Andreia Sofia Silva China / ÁsiaPequim reforça restrições anti-covid para fugir ao confinamento A apresentação de um teste à covid-19 com resultado negativo, e com validade de 48 horas, para entrar em locais e transportes públicos, está entre uma das novas medidas anunciadas esta terça-feira pelas autoridades de Pequim para travar a ocorrência de mais surtos e a possibilidade de ocorrer um confinamento como o que acontece em Xangai. Segundo o jornal New York Times, a reabertura das escolas, que se vinham mantendo encerradas desde o período anterior ao feriado de 1 de Maio, vai agora ser adiada por mais uma semana. Residentes da capital contaram ao jornal que se sentem cansados destas medidas, adoptadas no âmbito da política de zero casos covid-19 em vigor na China. “Sinto-me pessimista. O que aconteceu em Xangai faz-nos estar em alerta”, disse Yang Hui, de 37 anos e gestora de vendas em Pequim. Yang Hui revelou já se ter preparado para a eventualidade de Pequim entrar em confinamento por um longo período de tempo após ter sido diagnosticado um caso positivo perto da sua casa. Nesse sentido, encomendou comida para armazenar em casa. Com dois filhos, Yang Hui diz ser “difícil planear algo com antecedência”, tendo em conta que muitos espaços de entretenimento na China permanecem fechados e que jantares de grupo em restaurantes foram proibidos. Entretanto, a Xinhua noticiou ontem que 12 distritos da cidade continuam a realizar campanhas de testagem em massa a toda a população. Até ontem estavam planeadas três rondas diárias de testes a fim de travar a expansão do novo coronavírus na capital. Crítica ao NYTimes No domingo, foi divulgado um comentário pela agência Xinhua onde é criticada uma reportagem do jornal NYTimes sobre a situação pandémica em Xangai. A opinião, assinada por Zhao Wencai, acusa o jornal norte-americano de ser “ignorante” em relação à China. “Numa reportagem recente sobre a luta contra a covid-19 em Xangai, o jornal americano chegou à conclusão de que a legitimidade do Partido Comunista Chinês (PCC) está a ser testada, porque os residentes de Xangai estão a voluntariar-se para se ajudarem mutuamente durante o ‘confinamento’ nas últimas semanas. Este argumento é ridículo e malicioso”, lê-se no artigo. A mesma opinião destaca o facto de, no seio dos voluntários, “um grande número” ser do PCC. “Xangai tem vindo a vivenciar a onda mais severa de covid-19 dos últimos dois anos. A vida e o trabalho dos residentes teve um impacto com as medidas restritivas. Numa fase inicial do surto, algumas pessoas encontraram diversos tipos de inconvenientes para ter comida e acesso a tratamentos médicos”, acrescenta. O mesmo texto dá conta de que as autoridades sempre “reconheceram os problemas” e tentaram “melhorar os seus serviços”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeRelatório | Votos da emigração com número recorde. Problemas mantêm-se Um relatório da associação Também Somos Portugueses aponta para um aumento de 63 por cento do número de votos dos círculos da emigração para a Assembleia da República, graças à implementação do recenseamento automático. No entanto, é dado o alerta para os entraves que afastam os emigrantes de votar A associação Também Somos Portugueses (TSP) divulgou esta segunda-feira um relatório sobre os resultados da votação dos círculos da emigração (Europa e Fora da Europa) nas últimas eleições para a Assembleia da República (AR) em Portugal. Apesar de terem votado 257.791 eleitores nestes círculos, mais 63 por cento face a 2019, persistem ainda vários problemas na hora de votar, o que, para a TSP, se traduz num “défice democrático”. O “número recorde de votantes” registado a 10 de Fevereiro ficou a dever-se, segundo a TSP, ao recenseamento automático, factor que se revelou “essencial”. “Devido à sua implementação, passou-se de 28 mil votantes em 2015 para mais de um quarto de milhão em 2022. Nunca desde o 25 de Abril uma alteração legislativa teve um efeito tão profundo na participação política dos portugueses residentes no estrangeiro”, aponta a TSP no documento. A associação apresenta ainda outros factores para estes números como “as melhorias introduzidas nos envelopes e seguimento das cartas”, às redes sociais, ao papel “esclarecedor das estruturas organizativas” e à própria comunicação social, o que levou “a uma maior difusão da informação e para o debate em termos gerais”, bem como “a umas eleições politicamente mais renhidas”. Tudo como dantes Num relatório onde se volta a apelar a diversas mudanças na lei eleitoral portuguesa, nomeadamente através da implementação do voto electrónico, é referido que muitos portugueses a residir no estrangeiro não conseguiram votar. O inquérito realizado pela TSP conclui que 43 por cento dos inquiridos “respondeu que não tinha conseguido votar”, estimando a associação que “pelo menos duzentos mil portugueses no estrangeiro que desejavam votar não receberam o boletim de voto”. Dos inquiridos, 36,8 por cento disse não saber as razões pelas quais não recebeu o boletim. Para a TSP, este foi “um escândalo” e uma lacuna admitida pelo próprio Ministério da Administração Interna. Neste sentido, a TSP faz um apelo à melhoria dos serviços dos correios, a fim de “permitir que os eleitores possam imprimir os seus próprios boletins”, descarregados directamente do portal do euEleitor. A TSP defende também que deve ser permitido “que seja sempre possível votar presencialmente no Consulado, como último recurso”. Sobre o voto digital, o inquérito da TSP conclui que 80 por cento dos inquiridos entende que este é “o seu método preferido”, mas sempre “em acumulação com o voto presencial e o voto postal”. Sobre o problema registado com as moradas, a TSP recomenda que “o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o Ministério da Administração Interna (MAI) e o Ministério da Justiça (MJ) organizem uma campanha para correção das moradas dos portugueses no estrangeiro no Cartão de Cidadão”. É ainda pedido que, através da Chave Móvel Digital, seja possível ao eleitor alterar a sua morada de residência, sem que tenha de se deslocar a um Consulado ou recorrer a um leitor de cartões. No relatório, a TSP destaca ainda a anulação de 80 por cento dos votos no círculo da Europa, que obrigou à repetição da votação, uma decisão “inédita” que gerou uma “abstenção de protesto” de muitos portugueses. Em jeito de conclusão, a TSP entende que “o direito de voto que a Constituição garante a todos os portugueses não está de facto garantido aos portugueses que vivem no estrangeiro”. Está, portanto, em causa “um défice democrático que se arrasta há demasiado tempo e que tem de ser corrigido”. A TSP afirma mesmo que as leis eleitorais em vigor em Portugal “não respeitam a Constituição, pois não garantem que todos os portugueses que o queiram possam exercer o seu direito de voto”, algo que “mina a democracia” no país.
Andreia Sofia Silva PolíticaAssociações querem manter espírito do movimento de 4 de Maio Alvis Lo, presidente da Federação de Juventude de Macau, e também director dos Serviços de Saúde, disse ao jornal Ou Mun que tudo será feito para manter o espírito do 4 de Maio, data em que se celebram os 103 anos sobre o movimento estudantil anti-imperialista, ocorrido em 1919, e o Dia da Juventude. Segundo o jornal Ou Mun, Alvis Lo prometeu seguir o livro branco sobre a juventude chinesa da nova era, reforçando, através do trabalho da associação, um maior conhecimento dos jovens sobre a China e o princípio de Macau governada por patriotas. O mesmo responsável pretende ainda incentivar a juventude local a participar nos projectos nacionais da Grande Baía e da Zona de Cooperação Aprofundada com Hengqin. João Ma, director da comissão da juventude da Associação Comercial de Macau, disse que a histórica entidade vai continuar a lutar pelo mesmo princípio de Macau governada por patriotas. João Ma defende que os jovens devem aprender mais sobre as orientações dadas pelo Presidente Xi Jinping, para que a RAEM possa ser mais facilmente integrada no desenvolvimento do país. Medidas, precisam-se Wong Kit Cheng, deputada e dirigente da Associação Geral das Mulheres, diz que o Governo deve lançar mais políticas de apoio aos jovens em matéria de ensino, emprego, empreendedorismo e habitação. Já Ma Io Fong, deputado, pede uma maior aposta na formação subsidiada e em programas de estágios para recém-licenciados. O deputado acredita que se deve reforçar a ligação com empresas do Interior da China a fim de disponibilizar mais oportunidades de carreira para os jovens de Macau. Ainda a propósito do 4 de Maio, Kong Chi Meng, director da Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude, disse que os jovens de Macau têm actualmente um grande reconhecimento do país e um forte orgulho na nação chinesa. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, Kong Chi Meng disse esperar que as actividades de celebração do 4 de Maio, ontem anunciadas, possam ensinar mais os jovens locais sobre este movimento ocorrido em 1919, além de reforçar as ideias sobre o desenvolvimento do país.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteCarlos Ascenso André, académico e linguista: “Língua portuguesa tem a dimensão do mundo” Celebra-se hoje o Dia Mundial da Língua Portuguesa e, para Carlos Ascenso André, tradutor, académico e linguista, é fundamental chamar a atenção para a grandeza de um dos idiomas mais falados do mundo. O especialista em literatura clássica defende que a língua portuguesa é apenas uma e que o papel de Macau é agora outro na difusão e ensino do idioma, bem como na formação de professores Este dia significa o quê, na prática? Não sou dado a dias internacionais. Acho estas efemérides importantes enquanto se justificar chamar a atenção para o que deu origem a esses dias internacionais. O Dia Internacional da Mulher, por exemplo, é importante enquanto houver desigualdade de género. No caso da língua portuguesa, este dia justifica-se para chamar a atenção, a vários níveis, para a sua importância. Deve-se chamar a atenção de fora do universo da língua portuguesa, pois nem todas as pessoas desse universo têm a consciência da grandeza e importância do idioma. Falo dos países que não são falantes da língua. Mas deve-se também chamar a atenção dentro do universo do português, porque uma grande parte dos seus falantes não se dá conta dessa importância. Não me importa falar do lugar que ocupamos em termos do número de falantes, mas sim chamar a atenção para uma língua que nasceu num território minúsculo e ganhou as fronteiras do mundo. Isto é uma coisa que merece dois sentimentos, admiração e respeito. Não tem a ver com o passado colonial e não devemos confundir essas realidades. Ganhámos esta grandeza e é uma língua que vai crescer muito mais do que as outras. Segundo as últimas projecções estatísticas, se não houver nenhum cataclismo em África, chegaremos a 2100 com mais de 500 milhões de falantes de português. Vamos duplicar o número actual. O resto decorre tudo daqui: podemos falar das escolas, das universidades, do crescimento da língua nos vários territórios. Portugal é um país de escritores, mas não tanto de leitores. Actualmente, no sistema educativo, os nossos autores são bem ensinados e divulgados? Não tenho uma visão tão pessimista em relação ao número de leitores que existem hoje. Tenho uma visão pessimista em relação à apetência por bens culturais que se verifica na sociedade moderna, há explicações para isso. O número de atracções é muito grande e as pessoas gastam menos tempo na leitura. Comparo os meus netos comigo. Eu cresci numa aldeia e visitava sempre a biblioteca itinerante da Gulbenkian, e pouco mais tinha para fazer a não ser ler. Hoje os meus netos têm iPads, computadores, e, apesar de tudo, gostam de ler, e eu sinto-me feliz com isso. Acho, com realismo, que é preciso fazer alguma coisa pelos nossos leitores. Os nossos responsáveis devem preocupar-se na presença dos nossos autores clássicos no panorama cultural e nos programas educativos. Escritores como Eça ou Camões mereciam outro lugar nos programas educativos. Mas é preciso que os nossos professores saibam ensinar esses escritores, para que não sejam odiados. Camões, se não for bem ensinado, pode ser odiado. Mas não podemos falar só de clássicos, pois a língua portuguesa tem a dimensão do mundo. Temos o Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade. Tem o Craveirinha e Mia Couto, em Moçambique. Estes autores precisam de ser trazidos para a mesa do nosso convívio. Isto faz falta para termos a dimensão da língua portuguesa e acho que esse passo não foi ainda totalmente dado. Se olharmos para o nosso passado colonial, não há ainda a união certa entre esses vários autores de língua portuguesa? Há, mas uma coisa são as instituições, outra são as pessoas. Refiro-me à língua portuguesa e às culturas de língua portuguesa. Tenho essa preocupação, sobretudo agora que presido à Associação Internacional de Lusitanistas. Algumas pessoas cultas, falantes de português, não têm a noção de que a língua portuguesa é só uma. No Brasil há muita gente que não pensa assim, e é um erro. Mas as culturas de língua portuguesa são muitas. Esta é uma realidade que contribui para a nossa riqueza e é um enorme património sobre o qual é preciso alertar as pessoas desde os bancos da escola. E penso que não se faz isso. A chegada da língua portuguesa à China foi o grande desafio para Portugal em matéria de política externa de língua? Está a ser, mas não foi. Quem apostou mais forte no crescimento da língua portuguesa no Oriente foram os chineses e não os portugueses. Nós fomos atrás deste impulso mas não fomos os primeiros. A China fez isso por motivos de natureza política, e na sua expansão, sobretudo comercial, ocupou um lugar de enorme relevo nos países de língua portuguesa. O país também quer estar na Europa e usou Portugal como porta de entrada para isso. Precisou, assim, da língua como instrumento, exactamente como os jesuítas precisaram do chinês para fazer a sua penetração na China. E foi graças a esse lado comercial que o português cresceu muito no interior da China. Em 2013, quando cheguei a Macau, havia 12 ou 14 universidades chinesas que leccionavam português. Em 2018 havia 43, e agora são 55. Este é um crescimento fantástico. As instituições portuguesas aperceberam-se desse crescimento e hoje há uma aposta política e um forte investimento no desenvolvimento da língua a Oriente. O Brasil fez esse trabalho do ensino da língua e edição de livros mais cedo? O Brasil tem mais vantagens do que Portugal, nomeadamente graças aos autores, que têm um maior potencial de leitores do que os autores portugueses. Uma das minhas traduções do latim foi sendo publicada em Portugal com edições de mil a dois mil exemplares, enquanto que no Brasil teve uma edição de 20 mil exemplares. Mas gostava que houvesse um envolvimento dos países de língua portuguesa, sem Portugal, nesta política de internacionalização da língua. Não vejo nem o Brasil, Angola ou Moçambique a fazerem investimento semelhante como aquele que é feito por Portugal através do Instituto Camões. Portugal é o país mãe da língua, mas justificava-se, sobretudo do Brasil, um maior investimento. Se o investimento do Brasil no ensino da língua e das culturas portuguesas fosse proporcional ao número de agentes de ensino que trabalham em instituições de todo o mundo, seguramente que estaríamos bem melhor. No caso de Macau, considera que as sucessivas administrações portuguesas fizeram pouco pela língua portuguesa no território, e menos do que o que está a ser feito pela RAEM? Não tenho essa impressão. Portugal tem dois fortíssimos agentes em Macau que dependem de financiamento português, que é a Escola Portuguesa de Macau (EPM) e o Instituto Português do Oriente. O resto é feito por instituições locais. Os outros fazem o que podem tendo em conta as necessidades do mercado, e há que distinguir as realidades. Da parte do Governo de Macau todo o investimento resulta de opções políticas e não de necessidades do sistema. É o honrar do compromisso que está na Lei Básica, não precisa de ir além disso e penso que às vezes vai bem além disso. Portugal não tem a obrigatoriedade de fornecer os elementos que o sistema precisa, tem é de fazer uma aposta política no crescimento da língua. Através da EPM e do IPOR, que fazem um trabalho excelente, Portugal está a cumprir o que deve. As instituições políticas em Portugal têm demonstrado sempre muito respeito por aquilo que é feito em Macau. Macau vai perder relevância como plataforma no ensino da língua? Macau desempenhou um papel fulcral num determinado momento, que foi o período de 2013 a 2019, que foi assumir a liderança do processo no interior da China, e peço desculpa por falar em causa própria. Fizemos isso com o Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa, fazendo formação de professores e reunindo com universidades, mas estas desenvolveram-se. Mas em breve haverá um professor doutorado em várias universidades chinesas. Chegamos a este ponto e o papel de Macau já não é o mesmo, pois essas instituições ganharam o estatuto de razoável autonomia e dispensam um pouco o paternalismo das instituições de Macau. O território deve ter um papel de acompanhamento. O que tem a língua portuguesa de mais apaixonante junto do estudante chinês? O que mais atrai os estudantes é o mercado. Os chineses aprendem português porque é um bom instrumento para ter um emprego. Sobre a cultura de língua portuguesa há sobretudo curiosidade. Mas há duas ou três coisas que os atraem, que é o facto de esta ser uma língua de Portugal e aberta a outras latitudes. Fascina-os o facto de ser uma língua de outros países maiores. Fascina-os a relação que a língua mantém com a Europa, e desde 1974 somos um país aberto à Europa, depois do 25 de Abril. Os alunos chineses fascinam-se sobre essa abertura. Não somos uma ilha isolada e fazemos parte da cultura mediterrânica.