Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteRelatório | Em dois anos, o número de multimilionários cresceu quase 30% Termina hoje o Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça. O mediático evento ficou marcado pela publicação de um relatório da Oxfam International, que dá conta do aumento substancial do número de multimilionários desde o início da pandemia. Em 24 meses, as maiores fortunas do mundo cresceram tanto como nos últimos 23 anos, com destaque para os enormes lucros da indústria farmacêutica Desde o início da pandemia, em 2020, que os mais ricos do mundo não se reuniam presencialmente em Davos, na Suíça, onde habitualmente acontece o Fórum Económico Mundial. O evento que chega hoje ao fim ficou marcado pela divulgação, na terça-feira, de um relatório da Oxfam International, que dá conta da crescente desigualdade económica e do fosso que se escavou entre ricos e pobres. A covid-19 transformou-se numa oportunidade de negócio para quem tem mais posses, gerando 62 novos multimilionários no sector alimentar, por exemplo. Intitulado “Lucrando com a dor”, o relatório elaborado pela organização não-governamental (ONG) conclui que as maiores fortunas do mundo cresceram tanto em 24 meses de pandemia como nos últimos 23 anos, sendo que cinco empresas petrolíferas lucraram 2.600 dólares por segundo desde Março de 2020. Em contraste, mais 263 milhões de pessoas correm o risco de descer abaixo do limiar da pobreza este ano, tendo em conta o enorme aumento dos preços. Tal equivale a um milhão de novos pobres a cada 33 horas, num cenário que não é mais do que “um reverso de décadas de progresso”. Para produzir o relatório, a Oxfam baseou-se na lista anual dos mais ricos da Forbes, publicada a 18 de Março de 2020, que contemplava a existência de 2.095 multimilionários, número que subiu para 2.668 a 11 de Março deste ano, ou seja, um aumento de 27,35 por cento de fortunas. A Oxfam também analisou e comparou dados do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Crédit Suisse e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). A palavra de ordem da Oxfam é, por isso, o aumento da carga fiscal dos mais ricos, para canalizar capital para medidas económicas que reduzam a desigualdade. “A riqueza dos bilionários expandiu-se durante a pandemia da covid-19, uma vez que as empresas do sector alimentar, farmacêutico, energia e tecnologia aumentaram os lucros. Entretanto, milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam uma crise com o aumento do custo de vida e os efeitos contínuos da pandemia; o custo de bens essenciais, incluindo alimentação e energia, sofreram aumentos consideráveis.” A Oxfam diz mesmo que a desigualdade, “que já era extrema antes da covid-19, atingiu novos níveis”. Desta forma, “há uma necessidade urgente de os Governos implementarem políticas progressivas de cobrança de impostos que podem ser usadas para reduzir desigualdades”. “Em todo o mundo, de Nova Iorque a Nova Deli, as pessoas comuns estão a sofrer. Os preços estão a aumentar – da farinha, do óleo para cozinhar, do combustível, da electricidade. As pessoas em todo o mundo estão a ser forçadas a cortar nos gastos e a enfrentar o frio nas suas casas. São forçadas a abdicar de cuidados médicos para terem comida na mesa. Os pais são forçados a escolher que filho pode estudar”, lê-se no relatório. A divulgação do documento enquanto decorre o Fórum Económico Mundial, em Davos, não é por acaso. A linguagem usada pela ONG é, acima de tudo, de ironia perante as crescentes desigualdades. “Os bilionários vão reunir-se em Davos, presencialmente pela primeira vez em dois anos, e têm muito para celebrar. Durante a pandemia da covid-19, a acumulação de riqueza atingiu níveis sem precedentes. A pandemia – que trouxe tristeza e perturbação à maior parte da humanidade – tem sido um dos melhores períodos da história para a classe dos bilionários.” O aumento do custo de vida tornou-se, segundo a Oxfam, uma das grandes consequências da pandemia. “Temos visto governos e a comunidade global a falhar na prevenção do maior aumento da pobreza dos últimos 20 anos. Esta falha pode ser descrita como catastrófica: mais de 20 milhões de pessoas morreram devido à pandemia e, em todo o mundo, cada dimensão da desigualdade tem crescido de forma excepcional.” Sectores mais lucrativos Não surpreendem, portanto, os dados revelados pela ONG. Precisamente os sectores mais essenciais à população foram os que registaram maiores crescimentos de fortunas. Prova disso é o facto de as maiores empresas e fortunas feitas no sector da alimentação e energia terem apurado cerca de mil milhões de dólares a cada dois dias, para totais superiores a 453 mil milhões de dólares. A fortuna dos dez mais ricos do mundo é hoje superior à riqueza somada de 3.100 milhões de pessoas, que perfazem 40 por cento da população mundial. Os 20 mais ricos acumulam mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) somados dos 46 países da África Subsariana, precisamente uma das regiões mundiais que mais sofre de pobreza extrema. A culpa, para os responsáveis da Oxfam, é de “décadas de políticas neoliberais que levaram serviços públicos para o sector privado”, encorajando “a concentração massiva de poder corporativo e não pagamento de impostos a uma larga escala”. “Estas políticas levaram activamente à erosão dos direitos dos trabalhadores e redução de impostos das grandes empresas e dos mais ricos. Também abriram campo ao aumento da exploração além do que o planeta pode suportar”, pode ler-se. No que à desigualdade diz respeito, destaque ainda para a questão do género, uma vez que as mulheres foram as que mais sofreram nestes últimos anos. “Durante a pandemia, as mulheres foram desproporcionalmente afastadas de empregos, especialmente durante períodos de confinamento e distanciamento social, que afectaram a força laboral feminina nos sectores dos serviços, como é o caso do turismo e hotelaria.” A Oxfam dá conta que às mulheres cabe hoje o trabalho de lutarem para poderem alimentar as famílias. “Em 2020, as mulheres foram, em média, retiradas da força de trabalho mais 1.4 vezes em relação aos homens, fazendo três vezes mais horas de trabalho não pago na área dos cuidados.” Além disso, no ano passado, havia menos 13 milhões de mulheres empregadas comparando com 2019, enquanto que o emprego dos homens atingiu os níveis pré-pandemia, aponta o documento. As grandes “dinastias” Quais foram, então, as principais empresas a lucrar com a pandemia? A Oxfam fala das “grandes dinastias”, sobretudo no sector alimentar, como é o caso da norte-americana Cargill, que controla mais de 70 por cento do mercado mundial de produtos agrícolas e que é detida, em 87 por cento, pela 11ª família mais rica do mundo. Como exemplo, em 2021 a empresa obteve receitas na ordem dos cinco biliões de dólares, um resultado que fez história no seio da empresa. “Recentemente, quatro membros da família Cargill juntaram-se à lista dos 500 mais ricos do mundo”, aponta o relatório. Há também referência à cadeia de supermercados Walmart, também norte-americana, tida como um dos grandes empregadores privados do país. A família Walton detém cerca de metade das acções da Walmart e uma riqueza avaliada em 238 mil milhões de dólares. Por sua vez, o sector farmacêutico não fica de fora, tendo surgido, desde Março de 2020, 40 novos multimilionários nesta área. O boom foi sustendo por “monopólios de vacinas, tratamentos, testes e equipamento de protecção pessoal”, sendo que a maior parte destas fortunas pessoais vieram de financiamentos públicos no contexto da covid-19. “Os gigantes farmacêuticos estão a fazer mil dólares a cada segundo em lucros só com as vacinas e estão a cobrar aos governos 24 vezes mais do que o custo normal da produção de uma vacina”, descreve a Oxfam. Por sua vez, “as empresas do sector farmacêutico têm fugido às responsabilidades quanto ao pagamento de impostos, recorrendo a paraísos fiscais”. No relatório constam nomes de empresas como a Moderna, que teve margens de lucro de 70 por cento com a vacina contra a covid-19, e a Pfizer, que no ano passado pagou dividendos aos accionistas na ordem dos 8.7 mil milhões de dólares. A Oxfam acusa esta farmacêutica de “usar tácticas sujas para aumentar os lucros, incluindo desinformação sobre a Universidade de Oxford e a vacina da AstraZeneca, a insistência em cláusulas contratuais que podem ser usadas para silenciar críticas ou o controlo de datas de entrega”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCasos de abuso sexual de menores com subida de 80 por cento Estatísticas ontem divulgadas pela secretaria da Segurança revelam que, entre o primeiro trimestre de 2021 e os primeiros três meses deste ano, registaram-se mais quatro casos de abuso sexual de crianças, o que representa um aumento de 80 por cento. Destaque ainda para os grandes aumentos nos casos de estupro, injúria e consumo de droga Os dados ontem divulgados pela secretaria da Segurança, relativos ao primeiro trimestre do ano, mostram uma enorme subida de alguns crimes no território, apesar de a criminalidade violenta ter registado uma queda de 39,4 por cento, com a ocorrência de 43 casos este ano face aos 71 do ano passado. Destaque para a subida de 80 por cento no número de casos de abuso sexual de menores, mais quatro em relação aos primeiros três meses do ano passado, bem como ao aumento de 300 por cento dos casos de estupro. Relativamente aos casos de injúria, registou-se uma subida, no primeiro trimestre, de 21,4 por cento, com um total de 34 casos face aos 28 de 2021. Ainda assim, os crimes contra a pessoa baixaram, em termos gerais, em 5,9 por cento. As restrições nas fronteiras devido à pandemia da covid-19 parecem ter tido efeito nos dados relativos a ilegais e ao excesso de permanência. É também de destacar a ocorrência de 54 casos no primeiro trimestre de simulação de casamento, adopção ou contrato de trabalho, quando, no igual período do ano passado, não se registou qualquer caso. Em relação ao auxílio, acolhimento e emprego de imigrantes ilegais, deu-se uma subida de 24,2 por cento, enquanto as situações do excesso de permanência no território subiram 18,7 por cento, com a ocorrência de mais 624 casos face a 2021. Destaque ainda para a subida da permanência de cidadãos da China, na ordem dos 19,3 por cento, com mais 626 casos. Mais consumo As estatísticas revelam ainda um aumento de 50 por cento nos casos de consumo de droga, passando de quatro ocorrências no primeiro trimestre de 2021 para seis, tendo-se registado a subida de 17,2 por cento nos casos de extorsão. Os crimes contra o património representaram, aliás, a maior percentagem do total de crimes, com 51,7 por cento. Seguem-se os crimes contra a pessoa, com 21,8 por cento. Se o consumo de droga subiu, o mesmo não se pode dizer do tráfico, pois os dados do primeiro trimestre revelam uma queda de 15,8 por cento, menos três ocorrências face aos primeiros três meses de 2021. Houve ainda uma queda de 10,7 por cento no número de pessoas conduzidas ao Ministério Público. No primeiro trimestre, foram instaurados 2.914 casos de inquérito criminal pela polícia, representando uma subida de 502 casos em comparação com o período homólogo de 2020, equivalente a um aumento de 20,8 por cento. As estatísticas não contêm dados sobre o jogo, e as autoridades explicam que tal se deve à queda abrupta do número de turistas, “com um enorme impacto no sector”. “Embora a situação tenha vindo a recuperar ultimamente, os dados estatísticos relacionados com o sector do jogo do primeiro trimestre de 2021 não são ainda relevantes, pelo que não se procede à avaliação do impacto que o desenvolvimento da indústria do jogo tem relativamente à segurança pública de Macau”.
