentar o ensino e pensamento sobre o Direito de Macau, mas depressa se tornou também num importante polo cultural de ligação entre as comunidades chinesa e portuguesa. Rui Pedro Cunha lamenta que o projecto de dinamização do Direito local tenha ficado aquém das expectativas mas assume um olhar optimista em relação ao futuro Foi o seu pai, o advogado Rui Cunha, que fundou a FRC. Mas este é também um projecto seu? Estive envolvido na fundação desde o início. O meu pai falou comigo em 2011 quando começou a ter as primeiras ideias, pois ele sentia que havia a necessidade de criar uma fundação, embora na altura ainda não fosse certo se seria ou não uma fundação. Tivemos várias conversas, a ideia foi amadurecendo e culminou, em 2012, com a criação desta entidade. Olhando para estes dez anos, considera que a FRC é uma peça vital da sociedade, pela sua intervenção cívica e eventos culturais que organiza? Ir à FRC tornou-se um hábito para muitos? Não é uma peça vital da sociedade, mas acho que que se esforçou por ser útil e trazer algo importante para Macau. Deixa-nos muito contentes, a mim, ao meu pai e à minha irmã, ver que ao longo destes dez anos houve uma crescente aceitação da ideia que estava por detrás da criação da fundação. Muita gente entendeu rapidamente o propósito da sua criação e cooperou. Porque não somos só nós que fazemos os eventos mas sim as pessoas que vêm ter connosco, da sociedade civil, de algumas instituições, e até do Governo, e que apresentam ideias que gostariam de desenvolver. A fundação funciona como uma plataforma. Tivemos a sorte de os mais variados sectores em Macau terem visto algum valor no que estava a ser feito e quererem associar-se a nós. Um dos objectivos iniciais da FRC era dinamizar o Direito de Macau. Isso foi cumprido? Tem havido um esforço nesse sentido, mas talvez seja a área em que a fundação foi menos bem-sucedida, mas não foi por falta de esforço. Tivemos a sorte de ter connosco, desde o início, a drª Filipa Guadalupe, que é responsável por essa área. É uma pessoa muito dinâmica e esforçou-se para imprimir um ritmo elevado aos eventos que eram feitos na área do Direito, bem como nas cooperações, seminários e publicações. Tínhamos duas revistas e publicávamos dois a três livros por ano, mas isso agora está mais parado. Não tem havido muita participação da parte dos que são o alvo dessas iniciativas, que são pessoas cujas profissões estão ligadas ao Direito. Quais as razões para essa falta de adesão? Porque é que a FRC não conseguiu ser bem-sucedida na dinamização do Direito local? Teve algum sucesso, mas não aquele que gostaríamos que tivesse tido. Essa é a parte mais querida ao meu pai, porque durante toda a sua carreira exerceu na área do Direito e viu que Macau tinha ficado órfã com a mudança de soberania. Além disso, com a entrada de Portugal na União Europeia, havia uma quantidade de legislação produzida em Portugal e que não fazia muito sentido aplicar em Macau. Existia a necessidade de ajudar todos os intervenientes do Direito a continuar a estudá-lo e a desenvolvê-lo, porque este não é estático e tem de se adaptar à sociedade onde se insere. Não era nada de político, pretendia-se ajudar ao desenvolvimento do Direito. Penso que houve aqui um conjunto de factores que levaram a esta situação. Terá falhado a ligação com o ensino do Direito, com o meio académico? Penso que não. Existe uma boa cooperação com professores da Universidade de Macau e eu penso que sentem a mesma necessidade que nós. Um professor confidenciou ao meu pai que alguns alunos brilhantes não voltam a pôr os pés na faculdade quando acabam o curso [de Direito]. Este professor dizia isso com uma certa mágoa, e o meu pai disse que nós, na fundação, sentimos a mesma dificuldade de motivar os jovens para a necessidade de desenvolver mais o pensamento em relação ao Direito. Não terá sido por falta de ligação à academia. Até porque aquilo que fazemos é sempre complementar à parte académica, de forma nenhuma fomos concorrentes da academia. Quisemos sempre apostar numa formação mais prática e vocacionada para o exercício e estudo. Em dez anos Macau mudou muito e caminha agora para a integração regional, com Hengqin e a Grande Baía. Onde fica a FRC no meio de tudo isto? A FRC ficará em Macau, onde sempre esteve, mas a olhar para o que se está a passar em Hengqin e Grande Baía. São de facto tempos de mudança os que vivemos agora e