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteRostam Neuwirth, académico: “Macau está focada no lado bom da inteligência artificial” O director do departamento de Estudos Jurídicos Globais da Universidade de Macau, Rostam Neuwirth publica em meados de Agosto o livro “The EU Artificial Intelligence Act: Regulating Subliminal AI Systems”. O académico olha para a proposta de lei da Comissão Europeia que visa regulamentar usos e efeitos negativos da inteligência artificial e defende um maior debate mundial sobre esta matéria, incluindo em Macau Este livro analisa a proposta de lei da Comissão Europeia que regulamenta a inteligência artificial e também uma recomendação da UNESCO. Esta é uma problemática que vai estar cada vez mais presente no nosso dia-a-dia? O livro foca-se essencialmente na legislação proposta pela Comissão Europeia, que ainda não está em vigor. Esta proposta, que entra agora num complexo processo legislativo, deverá ser implementada no final deste ano. A proposta foi tornada pública em Abril do ano passado e visa apenas a União Europeia, mas depois a UNESCO adoptou também uma recomendação focada apenas nas questões éticas associadas ao uso da inteligência artificial. Não se trata de uma lei ou de um tratado internacional, mas revela um consenso e preocupação da UNESCO sobre as questões éticas associadas à inteligência artificial. A sua pergunta é filosófica e prática ao mesmo tempo, porque, se olharmos da perspectiva de que nada é novo e que a tecnologia há muito que vem acompanhando a evolução da humanidade, ao mesmo tempo percebemos que a inteligência artificial é algo novo que traz desafios. Não sabemos o que vai acontecer. O que é claro é que vemos um rápido desenvolvimento dos ciclos de inovação tecnológica nas últimas décadas. A rapidez com que são introduzidas inovações está a acelerar. E o que atingiu um nível sem precedentes é esta extensão da tecnologia face ao corpo humano. Com a inteligência artificial chegámos a um ponto em que, pela primeira vez, replicamos a mente humana. Até agora era apenas feita a reprodução dos movimentos do corpo humano. Será possível prever comportamentos através destes dados e da combinação destas tecnologias? Será que irão manipular a mente humana? À medida que conhecemos mais o sistema, melhor o podemos usar. A tecnologia tem um lado bom e mau, e se traz benefícios ou efeitos negativos depende sempre do uso que lhe damos. De que forma a proposta da Comissão Europeia aborda estas questões? O meu livro analisa um artigo desta proposta de lei sobre a proibição dos sistemas de inteligência artificial recorrerem a técnicas subliminares. Esta é uma questão interessante, definir o que é subliminar. Mas isto levanta uma consciência relativamente aos nossos pensamentos e comportamentos. A legislação também chama a atenção para um efeito negativo desta manipulação, que segundo a proposta deve ser regulada e proibida caso isto aconteça. Falamos das primeiras propostas legislativas sobre este assunto, a nível mundial? Na União Europeia sim. Quando, no processo de pesquisa para este livro, falei com cientistas e especialistas em computação, disseram-me que a inteligência artificial não faz sentido. Mas surgiu como conceito que é difícil de definir de uma forma conclusiva. Penso que o que é novo na União Europeia é uma tentativa de regular, de forma específica, a inteligência artificial, porque já existe legislação a nível mundial que regula alguns destes aspectos, como os dados pessoais ou as plataformas de redes sociais. O problema é que a inteligência artificial está de facto a penetrar em todos os campos das nossas vidas. É uma questão multidisciplinar. A minha preocupação com este livro é ver como a lei será aplicada. Pode haver uma fragmentação se olharmos em termos de Direito público, privado, para os sectores da saúde e das forças de segurança. As ferramentas com as quais tentamos lidar com este fenómeno estão ainda muito fragmentadas. A União Europeia deu um passo e a UNESCO também, no sentido de tentar olhar para a inteligência artificial [no seu todo]. Pelo que tenho visto nos últimos 20 anos, em matéria de regulação de media, por exemplo, é que há uma convergência. Uma das contradições do nosso tempo é que a tecnologia está a convergir ao mesmo tempo que a legislação diverge. Em que sentido? Há um cientista político que escreveu um livro intitulado “Cosmopolitismo” que diz que o paradoxo dos nossos tempos é que temos problemas globais tratados e olhados de forma local. Vimos isso na pandemia, que é um problema mundial, mas que foi tratado localmente. No livro diz que a inteligência artificial traz dificuldades severas em matéria de Direito e da própria democracia. Esta área vai ter um maior impacto em actos eleitorais ou no mundo da política, influenciando a opinião pública? Infelizmente não é uma novidade, porque tivemos o escândalo da Cambridge Analytica. Em todas as eleições vemos queixas sobre uma interferência do exterior, da Rússia, por exemplo. Esta é já uma realidade, a existência de plataformas como o Twitter ou o Facebook [com impacto nos resultados eleitorais]. Um dos aspectos importantes destas plataformas e do poder destes dados é que, conscientemente, permitimos a manipulação. Nos anos 50 já ouvíamos falar de publicidade subliminar, uma experiência feita nos cinemas e com marcas como a Coca-cola, por exemplo. Eram mostradas imagens que só eram percepcionadas pelo nosso inconsciente. Segundo alguns livros, temos plena consciência em apenas cinco por cento das situações, sendo que nos restantes 95 por cento não temos essa percepção. Quando conduzimos um carro há muitos gestos que são automáticos, por exemplo. Esta publicidade sublimar teve um impacto e houve legislação europeia que proibiu isto. Em Macau há também uma lei sobre esta questão que vigora até hoje. Actualmente, este tipo de publicidade subliminar está muito mais sofisticada, e quando combinamos vários tipos de tecnologia com dados e comportamentos humanos é verdade que estas tecnologias te conhecem melhor do que tu te conheces a ti próprio. Quem controla os algoritmos e estas tecnologias tem um grande poder e claro que pode manipular comportamentos. Este debate em torno da inteligência artificial vai estar muito presente nos próximos 30 a 40 anos e sobre esta legislação em particular cada país deveria fazer o seu debate, porque estas plataformas operam de forma global. Acredita que as autoridades de Macau vão prestar mais atenção à regulação desta matéria nos próximos anos, tendo em conta o debate que tem surgido na área dos dados pessoais, por exemplo? A lei que vigora em Macau foca-se apenas na transmissão de publicidade subliminar na televisão, que é proibida. Isto trouxe um importante precedente. Estudos feitos depois do ano de 2000 confirmam que estas técnicas são eficientes, podemos mostrar imagens muito rapidamente e [manipular] o consumidor. Sabemos o diferente impacto que têm jogos violentos, por exemplo, e há muitos factores a ter em conta, mas os efeitos estão cientificamente provados. Acredito que toda a jurisdição deveria debater estas matérias e vemos que a China, por exemplo, tem tentado reduzir o tempo que as crianças gastam a jogar online. Mas é uma aproximação sectorial. Muitas máquinas são desenhadas com o efeito de manipular, pois quanto mais tempo se vê mais se consome. Estes são os lados negativos e penso que mesmo em Macau estas questões têm de ser analisadas. Na Universidade de Macau discutimos muitas vezes a questão do efeito do digital na educação, após um período de aulas online devido à pandemia, e há perigos em termos psicológicos da utilização online. Em Macau, um estudo conduzido por um colega mostra que o vício da internet aumentou nos últimos dois anos. As iniciativas legislativas têm de seguir este caminho, embora haja diferentes aproximações por parte das jurisdições. Penso que neste momento Macau está focado no lado bom da inteligência artificial, com a ideia de cidade inteligente e na resolução do problema do trânsito, por exemplo, e não tanto nos efeitos negativos. Temos de usar a tecnologia a fim de reduzir os perigos e maximizar os benefícios.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteJosé Duarte de Jesus, autor de “O outro lado da diplomacia (1960-2007)”: “Há conversas que revelam uma outra China” A nova obra do embaixador português jubilado revela uma conversa com Li Peng, ex-primeiro ministro da China, sobre a tentativa do líder chinês de dialogar com os estudantes na praça Tiananmen. O livro de José Duarte de Jesus inclui conversas com algumas personagens relevantes na política do século XX, como Mário Soares e Samora Machel, e informações diplomáticas com base em documentos agora desclassificados. O livro foi apresentado no passado dia 21 de Abril no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa Fotografia de Álvaro Isidoro, Global Imagens Afirma que este não é um livro de memórias, reunindo situações e conversas que foi tendo ao longo da sua vida diplomática. Porquê esta partilha? Tive sérias dúvidas em publicar o livro. Achei que tinha falta de conteúdo, que não era interessante, mas um grupo de pessoas incentivou-me [a publicar]. O livro tem coisas muito diversas, não só as personalidades que refiro, como as épocas e lugares em que essas conversas tiveram lugar, que vão desde o Norte de África a França ou à China. As partes mais substantivas dizem respeito a Moçambique e à China. O que estas conversas e testemunhos dizem da sua carreira como diplomata? Não é tanto sobre a minha carreira. Muitas das personalidades com quem falei foram importantes, como as mais antigas do período da guerra colonial e a Portugal. Há coisas que eu refiro passadas em França com o Mário Soares, por exemplo, sobre o fim da URSS, e que me pareceram interessantes acerca das posições sobre a queda da URSS, se se devia intervir [no processo] ou não. Depois, sobre África, as informações que eu incluo têm muito a ver com a política portuguesa no início dos processos de independência [das antigas colónias], nomeadamente de Moçambique, tal como conversas com Samora Machel ou matéria sobre a política de Jaime Gama [ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros]. Há ainda muita coisa que não se conhece. Tornei pública essa informação depois de ter recebido autorização para desclassificar muitos documentos que estavam no arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Sobre a China apresenta dois episódios interessantes. Há conversas que revelam uma outra China, que não a China oficial. Uma delas foi uma conversa que tive com Li Peng sobre os acontecimentos de Tiananmen ou com a filha de Deng Xiaoping, pintora, Deng Ling, de quem cheguei a organizar uma exposição em Portugal. Foi interessante ver o que ela pensava sobre Mao Tse-tung e o posicionamento da China. Já em 2007, fui chefiar uma delegação da União Europeia (UE) à China para um diálogo sobre liberdade religiosa e direitos humanos. Foi uma viagem reveladora de uma série de coisas que passam um pouco à margem do que chamaria de “diplomacia oficial”. Voltemos à conversa com Li Peng. Este disse-lhe que procurou dialogar com estudantes na praça de Tiananmen, mas uma estudante chegou a cuspir-lhe em cima. Essa conversa nem foi directamente comigo, mas com Mário Soares. Eu estava ao lado dele. Foi num jantar aquando da visita oficial de Soares à China. O Mário Soares, sendo uma pessoa irreverente, resolveu falar da questão de Tiananmen, e ele [Li Peng] disse que a sua filha teve uma importância especial [face a Tiananmen], tendo referido que tentou dialogar com os manifestantes, que tinha ido à praça de Tiananmen e que lhe tinham cuspido na cara. Ele disse que não podia fazer nada e voltou para trás. Contou que a filha disse não querer mais que o seu pai se sujeitasse a uma situação dessas, que a envergonhava. Esta história pareceu-me importante para vermos a problemática por detrás da história de Tiananmen. Esta conversa revela que Pequim também quis dialogar com os estudantes. Há uma série de documentos que foram publicados, “Tiananmen Papers”, que mostram o que se passou e que ainda hoje muito está por saber, sobre os elementos que fomentaram a impossibilidade de entrar em diálogo, nomeadamente serviços secretos de outros países. Quem descreve isso muito bem é [Henry] Kissinger. Um grande amigo da China, mas um homem republicano, americano, que disse que o grande objectivo do país era manter a paz e o equilíbrio internamente e havia quem quisesse o contrário. Havia [em Tiananmen] um movimento espontâneo que foi largamente manipulado por forças com interesses estrangeiros. A China não tinha serviços de polícia, só tinha exército. Depois houve conversas com Portugal para arranjar uma polícia de cavalaria. Pensou-se que era melhor ter cavalos contra multidões do que tanques do exército. O exército foi enviado para a praça Tiananmen porque não havia outra opção? Exactamente. Mas não sei como ficaram esses diálogos com Portugal. Esses interesses de que falou relacionam-se com a queda da URSS e com a tentativa de reduzir a influência do comunismo? A ideia era provocar o Governo chinês. É difícil saber hoje qual era o movimento espontâneo e qual a manipulação que se estava a fazer por detrás. Os “Tiananmen Papers” revelam até diálogos que chegaram a existir com as autoridades de Pequim que receberam delegações de estudantes, com o diálogo a ser totalmente impossível por parte destes. Dava a ideia de uma vontade de provocar e não de dialogar. Sobre a conversa com a filha de Deng Xiaoping, decorreu em 1994, já num outro período. Falamos de Mao Tse-tung, na Revolução Cultural. Recordo-me de um exemplo que ela me deu, afirmando que houve excessos, mas que era importante lembrarmo-nos do primeiro imperador Han, que teve movimentos terríveis contra o Confucionismo. Ela dizia que ele era celebrado pelas coisas positivas, como a Muralha da China, por ter unificado a escrita, por ter permitido a criação de uma entidade própria, e não pelas coisas más. Estas conversas mostraram uma China diferente do que é vendido pelo Ocidente. Já em 2007, deslocou-se novamente a Pequim, chefiando uma delegação da UE. Ficou surpreendido com o que viu? Fiquei eu e parte da delegação, que era composta por pessoas de várias nacionalidades. No livro cito uma conversa com um monge budista sobre a liberdade religiosa, num mosteiro que não ficava muito longe de Pequim, que dá uma visão diferente das coisas. Também incluo uma conversa que tive com o então bispo de Pequim, que era presidente de um órgão da Assembleia Popular Nacional. Claro que a Igreja chinesa tem uma desobediência disciplinar em relação Vaticano, não é uma dissidência de fundo. Os bispos nomeados são reconhecidos pelo Vaticano, mas há uma disciplina diferente, mas isso hoje está a ser ultrapassado. Também aqui em matéria de liberdade religiosa a China está à procura de diálogo? Aposta no diálogo, absolutamente. Foi isso que retirei da conversa com o bispo de Pequim. É curiosa a ligação com Portugal, algo que eu desconhecia, através da escolha do primeiro nome português. Sobre a Coreia do Norte, faz referências a Kim Jong Nam, presidente do Presidium da Assembleia Popular Suprema da Coreia do Norte, e com o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros. Achei Kim Jong Nam um tipo extraordinário, que visitou Macau. Deu-me a ideia de ser um homem capaz de dialogar, embora a Coreia do Norte não tenha nada a ver com a China. Costumo dizer que não é um país mas um laboratório psíquico. As pessoas que encontramos na rua são automatizadas e psicologicamente condicionadas. Kim Jong Nam era um homem que podia ser aproveitado pelo Ocidente como um pólo de diálogo. Essa visita de Kim Jong Nam a Macau, que resultados teve? Durante bastante tempo havia um relacionamento de Macau com a Coreia do Norte que passava um pouco à margem de uma série de coisas. Hoje não sei se existe essa ligação, mas na altura era uma ligação comercial e não só. Havia uma série de coisas secretas que se passavam, chegou-se a verificar que havia notas falsas da Coreia impressas secretamente em Macau. Não eram ligações directas com o Governo de Macau e penso que depois as autoridades tentaram abolir isso. África tem também uma posição muito central neste livro. Samora Machel [ex-presidente de Moçambique] teve uma época muito ligada a Moscovo e depois teve uma nova época com o novo congresso da Frelimo em que isso foi ultrapassado. Em grande parte quem convenceu os EUA a ajudar o novo rumo da Frelimo foi o Jaime Gama, quando foi ministro. Samora Machel, em conversa comigo, levou-me à janela e disse-me para serem retirados os tanques soviéticos, para que nós fôssemos para lá. Houve uma série de processos secretos em que estive envolvido, pois os EUA forneciam dinheiro, através de nós [Portugal] secretamente. Fui incumbido de tratar dessa operação secreta. Abri uma conta na Suíça, o número dois da embaixada americana trazia-me um cheque ao meu gabinete e eu depositava na Suíça. Tudo num segredo total sem conhecimento do restante Ministério. O nosso embaixador na Suíça perguntava o que eu ia lá fazer, e eu dizia que ia numa outra missão. Jaime Gama dava-me ordens para essa transacção. Com esse dinheiro comprávamos armamento não letal para a Frelimo contra a Renamo, que estava feita com a África do Sul. Os EUA pagavam e isso era feito através de Portugal para ajudar a Frelimo contra a África do Sul.