Andreia Sofia Silva SociedadeWynn propõe pagamento de salários através de acções. Casino do Million Dragon Hotel fecha portas A Wynn Macau está a propor o pagamento de parte dos salários através de acções em bolsa, sendo que 90 por cento do vencimento será pago pelas vias normais. Os trabalhadores não são obrigados a aderir ao acordo, divulgado por um trabalhador da concessionária nas redes sociais. Ao HM, Cloee Chao, presidente da Associação Novo Macau pelos Direitos dos Trabalhadores de Jogo, confirmou a veracidade do documento. “Nós, no nosso posto de trabalho [croupiers], ainda não tivemos acesso a este acordo, apenas os funcionários dos cargos de gestão”, adiantou. Apesar de as acções da Wynn na bolsa de valores de Hong Kong estarem com um valor mais baixo devido à quebra do sector do jogo, os funcionários não se queixaram, até à data, desta proposta. “As pessoas consideram que, temporariamente, é aceitável, porque não se trata de um corte de salário, mas sim de uma poupança de dinheiro. Os meus colegas têm investido nas acções da Wynn, mesmo que estejam a um valor mais baixo. O mais importante é que o acordo não é obrigatório”, frisou Cloee Chao. Este programa deverá entrar em vigor já a 1 de Junho, prolongando-se até 31 de Dezembro deste ano. De frisar que cada acção da Wynn Macau valia, esta terça-feira, 4,2 dólares de Hong Kong. No caso de o salário base ser de 42.310 patacas, o trabalhador que aderir a este programa deverá receber, entre Junho e Dezembro, 38.079 patacas. Caso o trabalhador saia da empresa antes de Dezembro, a proporção de acções será calculada consoante os dias úteis de trabalho cumprido. Encerramento no Million Ainda sobre o sector do jogo, foi divulgado nas redes sociais um comunicado que dá conta do despedimento de trabalhadores, até ao dia 26 de Junho, do Million Dragon Hotel, propriedade de Chan Meng Kam e que opera um casino-satélite ligado ao universo da Sociedade de Jogos de Macau. “Devido ao impacto de factores externos e por não conseguirmos avaliar as perspectivas futuras de negócio, informamos vossa excelência que a estrutura das operações da nossa empresa precisa de ser ajustada. Dessa forma, infelizmente, decidimos terminar a sua ligação laboral sem que haja outra alternativa”, pode ler-se. Para Cloee Chao, alguns casinos-satélite decidiram fechar portas mesmo que o Governo tenha decretado a sua continuação. Tal deve-se “à falta de clientes, sendo que os casinos não sabem quando tempo mais precisam de insistir [no negócio]”. “Recebemos informações de que muitos casinos-satélite vão fechar, mas os funcionários continuam a trabalhar nas concessionárias. Esta notificação de desemprego deve destinar-se ao departamento de marketing, que foram contratados pela gerência do Million Dragon Hotel e não pela SJM”, adiantou. Cloee Chao disse também que já antes havia ocorrido o despedimento de trabalhadores não-residentes. A responsável afirmou que os funcionários da área do jogo deste hotel não foram ainda notificados sobre o futuro do seu posto de trabalho.
Andreia Sofia Silva Eventos10 de Junho | “Metropolis”, de António Mil-Homens, abre portas dia 31 Inserida no programa das comemorações do 10 de Junho, a exposição de pintura “Metropolis”, de António Mil-Homens, abre portas dia 31 deste mês na galeria da Fundação Rui Cunha. Eis um olhar, visto de cima, sobre a vida urbana que nos rodeia, não apenas em Macau, mas nas cidades em geral É no final deste mês que se dá início ao programa cultural de celebrações do 10 de Junho – Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas, e o pontapé de saída é dado, dia 31, com a exposição “Metropolis”, de António Mil-Homens. O público poderá ver, até ao dia 11 de Junho, na galeria da Fundação Rui Cunha (FRC), um total de 15 obras que remetem para a ideia da cidade vista de cima, todas elas pintadas pelo também fotógrafo durante a quarentena realizada em 2020, mas não só. “Metropolis” é a segunda exposição de pintura de António Mil-Homens, que se estreou neste campo com a mostra “Monochrome”, depois de anos a guardar as telas numa gaveta. Estes trabalhos revelam agora um espaço citadino que remete não apenas para Macau mas para várias cidades. “Abordei esse tema de uma forma que considero distante”, contou ao HM. “Em termos estéticos é como se estivesse a observar de longe, de muito alto, o que nos rodeia em termos citadinos. Foi uma ideia espontânea e sem esta intenção. Comecei a pintar sem decidir previamente o quê.” Essencialmente, o processo de pintura de António Mil-Homens começou de forma mais intensa em 2020, ano em que a produção criativa foi muito frutífera. “De certa forma dei um salto qualitativo. Comecei por pintar de forma instintiva, o que deu lugar aquela exposição variada no que diz respeito às peças [Monochrome], mas depois dei comigo a abordar um tema e uma determinada estética, com consistência, em cada uma das telas que ia pintando. Em 2020 fiquei com material que eu considerava como tendo potencial para uma nova exposição. E dei-lhe imediatamente um título, ‘Metropolis’”. Mais tarde, já em contexto de quarentena, António Mil-Homens pediu telas e acrílicos a um amigo e deste período de clausura saíram mais cinco pinturas, que também integram esta mostra. Na hora da despedida António Mil-Homens está de saída de Macau e acredita que esta é uma boa forma de se despedir. “Quero acreditar que faço uma boa despedida de Macau e espero que seja essa a opinião das pessoas que forem à exposição. Sinto que consegui algum progresso do ponto de vista estético, e em termos de coerência, que não aconteceu em relação à primeira exposição. Pintava de forma compulsiva todos os dias e era aquilo que acontecia em cada tela.” Com “Metropolis” as coisas acabaram por funcionar “de modo completamente diferente”. “Continua a ser um pouco estranho este processo, na medida em que não tenho qualquer formação na área da pintura e dei comigo a não querer ver, sequer, tutoriais de pintura, para deixar fluir aquilo que ocorre”, frisou. No comunicado a propósito desta mostra, o autor destes trabalhos destaca o facto de “Metropolis” simbolizar também “o tempo de virar uma página” da sua vida, 26 anos após a sua primeira visita a Macau, encerrando “uma permanência de cerca de 15 anos”. “Não a vejo como um adeus. Antes como um até sempre, em que a lógica dessa mesma constância se inverte. Reitero o meu convite para que guardem, se do exposto gostarem, mais estas peças que o território e as circunstâncias me inspiraram. Lançarão mais uma pedra na construção dos projectos futuros”, apontou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteAnálise | Académico estuda percurso histórico do Partido Comunista da China Luís Cunha analisou o percurso do partido centenário com “uma notável capacidade adaptativa” aos novos tempos, no artigo intitulado “A Resiliência do Partido Comunista da China”. O académico encara o slogan “socialismo com características chinesas” como uma via para o fortalecimento do partido, cuja legitimidade para governar continua inquestionável Com cem anos de existência, o Partido Comunista da China (PCC) parece ter resistido a todos os contratempos da diplomacia mundial, nomeadamente à queda da União Soviética, mas não só. A “resiliência” do PCC é tema do último artigo do académico Luís Cunha, publicado na revista Janus Observare, da Universidade Autónoma de Lisboa. O autor é investigador integrado no Instituto do Oriente e do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Luís Cunha traça uma análise do percurso histórico de um partido que soube manter o poder ao longo da história e que readapta com novas fórmulas políticas e ideologias. “Ao longo de um século, o PCC foi capaz de superar, com maior ou menor grau de sucesso, todas as suas crises e contradições internas, transformando-se no maior e mais poderoso Partido Comunista do mundo”, começa por afirmar Luís Cunha. Graças ao PCC, houve uma “inigualável projecção de poder na história da China, graças a uma gestão competente da agenda geoestratégica e geoeconómica”. O país é hoje “um laboratório político sem paralelo”, governado por um “omnipresente Partido-Estado”. Luís Cunha cita Richard MacGregor, que no livro “The Party” [O Partido], considera a sobrevivência do PCC “um milagre político”. “Se tivermos em conta que a sua inspiração fundacional, o Partido Comunista da União Soviética (PCUS), foi extinto há três décadas, a asserção mostra-se válida. Há, no entanto, outras importantes variáveis em jogo. No monolítico sistema político chinês nada se perde e tudo se transforma, por obra e engenho de um Partido capaz de notável capacidade adaptativa”, escreve Luís Cunha. Cem anos depois da fundação, o PCC revela “um modelo singular de desenvolvimento político e social”, sendo que o “excepcionalismo chinês” se baseia numa “forte visão nacionalista” e é veiculado através de uma “nova era transformacional”. Em termos gerais, o PCC “soube