vemos com expectativa o que vai acontecer. Temos noção de que estamos a caminhar para essa integração e a fundação cá continuará, de olhos bem abertos, a tentar ajudar a essa integração no que for possível, pois isso faz parte dos nossos desígnios. A fundação existe para Macau e para as suas gentes. Sei que tivemos muito sucesso dentro da comunidade portuguesa logo no início, mas ao fim do terceiro ano de existência passámos a ter mais apoio da comunidade chinesa. Tentámos ser sempre equilibrados na organização de eventos para as várias comunidades. Sendo Macau um território de mistura de culturas, a FRC tornou-se um vector importante para essa ligação? Não me cabe a mim fazer essa avaliação, mas esforçamo-nos por isso. Queremos fazer um bom trabalho na aproximação entre culturas. Apraz-nos ver que, da parte da comunidade chinesa, há cada vez mais uma genuína apreciação do trabalho que temos feito. Há muita gente que vem ter connosco e que diz que gosta muito do trabalho que estamos a fazer. Para Macau é muito importante manter este sinal da presença portuguesa e do encontro de culturas que é único no mundo. Macau só tem a ganhar se conseguir manter as raízes e a noção da razão de as coisas aqui serem diferentes, porque só assim é que as pessoas que nos visitam sentem interesse. Se desaparecem todos os traços históricos desta mistura de culturas, Macau passa a ser uma vila na China e deixa de ter a relevância que historicamente teve ao longo de 500 anos. Quais os grandes desafios que enfrentam para manter esta fundação? A pandemia trouxe muitas coisas negativas, mas também positivas, nomeadamente o facto de termos de fazer tudo com a “prata da casa”, o que nos ajudou a descobrir coisas que não conhecíamos. Temos grande expectativa [do fim da pandemia] para regressarmos a alguma sanidade mental, mas também para conseguirmos começar a organizar eventos de maior dimensão, algo que temos evitado. Em termos financeiros houve algum impacto devido à pandemia? Não houve um impacto directo porque não temos receitas dos eventos que fazemos. Por outro lado, há o desafio da sustentabilidade. Não encontramos, até agora, uma fonte de receitas que permita que a fundação seja sustentável, e é algo que procurámos no passado e vamos continuar a procurar. Desde o início evitamos pedir subsídios ao Governo e quisemos marcar a diferença em relação a outras associações. Mas já foi feito algum pedido em todos estes anos? Pedimos em casos específicos. Mas evitamos fazê-lo, e na maior parte dos casos tentamos fazer co-organizações com outras entidades em que cada uma paga parte dos custos. Projectos para o futuro? O que a fundação pretende ser daqui para a frente? Queremos continuar a fazer o que fizemos até agora e queremos estar atentos ao desenvolvimento de Macau e integração na Grande Baía e ao envolvimento em Hengqin. Vamos ter que nos adaptar porque estamos numa altura de mudança. A nossa actuação vai ter de mudar à medida das necessidades que foram sendo sentidas pela população. Existem alguns planos que é prematuro revelar já e que vão no sentido de ajudar as pessoas de Macau a compreender o que é Hengqin e de que forma podem tirar proveito das oportunidades que vão surgindo. Temos apenas algumas ideias, não só relacionadas com Hengqin, mas também sobre a história e estórias de Macau. A FRC pode vir a ter um pólo em Hengqin, por exemplo? Não há planos para isso, mas não pomos de lado essa hipótese. Depende muito da evolução do projecto e se for realmente útil termos uma presença em Hengqin. É prematuro falar ainda sobre isso. Não temos capacidade financeira para começar a abrir esses polos, gostávamos de a ter. Se conseguirmos encontrar formas de financiamento há ainda muitas ideias que gostaríamos de concretizar.