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaTNR | Poder do Povo pede substituição “mais eficaz” por trabalhadores residentes A associação Poder do Povo entregou ontem uma carta ao Governo onde pede um mecanismo mais eficaz para a substituição de trabalhadores não residentes por residentes. A missiva deixa ainda um alerta sobre a especulação de preços com o novo cartão de consumo A secretaria para a Economia e Finanças e a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) receberam ontem da associação Poder do Povo uma carta onde se faz o apelo para a substituição mais eficaz de trabalhadores não residentes (TNR) por residentes em plena crise económica. Os representantes entendem que a taxa de desemprego dos locais continua a subir, sendo “fraco” o actual mecanismo de saída de TNR em prol dos residentes. Lam Weng Ioi, secretário-geral da Poder do Povo, lembrou que quase todas as semanas há sócios a pedirem ajuda na busca de emprego, sobretudo trabalhadores ligados aos sectores do jogo e da construção civil. “A proporção entre residentes e TNR é desequilibrada, porque muitas empresas têm muitos TNR [cujos processos de blue card] foram aprovados no passado. Por isso é necessário que este número de trabalhadores seja reduzido quando os blue cards forem renovados, para que se evite a situação de haver mais TNR do que residentes numa empresa”, disse. O secretário-geral adiantou que o território tem uma população activa de cerca de 377 mil pessoas, segundo dados relativos ao quarto trimestre do ano passado, com os TNR a representarem 180 mil desse grupo. “Penso que o critério mínimo deveria ser uma proporção de dois residentes para um TNR”, defendeu Lam Weng Ioi. O dirigente associativo, que trabalha para o sector logístico, apontou que a DSAL deve reforçar também as inspecções nas empresas, sobretudo nas áreas da restauração e construção civil. Para Lam Weng Ioi, estas são as áreas em que a proporção entre residentes e TNR está mais desequilibrada. Escolher emprego Responsáveis da DSAL têm referido em várias ocasiões que muitas vezes os residentes não aceitam determinados tipos de empregos. Lam Weng Ioi considera isso “compreensível”, dando como exemplo o facto de muitos residentes não quererem trabalhar na área da limpeza. No entanto, acredita que há muitos empregos que podem ser ocupados por locais, nomeadamente em funções administrativas ou no sector logístico. A carta, entregue ontem, apela ainda a uma supervisão dos postos de abastecimento de combustível, a fim de melhor regular os preços de mercado. A associação entende que os preços praticados em Macau não correspondem aos valores mundiais, sendo ainda mais elevados do que os cobrados em cidades maiores como Pequim e Xangai. A Poder do Povo cita aumentos em Macau na ordem dos 30 por cento. Sobre a chegada de um novo cartão de consumo, a associação exige que o Governo fiscalize melhor a possível especulação de preços praticada pelos comerciantes. A propósito do Dia do Trabalhador, que se celebra este domingo, a associação confirmou que não pretende organizar qualquer manifestação devido à pandemia. Recorde-se que, no ano passado, a associação apresentou um pedido de reunião e manifestação junto do Corpo de Polícia de Segurança Pública para celebrar esta efeméride, mas tal não foi aprovado também devido à pandemia.
Andreia Sofia Silva EventosAssociação Halftone cria Clube do Foto Livro É já este sábado que a Livraria Portuguesa acolhe a primeira sessão de um novo projecto da associação Halftone. Trata-se do Macau Photo Book Club [Clube do Foto Livro de Macau], que visa reunir fotógrafos e amantes de fotografia para que possam debater as edições que se fazem na área. O novo foto livro de António Leong apadrinha a estreia da iniciativa Discutir imagens, conceitos, cores e formatos à frente da câmara, bem como ideias e projectos dos fotógrafos locais são os principais objectivos do novo projecto da associação Halftone. O Macau Photo Book Club [Clube do Foto Livro de Macau] pretende discutir a fotografia que se edita em formato livro e dar a conhecer ao grande público livros de fotografia anteriormente editados. A nova obra do fotógrafo local António Leong, intitulada “Daily Impermanence” foi a escolhida para a estreia desta actividade, que acontece este sábado às 17h, na Livraria Portuguesa. Francisco Ricarte, arquitecto, fotógrafo e um dos fundadores do colectivo Halftone, contou ao HM que a ideia de criar um clube do foto livro foi “aproximar o autor do leitor, e o leitor do autor, com vantagens e sinergias mútuas”. A ideia de criar clubes de debate em torno de livros de fotografia nasceu em 2009 com Matt Johnston, tendo estes marcado presença em numerosas cidades de todo o mundo. Ele “pretendeu contribuir para o que chama de ‘economia do livro’, no sentido de optimizar a ligação entre a sua produção e os potenciais leitores”, frisou Francisco Ricarte. Neste sentido, “a nossa estratégia está em consonância com este movimento”, sendo objectivo dar a conhecer a outros clubes do foto livro no mundo o que de melhor se na faz na fotografia em Macau. A escolha de António Leong acabou por se revelar “natural”, estando outros nomes de fotógrafos locais na lista da Halftone para convites posteriores. “Ele vive em Macau e tem uma prática profissional muito interessante e regular. Nesse sentido, não se justifica este nome que não seja pela qualidade do seu trabalho e disponibilidade que manifestou. Há outros fotógrafos em Macau de igual valor, mas o António Leong surgiu como uma escolha natural, até porque publicou recentemente o seu livro, que se trata de um exercício interessante da sua visão sobre Macau, com fotografias a preto e branco”, adiantou Francisco Ricarte. Movimento crescente O evento de sábado coincide também com o lançamento do número dois da revista de fotografia da Halftone, embora o clube do foto livro e a associação sejam projectos diversos. “Estão previstas mais duas sessões do Macau Photo Book Club, serão quatro por ano. Este será o primeiro ponto de desenvolvimento e de acção, complementado com a divulgação de outros livros nas redes sociais que estejam publicados há mais tempo”, adiantou Francisco Ricarte. A ideia é mostrar estes projectos mais antigos de fotógrafos que residem ou que têm uma ligação ao território. O arquitecto e fotógrafo destaca que o movimento do foto livro é cada vez mais notório em vários países, nomeadamente na China. “Os foto-livros são um nicho de mercado que, ao contrário das outras edições de papel de livros, tem tido um crescimento muito expressivo, nomeadamente na China. Tem aumentado o interesse na produção e aquisição [de obras]. Esta nossa acção insere-se também na estratégia de promover o foto-livro como um veículo de divulgação da obra fotográfica de diversos autores e um melhor entendimento e conexão entre o autor e o leitor”, adiantou o membro da Halftone. António Leong começou a interessar-se por fotografia em 2010, após realizar uma viagem a Guilin. A nota da Halftone dá conta que “gosta de fotografar em viagem, mas o que domina é a sua prática fotográfica quotidiana em Macau”. “Com uma câmara de pequeno formato, que transporta diariamente, percorre as ruas e becos de Macau, fotografando a beleza da cidade. Sem olhar ao clima, percorre a cidade para revelar os locais e as pessoas através da sua lente. Desde sítios bem reconhecidos, classificados como Património Mundial pela UNESCO, às zonas menos conhecidas de Macau, a pessoas comuns nos bairros, ou gatos brincando em becos indistintos, todos têm sido fotografados por si”, lê-se. A partilha do seu trabalho tem sido feita nas redes sociais, nomeadamente na página de Facebook “Antonius Photoscript”. Nos últimos anos, António Leong participou em diversas competições de fotografia, “dando a conhecer imagens da cidade e promovendo Macau enquanto destino turístico, realizado sessões fotográficas voluntárias para várias instituições de caridade e eventos e colaborado com outros artistas em vários projectos”.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteRui Pedro Cunha, director da Fundação Rui Cunha: “Existimos para Macau e as suas gentes” Faz hoje dez anos que a Fundação Rui Cunha (FRC) nasceu com o objectivo de fomentar o ensino e pensamento sobre o Direito de Macau, mas depressa se tornou também num importante polo cultural de ligação entre as comunidades chinesa e portuguesa. Rui Pedro Cunha lamenta que o projecto de dinamização do Direito local tenha ficado aquém das expectativas mas assume um olhar optimista em relação ao futuro Foi o seu pai, o advogado Rui Cunha, que fundou a FRC. Mas este é também um projecto seu? Estive envolvido na fundação desde o início. O meu pai falou comigo em 2011 quando começou a ter as primeiras ideias, pois ele sentia que havia a necessidade de criar uma fundação, embora na altura ainda não fosse certo se seria ou não uma fundação. Tivemos várias conversas, a ideia foi amadurecendo e culminou, em 2012, com a criação desta entidade. Olhando para estes dez anos, considera que a FRC é uma peça vital da sociedade, pela sua intervenção cívica e eventos culturais que organiza? Ir à FRC tornou-se um hábito para muitos? Não é uma peça vital da sociedade, mas acho que que se esforçou por ser útil e trazer algo importante para Macau. Deixa-nos muito contentes, a mim, ao meu pai e à minha irmã, ver que ao longo destes dez anos houve uma crescente aceitação da ideia que estava por detrás da criação da fundação. Muita gente entendeu rapidamente o propósito da sua criação e cooperou. Porque não somos só nós que fazemos os eventos mas sim as pessoas que vêm ter connosco, da sociedade civil, de algumas instituições, e até do Governo, e que apresentam ideias que gostariam de desenvolver. A fundação funciona como uma plataforma. Tivemos a sorte de os mais variados sectores em Macau terem visto algum valor no que estava a ser feito e quererem associar-se a nós. Um dos objectivos iniciais da FRC era dinamizar o Direito de Macau. Isso foi cumprido? Tem havido um esforço nesse sentido, mas talvez seja a área em que a fundação foi menos bem-sucedida, mas não foi por falta de esforço. Tivemos a sorte de ter connosco, desde o início, a drª Filipa Guadalupe, que é responsável por essa área. É uma pessoa muito dinâmica e esforçou-se para imprimir um ritmo elevado aos eventos que eram feitos na área do Direito, bem como nas cooperações, seminários e publicações. Tínhamos duas revistas e publicávamos dois a três livros por ano, mas isso agora está mais parado. Não tem havido muita participação da parte dos que são o alvo dessas iniciativas, que são pessoas cujas profissões estão ligadas ao Direito. Quais as razões para essa falta de adesão? Porque é que a FRC não conseguiu ser bem-sucedida na dinamização do Direito local? Teve algum sucesso, mas não aquele que gostaríamos que tivesse tido. Essa é a parte mais querida ao meu pai, porque durante toda a sua carreira exerceu na área do Direito e viu que Macau tinha ficado órfã com a mudança de soberania. Além disso, com a entrada de Portugal na União Europeia, havia uma quantidade de legislação produzida em Portugal e que não fazia muito sentido aplicar em Macau. Existia a necessidade de ajudar todos os intervenientes do Direito a continuar a estudá-lo e a desenvolvê-lo, porque este não é estático e tem de se adaptar à sociedade onde se insere. Não era nada de político, pretendia-se ajudar ao desenvolvimento do Direito. Penso que houve aqui um conjunto de factores que levaram a esta situação. Terá falhado a ligação com o ensino do Direito, com o meio académico? Penso que não. Existe uma boa cooperação com professores da Universidade de Macau e eu penso que sentem a mesma necessidade que nós. Um professor confidenciou ao meu pai que alguns alunos brilhantes não voltam a pôr os pés na faculdade quando acabam o curso [de Direito]. Este professor dizia isso com uma certa mágoa, e o meu pai disse que nós, na fundação, sentimos a mesma dificuldade de motivar os jovens para a necessidade de desenvolver mais o pensamento em relação ao Direito. Não terá sido por falta de ligação à academia. Até porque aquilo que fazemos é sempre complementar à parte académica, de forma nenhuma fomos concorrentes da academia. Quisemos sempre apostar numa formação mais prática e vocacionada para o exercício e estudo. Em dez anos Macau mudou muito e caminha agora para a integração regional, com Hengqin e a Grande Baía. Onde fica a FRC no meio de tudo isto? A FRC ficará em Macau, onde sempre esteve, mas a olhar para o que se está a passar em Hengqin e Grande Baía. São de facto tempos de mudança os que vivemos agora e vemos com expectativa o que vai acontecer. Temos noção de que estamos a caminhar para essa integração e a fundação cá continuará, de olhos bem abertos, a tentar ajudar a essa integração no que for possível, pois isso faz parte dos nossos desígnios. A fundação existe para Macau e para as suas gentes. Sei que tivemos muito sucesso dentro da comunidade portuguesa logo no início, mas ao fim do terceiro ano de existência passámos a ter mais apoio da comunidade chinesa. Tentámos ser sempre equilibrados na organização de eventos para as várias comunidades. Sendo Macau um território de mistura de culturas, a FRC tornou-se um vector importante para essa ligação? Não me cabe a mim fazer essa avaliação, mas esforçamo-nos por isso. Queremos fazer um bom trabalho na aproximação entre culturas. Apraz-nos ver que, da parte da comunidade chinesa, há cada vez mais uma genuína apreciação do trabalho que temos feito. Há muita gente que vem ter connosco e que diz que gosta muito do trabalho que estamos a fazer. Para Macau é muito importante manter este sinal da presença portuguesa e do encontro de culturas que é único no mundo. Macau só tem a ganhar se conseguir manter as raízes e a noção da razão de as coisas aqui serem diferentes, porque só assim é que as pessoas que nos visitam sentem interesse. Se desaparecem todos os traços históricos desta mistura de culturas, Macau passa a ser uma vila na China e deixa de ter a relevância que historicamente teve ao longo de 500 anos. Quais os grandes desafios que enfrentam para manter esta fundação? A pandemia trouxe muitas coisas negativas, mas também positivas, nomeadamente o facto de termos de fazer tudo com a “prata da casa”, o que nos ajudou a descobrir coisas que não conhecíamos. Temos grande expectativa [do fim da pandemia] para regressarmos a alguma sanidade mental, mas também para conseguirmos começar a organizar eventos de maior dimensão, algo que temos evitado. Em termos financeiros houve algum impacto devido à pandemia? Não houve um impacto directo porque não temos receitas dos eventos que fazemos. Por outro lado, há o desafio da sustentabilidade. Não encontramos, até agora, uma fonte de receitas que permita que a fundação seja sustentável, e é algo que procurámos no passado e vamos continuar a procurar. Desde o início evitamos pedir subsídios ao Governo e quisemos marcar a diferença em relação a outras associações. Mas já foi feito algum pedido em todos estes anos? Pedimos em casos específicos. Mas evitamos fazê-lo, e na maior parte dos casos tentamos fazer co-organizações com outras entidades em que cada uma paga parte dos custos. Projectos para o futuro? O que a fundação pretende ser daqui para a frente? Queremos continuar a fazer o que fizemos até agora e queremos estar atentos ao desenvolvimento de Macau e integração na Grande Baía e ao envolvimento em Hengqin. Vamos ter que nos adaptar porque estamos numa altura de mudança. A nossa actuação vai ter de mudar à medida das necessidades que foram sendo sentidas pela população. Existem alguns planos que é prematuro revelar já e que vão no sentido de ajudar as pessoas de Macau a compreender o que é Hengqin e de que forma podem tirar proveito das oportunidades que vão surgindo. Temos apenas algumas ideias, não só relacionadas com Hengqin, mas também sobre a história e estórias de Macau. A FRC pode vir a ter um pólo em Hengqin, por exemplo? Não há planos para isso, mas não pomos de lado essa hipótese. Depende muito da evolução do projecto e se for realmente útil termos uma presença em Hengqin. É prematuro falar ainda sobre isso. Não temos capacidade financeira para começar a abrir esses polos, gostávamos de a ter. Se conseguirmos encontrar formas de financiamento há ainda muitas ideias que gostaríamos de concretizar.