superar as inúmeras adversidades ao longo da sua história e surge agora, no primeiro quartel do século XXI, aparentemente fortalecido no domínio do seu desígnio ideológico de desenvolvimento para a China”. Para Luís Cunha, o partido assume hoje “abertamente, um projecto autónomo”, diferente “dos modelos enraizados nas propostas das democracias liberais do Ocidente”. Luís Cunha traça também um olhar sobre os Livros Brancos publicados ao longo dos anos sobre as mais diversas áreas de actuação política, económica, social e diplomática. Todos fazem referência “à originalidade do caminho escolhido pelo PCC para o desenvolvimento da China”, além de darem ênfase “ao acervo civilizacional do país e à recusa em alinhar [o país] no modelo da democracia liberal do Ocidente”. Uma forma de revisionismo? Quanto ao secretário-geral do PCC, é visto como o “núcleo central” do comité central do partido, que tem como ideologia de base “o pensamento de Xi Jinping”, nomeadamente no que diz respeito ao conceito de “socialismo com características chinesas na nova era”. Luís Cunha denota que este conceito, introduzido por Xi Jinping, aponta a uma via de fortalecimento partidário. “É de notar que o PCC colocou especial ênfase no delicado processo de selecção e recrutamento para os seus quadros, transformando-se desse modo numa organização política elitista”, acrescentou o autor do artigo. O conceito é também “um tipo de revisionismo com características chinesas”. “Assumindo-se como um partido genuíno e pragmático, intimamente ligado às aspirações populares, o PCC repudia reiteradamente aquilo que considera ser o ‘caos da democracia ao estilo ocidental’, oferecendo em contrapartida uma ‘democracia que funciona’ baseada em inovações teóricas.” São elas “a adaptação do marxismo à realidade chinesa” além das teorias desenvolvidas por Deng Xiaoping, a ideia da “tripla representatividade” de Jiang Zemin ou ainda a “teoria científica do desenvolvimento”, de Hu Jintao. Desta forma, a ideia do “sonho chinês”, também preconizada por Xi Jinping, propõe, segundo Luís Cunha, “um processo inclusivo e harmonioso para o desenvolvimento e afirmação da China, mas também uma ordem multipolar”. Está, portanto, em causa “um processo de renovação ideológica e política, com recurso ao reabilitado confucionismo e ao tradicionalismo cultural, mesclado com o incontornável marxismo em versão sínica”. Persiste “uma lógica leninista”, em que o PCC assume para si a autoridade em consonância com o Estado e o Exército Popular de Libertação. Uma “certa democratização” No ano passado, o Conselho de Estado lançou o Livro Branco “A Democracia que Funciona”, e que recorda que existem na China oito partidos políticos que obedecem ao PCC. Esta democratização apontada pelos líderes chineses não representa uma mudança de mentalidades, denota Luís Cunha. “Na realidade, a abertura parcial do PCC a processos de cariz democrático não deve ser lida como uma liberalização ideológica, mas antes como uma tentativa de refinar e melhorar os seus métodos funcionais e orgânicos.” Actualmente, o PCC defende “um modelo alternativo de globalização”, tendo em conta a necessidade de ultrapassar “o esgotamento do modelo económico adoptado desde a abertura da China ao mundo em 1978”. Segundo o autor, persiste a ideia de “destino partilhado para a humanidade” e a aposta num modelo multilateral pacífico com todos os povos. “Embora o PCC não admita abertamente que o ‘modelo chinês’ é exportável, considera que ‘a experiência e prática do PCC podem oferecer boas referências a outros’”, lembrou Luís Cunha. O académico destaca ainda declarações de Xi Jinping, que no 95º aniversário do partido disse que “o que está em causa não é tanto o ‘modelo chinês’, mas antes a ‘solução chinesa’”. Já no discurso do 19º Congresso do PCC, o Presidente chinês “ficou muito perto de promover um modelo chinês de relações internacionais, ao referir que o caminho trilhado pela China ‘oferece uma nova opção para os outros países e nações que querem acelerar o seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que preservam a sua independência’”. Uma contradição Como partido que ao longo da sua história foi ultrapassando problemas e contradições, Luís Cunha aponta aquela que será “a principal”: o facto de a China ainda não ter atingido o comunismo quando o PCC chegou aos cem anos de existência. “Esta aparente contradição é abertamente admitida na Constituição do Partido, quando refere que ‘o objectivo máximo do PCC é a realização do comunismo’ e que ‘o ideal mais importante do comunismo perseguido pelos comunistas chineses só poderá ser realizado quando a sociedade socialista estiver totalmente desenvolvida e altamente avançada’”. Desta forma, Luís Cunha destaca que este é “um objectivo que poderá ser parcialmente alcançado em 2049, aquando da celebração dos 100 anos da implantação da República Popular da China” e quando termina o estatuto especial da RAEM. “No léxico do PCC, esse marco do duplo centenário, assinalará o ‘rejuvenescimento da nação chinesa’” mas, na verdade, denota o autor, “a quimera comunista não será facilmente alcançável”. E aqui a história da segunda metade do século XX pode explicar a questão, dada a queda da URSS e do próprio PCUS. “Alguns académicos sustentam mesmo que os soviéticos nunca chegaram a implantar o comunismo, uma vez que os dirigentes partidários da URSS teriam optado pelo capitalismo de Estado”, frisou Luís Cunha. Sobre a figura de Xi Jinping, o autor entende ser um “líder transformacional, só comparável a Mao e Deng, líderes carismáticos”, estando “imbuído de uma infabilidade histórica quanto à missão de transformar a China na mais poderosa das nações”. Características de “um líder forte, com um projecto político bem definido”, tendo traçado as “linhas vermelhas” em 2013 com um memorando interno do PCC que “elencou as principais ameaças existenciais do Partido, incluindo a democracia constitucional de matriz ocidental e o neoliberalismo”. O poder com Xi Para Luís Cunha, desde 2014, com Xi Jinping no poder, que o país passou a mostrar “todo o seu poder e assertividade”, uma vez que a narrativa oficial veiculada pelo actual Presidente “eliminou definitivamente a estratégia discreta para a afirmação externa da China recomendada por Deng Xiaoping”. Desta forma, a “China poderá ascender à condição de maior potência económica mundial num futuro não muito distante”, com foco no reforço do poder militar. “O PCC não venceu a utopia, mas ultrapassou-a”, descreve Luís Cunha, que acredita que, nos últimos cem anos, o partido “aprendeu a (sobre) viver com inúmeros paradoxos e contradições”, tendo-se transformado “numa máquina centrifugadora híbrida, capaz de absorver, regenerar e devolver à sociedade as diferentes abordagens políticas e económicas”. O PCC mantém a sua legitimidade com a aposta no nacionalismo e numa “comunidade política imaginada”, sendo que a legitimidade é transposta para o plano internacional com os projectos de “uma faixa, uma rota”. É, portanto, a proposta chinesa “para uma nova ordem centrada no desenvolvimento, com claras implicações geopolíticas e geoeconómicas”. Em jeito de conclusão, Luís Cunha considera que a legitimidade do PCC não estará ameaçada nos próximos tempos, “tendo em conta os indicadores disponíveis que indicam que o PCC desfruta de um elevado grau de popularidade, ao mesmo tempo que a elite partidária mantém a necessária coesão”. Estes são “factores cruciais para a perpetuação da necessária legitimidade”, pelo que “a sede do poder estratégico no sistema político chinês – o PCC – não estará ameaçada num futuro próximo”. “É inegável que o PCC conseguiu alcançar um dos principais objectivos que presidiu à sua fundação: a transformação da China num país forte e independente. O PCC conduziu a China a um patamar nunca alcançado na sua longa história”, remata o autor do artigo.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaQueda de azulejos | Corrupção descartada, mas segurança de moradores em risco O Comissariado contra a Corrupção concluiu que não há indícios de corrupção no caso da queda dos azulejos das zonas comuns dos edifícios de habitação pública do Lago e Ip Heng, mas alerta que “já se atingiu um nível que ameaça a segurança dos moradores”. É exigida, portanto, “resposta activa dos serviços competentes” Há muito que a queda de azulejos nas partes comuns dos edifícios de habitação pública do Lago e Ip Heng é debatida na sociedade, mas um relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) divulgado na última sexta-feira vem provar que não existem “indícios de corrupção” cometida por parte da empresa responsável pela colocação dos azulejos. “Depois de o CCAC ter analisado as provas testemunhais e documentais recolhidas na investigação, não se conseguiu confirmar a existência de actos de corrupção nos processos de concurso, apreciação, aprovação e supervisão das obras no Edifício do Lago e no Edifício Ip Heng”, aponta uma nota de imprensa. De frisar que o CCAC recebeu, entre 2016 e 2020 “queixas contínuas” sobre esta questão, uma matéria que tem vindo a ser abordada por vários deputados da Assembleia Legislativa. Mesmo sem indícios de corrupção, o CCAC entende que a queda dos azulejos atingiu um nível tal que “já ameaça a segurança pessoal dos moradores”, pelo que é proposto “que os serviços competentes respondam às necessidades dos cidadãos e procurem, em conjunto com os moradores, uma solução eficaz, a fim de resolver definitivamente o caso”. Nestes anos, tanto os “órgãos administrativos, como os empreiteiros e entidades fiscalizadoras, concluíram e apuraram, de forma plena e séria, os motivos da queda de azulejos, o que deu origem à perda de várias oportunidades para resolver definitivamente o problema”. Desta forma, “é impossível recuperar, na prática, a situação a cem por cento e confirmar qual foi a causa principal da queda de azulejos”. Questão de tamanho Desde 2016, o CCAC abriu diversos processos de inquérito, que foram arquivados por “não se verificarem manifestas ilegalidades ou irregularidades administrativas”. No entanto, os azulejos continuaram a cair sem que tenham sido “apuradas as causas do problema ou sido atribuídas responsabilidades”. Foi ainda permitido que os empreiteiros abandonassem os estaleiros e deixassem de acompanhar a situação, aponta a mesma nota