Andreia Sofia Silva EventosLisboeta | Macau acolhe mostra da escultora Wang Zheng Hong “I Am Wobbly” é o nome da mais recente exposição da escultora chinesa Wang Zheng Hong, e que pode ser visitada na galeria do empreendimento Lisboeta Macau. Serão mostradas, ao todo, 20 peças de grande dimensão trabalhadas com aço inoxidável que revelam as perspectivas culturais e os valores da artista O espaço H853, no empreendimento Lisboeta Macau, acolhe, até ao dia 22 de Julho, mais de 20 esculturas em aço inoxidável de Wang Zheng Hong, escultora chinesa que traz a Macau o seu trabalho artístico na mostra “I Am Wobbly”. Com esta mostra, será possível conhecer de perto o trabalho da reputada artista chinesa, através do qual espelha as memórias do seu processo de crescimento interior. As suas esculturas revelam, assim, “a sua atitude perante a vida e a transformação dos valores e perspectivas culturais numa exposição interactiva, inocente e terapêutica”. Wang Zheng Hong, que faz a curadoria da sua própria mostra, revelou, citada por um comunicado, que a inspiração para estes trabalhos vem da “educação cuidada, mas rigorosa” do seu pai durante a sua infância. “Ele encorajou-me a aprender a nunca cair e a enfrentar todas as vezes os desafios e obstáculos. Espero que estas peças de arte possam inspirar as pessoas a viver de uma forma optimista”, disse a artista, que deseja também “o melhor para a população de Xanfai que está a enfrentar a situação pandémica”. Formada em Escultura pela Academia de Artes da China, a artista formou-se também na cidade de Antuérpia, Bélgica, nas áreas da joalharia e trabalho artístico com metais. Em 2009 Wang Zheng Hong voltou à China, onde se doutorou em arte pública, também pela Academia de Artes da China. Actualmente, nesta instituição de ensino, a escultora é directora da Escola de Arte Artesanal, onde aplica a sua larga experiência na junção das áreas da escultura e da joalharia. Atitude positiva Christine Hong, vice-presidente do sector do retalho do empreendimento Lisboeta, referiu que esta mostra pretende, sobretudo, transmitir ao público local uma energia positiva, para que “juntos possamos enfrentar esta pandemia e os desafios com uma energia positiva”. “Esperamos que, com esta exposição, possamos aumentar a consciência do público em prol da indústria de arte internacional, bem como encorajar artistas locais a expandirem os seus horizontes e a criar novas formas de arte.” O espaço H853 pretende ser uma “fábrica da diversão” onde se exploram actividades culturais e artísticas, em junção com o mundo da moda e da gastronomia. A ideia é oferecer um amplo conjunto de iniciativas, com o “compromisso de apresentar os melhores produtos e experiências em todos os aspectos”.
Andreia Sofia Silva Sociedade25 de Abril | Presidente da AR dedica discurso aos emigrantes As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo foram o tema central do primeiro discurso de Augusto Santos Silva, por ocasião das cerimónias do 25 de Abril, na qualidade de presidente da Assembleia da República. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros destacou as mudanças no acesso dos emigrantes ao voto Foi um 25 de Abril celebrado em Lisboa de uma forma mais livre, já sem máscaras no Parlamento, e com muitas caras novas. Augusto Santos Silva, na qualidade de presidente da Assembleia da República (AR), e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, centrou o seu discurso nas comunidades portuguesas de emigrantes espalhados pelo mundo. Santos Silva destacou a importância dos emigrantes para a construção do processo democrático no país, lembrando a crescente participação cívica e eleitoral dos mesmos, graças à criação dos círculos de emigração e o “alargamento do direito de voto às eleições presidenciais e europeias”. “A última barreira foi quebrada em 2018, quando o recenseamento automático foi expandido aos portadores de cartão de cidadão com morada no estrangeiro, fazendo de um milhão e seiscentos mil deles eleitores de pleno direito. O efeito não demorou: o número dos que votaram, nos chamados círculos da emigração, nas eleições de 30 de Janeiro de 2022 foi seis vezes superior ao registado em 2015. E vai continuar a aumentar”, declarou. O objectivo é uma aproximação “da ambição de qualquer democracia, que é tratar por igual todas as pessoas como cidadãos, quer dizer, sujeitos do seu destino”. Santos Silva destacou também medidas como a institucionalização do ensino português no estrangeiro, o apoio ao associativismo e o nascimento do Conselho das Comunidades Portuguesas. Foi ainda lembrada a “extensão da nacionalidade originária aos lusodescendentes”, considerados “uma trave-mestra do nosso regime democrático”. Redes criadas O líder da AR não esqueceu o facto de, nas últimas décadas, muitos luso-descendentes terem vindo a ocupar lugares de destaque nas sociedades onde escolheram viver. Estes “vão alcançando funções de responsabilidade nos municípios, regiões e Estados de que são habitantes: vão ocupando postos dirigentes nas administrações públicas, nos