Andreia Sofia Silva EventosLisboeta | Macau acolhe mostra da escultora Wang Zheng Hong “I Am Wobbly” é o nome da mais recente exposição da escultora chinesa Wang Zheng Hong, e que pode ser visitada na galeria do empreendimento Lisboeta Macau. Serão mostradas, ao todo, 20 peças de grande dimensão trabalhadas com aço inoxidável que revelam as perspectivas culturais e os valores da artista O espaço H853, no empreendimento Lisboeta Macau, acolhe, até ao dia 22 de Julho, mais de 20 esculturas em aço inoxidável de Wang Zheng Hong, escultora chinesa que traz a Macau o seu trabalho artístico na mostra “I Am Wobbly”. Com esta mostra, será possível conhecer de perto o trabalho da reputada artista chinesa, através do qual espelha as memórias do seu processo de crescimento interior. As suas esculturas revelam, assim, “a sua atitude perante a vida e a transformação dos valores e perspectivas culturais numa exposição interactiva, inocente e terapêutica”. Wang Zheng Hong, que faz a curadoria da sua própria mostra, revelou, citada por um comunicado, que a inspiração para estes trabalhos vem da “educação cuidada, mas rigorosa” do seu pai durante a sua infância. “Ele encorajou-me a aprender a nunca cair e a enfrentar todas as vezes os desafios e obstáculos. Espero que estas peças de arte possam inspirar as pessoas a viver de uma forma optimista”, disse a artista, que deseja também “o melhor para a população de Xanfai que está a enfrentar a situação pandémica”. Formada em Escultura pela Academia de Artes da China, a artista formou-se também na cidade de Antuérpia, Bélgica, nas áreas da joalharia e trabalho artístico com metais. Em 2009 Wang Zheng Hong voltou à China, onde se doutorou em arte pública, também pela Academia de Artes da China. Actualmente, nesta instituição de ensino, a escultora é directora da Escola de Arte Artesanal, onde aplica a sua larga experiência na junção das áreas da escultura e da joalharia. Atitude positiva Christine Hong, vice-presidente do sector do retalho do empreendimento Lisboeta, referiu que esta mostra pretende, sobretudo, transmitir ao público local uma energia positiva, para que “juntos possamos enfrentar esta pandemia e os desafios com uma energia positiva”. “Esperamos que, com esta exposição, possamos aumentar a consciência do público em prol da indústria de arte internacional, bem como encorajar artistas locais a expandirem os seus horizontes e a criar novas formas de arte.” O espaço H853 pretende ser uma “fábrica da diversão” onde se exploram actividades culturais e artísticas, em junção com o mundo da moda e da gastronomia. A ideia é oferecer um amplo conjunto de iniciativas, com o “compromisso de apresentar os melhores produtos e experiências em todos os aspectos”.
Andreia Sofia Silva Sociedade25 de Abril | Presidente da AR dedica discurso aos emigrantes As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo foram o tema central do primeiro discurso de Augusto Santos Silva, por ocasião das cerimónias do 25 de Abril, na qualidade de presidente da Assembleia da República. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros destacou as mudanças no acesso dos emigrantes ao voto Foi um 25 de Abril celebrado em Lisboa de uma forma mais livre, já sem máscaras no Parlamento, e com muitas caras novas. Augusto Santos Silva, na qualidade de presidente da Assembleia da República (AR), e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, centrou o seu discurso nas comunidades portuguesas de emigrantes espalhados pelo mundo. Santos Silva destacou a importância dos emigrantes para a construção do processo democrático no país, lembrando a crescente participação cívica e eleitoral dos mesmos, graças à criação dos círculos de emigração e o “alargamento do direito de voto às eleições presidenciais e europeias”. “A última barreira foi quebrada em 2018, quando o recenseamento automático foi expandido aos portadores de cartão de cidadão com morada no estrangeiro, fazendo de um milhão e seiscentos mil deles eleitores de pleno direito. O efeito não demorou: o número dos que votaram, nos chamados círculos da emigração, nas eleições de 30 de Janeiro de 2022 foi seis vezes superior ao registado em 2015. E vai continuar a aumentar”, declarou. O objectivo é uma aproximação “da ambição de qualquer democracia, que é tratar por igual todas as pessoas como cidadãos, quer dizer, sujeitos do seu destino”. Santos Silva destacou também medidas como a institucionalização do ensino português no estrangeiro, o apoio ao associativismo e o nascimento do Conselho das Comunidades Portuguesas. Foi ainda lembrada a “extensão da nacionalidade originária aos lusodescendentes”, considerados “uma trave-mestra do nosso regime democrático”. Redes criadas O líder da AR não esqueceu o facto de, nas últimas décadas, muitos luso-descendentes terem vindo a ocupar lugares de destaque nas sociedades onde escolheram viver. Estes “vão alcançando funções de responsabilidade nos municípios, regiões e Estados de que são habitantes: vão ocupando postos dirigentes nas administrações públicas, nos sistemas de justiça, na organização de escolas e universidades; vão-se tornando vereadores, presidentes de câmaras municipais, membros de assembleias estaduais, deputados a parlamentos e congressos nacionais, membros de governos”. Neste sentido, são um “capital preciosíssimo de que o país dispõe para alavancar e projectar a sua influência no mundo”. Para Santos Silva, a revolução de 1974 “influenciou sobremaneira o estatuto e os percursos dos residentes no estrangeiro”, sendo os retornados “um dos alicerces do regime saído do 25 de Abril”. Augusto Santos Silva não esqueceu alguns “problemas” existentes, alertando para a necessidade de “estancar a sangria de muitos dos nossos jovens mais qualificados, apoiar o seu regresso a Portugal e servir melhor as comunidades no estrangeiro”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteHistória | Quando a PIDE quis saber mais sobre Pedro José Lobo No início dos anos 60, ecoavam em Timor-Leste movimentos políticos de luta pela independência. A possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli” e as eventuais ligações de familiares de Pedro José Lobo levaram a PIDE-DGS a pedir, a Macau e a Timor, informações sobre esta importante figura da comunidade macaense Pedro José Lobo, figura de destaque entre a comunidade de Macau, funcionário público e poderoso homem de negócios, nascido em 1892 em Timor, chegou a ser investigado pela PIDE-DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção Geral de Segurança), que funcionou em Portugal durante o período do Estado Novo. Documentos arquivados na Torre do Tombo, em Lisboa, consultados pelo HM, provam que esta polícia política quis saber mais sobre a ligação de familiares de Pedro José Lobo à possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli”, em 1961, um movimento nunca confirmado oficialmente. Em causa, estava o facto de uma das filhas de Pedro José Lobo ser casada com Constâncio Lemos de Araújo, residente em Macau e filho de Francisco de Araújo, deportado de Timor para Macau. Este teria sido “um dos cabecilhas” de um motim ligado a movimentos independentistas de Timor. Portugal, ao ter conhecimento de algumas notícias divulgadas sobre este movimento independentista, que teria levado à formação de um novo “governo de 12 ministros, presidido por A. Mao Klao”, pedia ao subdelegado da PIDE-DGS em Timor e à Polícia de Segurança Pública (PSP) de Macau detalhes sobre a vida de Pedro José Lobo. A 28 de Junho de 1963, saía do Gabinete de Negócios Políticos, ligado ao Ministério do Ultramar, uma carta com esse pedido. Em causa, estava uma notícia “fornecida de Djakarta pela Agência France Presse e publicada em diversos jornais” quando à proclamação, em “Batugade, no Timor Português, a ‘República Unida de Timor-Díli’”, que já teria pedido “o reconhecimento das outras nações”. De Timor não chegaram informações concretas “quanto à veracidade da notícia”, não havendo “nada de concreto quanto à existência de quaisquer indícios que a justificassem”. Apesar de a agência noticiosa “Antara” não ter dado “publicidade a tal notícia”, além de que na Indonésia “apenas os jornais comunistas a ela se referiram”, as autoridades portuguesas chamavam a atenção para o facto de o “Confidential Foreign Report”, em Abril de 1963, referir-se ao “ambiente em Timor” e estabelecer “a conexão com as prisões feitas em 1961 naquela província. A mesma publicação dava conta de que “um dos cabeças de motim, chamado Araújo, ao passar por Macau, enviara uma mensagem a um seu familiar, pessoa proeminente da província, o dr. Pedro Lobo”. A notícia da proclamação da “República Unida de Timor-Díli” tinha, para a PIDE-DGS, um “carácter nebuloso”, relacionado com “o fraco acolhimento que encontrou na Indonésia, acrescido do facto de o indigitado ‘presidente’ [A. Mao Klao] ter um nome que pode denunciar uma origem de mestiço, de chinês e de Malaio”. No entanto, dava-se atenção à “conexão estabelecida pelo ‘Confidential Foreign Report’, designadamente as relações que o Dr. Pedro Lobo mantém com Timor, quer por razões familiares, quer por interesses económicos”. Não eram esquecidas “as actividades de ordem económica por este senhor desenvolvidas em Macau e da possível interferência que ele possa ter, tanto na Agência France Presse como no jornal South China Morning Post, de Hong Kong, o primeiro a referir a notícia”. Lobo inocente A resposta ao pedido da PIDE-DGS veio confirmar que Pedro José Lobo nada tinha a ver com esta questão política. “O Francisco Araújo vive em Macau, em casa de seu filho, Constâncio Lemos de Araújo, levando pelo menos, aparentemente, uma vida calma, aparecendo raramente em público”. Além disso, descreviam as autoridades locais, “a sua conduta, na vida privada, não tem suscitado quaisquer suspeitas”. “Também não consta que mantenha quaisquer ligações políticas com o dr. Pedro José Lobo. Desconhece-se qualquer ligação do dr. Pedro José Lobo com as notícias emanadas através da ‘Agência France Press’ ou publicadas no jornal South China Morning Post, de Hong Kong. Foi tudo o que se conseguiu apurar acerca do assunto tratado no ofício de vossa excelência”, lê-se no documento. Confirmava-se, assim, que “as relações [de Pedro José Lobo] com o timorense Francisco de Araújo, ou Francisco Maria Xavier de Jesus Araújo, provêm, especialmente, do facto de uma das filhas do Dr. Pedro Lobo ser casada com um filho do Araújo, Constâncio Lemos de Araújo”. Além disso, “Francisco de Araújo, antes da sua deportação de Timor, administrava a já referida ‘Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos’”, uma das muitas empresas do universo de negócios de Pedro José Lobo. No entanto, as informações enviadas à PIDE-DGS não ignoravam a história pessoal de uma figura carismática de Macau. “A origem e meios utilizados para conseguir aquela fortuna são de origem bastante duvidosa, especialmente durante e após a segunda guerra mundial.” A resposta enviada à PIDE-DGS dava ainda conta de que Pedro José Lobo havia sido “durante muitos anos chefe dos Serviços de Economia e Estatística Geral da província de Macau”, tendo “sido aposentado por ter atingido o limite de idade”. À data, Pedro José Lobo tinha “cerca de 71 anos de idade” e era presidente do Leal Senado da Comarca de Macau. “É condecorado pelo Governo português, ocupando posição de destaque no meio social de Macau, não só pela sua elevada fortuna, como também pela influência que as suas actividades comerciais exercem sobre a vida económica daquela província. Entre outras, destacam-se as seguintes organizações comerciais nas quais possui largos interesses”. No documento constavam empresas como a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, a Companhia de Ouro “Wong On” de Macau, a Macau Air Transport, a “P.J. Lobo” em Macau e Hong Kong e a já referida Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos, em Timor, administrada pela “Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho lda”, de Díli. Grande confiança Célia Reis, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e com extenso trabalho publicado sobre a história de Macau, disse ao HM que a posição da PIDE-DGS “parece estar ligada às ramificações que este acontecimento [proclamação da República Unida de Timor-Díli] pudesse ter em Portugal”. “Daí a chegada a Pedro José Lobo, não pela posição que ocupava em Macau, mas pelas possíveis implicações que pudesse ter” neste episódio. A investigadora acrescenta que, no caso deste movimento político, “terá sido proclamada a independência da República de Timor em Abril de 1961, [tendo estado] ligado a um grupo radical islâmico que existia em Jacarta, na Indonésia”. A actuação da PIDE-DGS fazia-se sentir também nas colónias, mas, nestes casos, era coordenada com o Ministério do Ultramar. Segundo Célia Reis, a política do Estado Novo “estava muito bem relacionada com todos os organismos oficiais, e quando solicitava informações, o natural é que esses organismos respondessem porque estavam todos ligados à mesma estrutura”. “Podia não ter uma célula local, mas havia informação de outras fontes, como policiais, que contribuíam com relatórios ou mesmo com algumas suspeitas que houvesse”, frisou. Célia Reis confessou que já tentou investigar as razões pelas quais Francisco de Araújo foi deportado de Timor para Macau, mas ainda não encontrou dados elucidativos nos documentos que pesquisou. “A PIDE fazia sempre questão de analisar as várias ligações e havia a suspeita de que algumas informações tivessem sido transmitidas a Pedro José Lobo por esses familiares”, adiantou Célia Reis. Grande parte da fortuna de Pedro José Lobo terá sido obtida através do comércio do ouro que se fazia em Macau por altura da II Guerra Mundial, pois ele continuava a ser director da Inspecção dos Serviços Económicos, o que “permitia que as licenças de importação passassem por ele”. À época, Portugal não tinha assinado os Acordos de Bretton-Woods, que promoviam uma regulação do comércio mundial e dos valores do ouro. Tal levava a que esta matéria-prima fosse vendida a preços mais baixos pelos países assinantes dos Acordos face aos que eram praticados em Macau. “[Pedro José Lobo] não agia sozinho, mas com ligação a pessoas ricas que beneficiaram desse comércio do ouro”, frisou a investigadora. Muito antes de este comércio ser muito importante para a economia local, já Pedro José Lobo ocupava um lugar de destaque na regulação pública do comércio do ópio. “A verdade é que Pedro José Lobo estava à frente desses serviços por causa da grande confiança que o Governador tinha nele. Ainda não era uma pessoa tão conhecida pela sua relevância económica, mas foi nomeado e passa a ter uma grande projecção porque, estando ligado a essa organização, acaba por ter um processo colocado pelo antigo monopolista do ópio”, recordou Célia Reis.