de imprensa. O CCAC recolheu posteriormente “mais informações, tal como documentação que não tinha sido entregue pelos serviços competentes”. Foi então que, no ano passado, foi reaberto o caso do edifício Ip Heng, sendo que já decorria novamente a investigação relativa ao edifício do Lago. Uma das razões para a queda de azulejos, prende-se com o facto de a sua dimensão não corresponder ao pedido inicial do Governo. “Na fase de vistoria e recepção, em mais de 95 por cento das inspecções realizadas de forma aleatória às paredes dos corredores públicos do Edifício do Lago, foram detectadas situações de azulejos com tambores vazios. No entanto, apesar disso, foi assinado o auto de recepção provisória”, lê-se. Além disso, está em causa “a concepção do revestimento das paredes”, bem como os materiais dos azulejos ou a “qualidade do trabalho manual” na sua aplicação. Outra das razões, prende-se com o “nível de rigor da fiscalização de vistoria, bem como o nível de acompanhamento das reparações na posterior queda de azulejos”. Houve “acções negligentes” nas várias fases da obra, sendo apontada uma “falta de coordenação e de cooperação” entre o Instituto da Habitação e o então Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas. Estas duas entidades “apenas exortaram o empreiteiro a efectuar o acompanhamento e a reparação, mas não averiguaram atempadamente as causas do problema, nem apuraram exactamente qual o momento da ocorrência do problema”, descreve o CCAC. Como sugestão, o CCAC propõe que as autoridades competentes possam “quantificar, por escrito, em termos legislativos e técnicos, as obras e os critérios” para este tipo de trabalhos. É também defendida a possibilidade de fixar “um limite máximo ou uma proporção sobre os defeitos surgidos aquando da recepção provisória das obras”. Quanto aos futuros projectos de habitação pública na zona A dos novos aterros, o CCAC defende que o Governo aprendeu a lição e que “se empenhou no aperfeiçoamento da concepção e da qualidade da construção da habitação económica”. Maior regulamentação Horas depois de ser divulgado o relatório do CCAC, tanto a Direcção dos Serviços de Obras Públicas (DSSOP) e o Instituto de Habitação (IH) reagiram dizendo que concordam com o conteúdo do documento e que “atribuem elevada importância às opiniões” nele citadas. Os dois organismos públicos prometem “continuar a cumprir, de forma rigorosa, o princípio de garantia de qualidade e quantidade na promoção de construção de habitação pública”. A DSSOP promete “pedir aos empreiteiros para apresentarem uma proposta de reparação segundo as Orientações de Concepção e Construção de Habitação Pública actualizadas”. Por sua vez, o IH “irá coordenar com os órgãos administrativos no sentido de se alcançar um consenso que permita dar início aos trabalhos de reparação com maior brevidade possível”. Ficou ainda a promessa de a DSSOP vir a reforçar “a regulamentação sobre a responsabilidade das entidades de fiscalização e de controlo de qualidade relativamente à supervisão das obras, com vista a assegurar a sua qualidade”. FAOM apoia conclusões A Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) apoia as conclusões do Comissariado Contra a Corrupção sobre a queda de azulejos nos edifícios Ip Heng e do Lago. Segundo o jornal Ou Mun, o vice-presidente da associação, Leong Meng Ian, sugeriu ao Governo que prolongue o prazo de garantia das habitações públicas, no futuro, enquanto o deputado Leong Sun Iok defendeu a responsabilização dos responsáveis do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas e do Instituto de Habitação (IH), por “incumprimento dos deveres funcionais”. Leong Meng Ian criticou a postura IH, uma vez que como o maior proprietário do Edifício do Lago devia ter apoiado as propostas de alguns condóminos para que os azulejos fossem reparados. Segundo Leong, o IH absteve-se sempre nas reuniões, o que foi visto como um entrave à recuperação do edifício. Por sua vez, Leong Sun Iok apontou que além de se poder responsabilizar as autoridades e o empreiteiro pelo caso, houve igualmente falhas de supervisão, pelo que exige também a responsabilização dos supervisores. Já o vice-presidente da União Geral das Associações dos Moradores de Macau, Cheng Son Meng, deixou o desejo de que no futuro o IH alinhe os seus interesses com os dos proprietários que desejam fazer obras importantes de reparação dos edifícios.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCovid-19 | Portugueses sem BIR autorizados a entrar em Macau. Comunidade enaltece medida A partir de sexta-feira, portugueses sem BIR que viajem de Portugal, Interior da China e Hong Kong, estão autorizados a entrar em Macau, cumprindo as exigências que vinculam os residentes, como a obrigação de quarentena. A medida permite reencontros familiares e a continuidade de projectos académicos e profissionais suspensos pelas medidas de restrição da pandemia. Figuras da comunidade portuguesa em Macau ficaram agradadas com a medida Marisa Gaspar pode, finalmente, avançar com o pós-doutoramento que estava suspenso devido à impossibilidade de entrar em Macau. A antropóloga e estudiosa das áreas da gastronomia, património e turismo locais, que não tem estatuto de residente da RAEM, foi apanhada de surpresa pela notícia de que a partir da próxima sexta-feira pode regressar ao território. “Não estava mesmo à espera desta decisão, e não sei quando poderei fazer a viagem porque tenho cá muitos compromissos. Provavelmente, irei no final do ano”, contou ao HM. Académica ligada ao Instituto Superior de Economia e Gestão, Marisa Gaspar tem a decorrer, desde 2017, um projecto de pós-doutoramento que se debruça “sobre o facto de Macau ser cidade criativa da UNESCO na área da gastronomia”. “Tinha um território interdito e um objecto de estudo que desapareceu (o turismo). Poderia virar-me para a delegação da Direcção dos Serviços de Turismo em Lisboa, mas, entretanto, fechou portas abruptamente no ano passado. Fiquei, de facto, sem contexto de pesquisa”, acrescentou. Na sexta-feira, o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus anunciou que, a partir da próxima sexta-feira, 27 de Maio, os portugueses que não tenham BIR e que “não tenham estado em locais fora do interior da China, Macau, Hong Kong ou Portugal” nos últimos 21 dias podem entrar em Macau “sem autorização prévia das autoridades de saúde”. As autoridades afirmam ainda que tiveram em conta “as necessidades dos residentes ou entidades da RAEM”, razões pelas quais decidiram “dispensar, a título excepcional, o cumprimento da medida por parte de determinado grupo de pessoas”, uma vez que “o intercâmbio entre pessoas de Macau e Portugal é necessário”. Além disso, o centro de contingência concluiu que em Portugal “a situação epidémica é considerada moderada”. Ainda assim, para entrar em Macau é preciso cumprir “requisitos de entrada e apresentação de documentos exigidos pelas autoridades sanitárias”. Mantém-se, a obrigatoriedade quarentena de 14 dias num dos hotéis designados para o efeito. Assim sendo, os portugueses abrangidos pela medida têm de apresentar passaporte português válido, certificado de resultado negativo no teste à covid-19, certificado de vacinação, “confirmação de reserva emitido pelo hotel de observação médica”. Em relação aos documentos que comprovem que nos 21 dias anteriores à entrada em Macau o declarante não esteve em locais fora de Portugal, Interior da China e Hong Kong existem duas opções: Pedir um atestado às entidades autárquicas de Portugal ou assinar uma declaração, sob compromisso de honra para o mesmo efeito. Importa referir que caso se venha a constatar que as informações não corresponde à verdade, o declarante pode ser acusado de prestação de declarações falsas. Na contagem dos 21 dias, é permitido a soma do tempo nos três territórios, ou seja, antes de entrar em Macau, a cidadão português pode passar sete dias em Portugal, outros sete no Interior da China e outros sete em Hong Kong. Alma do negócio Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, também ficou agradado com a novidade, destacando que muitos negócios, assim como as actividades da própria câmara de comércio, terem agora maior margem de manobra para acontecer. “Acho esta medida espectacular, é uma óptima notícia. Estas restrições [afectam sempre], mas temos agora de olhar para a frente. Há projectos da Câmara de Comércio que ganham novos contornos com esta medida e, sobretudo, vamos poder organizar visitas, finalmente. O próximo passo seria o alargamento desta medida aos países de língua oficial portuguesa.” Bernardo Mendia também pondera visitar Macau o mais brevemente possível, falando do lado humano que a restrição de entrada implicava. “Uma notícia destas é óptima sobretudo para casos particulares de famílias. Penso que todos devem ficar bastante satisfeitos e aproveitar.” No entanto, o responsável aponta a possibilidade de faltarem quartos de hotel em Macau para quarentena. “Deveria ser seguido o modelo de Hong Kong em que existe uma lista grande de hotéis aprovados pelas autoridades para cumprir quarentena e os visitantes podem seleccionar o hotel que querem mediante os preços.” “Temos de olhar para isto de forma positiva e sem dúvida que a economia de Macau vai beneficiar com esta abertura e com as próximas que se realizarem. Isto era esperado por toda a gente há muito tempo. Devemos aproveitar para ir a Macau”, frisou Bernardo Mendia. Amélia António também sublinhou o lado humano da permissão de entrada no território a portugueses sem BIR. “O peso económico das pessoas que viajam de Portugal não é notório, mas são notórios aspectos culturais, sociais, com as famílias que estão com problemas há muito tempo. Existem imensos aspectos positivos e a parte económica até terá eventualmente menos peso. Esta possibilidade ajuda a serenar um pouco o estado de espírito dos residentes de Macau que não conseguem que as famílias venham cá”, descreveu ao HM a presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM). A também advogada descreve casos, já conhecidos, de “crianças que nasceram e que nunca viram os pais” ou “problemas sociais e familiares que se vinham arrastando ao longo destes anos”. A entrada de cidadãos portugueses, “pode trazer mais estabilidade psicológica aos residentes”, frisou. Amélia António pede até o alargamento