sistemas de justiça, na organização de escolas e universidades; vão-se tornando vereadores, presidentes de câmaras municipais, membros de assembleias estaduais, deputados a parlamentos e congressos nacionais, membros de governos”. Neste sentido, são um “capital preciosíssimo de que o país dispõe para alavancar e projectar a sua influência no mundo”. Para Santos Silva, a revolução de 1974 “influenciou sobremaneira o estatuto e os percursos dos residentes no estrangeiro”, sendo os retornados “um dos alicerces do regime saído do 25 de Abril”. Augusto Santos Silva não esqueceu alguns “problemas” existentes, alertando para a necessidade de “estancar a sangria de muitos dos nossos jovens mais qualificados, apoiar o seu regresso a Portugal e servir melhor as comunidades no estrangeiro”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteHistória | Quando a PIDE quis saber mais sobre Pedro José Lobo No início dos anos 60, ecoavam em Timor-Leste movimentos políticos de luta pela independência. A possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli” e as eventuais ligações de familiares de Pedro José Lobo levaram a PIDE-DGS a pedir, a Macau e a Timor, informações sobre esta importante figura da comunidade macaense Pedro José Lobo, figura de destaque entre a comunidade de Macau, funcionário público e poderoso homem de negócios, nascido em 1892 em Timor, chegou a ser investigado pela PIDE-DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção Geral de Segurança), que funcionou em Portugal durante o período do Estado Novo. Documentos arquivados na Torre do Tombo, em Lisboa, consultados pelo HM, provam que esta polícia política quis saber mais sobre a ligação de familiares de Pedro José Lobo à possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli”, em 1961, um movimento nunca confirmado oficialmente. Em causa, estava o facto de uma das filhas de Pedro José Lobo ser casada com Constâncio Lemos de Araújo, residente em Macau e filho de Francisco de Araújo, deportado de Timor para Macau. Este teria sido “um dos cabecilhas” de um motim ligado a movimentos independentistas de Timor. Portugal, ao ter conhecimento de algumas notícias divulgadas sobre este movimento independentista, que teria levado à formação de um novo “governo de 12 ministros, presidido por A. Mao Klao”, pedia ao subdelegado da PIDE-DGS em Timor e à Polícia de Segurança Pública (PSP) de Macau detalhes sobre a vida de Pedro José Lobo. A 28 de Junho de 1963, saía do Gabinete de Negócios Políticos, ligado ao Ministério do Ultramar, uma carta com esse pedido. Em causa, estava uma notícia “fornecida de Djakarta pela Agência France Presse e publicada em diversos jornais” quando à proclamação, em “Batugade, no Timor Português, a ‘República Unida de Timor-Díli’”, que já teria pedido “o reconhecimento das outras nações”. De Timor não chegaram informações concretas “quanto à veracidade da notícia”, não havendo “nada de concreto quanto à existência de quaisquer indícios que a justificassem”. Apesar de a agência noticiosa “Antara” não ter dado “publicidade a tal notícia”, além de que na Indonésia “apenas os jornais comunistas a ela se referiram”, as autoridades portuguesas chamavam a atenção para o facto de o “Confidential Foreign Report”, em Abril de 1963, referir-se ao “ambiente em Timor” e estabelecer “a conexão com as prisões feitas em 1961 naquela província. A mesma publicação dava conta de que “um dos cabeças de motim, chamado Araújo, ao passar por Macau, enviara uma mensagem a um seu familiar, pessoa proeminente da província, o dr. Pedro Lobo”. A notícia da proclamação da “República Unida de Timor-Díli” tinha, para a PIDE-DGS, um “carácter nebuloso”, relacionado com “o fraco acolhimento que encontrou na Indonésia, acrescido do facto de o indigitado ‘presidente’ [A. Mao Klao] ter um nome que pode denunciar uma origem de mestiço, de chinês e de Malaio”. No entanto, dava-se atenção à “conexão estabelecida pelo ‘Confidential Foreign Report’, designadamente as relações que o Dr. Pedro Lobo mantém com Timor, quer por razões familiares, quer por interesses económicos”. Não eram esquecidas “as actividades de ordem económica por este senhor desenvolvidas em Macau e da possível interferência que ele possa ter, tanto na Agência France Presse como no jornal South China Morning Post, de Hong Kong, o primeiro a referir a notícia”. Lobo inocente A resposta ao pedido da PIDE-DGS veio confirmar