Andreia Sofia Silva EventosDoca dos Pescadores | Exposição de PIBG e MCZ para ver até Maio Intitula-se “Screw in the Land” e é a exposição que, desde sábado e até ao dia 30 de Maio, poderá ser vista na Galeria Lisboa, na Doca dos Pescadores. O destaque vai para o trabalho dos artistas locais Pat Lam, que assina as suas obras como PIBG, e Thomas Lo, que assina como MCZ. Ambos fazem graffiti, mas não só “Screw in the Land” é a nova exposição organizada pela Sociedade dos Artistas de Macau e que pode ser visitada até ao dia 30 de Maio na Galeria Lisboa, na Doca dos Pescadores. Esta é uma mostra marcada pelos trabalhos de arte visual, instalação e graffiti dos artistas locais Pat Lam (PIBG) e Thomas Lo (MCZ), com curadoria de Cassidy A. Segundo um texto assinado pela curadora, os dois artistas “mostram as suas próprias especificidades através da arte visual, criando dois pontos de contraste em torno da unificação de uma só ideia”. Nesta mostra, os dois artistas são convidados a despirem a sua pele habitual como elementos criativos e a explorarem novas dimensões artísticas, “apresentando as suas próprias experiências e pensamentos através de instalação e obras de arte”. Os trabalhos são construídos em torno das ideias do “regresso à natureza, como permanecer no chão”, sempre com o contraste como ponto de partida, entre o “sombrio e o brilhante” e “a simplicidade e a diversidade”. Na Galeria Lisboa podem, assim, ser vistas duas instalações de arte de grandes dimensões, cada uma explorada pelo artista conforme o seu estilo de criação. No caso de PIBG, foi criada uma espécie de parque de diversões, enquanto que MCZ, através de materiais como o aço inoxidável, entre outros, criou quatro quadros e oito peças. Desta forma, “o público será levado a começar a visita no espaço de instalação de MCZ, de uma zona mais escura até chegar ao palco mais brilhante com as criações de PIBG. “Independentemente do meio e do método aplicado, o ponto principal é a expressão de uma essência. Vivemos, experimentamos e sentimos. As experiências do passado são parte de uma etapa e razões daquilo que nós somos”, lê-se no texto da curadora desta exposição. Nova vaga PIBG e MCZ fazem parte da vaga de novos artistas de Macau e têm revelado o seu trabalho não apenas em salas de exposições ou galerias de arte, como também em espaços artísticos de rua. No caso de PIBG, este tem trabalhado essencialmente com graffiti, sendo que o seu trabalho se caracteriza por “figuras estilizadas e animais que parecem absurdos e divertidos, em contraste com as cores vivas que revelam vitalidade”. Produzindo obras deste género desde os anos 90, PIBG também fez formação na área da escultura, caligrafia, pintura moderna e design gráfico. Desde o ano 2000 que viaja pela China, Austrália, França e Japão, entre outros países, para revelar ao público as suas criações de graffiti, nomeadamente o trabalho intitulado “Color way of Love”, exposto em Xangai. Como designer, foi convidado para colaborar com marcas como Balenciaga, Swatch, MIU MIU e DIOR. MCZ também faz do graffiti o seu foco criativo, trabalhando também com projectos multimédia. MCZ é, desde 2004, membro da Macao Graffitied Team – GANTZ5, tendo realizado exposições em diversos países. MCZ é autor de uma instalação de arte na Torre de Macau e no Outloud Art Festival, além de ter criado a loja conceptual “SCREWIN” em 2020. MCZ possui também uma loja pop up no The Parisian.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteJuventude | Novo livro branco reitera compromisso com “valores socialistas” Pequim acaba de lançar mais um livro branco sobre a juventude, onde se salienta a importância de os jovens chineses se focarem “nos valores socialistas”. O documento oficial aponta ainda que os hábitos de consumo mudaram nos últimos anos e que existem agora mais oportunidades de carreira graças ao desenvolvimento e prosperidade do país. O relatório dá ainda conta de uma crescente participação política dos mais novos O Partido Comunista Chinês (PCC) tinha, em Junho do ano passado, cerca de 24 milhões de membros com menos de 35 anos, sendo que 25 por cento tinha uma plena participação no partido. E foi a pensar nos jovens e no caminho que estes devem traçar no país nos próximos tempos que Pequim decidiu lançar, na última semana, um novo livro branco sobre a juventude chinesa. Trata-se de um documento oficial do Governo Central que traça metas e balanços sobre as vidas dos jovens na China actual e do futuro. O documento, divulgado na íntegra pela agência Xinhua, começa por afirmar que os jovens devem, acima de tudo, ter um “compromisso no foco dos valores socialistas”. “A orientação do valor da juventude vai decidir os valores de toda a sociedade. Os jovens chineses aprendem valores morais de heróis e de personalidades modelo dos nossos tempos. Eles promovem, de forma pró-activa, os valores socialistas, como a prosperidade, a democracia, o civismo, a harmonia, a liberdade, a igualdade, a justiça”, pode ler-se. Aos jovens chineses pede-se ainda “confiança no caminho chinês”, pois, “através da comparação com o passado e com o resto do mundo, e de uma observação social, a juventude chinesa consegue compreender a importância da liderança do Partido, os méritos do sistema social e o reforço das pessoas”. O livro branco cita mesmo um inquérito realizado aos jovens, em 2020, que revela que a maioria dos inquiridos “apoia incondicionalmente o socialismo com características chinesas, e tem plena confiança sobre o rejuvenescimento da nação chinesa”. O mesmo documento dá conta de uma crescente participação política dos mais jovens nos últimos anos, tendo em conta que “um grande número” participou “como deputados nos congressos do povo ou como membros da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) em todos os níveis”. “Através destas organizações eles cumpriram os seus deveres e participaram na deliberação e administração dos assuntos de Estado”. Em 2019, aponta o relatório branco, “os jovens participaram, em 10,9 por cento, ao nível dos congressos do povo e em 13,7 por cento a nível dos comités da CCPPC”. Desta forma, “os jovens são participantes activos nas eleições democráticas, no processo de tomada de decisões, na gestão e supervisão, fazendo sugestões para a maior parte das questões relacionadas com o desenvolvimento económico e social, e no exercício dos seus direitos democráticos”. Muito antes de expor os valores que devem definir o caminho da juventude chinesa para os próximos anos, o relatório branco vai buscar referências históricas para afirmar que, sem o PCC “o movimento da juventude chinesa teria atingido muito pouco”. “Numa nova era, a juventude chinesa abraça oportunidades preciosas para realizar as suas ambições e revelar os seus talentos, uma vez que devem ter a importante responsabilidade de construir um grande país socialista moderno e realizar o Sonho Chinês do rejuvenescimento nacional”, pode ler-se. Uma questão de talentos Para Pequim, o milagre económico chinês dos últimos anos deu aos jovens a oportunidade para estes aproveitarem melhor as oportunidades de carreira, além de que os seus hábitos de consumo mudaram profundamente em relação à geração dos seus pais. No que diz respeito aos talentos, o livro branco dá conta de que “a nação chinesa atingiu uma profunda transformação ao obter uma maior independência e ao tornar-se mais próspera com um forte crescimento”. O período actual traz “prosperidade e esperança”. “Vivendo nos melhores tempos da história da China, a actual geração de jovens desfruta de um ambiente propício para o seu desenvolvimento, com espaço para crescer e com grandes oportunidades para terem uma boa carreira”, lê-se ainda. Quanto aos hábitos de consumo, os jovens estão a apostar em produtos cada vez mais adaptados às suas necessidades individuais. “Eles estão a mudar de um padrão de compra de produtos básicos para comprar coisas que permitem desfrutar da vida, de ter apenas roupas para vestir, para hábitos de vestir mais elegantes, de ter comida para comer para comer melhor em prol de uma melhor saúde.” Sobre o uso da Internet e ciberespaço, o livro branco dá conta que a juventude chinesa recorre a este mundo virtual “para ter acesso à informação, partilhar ideias, fazer amigos e compras”. “Uma vez que se tornam cada vez mais como grandes produtores de informação, e sendo consumidores de serviços e promotores de tecnologias relacionadas com o ciberespaço, os jovens são uma profunda influência nas tendências da Internet.” Desta forma, acrescenta-se, “os jovens estão a espalhar energia positiva e a moldar novas tendências sociais, num esforço para garantir um ciberespaço mais limpo”. Educação para todos Para as autoridades chinesas, os jovens têm, no país, “um acesso à educação igual para todos”, tendo em conta as prioridades definidas pelo Governo Central e as oportunidades educacionais de elevada qualidade oferecidas. “Em 2021 o cumprimento da escolaridade obrigatória atingiu uma taxa de 95,4 por cento, com a taxa da educação no ensino secundário a chegar aos 57,8 por cento, com um total de 44,3 milhões de estudantes no ensino superior. Há cada vez mais jovens que atingiram este caminho importante em prol do sucesso e da excelência”, é referido no documento. Pequim afirma que tem vindo a desenvolver, nos últimos anos, um sistema de ajuda financeira aos estudantes, desde o ensino infantil ao superior. Em 2020, foram dados subsídios no valor total de 240 mil milhões de yuan, tendo sido dada assistência a cerca de 150 milhões de estudantes. Uma das tendências mais visíveis nos últimos anos, e que está directamente relacionada com o aumento do nível de vida e na construção de uma nova classe média, prende-se com o facto de cada vez mais jovens estudarem no estrangeiro. O livro branco dá conta que “estudar no estrangeiro é a forma mais importante para que os jovens chineses aprendam sobre o mundo”. Em 1978, a China enviou 800 alunos para estudarem no estrangeiro, mas esse número chegou aos 700 mil em 2019. “Nas últimas quatro décadas, o número total de chineses a estudar no estrangeiro ultrapassou os 6,5 milhões, tendo regressado 580 mil em 2019, contra 248 em 1978”. O conhecimento da juventude chinesa sobre o mundo faz-se também através de “viagens, programas de visita, passeios de negócios e cooperação a nível laboral”. Lado diplomático Apesar de este ser um documento oficial sobre a juventude chinesa, faz também referência ao crescimento do “círculo de amigos” com o qual a China “consegue comunicar e cooperar”. “A juventude chinesa encara cada oportunidade para contar as histórias da China e participa numa governança global dos assuntos da juventude”, sempre numa visão de cooperação e de ganhos mútuos.” Desta forma, ao abrigo da Parceria Global da Juventude Chinesa, o país estabeleceu programas de intercâmbio e cooperação com mais de 100 organizações internacionais, agências governamentais da juventude ou partidos políticos. Os jovens chineses participam em diversos programas de intercâmbio com países e regiões “como a Rússia, EUA, Europa, Índia e Japão” em áreas como a educação, ciência, cultura, artes e desporto. “A juventude chinesa tornou-se mais activa na adesão às organizações internacionais, na participação em conferências internacionais e numa governança global. Como resultado, os jovens abraçaram, de forma bem sucedida, a imagem internacional da juventude chinesa”, remata o documento.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeUSJ | Eric Sautedé perde último recurso, mas juiz apresenta posição discordante Está terminado o caso que opunha o académico Eric Sautedé e a Universidade de São José. O Tribunal de Última Instância deu razão à instituição de ensino, mas o juiz José Dias Azedo entendeu que a causa para o despedimento do docente, em 2014, é “legalmente inadequada”, “abusiva” e “ilícita” Eric Sautedé, professor de ciência política despedido pela Universidade de São José (USJ), em 2014, no âmbito de um processo relacionado com a liberdade académica, perdeu o último recurso apresentado junto do Tribunal de Última Instância (TUI). Esta é uma decisão que dá por encerrado um caso que há muito se arrastava nos tribunais. Recorde-se que, em Janeiro do ano passado, o Tribunal Judicial de Base (TJB) entendeu que o despedimento sem justa causa do académico foi “legítimo” e que em nenhum momento esteve em causa uma violação da liberdade académica. Aquando do despedimento, a USJ pagou uma indemnização a Eric Sautedé, mas este exigia mais de 1,3 milhões de patacas de indemnização para compensar danos patrimoniais e morais. Apesar de o TUI ter dado razão à USJ, um dos juízes relatores da decisão, José Dias Azedo, assinou uma declaração de voto onde considera “legalmente inadequada ‘a causa’ subjacente” apresentada pela USJ para o despedimento do docente, considerando-a “abusiva e, por isso, ilícita”. “Afigura-se-nos que outra podia ser a solução para esta parte da pretensão do recorrente”, escreve Dias Azedo no documento, a que o HM teve acesso. Convidado a comentar esta questão, o advogado da USJ, Filipe Regêncio Figueiredo, considerou que a decisão do TUI “é justa” e que “o caso finalmente acabou”. Quanto à posição de José Dias Azedo, o causídico entende tratar-se apenas “de uma opinião de um dos senhores juízes”, não tendo feito mais comentários. Eric Sautedé, apesar de não ter vencido a causa, mostra-se satisfeito com a apresentação de uma opinião diferente por parte de um membro do colectivo de juízes. “Devido às circunstâncias em Macau, e ao estado lamentável da lei laboral, nunca esperei ganhar. Mas claro que estou satisfeito que um dos juízes tenha expressado uma opinião discordante”, disse ao HM. Direitos na Lei Básica Na declaração de voto, José Dias Azedo entende que a causa para o despedimento de Eric Sautedé foi “profundamente arbitrária e, assim, legalmente inadequada” citando o Código Civil de Macau “em relação ao instituto do ‘abuso do direito’”. É também citada a lei laboral, nomeadamente no que diz respeito às regras da boa fé para a negociação dos contratos de trabalho, “no cumprimento das obrigações e exercício de direitos” por parte de empregador e trabalhador e na necessidade de “reserva da intimidade da vida privada”. José Dias Azedo descreve na sua declaração que, na USJ, Eric Sautedé chegou mesmo a evoluir na carreira de docente, “tendo nomeadamente, progredido de ‘professor assistente’ para ‘professor coordenador’. Neste sentido, é considerada que “‘justa’ não se mostra ser a resolução do seu contrato de trabalho por ‘motivos’ que se vieram a apurar constitui uma súbita discordância e mera intolerância em relação ao simples exercício de direitos fundamentais, expressamente consagrados até mesmo na Lei Básica da RAEM, e que a todo e qualquer um assistem, na sua vida particular, sem que, pelo menos, estivesse comprovada qualquer colisão, desrespeito ou desvio ao objectivamente previsto nos estatutos que regulam a actividade institucional da recorrida (USJ)”. A mesma declaração, aponta que “é pública e notória a existência de personalidades locais profissionalmente ligadas a universidades e academias com diversas funções públicas e políticas”, o que constitui, aos olhos de Dias Azedo, uma das causas para a “ilegalidade” da causa para o despedimento.