da permissão de entradas no território, pois “chegámos a um ponto em que é necessário que aconteçam coisas, não apenas em relação aos portugueses, mas em termos gerais”. “A economia começa a estar cada vez mais estrangulada”, descreve Amélia António, que fala também das dificuldades na área cultural com a organização de eventos com pessoas de fora e na renovação de quadros na Escola de Artes e Ofícios da CPM. “Do ponto de vista cultural, é muito importante para fazer coisas, porque estamos aqui há três anos sem poder fazer nada de especial. Temos formadores a saírem e não os conseguimos substituir, por exemplo. Isso diminui a capacidade de realização e de intervenção na comunidade.” À TDM – Rádio Macau, o cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong Paulo Cunha Alves também destacou os efeitos positivos desta decisão. “São óptimas notícias do ponto de vista humanitário. Este programa de restrições de entrada na RAEM para cidadãos portugueses não-residentes constitui uma excelente notícia para todos nós e congratulo a medida anunciada, que vem contribuir para o alívio das dificuldades há muito sentidas por muitos residentes que nos últimos dois anos e meio têm experimentado a dor da distância de familiares e amigos e também a dor da distância. Vamos ver, na prática, como é que a medida se traduzirá, em dados concretos.” Ganhos para a EPM José Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus, economista, administrador e da Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM), refere que a medida era desejada há muito tempo e que os seus efeitos não se vão sentir apenas na economia, mas no sector cultural e educativo. Sobretudo para a EPM, que há algum tempo se depara com dificuldades na contratação de professores. “Sobretudo com a questão da EPM, que emprega professores portugueses. Obviamente que esta é uma excelente notícia, porque já não temos esse problema das autorizações prévia. Sem dúvida que ficámos mais aliviados”, acrescentou. “Esta medida facilita muito as coisas, porque já se pode pensar que um casal não precisa de ficar separado. Também as empresas que recorrem a quadros estrangeiros podem contratar pessoal sem problemas. Sem dúvida que em termos gerais é uma medida com um bom impacto económico.” José Sales Marques entende que a própria comunidade portuguesa pode ser animada por uma nova dinâmica. “Há quem esteja a pensar sair de Macau devido ao afastamento familiar. Talvez agora mudem de ideias”, aponta.
Andreia Sofia Silva Grande BaíaPedro Paulo dos Santos, académico da Universidade Cidade de Macau: “Potencial da Grande Baía é imenso” Para construir o projecto da Grande Baía a China inspirou-se nos modelos económico e de gestão urbana desenvolvidos em Tóquio e em São Francisco. No entanto, e apesar de partilharem algumas características, a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau tem mais potencial de desenvolvimento, a começar pelo número da população de que dispõe. Pedro Paulo dos Santos, académico da Universidade Cidade de Macau, fez pesquisa em termos comparativos sobre estes três projectos e traça aqui algumas conclusões Foto de Rómulo Santos A China insiste em manter uma política de zero casos covid-19. Até que ponto esta política não está a travar projectos como o da Grande Baía e o seu potencial? Uma das pesquisas que fiz prende-se com o projecto de um estudo comparativo entre três grandes baías do mundo: a da China, de São Francisco e Tóquio. Deu para ver que a baía da China usou a baía de São Francisco como modelo. Quando digo baía falo numa estrutura organizada dentro da baía, porque há várias a nível geográfico. Mas como organização existem poucas. A China é um estudante muito bom e rápido a aplicar o que conhece, e a Grande Baía cresceu de repente, é uma ideia que não tem muito tempo, cerca de dez anos. Vejo muitas notícias sobre o desenvolvimento de infra-estruturas. Mas penso que este projecto teve sobretudo um impacto negativo com a covid-19 no primeiro ano, talvez em 2020, tendo em conta que muitos sítios na China estiveram fechados. Temos também de lembrar que a Grande Baía, na China, é um projecto nacional e não internacional. Não está dependente de outros países nem de empresas estrangeiras, como está o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”. Tendo esse estatuto é mais fácil a China colocar recursos naturais, financeiros e humanos nesse projecto, e nesse ano de 2020 a indústria chinesa parou e não se avançou muito. Mas em 2021, e este ano, está a andar. Faço uma comparação porque vejo pessoalmente projectos como o da ilha de Hengqin. Em 2020 as obras estavam paradas e o ano passado continuaram a crescer e não pararam. Isso está ligado ao que vem acontecendo com a zona da Grande Baía. Acredito que o projecto possa ter abrandado mas vai continuar. Macau está ao lado de cidades com grande desenvolvimento, como Shenzhen. O território tem ainda passos a dar para chegar esse patamar tecnológico? Sim. Macau nessas áreas de tecnologia e inovação, e também nas áreas dos transportes, finanças e economia, não tem muito poder. Mas o projecto da Grande Baía não tem como objectivo a criação de uma rede de cidades iguais, bem pelo contrário. Tem sim um propósito de criar cidades diferentes cada uma com o seu potencial. E o papel de Macau não é nessas áreas, mas sim ser o centro de lazer da Grande Baía e de entretenimento relacionado com os casinos. Hengqin vai ser a Orlando [no Estado da Flórida, EUA], onde fica a Walt Disney e muitos outros parques temáticos. O papel de Hengqin será de apoio a Macau para essa indústria. Hong Kong será um centro financeiro e de transportes, Shenzhen será o centro de tecnologia e inovação, Guangdong será o centro de produção. Também se fala muito no desenvolvimento de outras indústrias em Macau devido à dependência que a economia tem da indústria do jogo. Em termos de resultados práticos muito pouco se tem assistido nessa área. Como vê o desenvolvimento a curto e médio prazo da Grande Baía? Este é um projecto que não é muito conhecido a nível internacional e provavelmente só será conhecido por pessoas que estudam a China. Mas este é um projecto enormíssimo. Se a China conseguir continuar com ele, vai-se tornar de longe a maior zona metropolitana do mundo que vai ser maior do que a baía de Tóquio. O objectivo é que só a zona da Grande Baía seja a maior zona metropolitana do mundo, um centro de inovação, economia e finanças, uma hub de transportes asiática. O grande objectivo da China é que esta zona seja líder em várias áreas e indústrias. Pelo conhecimento que tenho da China duvido que isso não irá acontecer, porque não vejo grandes projectos internacionais que queiram rivalizar com isto. Se compararmos com a baía de São Francisco, a Grande Baía na China vai pulverizá-la. Portanto este é um projecto muito ambicioso que está a avançar muito rapidamente. Nos próximos três ou quatro anos é que as pessoas, a nível internacional, vão começar a ter uma maior visão do que é realmente a Grande Baía. Como é que a China aplicou, na prática, o modelo da baía de São Francisco? A baía de São Francisco foi a primeira a organizar-se numa estrutura de desenvolvimento e cooperação entre diversas industrias numa localização geográfica de uma baía. Esta iniciou este processo após a II Guerra Mundial, mas até atingir maturidade e sucesso demorou várias décadas. Sendo a primeira, foi a que mais experimentou, que mais errou e que mais sucessos teve. A Grande Baía e outras estruturas semelhantes que apareceram mais tarde, têm como objectivo atingirem o sucesso de integração, inovação, desenvolvimento económico e qualidade de vida que este projecto em São Francisco conseguiu alcançar, e, no caso da Grande Baía, numa fração do tempo. A baía de São Francisco tornou-se, assim, o modelo para todas as futuras estruturas semelhantes. No caso da baía de Tóquio, quais foram os contributos para o projecto da Grande Baía? A Baía de Tóquio tem uma estrutura um pouco diferente da de São Francisco. Enquanto que nesta, e também no caso da Grande Baía, observamos várias cidades a contribuírem e a terem impacto nestas estruturas, no caso da baía de Tóquio temos uma grande metrópole e as suas prefeituras a liderar o desenvolvimento deste mecanismo. Também esta é muito dependente das duas grandes zonas industriais de Toquio, Keiyō e Keihin. São duas áreas com grande influência no desenvolvimento industrial da estrutura. A nível da Grande Baía e da baía de São Francisco as indústrias relevantes estão mais dispersas e distantes. Os governantes chineses e responsáveis obviamente que estudaram várias zonas mundiais com projectos semelhantes, tais como a zona metropolitana de Nova Iorque, mas o foco foi sem duvida estas baías em Tóquio e São Francisco. Podem até encontrar em websites chineses e em pequenos artigos produzidos por organizações e bancos tais como o HSBC, pequenos estudos de comparação entre destas baías. A Grande Baía na China traz mais valias e novidades em relação aos projectos de Tóquio e São Francisco? Em comparação com a baía de São Francisco, criada em meados dos anos 40 [do século XX], era apenas para unir indústrias e para a região se poder desenvolver economicamente. Mas hoje em dia olhamos para a baía de São Francisco e a área principal já não é tão composta pelo sector industrial mas pela tecnologia e inovação, pois tem a zona de Silicon Valley. Temos também a indústria do vinho, em Napa Valley. Portanto não tem assim um grande poder dentro da economia americana. São cidades ricas mas não têm esse impacto económico. A população é também pequena. Em relação à baía de Tóquio, baseada essencialmente numa cidade, depois são as prefeituras à volta. A situação aqui é diferente, pois a maior cidade nem sequer faz parte da baía, está um pouco distante. Esta zona tem um potencial maior, digamos assim, porque a população é bem maior [em relação à de São Francisco]. E depois temos, no caso da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau a investir bastante na modernização de infra-estruturas, e neste momento, a pesquisa preliminar que fiz leva-me a crer que as infra-estruturas de transportes é bem mais desenvolvida do que em São Francisco, porque basicamente estas cidades estão quase todas ligadas. Shenzhen, de um lado, e Hong Kong, até Guangzhou, e depois descem pelo