que Pedro José Lobo nada tinha a ver com esta questão política. “O Francisco Araújo vive em Macau, em casa de seu filho, Constâncio Lemos de Araújo, levando pelo menos, aparentemente, uma vida calma, aparecendo raramente em público”. Além disso, descreviam as autoridades locais, “a sua conduta, na vida privada, não tem suscitado quaisquer suspeitas”. “Também não consta que mantenha quaisquer ligações políticas com o dr. Pedro José Lobo. Desconhece-se qualquer ligação do dr. Pedro José Lobo com as notícias emanadas através da ‘Agência France Press’ ou publicadas no jornal South China Morning Post, de Hong Kong. Foi tudo o que se conseguiu apurar acerca do assunto tratado no ofício de vossa excelência”, lê-se no documento. Confirmava-se, assim, que “as relações [de Pedro José Lobo] com o timorense Francisco de Araújo, ou Francisco Maria Xavier de Jesus Araújo, provêm, especialmente, do facto de uma das filhas do Dr. Pedro Lobo ser casada com um filho do Araújo, Constâncio Lemos de Araújo”. Além disso, “Francisco de Araújo, antes da sua deportação de Timor, administrava a já referida ‘Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos’”, uma das muitas empresas do universo de negócios de Pedro José Lobo. No entanto, as informações enviadas à PIDE-DGS não ignoravam a história pessoal de uma figura carismática de Macau. “A origem e meios utilizados para conseguir aquela fortuna são de origem bastante duvidosa, especialmente durante e após a segunda guerra mundial.” A resposta enviada à PIDE-DGS dava ainda conta de que Pedro José Lobo havia sido “durante muitos anos chefe dos Serviços de Economia e Estatística Geral da província de Macau”, tendo “sido aposentado por ter atingido o limite de idade”. À data, Pedro José Lobo tinha “cerca de 71 anos de idade” e era presidente do Leal Senado da Comarca de Macau. “É condecorado pelo Governo português, ocupando posição de destaque no meio social de Macau, não só pela sua elevada fortuna, como também pela influência que as suas actividades comerciais exercem sobre a vida económica daquela província. Entre outras, destacam-se as seguintes organizações comerciais nas quais possui largos interesses”. No documento constavam empresas como a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, a Companhia de Ouro “Wong On” de Macau, a Macau Air Transport, a “P.J. Lobo” em Macau e Hong Kong e a já referida Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos, em Timor, administrada pela “Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho lda”, de Díli. Grande confiança Célia Reis, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e com extenso trabalho publicado sobre a história de Macau, disse ao HM que a posição da PIDE-DGS “parece estar ligada às ramificações que este acontecimento [proclamação da República Unida de Timor-Díli] pudesse ter em Portugal”. “Daí a chegada a Pedro José Lobo, não pela posição que ocupava em Macau, mas pelas possíveis implicações que pudesse ter” neste episódio. A investigadora acrescenta que, no caso deste movimento político, “terá sido proclamada a independência da República de Timor em Abril de 1961, [tendo estado] ligado a um grupo radical islâmico que existia em Jacarta, na Indonésia”. A actuação da PIDE-DGS fazia-se sentir também nas colónias, mas, nestes casos, era coordenada com o Ministério do Ultramar. Segundo Célia Reis, a política do Estado Novo “estava muito bem relacionada com todos os organismos oficiais, e quando solicitava informações, o natural é que esses organismos respondessem porque estavam todos ligados à mesma estrutura”. “Podia não ter uma célula local, mas havia informação de outras fontes, como policiais, que contribuíam com relatórios ou mesmo com algumas suspeitas que houvesse”, frisou. Célia Reis confessou que já tentou investigar as razões pelas quais Francisco de Araújo foi deportado de Timor para Macau, mas ainda não encontrou dados elucidativos nos documentos que pesquisou. “A PIDE fazia sempre questão de analisar as várias ligações e havia a suspeita de que algumas informações tivessem sido transmitidas a Pedro José Lobo por esses familiares”, adiantou Célia Reis. Grande parte da fortuna de Pedro José Lobo terá sido obtida através do comércio do ouro que se fazia em Macau por altura da II Guerra Mundial, pois ele continuava a ser director da Inspecção dos Serviços Económicos, o que “permitia que as licenças de importação