Andreia Sofia Silva Grande Baía28 milionários de Foshan na lista dos mais ricos deste ano O ranking dos mais ricos do mundo, o Hurun Global Rich List 2022, foi recentemente divulgado e inclui 28 bilionários de Foshan, entre eles o magnata He Xiangjian, fundador do Midea Group, com uma fortuna avaliada em 225 mil milhões de yuan, e Yang Huiyan, empresária na área do imobiliário e tida como uma das mulheres mais ricas da China A China marca passos na mais recente lista dos mais ricos do mundo divulgada a 17 de Março. Segundo o portal Foshan International, há 28 bilionários naturais desta cidade na lista, incluindo nomes bem conhecidos do mundo empresarial como He Xiangjian e Yang Huiyan. Por sua vez, a cidade de Foshan surge em 21º lugar em termos de número de bilionários, com um total de 1.133, ultrapassando as cidades de Suzhou e Ningbo. O Hurun Global Rich List 2022 destaca a carreira de He Xiangjian, que, com 80 anos de idade, possui uma fortuna avaliada em 225 mil milhões de yuan, ocupando o sexto lugar dos mais ricos na China e a 35ª posição a nível mundial. O fundador do Midea Group, empresa fundada em 1968 que é hoje o maior fabricante mundial de electrodomésticos e outros aparelhos, começou com apenas 23 colaboradores da cidade de Beijao, na província de Guangdong. A empresa foi crescendo e tem hoje milhares de colaboradores em todo o mundo, estando lista na bolsa de valores de Shenzhen. O Midea Group possui um total de 200 subsidiárias, incluindo a Kuka, empresa de robótica alemã. Apesar de manter a fortuna, He Xiangjian deixou as operações da empresa em 2012, tendo passado a pasta para o seu filho, He Jianfeng, que é hoje director do Midea Group. A empresa enveredou, entretanto, pelo mercado imobiliário, sendo que He Jianfeng é também director da Midea Real Estate Holding. O portal Foshan International avança que o Midea Group gerou, nos primeiros meses de 2021, receitas no valor de 261.3 mil milhões de yuan, um acréscimo de 21 por cento em termos anuais. A empresa ocupa hoje a posição 198 no ranking Hurun Global 500, relativo ao ano de 2021, e que lista as empresas mais importantes a nível mundial. Formação em Ohio Outro nome que surge na lista é o de Yang Huiyan, que a Forbes aponta ter uma riqueza, juntamente com a família, avaliada em 20.6 mil milhões de dólares americanos. Formada na Universidade do Estado do Ohio, a jovem detém 57 por cento da Country Garden Holdings, uma empresa que opera no ramo do imobiliário. Esta posição accionista foi cedida pelo seu pai, Yeung Kwok Keung, em 2007. No entanto, e segundo a Bloomberg, essa posição aumentou para 61 por cento, segundo informação da bolsa de valores de Hong Kong datada de 26 de Novembro do ano passado. Os negócios da Country Garden Holdings são sobretudo realizados em Hong Kong. De frisar que esta empresa nasceu com base em três offshores sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas: a Concrete Win, Golden Value Investments e Genesis Capital Global. Sozinha, Yang Huiyan detém um total de 1.5 mil milhões de acções através destas três empresas. A família de Yang tem estado ligada ao negócio, como é o caso da sua irmã, que desde 2007 está no conselho da administração da empresa. Yang Huiyan preside ainda à Bright Scholar Education Holdings, uma empresa chinesa ligada ao ramo da educação que passou a estar listada na bolsa de valores de Nova Iorque em 2007. Em 2018, Yang Huiyan era considerada a mulher mais rica da China, tendo conseguido fazer dois mil milhões de dólares americanos em apenas 96 horas com vendas no ramo imobiliário, segundo o South China Morning Post.
Andreia Sofia Silva Grande BaíaShenzhen | Pandemia reforçou ligação com a cidade do Porto Cidades irmãs desde 2014, Shenzhen e o Porto mantém ligações fortes que só foram reforçadas com a pandemia, garante-nos a Câmara Municipal do Porto. O envio de ventiladores para a cidade portuense em pleno pico da covid-19 foi um sinal claro de uma cooperação que está para continuar Longe da vista, longe do coração. Este célebre ditado português não se aplica à relação de vários anos que a cidade do Porto mantém com Shenzhen desde que, em Outubro de 2014, Rui Moreira, então presidente da Câmara Municipal do Porto, ainda em funções, visitou a cidade. “A pandemia veio, curiosamente, fortalecer a ligação entre o Porto e Shenzhen”, garante-nos o gabinete de comunicação da Câmara Municipal do Porto. E para essa relação a pandemia revelou-se um factor determinante. “A 13 de Março de 2020, naquela que foi uma das primeiras declarações à população sobre a covid-19, Rui Moreira anunciava a chegada de necessários ventiladores ao Hospital de São João – o maior da região – vindos da cidade chinesa de Shenzhen. Numa outra fase da pandemia, em Abril, a Câmara Municipal de Shenzhen contribuiu em larga escala para o Hospital de Campanha Porto, instalado no Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota. A pandemia, desafio colectivo com que nos deparámos tanto no Porto como na China, uniu ainda mais – e irreversivelmente, porque o Porto, e os portuenses, têm boa memória – estas duas cidades irmãs.” No entanto, no ano pré-pandemia, em Julho de 2019, uma comitiva de Shenzhen, liderada por Chen Qianwen, presidente da Comissão Municipal de Shenzhen da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, esteve na cidade situada a norte de Portugal. “Esta delegação visitou a cidade para avaliar oportunidades de cooperação e de desenvolvimento nas áreas do comércio externo, aprofundando as relações comerciais entre as duas cidades”, garante-nos a mesma resposta do gabinete de comunicação. Em Novembro do mesmo ano, foi a vez do Porto se deslocar à cidade do sul da China. A delegação, liderada por Rui Moreira, foi recebida por Chen Rugui, seu homólogo. Nessa viagem a agenda ficou marcada por temas como a educação, turismo, transportes, comércio justo e a cultura, todos eles “relacionados com inovação e com a qualidade de vida dos cidadãos”. “Da cidade chinesa, Rui Moreira quis trazer tecnologias inovadoras e investimento: é em Shenzhen que estão sediadas algumas das mais importantes empresas tecnológicas chinesas, e os dois autarcas trocaram ideias em como complementar o trabalho conhecido internacionalmente tanto pela Universidade do Porto como pela Universidade de Shenzhen em matéria de inovação tecnológica”, é referido. Aposta nos autocarros Na mesma visita a delegação liderada por Rui Moreira não perdeu a oportunidade de visitar a sede da empresa Shenzhen Bus Group, que opera uma frota totalmente eléctrica de autocarros e táxis. “Na altura, a visita de Rui Moreira deu-se a menos de dois meses de a STCP passar em definitivo para a gestão municipal, e quando a empresa portuguesa já se encontrava também em transição para energias mais limpas.” Ainda antes da pandemia obrigar o mundo a reduzir as viagens, Shenzhen fez-se novamente representar no Porto, numa visita de apenas dois dias, cujo objectivo foi “conhecer as tecnologias inovadoras, desenvolvidas localmente, sobretudo no campo da mobilidade e transportes”. A comitiva, chefiada por Dai Beifang, presidente do comité municipal de Shenzhen para a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, visitou várias empresas da cidade e da região, nomeadamente o CEIIA – Centro de Excelência para a Inovação da Indústria Automóvel, o Porto de Leixões, a unidade de I&D – Investigação e Desenvolvimento da BIAL. O grupo conheceu ainda novas soluções tecnológicas desenvolvidas pela Academia, uma vez que também passou pela UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto.
Andreia Sofia Silva EventosCinema | João Nuno Brochado leva “Herança de Família” ao CCM “Herança de Família” é a curta-metragem do realizador e docente João Nuno Brochado integrante do cartaz da próxima edição de “Macau – O Poder da Imagem”, que decorre no Centro Cultural de Macau. Esta é a história de um idoso solitário que quer deixar a herança familiar a alguém de confiança. O argumento espelha também as ligações seculares entre Portugal e a China Um idoso, que vive sozinho, sem família ou amigos, quer deixar a sua herança familiar a alguém de confiança. Todos os dias encontra-se com potenciais candidatos, mas torna-se difícil atingir o seu objectivo. Até que um dia conhece uma família portuguesa e, mesmo sem conseguir comunicar com ela por palavras, por dominarem línguas diferentes, cria-se uma ligação. Esta é a história por detrás de “Herança de Família”, a curta-metragem que João Nuno Brochado, realizador e docente da Universidade de São José (USJ), leva aos ecrãs do Centro Cultural de Macau (CCM) no âmbito da 14.ª edição do festival “Macau – O Poder da Imagem”, organizado pelo Instituto Cultural (IC). Ao HM, João Nuno Brochado revelou os detalhes de um projecto cinematográfico que começou a ser pensado antes da pandemia. “Dou aulas na USJ, onde coordeno o programa de cinema, e costumava convidar alguns professores para darem aulas cá. Uma das docentes colaborou comigo na escrita deste argumento, e quisemos desenvolver ideias sobre algumas coisas que observamos em Macau. Uma delas é o facto de os idosos terem uma boa qualidade de vida, pois passam o dia-a-dia nos parques, fazem mais exercício e são mais activos do que os idosos em Portugal, por exemplo.” “Queríamos retratar essa imagem de Macau que não é tão comum e se afasta da imagem dos casinos. Queremos retratar essa vida pacata que Macau também tem, nos parques. Assistimos também a algo engraçado, que foi uma senhora que passeava uma tartaruga na rua, e quisemos colocar essa imagem engraçada no filme”, frisou o realizador, que defende que este é também um filme sobre a relação histórica entre Macau e Portugal e as relações pessoais que se foram criando. “O facto de sermos portugueses e estarmos aqui levou-nos a fazer uma história que retratasse esta ligação que Portugal ainda mantém com a China através de Macau. Foi a ideia de um entre culturas que continua a existir.” Explorar a temática da terceira idade acabou por ser uma decisão natural, tendo em conta que no panorama cinéfilo local esse é um assunto pouco explorado. “A terceira idade é uma temática pouco explorada no cinema de Macau. O facto de eu não ter nascido em Macau permite-me ter uma perspectiva diferente sobre a cidade e a cultura local. Penso que as pessoas que trabalham na área do cinema estão muito interessadas no facto de Macau ser um território que vive do entretenimento e do jogo.” Desta forma, “uma grande parte dos filmes que são feitos aqui giram em torno de temáticas como o jogo, o crime ou a prostituição”. “Herança de Família” contém elementos musicais e de imagem que mostram a presença das culturas portuguesa e chinesa. Com este projecto, João Nuno Brochado quis, sobretudo, trazer um filme seu cá para fora. “Esta não foi só uma oportunidade de fazer o filme, mas sim de cruzar este projecto com a produção que se faz localmente. É importante que possa passar esta experiência aos meus alunos. Os meus objectivos já foram cumpridos, que era fazer o filme e transmitir esta experiência. Espero poder enviar este filme para outros festivais.” Poucos mas bons Com a pandemia e as restrições nas fronteiras, João Nuno Brochado destaca a diminuição de visitas de realizadores e docentes de cinema vindos do exterior e menos oportunidades de trabalhar com personalidades da indústria do cinema de Hong Kong. Ainda assim, em Macau têm-se feito poucos filmes, mas bons, assume. “Não se pode dizer que em Macau exista uma indústria de cinema, porque é uma cidade muito pequena, ao contrário de Hong Kong. Mas acho que se fazem coisas com muita qualidade, apesar de poucas. Não há muita projecção lá fora porque não há apoios, vivendo as produções de subsídios do Governo ou de entidades privadas. Os financiamentos são, por norma, para a produção e não para a divulgação.” O docente da USJ acrescenta que estas limitações fazem com que o cinema produzido em Macau “não saia muito de Hong Kong ou da região da Grande Baía”. “Acho que tem havido um crescimento lento. Há mais jovens interessados no cinema e esta iniciativa do IC é muito importante. Têm-se criado equipas fortes na produção de cinema. O facto de os filmes não serem feitos em mandarim faz com que seja difícil a entrada no mercado chinês”, rematou. O festival “Macau – O Poder da Imagem” decorre entre os dias 5 e 8 de Maio, apresentando um conjunto de curtas-metragens produzidas localmente.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteJoaquim Magalhães de Castro: “A epopeia portuguesa terrestre tem sido muito esquecida” Anos depois de ter relatado, em documentário, as viagens terrestres dos jesuítas pelos Himalaias, Joaquim Magalhães de Castro apresenta agora o “Reino do Dragão”. O filme estreou esta semana e conta a epopeia dos padres Estevão Cancela e João Cabral que os levou até ao Butão. Pode ser revisto na plataforma RTP Play Como teve contacto com os relatos desta viagem de Estevão Cancela e João Cabral? Este trabalho é o episódio que faltava contar da saga dos jesuítas. Há cerca de 12 anos fiz o documentário sobre a viagem dos jesuítas portugueses pelos Himalaias, em quatro episódios. Era um projecto que tinha há muitos anos. Conheci a história do padre Andrade, que é o primeiro ocidental, jesuíta, a chegar ao Tibete, em 1624, e essa história fascinou-me de tal modo que, conhecendo bem a região, quis fazer um documentário. Apresentei o projecto há mais de 20 anos à RTP, mostraram interesse mas nunca mais me contactaram, e ficou parado. Finalmente, em 2010, consegui levá-lo de novo à RTP e, através de uma produtora, consegui fazer o documentário. Andámos mais de um mês a percorrer a zona dos Himalaias, do Nepal, porque eu pretendia fazer a rota que estes padres fizeram. Foram realizadas várias, portanto. Sim. O padre Andrade abriu uma rota, da Índia, onde os jesuítas estavam sediados, e a partir daí, como julgavam que para lá dos Himalaias havia cristãos… Mas não havia certezas? Sabia-se por mercadores muçulmanos e alguns portugueses que lá tinham estado. Havia o mito. Os portugueses estavam na Índia, em Goa por exemplo, e foram ouvindo histórias de mercadores que vinham daquelas paragens, de pessoas que tinham templos e que adoravam imagens. Os portugueses cristãos procuravam aliados na fé e isso levou-os a pensar que naquela zona poderia haver cristandades perdidas. Era um mito muito antigo, de que havia o reino do Cataio, e partiram, disfarçados de mercadores. O padre Andrade? Sim. Atravessaram os Himalaias, zona completamente desconhecida para os ocidentais, e chegaram ao Tibete. Ele fundou uma missão católica e vieram mais padres. Ao longo dos anos abriram-se diversas igrejas, uma delas em Saparang, que foi o primeiro local onde o padre Andrade se estabeleceu e houve algumas conversões, mas claro que correu mal. Não há nenhum sinal visível de uma