outro lado até Zhuhai e Macau. Temos também a nova ponte. O que cada cidade tem de fazer está a ser preparado e o dinheiro está a ser investido para desenvolver essas indústrias específicas, portanto há diferenças. O modelo é o de São Francisco e também um pouco de Tóquio e quando a Grande Baía chinesa estiver activa vai ser algo que o mundo não conhece e vai ser o exemplo para futuras áreas económicas em baías. Penso que é um projecto que vai surpreende muita gente. Acredita que o projecto da Grande Baía chinesa tem maior potencial de desenvolvimento face às outras duas baías? Porquê? Eu diria que o potencial é imenso. O rápido desenvolvimento da China, o poderio económico chinês, a vontade política e o facto de a província de Guangdong ser perfeita para uma estrutura desta dimensão contribuem para que a Grande Baía possa de facto ultrapassar o valor e o sucesso de outros mecanismos semelhantes. Mas não será um processo de poucos anos, será de décadas potencialmente. Estes projectos precisam de investimentos avultados e direccionados para áreas como o transporte, conectividade, indústria, lazer, tecnologias ou ambiente. Os níveis de cooperação e de organização terão de ser elevadíssimos. A China já demonstrou a sua eficácia e comprometimento em grandes iniciativas nacionais mas também internacionais, como a Nova Rota da Seda. A ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai é um claro exemplo do compromisso que a China está disposta a fazer nesta estrutura. Os grandes avanços neste momento são mais a nível da infra-estrutura de transportes. Este projecto é, decididamente, de nível nacional, e isso ajuda em termos burocráticos. Se continuar a ter apoio financeiro governamental então podemos esperar desenvolvimentos rápidos nos próximos anos. Na ligação de Macau com Hengqin como lugar de entretenimento, qual será o posicionamento do jogo, tendo em conta que se verifica uma tendência de quebra do sector? A aposta será nos hotéis e resorts, e parques temáticos, e não tanto no jogo em si? A tendência de quebra no sector de jogo irá continuar enquanto se mantiverem as restrições devido à política de zero casos covid-19. Em condições normais iríamos continuar a assistir ao crescimento da indústria do jogo. Hotéis e casinos continuam a ser construídos com o pensamento no eventual relaxamento das restrições, sabendo que a indústria irá recuperar eventualmente. A discussão da diversificação da economia local continua, mas voltando ao mesmo assunto, com as restrições qualquer plano está em standby. Penso que as limitações territoriais de Macau irão sempre ter um impacto em qualquer diversificação da economia. Os novos aterros serão para habitação, portanto vejamos talvez grandes infra-estruturas apenas em Hengqin, como parques temáticos e esse tipo de lazer. A Zona de Cooperação Aprofundada com Hengqin precisa de se interligar mais com o projecto da Grande Baía? É inevitável e certamente que será o caso. Ajudará Macau e os macaenses quando eventualmente os direitos e privilégios dos residentes locais nessa zona ficarem sujeitos a um melhor entendimento, pois de momento há alguma confusão e incerteza. Macau tem capacidades para ser um centro financeiro, um objectivo que também está intrínseco no projecto da Grande Baía? Não sou um especialista financeiro, mas não creio muito nessa possibilidade, tendo em conta que um grande centro financeiro mundial já existe a apenas 65 quilómetros e as limitações que existem na economia de Macau. Penso que o projecto da Grande Baia define cada cidade com uma ou várias especialidades e contribuições, com base na suas economias e indústrias. Macau é uma economia de turismo e este sector tem sido o seu motor de desenvolvimento e a sua especialidade. Penso que será nesta área que Macau poderá contribuir para a Grande Baía no futuro.
Andreia Sofia Silva Grande BaíaShenzhen | A associação de inovação que une as cidades da Grande Baía Foi em Shenzhen que nasceu a “Greater Bay Area Innovation Union”, uma associação que visa estabelecer pontes e partilhar experiências com as restantes cidades que fazem parte deste projecto nacional. Jorge Valente é um dos representantes, na RAEM, do projecto, que foi apresentado no território em Maio do ano passado Chama-se “Greater Bay Area Innovation Union” [União para a Inovação na Grande Baía] e é uma associação que visa juntar ainda mais aquilo que o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau tem vindo a unir. Segundo o portal EqualOcean, esta ideia surgiu junto das autoridades de Shenzhen, contando com parceiros como a empresa Tencent, a Associação para a Ciência e Tecnologia de Shenzhen, a Universidade Chinesa de Hong Kong, o Conselho para a Tecnologia e Informação de Hong Kong e a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST). A este rol de entidades junta-se ainda o Instituto de Marketing de Macau e o think tank FinTech Industries. Esta associação fica estabelecida na zona de Qianhai e visa criar uma comunidade de empresas e outras entidades em prol da cooperação nas áreas da inovação e tecnologia. Lin Xiang, vice-presidente da Associação para a Ciência e Tecnologia de Shenzhen, declarou que esta associação pretende ajudar a criar “vários centros de inovação industrial e estabelecer fundos de desenvolvimento”. Até ao momento foram criados quatro centros dedicados às industrias farmacêutica, manufacturas inteligentes, neutralidade carbónica e desportos electrónicos na região da Ásia-Pacífico. É também objectivo desta associação criar um fundo financeiro em prol de um maior desenvolvimento destes sectores. No caso de Hong Kong, pretende-se fomentar os laços em matéria de ciência e inovação com a China, disse Simon Chan, vice-presidente do Conselho para a Tecnologia e Informação de Hong Kong, também citado pelo portal EqualOcean. O exemplo de Macau Um dos representantes do Greater Bay Area Innovation Union em Macau é o empresário Jorge Valente, também presidente da Associação para a Promoção do Intercâmbio da Cultura e Indústria Sino-Lusófona. Ao HM, este contou que os responsáveis por este projecto vieram de Shenzhen, em Maio do ano passado, para fazer uma apresentação pública da associação na MUST. “Esta ideia surgiu do lado de Shenzhen há cerca de dois anos. Esta cidade é um pólo que atrai muitas startups de tecnologia que depois seguem para a bolsa de valores e que ficam no mercado. Como há esse pólo de empresas houve a iniciativa de criar esta união, tendo em conta a existência do projecto da Grande Baía.” Esta iniciativa visa “várias áreas de actuação”, sendo que em Macau já existe um grupo de trabalho a actuar. “Shenzhen está virada a área das startups, para a atracção de talentos, financiamento e investimento. Nós, em Macau, não temos todas essas valências e não seremos competitivos em todas essas áreas, pois Shenzhen, Hong Kong e Xangai são as cidades mais aptas para fazer isso. Não temos um mercado muito grande para atrair talentos nem a lei laboral é favorável a isso”, descreveu Valente. O responsável acredita que a medicina tradicional chinesa e a organização de eventos na área dos jogos electrónicos são duas valências nas quais Macau pode apostar. “Recentemente reunimos e falei da medicina tradicional chinesa, pois temos apostado bastante nesta área. Shenzhen aposta muito na biotecnologia e seria possível integrar essa área com a medicina chinesa. Eles também acham que essa é uma vantagem do território. Também falei da área dos jogos electrónicos, pois Macau pode ter exposições e competições a nível internacional, por ser um centro de turismo e lazer”, concluiu.
Andreia Sofia Silva EventosExposição | Alexandre Marreiros e Emília Tang trabalham conceito de abrigo É inaugurada amanhã a exposição “Shelter” na galeria Blanc Art, uma instalação onde o arquitecto Alexandre Marreiros e a curadora Emília Tang trabalham em torno da ideia de abrigo, algo que é mutável conforme o tempo que passa por nós. Este projecto, que começou a ser desenhado no dia a seguir ao rebentar do conflito na Ucrânia, pode ser visto até ao dia 20 de Junho “Shelter”, como uma palavra que nos remete para a tradução literal de abrigo. Mas que abrigo é este? Será imutável para sempre, ou os nossos abrigos físicos e emocionais vão mudando ao longo dos tempos, de forma lenta ou abrupta? Será a sensação de segurança falsa ou verdadeira? Na noite anterior ao rebentar do conflito na Ucrânia, o arquitecto Alexandre Marreiros jantava com a sua amiga e curadora de arte contemporânea Emília Tang sobre a ideia de abrigo, mas sobretudo pelo facto de esta ser “efémera, que se transforma com o tempo e não tem nada a ver com o que nos é ensinado”. “É um estado de espírito e um pensamento”, frisou. No dia a seguir, as tropas de Putin invadiam território ucraniano e Alexandre Marreiros não pensou duas vezes: “‘Temos de trabalhar nisto. Ontem discutíamos isto e hoje rebenta uma guerra’”, recordou ao HM. Para tal os dois decidiram construir uma instalação, e obras de arte que nascem dela, que pode ser vista a partir de amanhã na galeria Blanc Art, na Pátio do Padre Narciso. “A primeira coisa que quis trabalhar com a Emília foi o plano do tecto, algo que nos cobre. Um pátio nunca poderá ser um abrigo, por exemplo. E foi a partir daí que decidimos trabalhar com um plano horizontal a partir do chão.” Os balões desempenham também um papel, por serem “associados a uma ideia festiva, de celebração”. “Queria fazer uma instalação em que o factor de tempo está agarrado à definição que propomos de shelter. Sabemos que o balão vai mirrando, vai cair e isso representa a noção de tempo. Por isso, todos os dias a instalação vai mudar. Fizemos um registo de quanto tempo os balões aguentam no ar, trabalhamos também o plano vertical, as paredes. Mas todos os trabalhos que vão ser expostos na parede são uma consequência directa da instalação, porque partem todos dela”, adiantou Alexandre Marreiros. Dois pisos Desde o início que Alexandre Marreiros e Emília Tang desejavam ter uma instalação e exposição que ocupasse dois pisos. Desta forma há um percurso artístico que pode ser acompanhado pelo visitante. “Estamos debaixo da instalação que cobre todo o piso térreo da galeria e depois temos umas escadas em que, de repente, temos a possibilidade de chegar ao nível dos balões e estar em cima deles. Cria-se aí a ideia de