passassem por ele”. À época, Portugal não tinha assinado os Acordos de Bretton-Woods, que promoviam uma regulação do comércio mundial e dos valores do ouro. Tal levava a que esta matéria-prima fosse vendida a preços mais baixos pelos países assinantes dos Acordos face aos que eram praticados em Macau. “[Pedro José Lobo] não agia sozinho, mas com ligação a pessoas ricas que beneficiaram desse comércio do ouro”, frisou a investigadora. Muito antes de este comércio ser muito importante para a economia local, já Pedro José Lobo ocupava um lugar de destaque na regulação pública do comércio do ópio. “A verdade é que Pedro José Lobo estava à frente desses serviços por causa da grande confiança que o Governador tinha nele. Ainda não era uma pessoa tão conhecida pela sua relevância económica, mas foi nomeado e passa a ter uma grande projecção porque, estando ligado a essa organização, acaba por ter um processo colocado pelo antigo monopolista do ópio”, recordou Célia Reis.
Andreia Sofia Silva EventosDoca dos Pescadores | Exposição de PIBG e MCZ para ver até Maio Intitula-se “Screw in the Land” e é a exposição que, desde sábado e até ao dia 30 de Maio, poderá ser vista na Galeria Lisboa, na Doca dos Pescadores. O destaque vai para o trabalho dos artistas locais Pat Lam, que assina as suas obras como PIBG, e Thomas Lo, que assina como MCZ. Ambos fazem graffiti, mas não só “Screw in the Land” é a nova exposição organizada pela Sociedade dos Artistas de Macau e que pode ser visitada até ao dia 30 de Maio na Galeria Lisboa, na Doca dos Pescadores. Esta é uma mostra marcada pelos trabalhos de arte visual, instalação e graffiti dos artistas locais Pat Lam (PIBG) e Thomas Lo (MCZ), com curadoria de Cassidy A. Segundo um texto assinado pela curadora, os dois artistas “mostram as suas próprias especificidades através da arte visual, criando dois pontos de contraste em torno da unificação de uma só ideia”. Nesta mostra, os dois artistas são convidados a despirem a sua pele habitual como elementos criativos e a explorarem novas dimensões artísticas, “apresentando as suas próprias experiências e pensamentos através de instalação e obras de arte”. Os trabalhos são construídos em torno das ideias do “regresso à natureza, como permanecer no chão”, sempre com o contraste como ponto de partida, entre o “sombrio e o brilhante” e “a simplicidade e a diversidade”. Na Galeria Lisboa podem, assim, ser vistas duas instalações de arte de grandes dimensões, cada uma explorada pelo artista conforme o seu estilo de criação. No caso de PIBG, foi criada uma espécie de parque de diversões, enquanto que MCZ, através de materiais como o aço inoxidável, entre outros, criou quatro quadros e oito peças. Desta forma, “o público será levado a começar a visita no espaço de instalação de MCZ, de uma zona mais escura até chegar ao palco mais brilhante com as criações de PIBG. “Independentemente do meio e do método aplicado, o ponto principal é a expressão de uma essência. Vivemos, experimentamos e sentimos. As experiências do passado são parte de uma etapa e razões daquilo que nós somos”, lê-se no texto da curadora desta exposição. Nova vaga PIBG e MCZ fazem parte da vaga de novos artistas de Macau e têm revelado o seu trabalho não apenas em salas de exposições ou galerias de arte, como também em espaços artísticos de rua. No caso de PIBG, este tem trabalhado essencialmente com graffiti, sendo que o seu trabalho se caracteriza por “figuras estilizadas e animais que parecem absurdos e divertidos, em contraste com as cores vivas que revelam vitalidade”. Produzindo obras deste género desde os anos 90, PIBG também fez formação na área da escultura, caligrafia, pintura moderna e design gráfico. Desde o ano 2000 que viaja pela China, Austrália, França e Japão, entre outros países, para revelar ao público as suas criações de graffiti, nomeadamente o trabalho intitulado “Color way of Love”, exposto em Xangai. Como designer, foi convidado para colaborar com marcas como Balenciaga, Swatch, MIU MIU e DIOR. MCZ também faz do graffiti o seu foco criativo, trabalhando também com projectos multimédia. MCZ é, desde 2004, membro da Macao Graffitied Team – GANTZ5, tendo realizado exposições em diversos países. MCZ é autor de uma instalação de arte na Torre de Macau e no Outloud Art Festival, além de ter criado a loja conceptual “SCREWIN” em 2020. MCZ possui também uma loja pop up no The Parisian.