evangelização até aos dias de hoje. Com este documentário, fui seguindo o caminho desses jesuítas até ao Tibete, que abriram quatro rotas. Foi aberta, uns anos mais tarde, uma outra rota, em 1627. Nesse período houve muitas movimentações de jesuítas por zonas completamente desconhecidas junto do mundo ocidental, e iam escrevendo sobre elas. São documentos valiosíssimos, as cartas que enviavam. Algumas foram publicadas, outras não. Estas cartas foram compiladas pelo historiador francês Hugues Didier. Tenho esse livro em casa e é uma espécie de bíblia para mim. Essa foi a base para este documentário. Foi. [Dos quatro episódios que fiz há dez anos] estava por contar a rota mais a leste, que foi a de João Cabral e Estevão Cancela. Estavam numa missão em Cochim e foram para a zona de Bengala, até ao Butão. Onde começa o documentário, precisamente. Sim. Mas queria dizer que, na altura, esse projecto ficou-me atravessado. Anos mais tarde, encontrei em Macau um amigo, o Gonçalo Bello, empresário. Ele tinha visto os documentários e gostava do meu trabalho. Mencionei a história destes dois padres e ele ofereceu-se para me acompanhar ao Butão. Conhecemos um amigo cineasta e outro, empresário, que financiou parte do projecto. A zona de Bengala, na altura, tinha muitos comerciantes portugueses que ali negociavam um bocado por conta própria, fora do poder oficial de Goa. Havia todo o tipo de gente e já havia conventos, os padres tinham-se estabelecido lá. Estevão Cancela e João Cabral fizeram aquela rota e eu procurei ser o mais fiel possível a ela. Guiei-me pelos escritos de Estevão Cancela. O João Cabral escreveu uma carta mais tarde, mas o miolo veio dali. Quis encontrar os locais que ele escreve e identificá-los. Tem a zona de Bangladesh, Bengala e atravessamos para o norte da Índia, até ao Butão. Estes dois padres chegaram ao Butão numa altura em que o território se estava a formar como país independente, criando o chamado “Reino do Dragão Trovejante”. Daí o título do documentário. Exacto. As pessoas pensam que tem a ver com a China, mas não. No Butão viajou com um guia, que mostrou novos elementos da rota dos padres jesuítas. Eles conhecem a história desta influência portuguesa. No Tibete ocidental, onde os portugueses tiveram uma missão durante mais de 20 anos e fundaram uma igreja, não restaram vestígios. Mas no Butão as pessoas conhecem a história e as crianças até aprendem na escola que os primeiros ocidentais a chegar aquela zona foram dois padres portugueses. Foram feitas umas moedas comemorativas sobre a sua chegada, há uns anos. Ficámos apenas cinco dias, o que é muito pouco tempo para capturar todas as imagens que queríamos. Mas havia matéria para dois episódios. O guia, ao saber que éramos portugueses, fez o seu trabalho de casa e deu-me muita informação. Os padres terão levado sete canhões para negociar, porque os jesuítas eram homens muito pragmáticos e não revelavam isto nos seus escritos, mas muitos foram negociantes para financiar as suas viagens. Ofereciam presentes também. Esses dados foram-me dados pelo lado butanês. O Estevão Cancela acabaria por falecer no Tibete, e aí está sepultado, e João Cabral acabaria por fazer nova viagem, tendo sido o primeiro ocidental a chegar ao Nepal. Voltaria à Índia e faria muitas viagens. Teve uma vida longa. E até esteve em Macau, tendo sido reitor do Colégio de São Paulo. A certa altura, no documentário, depara-se com um templo quando procurava um palácio. Houve sítios e monumentos que mudaram ao longo dos anos ou que não foram preservados? Sim. Nesse caso, encontrei um templo hindu, mas mais antigo. Esse palácio, por exemplo, seria feito de materiais perecíveis, como madeira, e deve ter desaparecido tudo. Este documentário revela outra faceta menos conhecida em relação à missão dos jesuítas? Isto é matéria para uma vida inteira. Se fosse milionário não faria outra coisa. Tenho uma lista imensa de trabalhos que gostaria de fazer com histórias de jesuítas. Esse método de seguir as suas pisadas é fascinante, porque cativa a pessoa e é também pedagógico, baseando-se em textos que foram deixados escritos. Essa epopeia terrestre tem sido muito esquecida, e quando se fala da expansão portuguesa fala-se sempre das viagens marítimas e das zonas que os portugueses se estabeleceram através das feitorias. Há a ideia que foi um império construído junto à costa, mas esquecemo-nos que fizemos viagens pelos continentes adentro.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteRuby Yang, cineasta de Hong Kong: “Histórias sobre a vida humana são as que mais me atraem” Mestre do documentário, Ruby Yang tornou-se, em 2006, na primeira mulher chinesa a conquistar um Óscar com “The Blood of YingZhou District”, um documentário que expõe a crua realidade de crianças e famílias infectadas com o HIV, numa altura em que o assunto era ainda mais tabu na China. A propósito de um ciclo de cinema sobre a sua obra, que decorre na Cinemateca Paixão, o HM conversou com a realizadora A Cinemateca Paixão inaugurou ontem um ciclo de cinema dedicado ao seu trabalho. É importante mostrar os seus documentários em Macau? Estes são os mais representativos da sua carreira? Penso que sim. Serão mostrados seis documentários meus e penso que as pessoas poderão ver parte do meu universo. Qual é o documentário mais importante para si? Talvez o que lhe deu o Óscar, “The Blood of YingZhou District”? Cada documentário tem a sua importância, mas as pessoas reconhecem mais “The Blood of YingZhou District” como o mais importante, porque ganhou esse prémio. É importante também porque ajudou os chineses a prestarem atenção à questão do HIV. Quando realizou esse projecto, quais foram os maiores desafios que enfrentou no trabalho de campo, efectuado na província de Anhui? Foi muito difícil fazer este documentário na altura, porque estávamos em 2004 e a China não estava ainda preparada para discutir o HIV. Era muito difícil chegar às pessoas que quisessem falar sobre esta doença e o impacto dela. Foi muito desafiante encontrar crianças ou famílias que quisessem falar connosco e ser filmadas. Quando venceu o Óscar, o que sentiu? Esperava esta distinção tão importante? O Óscar abriu-me muitas portas. É uma curta-metragem, se fosse um filme maior as pessoas prestariam ainda mais atenção, mas foi o primeiro filme com um tema sobre a China que recebeu um Óscar, por isso foi muito importante para o público chinês, muito mais do que para o público ocidental. Foi a primeira vez que um tema como este, o HIV na China, foi abordado e levou à conquista de um Óscar. E penso que, além do prémio, o mais importante foi o impacto que o documentário teve. Muitas pessoas começaram a prestar atenção às crianças e pessoas que sofriam com o HIV. Hoje em dia é mais fácil discutir o HIV na China? Há uma maior abertura [para falar disso], porque a esposa de Xi Jinping [Peng Liyuan], antes de este ser Presidente, foi nomeada pelo Ministério da Saúde como embaixadora ou porta-voz para a questão da Sida. Devido a isso, as pessoas que viviam com o HIV passaram a ser encaradas com uma maior normalidade. O impacto foi semelhante ao que se sentiu quando a Princesa Diana apertou a mão a um jovem com HIV [nos EUA]. Passou a ser um tema mais aceitável. Ser a primeira mulher chinesa a receber um Óscar foi também importante para chamar a atenção para o trabalho das cineastas? Contribuiu para que as mulheres que fazem cinema tenham mais voz? Sim, penso que serviu como uma validação para as mulheres realizadoras. Muitos jovens perceberam que também podiam pisar um palco com o seu trabalho, podiam ser nomeados para um Óscar. O seu trabalho também se foca muito em algumas realidades de Hong Kong, que mudou muito nos últimos anos. Que novas realidades gostaria de explorar nos seus documentários? Há mais restrições sobre os temas que podemos discutir em Hong Kong, mas penso que as pessoas ainda conseguem fazer filmes interessantes sobre as vidas individuais ou a vida em comunidade. Pode reflectir-se sobre a identidade cultural. Os filmes nem sempre têm de ser sobre política. Sou professora, ensino produção de documentários, e temos estudantes que, devido à covid-19, não conseguiram sair para entrevistar pessoas, então foi-lhes pedido para fazerem projectos sobre eles próprios. Como se sentem como chineses em Hong Kong, qual o caminho de vida que querem seguir. Na sociedade asiática não se fala muito disso, não se explora o interior e não se mostra ao mundo. Gosto que os jovens explorem mais essas questões. Porque decidiu abraçar o género documentário? Estudei em São Francisco, EUA, no final dos 70, e foi quando percebi que havia um enorme estigma e racismo contra os sino-americanos. Não era o caso das pessoas em Hong Kong, onde todos são chineses. Mas num país estrangeiro ou numa comunidade diferente, o chinês fica de fora, e houve muitas questões identitárias que me surgiram. Não estava a estudar cinema e depois aconteceu trabalhar com muitos grupos que falavam dessa questão e que procuravam construir uma voz totalmente diferente para as pessoas asiáticas que viviam na América. Nos anos 80 havia muitos estereótipos em Hollywood. Não se viam verdadeiros rostos asiáticos na televisão, no cinema. Isso mudou 20 anos depois, mas naquela altura era o que acontecia. Foi assim que fiquei interessada no género documentário e depois fiquei interessada em explorar a vida destas pessoas. Comecei a fazer os meus próprios filmes e segui este caminho para a minha carreira. Tem sido muito interessante ver tantos mundos diferentes, vivências que nunca tinha revelado, e gosto de facto do género documentário. Quando fez “A Moment in Time”, um documentário sobre a comunidade chinesa em São Francisco, recorreu a algumas experiências pessoais? Foi vítima de racismo ou de discriminação? Felizmente cheguei no final dos anos 70 e as coisas começaram a mudar. Comecei a ver menos racismo no mundo artístico. Mas tive consciência, com as gerações mais velhas, do racismo que eles tiveram de enfrentar. Entrevistei muitas pessoas que se mudaram para São Francisco nos anos 30 e 40 e que me contaram as vidas que tiveram na Chinatown. Felizmente não vivi nenhum episódio de racismo. Prefere esse mundo real em relação à ficção, por exemplo? Vê-se a fazer um filme ficcional? Gostaria de fazer isso, possivelmente. A ficção é baseada na vida das pessoas, constrói-se ali algo e depois condensa-se a história. Mas a vida real é muito mais interessante do que a vida ficcionada. Quais são os principais temas que gosta de explorar no cinema? As histórias sobre a vida humana são as que mais me atraem mais. Não consigo explicar propriamente o que me atrai, mas quando me deparo com algo interessante simplesmente digo “uau, esta é uma grande história, será que é possível transformá-la num documentário?” Nem todas as grandes histórias podem ser transformadas em documentários, porque é um storytelling visual. Se imaginarmos a história em imagens e de como pode ser transformada num filme, isso implica sempre que escolhemos uma parte, e não toda a história. Gostaria de fazer um documentário sobre Macau? Sente-se atraída pelo modo de vida, pelo cenário? Teria de viver lá durante um tempo para sentir o pulsar da cidade e das suas histórias. Não poderia simplesmente chegar e fazer um documentário. Mas gostaria de o fazer. Tenho um estudante de Macau, que é muito bom e talentoso, e tenho a certeza de que há lá muitas histórias à espera de serem exploradas. Além de ensinar, que novos projectos está a desenvolver? Estou a terminar o meu livro anual sobre o cinema de Hong Kong nos anos 50 e 60. Eu e o meu marido coleccionamos elementos publicitários dos filmes e é muito interessante. Nesse período o cinema feito em cantonês era muito rico. Como descreveria o mercado cinematográfico actualmente em Hong Kong? Há mais desafios? Com os problemas surgem as oportunidades. E sem dúvidas que podemos explorar novas formas de storytelling. Podemos olhar para o Irão, onde ainda se fazem muitos filmes mesmo que haja censura. Assim sendo, as pessoas podem desenvolver técnicas muito interessantes de storytelling. Temos de nos reinventar a nós próprios como realizadores.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaHong Kong | YouTube elimina canal de campanha de John Lee O canal de campanha que John Lee, candidato ao cargo de Chefe do Executivo de Hong Kong, tinha no YouTube foi eliminado pela empresa, numa decisão já classificada pela equipa como sendo “lamentável e irrazoável”. Entretanto, John Lee já escolheu os conselheiros de campanha, onde se encontra o magnata Li Ka-shing John Lee, único candidato ao cargo de Chefe do Executivo de Hong Kong nas eleições de 8 de Maio, prossegue com a sua campanha eleitoral, que sofreu ontem um pequeno revés. Isto porque o YouTube, plataforma do universo Google, decidiu eliminar o canal que o candidato possuía nesta rede social, devido às sanções impostas pelos Estados Unidos contra John Lee. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, Tam Yiu-chung, director de campanha, disse ontem que esta é uma decisão “lamentável e irrazoável”. “Consideramos [esta decisão] completamente lamentável e irrazoável, mas entendemos que não podem impedir-nos de divulgar as mensagens do nosso candidato – a nossa mensagem de campanha – junto do público”, apontou. Este responsável frisou mesmo que existem “muitas alternativas” para a continuação da campanha eleitoral de John Lee. Tam Yiu-chung adiantou também que a equipa não foi informada previamente desta decisão. John Lee, que foi secretário para a Segurança do Executivo de Carrie Lam, faz parte da lista de personalidades de Hong Kong e da China sancionadas pelos Estados Unidos em 2020, com base em alegações de que terão contribuído para a redução da autonomia de Hong Kong. Pequim e o Governo local rejeitaram estas acusações. Conselheiros amigos Entretanto, o único candidato às eleições de 8 de Maio já tem a sua equipa de 90 conselheiros escolhida. Segundo o portal Hong Kong Free Press, a lista inclui nomes como o magnata Li Ka-shing, um dos homens mais ricos de Hong Kong, e o antigo candidato ao cargo de Chefe do Executivo, Henry Tang. A campanha de John Lee terá dois grupos base, nomeadamente um grupo de porta-voz e um grupo de consultores, sendo que este será responsável por contribuir com opiniões para a elaboração do manifesto político do candidato. “Estas 140 figuras honorárias que convidamos contribuíram muito ou têm muita experiência em diversos sectores da sociedade. São pessoas bastante experientes e respeitáveis”, disse o director da campanha. Neste grupo não faltam ainda nomes como o de Margaret Chan, antiga directora-geral da Organização Mundial de Saúde, ou Jasper Tsang, antigo presidente do Conselho Legislativo. A título de exemplo, a equipa consultiva de Carrie Lam tinha apenas 39 membros.