estarmos por cima de algo que nos cobriu lá em baixo.” Os últimos três meses foram de trabalho intenso em prol de um projecto que é independente, embora conte com alguns apoios. Esta independência trouxe aos autores da instalação “uma maior abertura”. “Shelter” não é sobre a pandemia nem sequer sobre o quase total encerramento de fronteiras em Macau, mas acaba por remeter para esta sensação de abrigo e de bolha que se criou na sociedade face ao mundo exterior. “Há um contexto face ao que se vive em Macau, mas na verdade propomos uma desconstrução deste conceito, porque a noção que vem no dicionário é de estarmos abrigados, sempre no domínio de uma construção feita pelo homem, uma casa, por exemplo. Aprendemos isto desde crianças, mas há o factor tempo, pois qualquer coisa que construímos como segurança [pode acabar]. Isto pode estar relacionado com uma pessoa, por exemplo, porque hoje estamos casados e amanhã podemos não estar. Ou podemos perder um ente querido”, exemplificou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCovid-19 | Epidemiologista português questiona uso de medicina tradicional chinesa O Plano de Emergência para resposta a um surto comunitário de covid-19 inclui tratamentos com medicina tradicional chinesa. No entanto, Manuel Carmo Gomes, epidemiologista, diz “desconhecer qualquer evidência científica” no uso deste tipo de medicina “na mitigação da carga de sintomas, severidade da doença e morte”, podendo, ainda assim, ter “alguma eficácia no controlo dos sintomas”. Medicamentos incluídos no plano também não estão comprovados cientificamente. Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Chinesa aprova o tratamento, desde que seja “seguro e eficaz” O Governo decidiu incluir a medicina tradicional chinesa (MTC) como uma das formas de tratamento em casos específicos de covid-19. Tal medida consta no Plano de resposta de emergência para a situação epidémica da covid-19 em grande escala do Governo da RAEM, divulgado em Abril. No entanto, o epidemiologista português Manuel Carmo Gomes, um dos nomes mais reconhecidos na luta contra a pandemia em Portugal, coloca reservas quanto à verdadeira eficácia da MTC. “Desconheço qualquer evidência científica publicada que dê suporte às vantagens da MTC na mitigação da carga de morbilidade (sintomas, severidade da doença e morte) causada pelo vírus SARS-CoV-2. Por outras palavras, nunca vi resultados publicados de ensaios clínicos que comprovem as vantagens destas práticas contra a covid-19”, adiantou ao HM. Manuel Carmo Gomes admite “saber pouco” sobre a MTC, e até admite “que esta tenha alguma eficácia no controlo dos sintomas, por conseguir reduzir o processo inflamatório associado à infecção”. Desta forma, “isso poderá tornar a doença mais tolerável para o paciente”. “Mesmo que a MTC reduza os sintomas, espera-se que o paciente tenha a capacidade de transmitir a doença a outras pessoas. Contudo, se a MTC reduzir a frequência de tosse, espirros e emissão de aerossol por parte do infectado, isso poderá traduzir-se numa menor probabilidade deste emitir partículas infecciosas por aerosol, as quais poderiam ser inaladas por outras pessoas”, explicou. Ainda assim, o epidemiologista duvida de que a MTC “tenha qualquer intervenção no processo de virémia (ou seja, a replicação do vírus, a entrada na circulação e chegada a orgãos internos)”. “Na verdade, desconheço qualquer evidência de acção anti-viral por parte da MTC no caso específico do SARS-CoV-2. No que respeita ao papel da MTC no controlo da transmissão entre indivíduos, faço notar que vários estudos publicados desde 2020 não encontraram diferenças entre a carga viral presente no trato respiratório superior de pessoas infectadas assintomáticas comparativamente com as pessoas sintomáticas”, frisou o responsável, que é também professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O Plano de Emergência apresentado pelo Governo da RAEM conclui que “a MTC contribui significativamente para o controlo dos sintomas do novo coronavírus, reduz a incidência das pessoas de contacto próximo, a taxa de recaída, a taxa de ocorrência de casos com sintomas moderados e graves e a taxa de mortalidade”. Caso ocorra “um aumento contínuo de casos confirmados, recomenda-se que o Estado envie médicos de medicina tradicional chinesa para dar orientações e apoiar o tratamento”, lê-se ainda. O Plano de Emergência anunciado pelo Executivo inclui também um “programa de intervenção pela MTC para as pessoas de contacto próximo com casos infectados que se encontram em observação médica nos lares, a fim de efectuar o pré-tratamento”. Além disso, os Serviços de Saúde de Macau (SSM) “planeiam disponibilizar, nos hotéis, serviços de consulta por telefone ou por videoconferência e de MTC”. Junto da comunidade científica, que sempre tem questionado a eficácia da MTC, e não apenas no tratamento da covid-19, o HM procurou também obter um comentário da parte da Ordem dos Médicos portuguesa, mas até ao fecho desta edição não foi obtida resposta. Jorge Sales Marques, médico que chefiou o serviço de pediatria do Centro Hospitalar Conde de São Januário durante vários anos, e que foi um dos rostos da luta contra a covid-19 em Macau, recusou prestar declarações por já não se encontrar no território. A defesa do tratamento Do lado da comunidade da MTC, faz-se a defesa do uso da MTC para travar a covid-19. Ao HM, António Moreira, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Chinesa (SPMC), assegura que tem acompanhado os tratamentos feitos na China. “A SPMC tem acompanhado, desde o início da covid-19, em Wuhan, a situação associada à epidemia provocada pelo SARS-COV-2. A China tem sido ao longo da sua história sujeita a diversos surtos epidémicos e tem lidado com eles com recurso à MTC, nomeadamente nas suas componentes do uso de matéria médica, (vulgo fitoterapia), e do Qi Gong. Com a covid-19 não foi diferente”, apontou. António Moreira aponta que, “logo no início da pandemia, e mesmo na vigência dos hospitais de campanha, a SPMC seguiu atentamente as medidas preventivas e profiláticas propostas pelas equipas responsáveis, nomeadamente as chefiadas pelo professor Zhang Boli, da Universidade de Tianjin”. Foi também feito um acompanhamento “das recomendações do Hospital Universitário de Zhenjiang, assim como de diversas conferências que assistimos com clínicos chineses, e naturalmente o acompanhamento das publicações internacionais da especialidade”. Durante a primeira vaga da pandemia, em 2020, a SPMC mostrou-se disponível para, em Portugal, “implementar procedimentos clínicos com base na MTC, nomeadamente em residências de idosos” de forma voluntária. No entanto, as autoridades portuguesas nunca responderam a essa proposta apresentada pela SPMC. Relativamente ao caso de Macau, esta entidade “vê com bons olhos que todos os procedimentos que sejam seguros e eficazes possam e devam ser usados a favor da manutenção, melhoria e recuperação da saúde das populações, nomeadamente no combate às doenças provocadas por agentes víricos e para a qual a resposta da medicina ocidental tem revelado enormes limitações”. António Moreira considera que “os preconceitos culturais, políticos ou económicos não devem impedir de o mundo, de modo global, aproveitar o melhor de cada sociedade”. Medicamentos funcionam? O Plano anunciado pelo Governo especifica os medicamentos de MTC que serão usados em caso de surto comunitário. Nos casos em que “o teste de ácido nucleico seja positivo e não haja sintomas, o Governo vai consultar o ‘Protocolo de Diagnóstico e Terapêutica para a Pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus (9ª edição experimental)’”, sendo considerado o uso dos medicamentos “Huoxiang Zhengqi Jiaonang” e “Lianhua Qingwen Jiaonang”. Poderão ainda ser usados “medicamentos tradicionais chineses em líquido de acordo com a condição física do doente”. Por sua vez, nos casos confirmados em clínica, “cabe a medicina ocidental a gestão geral, e a medicina tradicional chinesa coopera para o tratamento, a fim de melhorar a eficácia clínica”. Tanto Manuel Carmo Gomes como António Moreira não comentaram especificamente a validade científica destes medicamentos. Mas notícias divulgadas na imprensa internacional falam da pouca ou nenhuma evidência científica desta terapêutica. O jornal Financial Times noticiava, em Abril, a Autoridade de Segurança Alimentar e do Medicamento dos EUA [US Food and Drug Administration], bem como as autoridades de saúde de Singapura e da Austrália questionaram a eficácia do “Lianhua Qingwen” no combate ao novo coronavírus. A entidade norte-americana concluiu mesmo que a capacidade deste medicamento em prevenir ou tratar a covid-19 “não era suportada por dados científicos competentes e confiáveis”, enquanto que as autoridades de Singapura afirmaram, em Novembro do ano passado, que não existia “evidência científica” sobre a eficácia deste medicamento agora incluído no Plano do Governo de Macau. A empresa que produz estas cápsulas desde 2003, a farmacêutica Shijiazhuang Yiling, do bilionário chinês Wu Yiling, registou grandes margens de lucro a partir do momento em que o “Lianhua Qingwen” passou a constar no protocolo de saúde oficial, decretado pelas autoridades de Pequim, para o tratamento da covid-19, em Março de 2020. O uso deste medicamento também tem sido promovido em Hong Kong. Numa notícia de Fevereiro deste ano, o portal ABC News dava conta que esta terapêutica avançava nos tratamentos contra a covid-19 na Austrália apesar de ter sido banido pelas autoridades de saúde. A entidade Therapeutic Goods Administration não aprovou este medicamento por conter Ephedra, uma substância que “pode coloca grandes riscos aos pacientes, incluindo toxicidade cardíaca, danos oculares irreversíveis e uma severa diminuição dos açúcares no sangue”, disse um porta-voz desta entidade ao ABC News. Este portal apresentou o exemplo de Sharon Li, uma chinesa a residir no país, que, em Janeiro, encomendou este medicamento através do Taobao após ter testado positivo para a covid-19, embora estes se encontrem à venda em alguns supermercados asiáticos em Melbourne. “Ouvi dizer que as cápsulas Lianhua Qingwen funcionavam no tratamento contra a covid-19. Os meus sintomas eram ligeiros, semelhantes a uma constipação ou gripe. Costumava tomar este medicamento quando estava com gripe