Andreia Sofia Silva EventosAlbergue SCM acolhe exposição de Lampo Leong Um total de 20 trabalhos do artista Lampo Leong podem ser vistos a partir de amanhã, e até ao dia 1 de Junho, na galeria A2 do Albergue SCM. A exposição “Lampo Leong: Inktaverse” revela trabalhos que misturam tinta da china contemporânea e arte digital. Lampo Leong é também docente na Universidade de Macau (UM) e, nesta mostra, revela os traços especiais de tinta da china combinados com texturas, que revelam também “uma profunda espiritualidade”, aponta um comunicado. Trabalhando com o lado digital, o trabalho de Lampo Leong mostra “o poder expressivo da tinta da china ao adoptar um extensivo vocabulário da tradição clássica da pintura com tinta do Oriente”, combinado com “o impacto visual causado pelas estruturas geométricas ocidentais”. Revelam-se, portanto, movimentos como o abstracto, o pós-modernismo e “nuances da era digital” criando-se “uma atmosfera etérea”. Carlos Marreiros, arquitecto e presidente do Albergue SCM, descreve que “a dedicação [de Lampo Leong] às artes reflecte-se não apenas na sua expressão cativante mas também na sua contínua exploração de diferentes abordagens, motivadas pela sua percepção do movimento humano, energia, filosofia e implicações cósmicas”. Há, portanto, “na atitude de Lampo a erudição e no gesto a energia universal que constrói valências distintas em cada pintura”. Marreiros acrescenta também que, “na vontade, há uma inequívoca procura para desvendar a cosmicidade e o universo, perenemente pulsante”. Um universo singular Nas palavras da curadora desta mostra, Tiffay Beres, o mais recente trabalho de Lampo Leong elimina a cor, a fim de buscar “algo mais ouro e refinado – um regresso à energia universal que compõe a nossa galáxia e engendra o impulso artístico”. “À sua maneira, esta série [de obras] são também histórias originais: elas são inspiradas pela exploração do potencial da criação e do fascínio que, com a energia, unifica tudo no nosso universo”, adiantou a historiadora de arte asiática. Formado na Academia de Belas Artes de Guangzhou, Lampo Leong possui uma especialização em Pintura a tinta da china, tendo feito também estudos na Escola de Artes da Califórnia (California College of the Arts). Em 2009 fez um doutoramento em Estudos Comparativos de Pintura e Caligrafia na Academia Central de Belas Artes de Pequim. Ao longo da sua carreira, Lampo Leong já fez mais de 70 exposições individuais, tendo participado, como curador e artista, em mais de 390 mostras em países e regiões como Hong Kong, Alemanha ou EUA. O trabalho de Lampo Leong também foi distinguido com mais de 90 prémios, um deles a Medalha de Ouro na competição internacional de arte de Nova Iorque “Creative Quarterly”, sendo que as obras de Lampo Leong já estiveram presentes em leilões da Christie’s.
Andreia Sofia Silva EventosArte | “In Between” é a instalação que Celeste C. Da Luz leva às vivendas de Mong-Há Celeste C. Da Luz, formada em artes no Reino Unido, faz parte da nova geração de artistas de Macau, tendo começado a expor em 2018. O seu mais recente trabalho, “In Between”, uma instalação, poderá ser vista na exposição “Forget the Frame”, em Mong-Há, a partir do dia 23 deste mês No trabalho de Celeste C. Da Luz, na maioria pinturas, a cor anda de mãos dadas com as ideias sobre aquilo que somos e do mundo à nossa volta. Formada em Comunicação e Media pela Universidade de Macau, Celeste C. Da Luz resolveu apostar na formação como artista no Reino Unido. Tendo começado a expor o seu trabalho em 2018, ela faz parte da nova geração de artistas de Macau. O seu mais recente projecto, “In Between”, uma instalação de grandes dimensões, que ocupará todo o segundo andar de uma das vivendas de Mong-Há, pode ser visto no âmbito da exposição “Forget the Frame”, promovida pela Associação para o Desenvolvimento das Novas Mulheres de Macau, e que abre portas dia 23. “Para mim, o objectivo de criar obras de arte é expressar as minhas próprias emoções e sentimentos”, começa por revelar, em entrevista. “In Between” é, até à data, um dos maiores trabalhos que criou. “Normalmente, quando faço uma pintura, trabalho com o formato normal, com uma tela e moldura, mas desta vez tentei sair deste formato e formar grandes peças de um campo e estendê-las até ao tecto.” Esta ideia está, aliás, ligada à temática da própria exposição, que visa quebrar preconceitos e estereótipos de género, levando as mulheres a definirem o papel que querem para si próprias, ao invés de cumprirem papéis definidos pela sociedade e pelos outros. “A ideia por detrás deste trabalho é como uma transição entre capítulos da minha vida. O tema desta exposição é o esquecimento dos padrões e a tentativa de criar algo novo. Desta vez tentei criar uma peça que se refere a estas ideias, e é como uma descoberta, como algo que nunca tenha feito antes. A quantidade de materiais que tive de usar para esta peça e o espaço que ocupo em estúdio foram muito diferentes e superiores em relação aos trabalhos anteriores”, frisou Celeste C. Da Luz. Um olhar breve sobre a sua obra permite perceber que a artista se move bem no campo abstracto. Mas Celeste C. Da Luz não quer restringir-se unicamente a esse universo. “Não me restrinjo ou me defino apenas como uma artista ligada ao universo abstracto, mas é um estilo do qual gosto bastante. Antes trabalhava mais com objectos reflectivos, como o espelho, porque gostava de saber mais sobre a história dos materiais e de como afectam a vida das pessoas e mudam o seu pensamento. Então trabalhava com esses objectos e criava diferentes formatos em espaços e convidava as pessoas a interagir com o meu trabalho. Interesso-me, portanto, por diferentes temas artísticos.” Acima de tudo, Celeste C. Da Luz acredita que cada pessoa que olhe para as suas obras ou cada crítico de arte vai apresentar diferentes opiniões e perspectivas. “Não me importo da forma como as pessoas me identificam ou categorizam o meu trabalho”, frisou. Fotografia como hobbie Celeste C. Da Luz cria porque pretende expressar algo. “O objectivo de criar obras de arte é expressar as minhas próprias emoções e sentimentos. Também adoro trabalhar com diferentes cores, e interesso-me muito pela forma como a cor afecta as emoções das pessoas, e sobre o que representa. A arte é como uma expressão de mim mesma, mas há muitas interacções com o público.” Quando pinta quadros, Celeste C. Da Luz expressa-se a si mesma, mas quando cria instalações estabelece uma maior interacção com o público, adiantou. Fotografar é algo muito presente no seu dia-a-dia, constituindo uma influência para o seu trabalho como artista. “Tenho o hábito de tirar fotografias todos os dias. Gosto de observar as coisas à minha volta, é uma grande inspiração para o meu trabalho, apesar de não pintar essas imagens ou objectos reais. A observação é muito importante para mim.” Questionada sobre o percurso que pretende fazer como artista, Celeste C. Da Luz assume que, em Macau, é difícil viver apenas da arte. “Neste momento tento aceitar que em Macau ser artista é apenas uma das minhas entidades. Gosto muito de ser artista, mas penso que não posso ser apenas isso e viver disso. Como mulher, temos várias identidades e diferentes papéis que temos que desempenhar. E para mim ser artista é um dos papéis e identidades que assumo, mas se me perguntar como quero construir a minha carreira em Macau, diria que vou continuar a criar as minhas peças e a participar em exposições, mas para mim, neste momento, é ainda difícil ser verdadeiramente uma artista. Então é apenas uma das coisas que posso fazer e das quais gosto imenso”, rematou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCovid-19 | Estudo defende orientações mais claras da OMS sobre restrições Fernando Dias Simões, docente da Universidade Chinesa de Hong Kong, defende que a Organização Mundial de Saúde deveria fornecer orientações mais claras e precisas face às restrições de viagem adoptadas pelos países em tempos de pandemia. O autor adianta que, como as recomendações emitidas pela OMS não são vinculativas, os membros nem sempre implementaram medidas com base em critérios científicos Em Abril de 2020, em plena pandemia, 90 por cento da população mundial vivia em países que haviam aplicado restrições de viagem. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 194 países adoptaram estas restrições, enquanto que 143 fecharam as suas fronteiras. Até que ponto estas medidas, impeditivas de uma total liberdade de movimentos, violaram normas do Direito Internacional, nomeadamente o Regulamento Sanitário Internacional e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, na vertente de direitos humanos? Fernando Dias Simões, professor de Direito da Universidade Chinesa de Hong Kong, e ex-docente da Universidade de Macau, dá estas respostas num estudo, recentemente publicado no Yale Journal of Health Policy, Law and Ethics, intitulado “Covid-19 and International Freedom of Movement: A Stranded Human Right?” [Covid-19 e o Movimento Internacional de Liberdade: um Direito Humano Bloqueado?] Uma das conclusões deste estudo prende-se com a necessidade de um maior consenso, bem como de orientações mais claras da OMS face às restrições de viagem adoptadas pelos países membros. Em relação ao Regulamento Sanitário Internacional, Fernando Dias Simões defende uma revisão em prol de uma maior clareza e com base num consenso científico mais alargado. “É necessário criar indicadores que sinalizem como e quando os Estados membros devem aplicar medidas de saúde adicionais que possam interferir com a mobilidade internacional. Este não é um objectivo fácil e necessita de um consenso, tanto de médicos como de especialistas jurídicos, sobre o critério que deve ser determinado para garantir um equilíbrio razoável entre a saúde pública e a mobilidade internacional”, pode ler-se no documento. A OMS faz recomendações, não vinculativas, sobre as medidas a adoptar em tempos de pandemia, apelando a que as restrições do tráfego internacional de bens e pessoas sejam razoáveis, a fim de atingir “o nível desejado de protecção da saúde pública”. No entanto, os países membros da OMS podem ir mais além, necessitando de reportar estas medidas “com uma justificação científica para a sua adopção”, devendo “ser revistas a cada três meses”. No entanto, não há sanções caso não o façam. “A norma que impõe estas obrigações aos membros é o que se chama uma ‘norma incompleta’, pois não prevê qualquer sanção em caso de incumprimento dos deveres de reportar, de justificar, ou caso a justificação seja considerada insuficiente”, explicou Fernando Dias Simões ao HM. Em termos históricos, recorda, a OMS “tem preferido emitir recomendações em vez de impôr obrigações de forma vinculativa, com a cominação de sanções”. Desta forma, tem ocorrido “um incumprimento generalizado” dessa matéria. “A OMS, normalmente, abstém-se de questionar os membros sobre as medidas que implementam por estar ciente de que esta é uma área muito sensível em que os estados preferem exercer a sua soberania sobre o controlo de fronteiras”, frisou. Equilibrio precisa-se Além disso, o autor considera que “é vital aumentar o peso das regras em matéria de direitos humanos e os princípios do equilíbrio entre a saúde pública e a liberdade de movimentos”. Desta forma, “deve ser feita uma aproximação holística e coerente em prol de uma mobilidade internacional, o que requer um elevado nível de precisão sobre as medidas de saúde que estão de acordo com os padrões de direitos humanos”. Para Fernando Dias Simões, a pandemia “é uma recordação viva de como os Governos necessitam de adaptar-se ao Regulamento Sanitário Internacional e às regras e princípios dos direitos humanos quando concebem e implementam medidas relacionadas com emergências de saúde pública”. “É crucial o reforço da ligação entre estes dois domínios”, acrescentou, lembrando que “só o tempo dirá sobre o impacto económico e social [destas medidas] e quanto sofrimento poderia ter sido evitado, ou pelo menos mitigado, se os países não tivessem corrido para fechar as suas fronteiras”. Fernando Dias Simões recorda que, “apesar de ser um instrumento legal internacional, o Regulamento Sanitário Internacional parece ser um documento legal suave, com o cumprimento [das regras] a basear-se na persuasão”. Desta forma, este regulamento, na prática, “não tem sido assertivo o suficiente”. “Vários autores sugeriram uma atitude mais pró-activa e enfática no requerimento junto dos países membros de uma justificação para as suas medidas. Enquanto que a OMS tem o poder de ‘nomear e envergonhar’ os Estados que violam as medidas, esta ferramenta não foi utilizada. Na prática, os regulamentos são muito contidos no que diz respeito à regulação de quando e como os países podem adoptar medidas de saúde adicionais. O foco parece ser em convidar os Estados para uma cooperação multilateral, sem pôr em causa a sua soberania”, refere o estudo. O autor aponta também, ao HM, que “a OMS, em momento algum, interveio ou fez comentários em relação a membros específicos ou a certos tipos de medidas”, uma vez que “cada membro enfrenta as suas próprias circunstâncias e adopta as suas medidas de acordo com o nível de protecção da saúde pública que pretende atingir e o julgamento científico que faz da situação”. Pouca ciência O estudo assinado pelo académico dá ainda conta do facto de alguns países parecem ter tomado medidas restritivas da liberdade de movimento sem se basearem em critérios científicos. “O processo de tomada de decisões não deveria basear-se em padrões vagos e afirmações retóricas. De outra forma, é dado demasiado arbítrio aos países na elaboração das suas próprias políticas, muitas vezes baseadas em considerações que não são científicas.” Fernando Dias Simões destaca que, apesar de viajar contribuir para uma maior circulação de doenças infecciosas, a verdade é que “estudos científicos demonstraram que as restrições de viagem não têm sido efectivas, de forma significativa, na prevenção do contágio de doenças infecciosas, e na maior parte dos casos só atrasaram a chegada do vírus em alguns dias”. Neste sentido, “tais medidas falham consideravelmente na redução das transmissões se não forem combinadas com medidas preventivas de infecção e de controlo [de outra ordem]”. No período mais negro da pandemia, e tendo em conta que se sabia ainda muito pouco sobre a covid-19, “os Governos tiveram que tomar decisões urgentes com base em informação incompleta provisória, sem provas científicas maturadas”. Houve ainda alguns casos de adopção de uma “resposta nacionalista, ao não permitir a entrada de não nacionais”, sendo que houve “restrições de viagem com base na nacionalidade ou estatuto de residência”, o que discriminou e estigmatizou “certos indivíduos ou grupos” de pessoas. O estudo faz ainda o alerta para o impacto destas restrições de viagem, que podem trazer “efeitos económicos desastrosos, particularmente nos países em desenvolvimento”. No que diz respeito aos trabalhadores migrantes, “as restrições de viagem foram particularmente cruéis”, uma vez que “muitos foram despedidos dos empregos, não conseguindo sustentar-se e regressar ‘a casa’. Vários países organizaram voos de repatriamento”. Fernando Dias Simões destaca que, na óptica dos direitos humanos, “todas as pessoas têm o direito de sair livremente de qualquer país”, sendo que “ninguém pode ser arbitrariamente privado do direito de entrar no seu próprio país”. Macau não violou leis internacionais Macau, Hong Kong ou China “não violaram o direito de entrada ou o direito de saída”, até porque “não há nenhum direito humano a entrar num país estrangeiro”, aponta o docente de Direito. Sobre o envio de informações sobre as medidas adoptadas à OMS, Fernando Dias Simões diz que não há dados públicos sobre essa matéria. “Não sei se as autoridades de Pequim ou Macau reportaram estas medidas à OMS, ou que justificação científica apresentaram, e por isso não posso comentar. A verdade é que praticamente todos os membros da OMS aplicaram este tipo de medida em algum momento no seu combate contra a covid-19.” O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos vigora em Macau e em Hong Kong, sendo que a China assinou o documento em 1998, mas não o ratificou. Todos os membros da OMS, um total de 194, respondem perante o Regulamento Sanitário Internacional.