na China, então comprei-o”, admitiu Sharon Li. Segundo o portal Macau News Agency, há cerca de um mês um porta-voz dos SSM assegurou que este medicamento é seguro e pode ser administrado em doentes com as condições de saúde indicadas. “Vamos considerar o estado de saúde do paciente. Temos médicos de MTC que podem emitir relatórios sobre se os doentes têm condições para receber esta medicação. É segura, mas há pessoas com uma determinada condição de saúde que não a podem tomar”, referi Lei Wai Seng, director clínico no hospital público e membro do Centro de Coordenação e de Contingência do novo tipo de coronavírus. Esta terapêutica foi doada pela Administração Estatal para a MTC às autoridades de Macau e Hong Kong, sendo aplicada como medicação preventiva. Apelo à vacinação Manuel Carmo Gomes não deixou de fazer um apelo à vacinação. “O esquema vacinal actualizado (ou seja, o esquema primário mais um reforço) é altamente eficaz contra a doença grave e o óbito, embora seja menos eficaz a proteger contra a variante Ómicron. Todas as comunidades, incluindo a macaense, devem aproveitar o tempo disponível antes do ressurgimento epidémico para reforçar urgentemente a vacinação da população, em especial as idades acima de 65 anos”. Ao HM, o especialista considerou ainda “alarmantes” as notícias oriundas de Hong Kong, há cerca de um mês, quando “as coberturas vacinais dos idosos com esquema completo não ultrapassavam 66 por cento”. Este “é um valor demasiado baixo para estas idades e faço votos de que a situação em Macau seja melhor”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteMês de Portugal | 10 de Junho celebrado com música, arte e palavras Cinco exposições, sessões de leitura, concertos, cinema. Estes são os elementos culturais presentes no programa deste ano da iniciativa “Junho, Mês de Portugal”, que celebra o 10 de Junho – Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas. O cartaz acontece a partir do dia 31 de Maio em espaços como a Casa Garden, a Fundação Rui Cunha ou o Café Oriente, no IPOR Em tempo de pandemia e com restrições de viagem ainda em vigor, o cartaz do evento “Junho, Mês de Portugal” volta a fazer-se com o que de melhor a chamada “prata da casa”, ou seja, artistas e músicos locais, pode oferecer. O programa que celebra o 10 de Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas foi ontem apresentado no auditório do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong e apresenta um leque variado de eventos culturais, que decorrem entre os dias 31 de Maio e 4 de setembro. Nomes da comunidade portuguesa como António Mil-Homens, Marieta da Costa ou Cristina Vinhas, entre outros, irão mostrar os seus trabalhos, num total de cinco exposições colectivas e individuais que estão programadas. Uma delas irá revelar trabalhos de artistas portugueses bem conhecidos como é o caso do surrealista Cruzeiro Seixas, Manuel Cargaleiro e Graça Morais, entre outros. Estão ainda programados eventos como uma mostra de vinhos e queijos portugueses no Sofitel – Ponte 16, sessões de cinema e leitura e um concerto, no dia 10 de Junho, de tributo ao músico português Rui Veloso, protagonizado pelos músicos da Casa de Portugal em Macau (CPM), como Tomás Ramos de Deus, Paulo Pereira ou Luís Bento, entre outros. Este espectáculo acontece na Casa Garden às 20h. Não faltarão, como é habitual, o tradicional hastear da bandeira portuguesa nos jardins do Consulado na manhã do dia 10 de Junho e o percurso até à Gruta de Camões, sem esquecer a recepção oficial na Residência Consular. Ao HM, Amélia António pediu, acima de tudo, a participação de todos, sobretudo da comunidade portuguesa, para que esta mostre que está viva num contexto social diferente em Macau. “Em termos do número de eventos este 10 de Junho não será muito diferente face aos anos anteriores. Mas o tipo de evento tem vindo a mudar de ano para ano e isso pode-se contrariar com a adesão das pessoas.” A presidente da CPM lamenta que a actividade e a participação nos eventos que celebram a portugalidade tenham vindo a sofrer uma redução. O cartaz foi também sofrendo alterações e há ainda eventos que carecem de confirmação. “Chegámos a Maio sem saber o que poderíamos fazer este ano do ponto de vista económico e das pessoas. É impossível planear. A dois dias de começar o evento temos de inventar tudo, e cada vez com mais limitações. Não podemos dar o mesmo contributo que demos ao longo dos anos. Esta é a realidade.” Amélia António adiantou ainda que há o risco de o cenário se transformar naquele que o território viveu no pós-1999, quando muitos portugueses, embalados pela transferência de soberania, deixaram Macau. “[Se a comunidade não participar] entramos numa situação semelhante à que passamos a seguir a 1999, quando parecia que os portugueses tinham desaparecido, pois todos se remetiam ao seu cantinho e à sua sombra. Esquecem-se que só temos peso e pressão enquanto formos uma comunidade que mantém as suas tradições, cultura e língua e que afirma isso. Isso só acontece com uma presença forte das pessoas, se não vamos perdendo força colectiva. Todos têm de perceber que, se perdermos essa força, não somos nada individualmente”, adiantou. A presidente da CPM não deixou de notar que “dentro das limitações tentamos fazer o melhor possível”. “É preciso esse respirar colectivo que dê força e ânimo. O que fazemos em Macau é para Macau e para todos os habitantes, sejam eles de que nacionalidade forem. Essa tem sido a nossa postura ao longo dos anos”, frisou. Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, também deixou notar que, neste programa, “foram incluídas as actividades possíveis tendo em conta este contexto internacional de pandemia e as restrições de viagens que a situação actual nos obriga a respeitar.”. “Estou certo que este programa será bem sucedido”, frisou, referindo que é ainda mais importante, em contexto de pandemia, “continuar a celebrar Portugal”. “Acho muito difícil prever o que vai acontecer no próximo ano. Todas as previsões que temos feito saem falhadas. Temos sempre a esperança que no ano seguinte as coisas voltem à normalidade mas não temos a bola de cristal para saber quando é que as coisas voltarão ao que eram em 2019. Mas nós, comissão organizadora, vamos continuar empenhados em tentar aproveitar ao máximo a ‘prata da casa’ e com os meios que temos à nossa disposição celebrar sempre Portugal.” Artes plurais “Metropolis” é o nome do evento que dá o pontapé de saída a este programa. Esta exposição de pintura de António Mil-Homens, fotógrafo que vai deixar o território, estará patente até ao dia 11 de Junho na Fundação Rui Cunha (FRC) e apresenta “um olhar de longe, essencialmente de cima, sobre as nossas cidades e ambientes”. “Em tempo de virar mais uma página da história da minha vida, esta exposição acontece mais de 26 anos após a primeira vinda para Macau e encerra uma permanência de cerca de 15 anos. Não a vejo como um adeus. Antes como um até sempre, em que a lógica dessa mesma constância se inverte. Reitero o meu convite para que guardem, se do exposto gostarem, mais estas peças que o território e as circunstâncias me inspiraram. Lançarão mais uma pedra na construção dos projectos futuros”, descreve o artista. Entre os dias 1 de Junho e 3 de Julho acontece a exposição “Arquitectarte”, organizada pela Associação Cultural 10 Marias, e que é protagonizada por Marieta da Costa, arquitecta e designer de interiores. A artista nasceu em Lisboa e viveu 13 anos em Londres, onde se licenciou. Reside há 11 anos em Macau onde, em 2015, iniciou um projecto com crianças dos quatro aos seis anos, no jardim de infância D. José da Costa Nunes, onde desenvolve actividades na área das artes plásticas e arquitectura para crianças, e são exploradas a imaginação, a visão sustentável e a arte de executar em geral. A Casa Garden acolhe, entre os dias 25 de Junho e 31 de Julho, a mostra “Desenhar Macau – Desenho, Pintura, Gravura e Monotipias”, de Catarina Cottinelli. Esta exposição “resulta de uma prática diária na vida de Catarina Cottinelli como forma de observar e reconhecer o mundo envolvente”, lê-se na nota de imprensa. O território tem sido, para a artista, “uma grande fonte de inspiração pela sua arquitectura e ambientes muito próprios e também pelas pessoas e encontros felizes que Macau lhe proporcionou”. Ainda na Casa Garden, mas a 17 de Junho, acontece um Serão Literário, um “encontro de ‘palavra dita’ em que serão lidos, ditos e teatralizados textos de autores representativos de várias literaturas em língua portuguesa por oradores convidados”. Este Serão terá acompanhamento musical. Ainda sobre o ciclo de exposições, dia 7 de Junho é inaugurada a mostra “Mudança”, com trabalhos de joalharia de Cristina Vinhas. A 9 de Junho a Galeria AMAGAO recebe a exposição “Lusografia”, que pode ser visitada até ao dia 4 de Setembro. Neste espaço será possível ver 70 obras de serigrafia, gravura e artes gráficas de artistas portugueses como Alexandre Baptista, Alexandre Marreiros, Cruzeiro Seixas, Espiga Pinto, Júlio Pomar, Graça Morais, Isabel Rasquinho, Manuel Cargaleiro, Vhils ou Júlio Resende, entre outros. Conforme denota o comunicado do evento, “Portugal tem uma longa tradição na gravura, serigrafia e artes gráficas afins”. “A produção de múltiplos de alta qualidade de uma obra de arte torna-a acessível a um público mais amplo. Além do seu valor estético individual, estas obras tornam-se objectos de colecção. Muitos artistas portugueses famosos produziram abundantemente [estas peças], utilizando variadas técnicas de impressão”, acrescenta-se. Cinema e companhia No fim-de-semana de 11 e 12 de Junho é a vez do cinema, com a apresentação, no auditório da Casa Garden, das curtas-metragens do New York Portuguese Short Film Festival e Festival de Cinema da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Esta é uma organização da Fundação Oriente e Art Institute. “Organizado pela primeira vez em Junho de 2011, o New York Film Festival foi o primeiro de curtas-metragens portuguesas nos EUA. O festival mostra o trabalho da nova geração de jovens realizadores portugueses. Ao organizar o festival, anualmente, em vários países, o Art Institute pretende ampliar e conquistar novos públicos para o cinema português, em todo o mundo. Serão ainda mostradas as curtas metragens dos realizadores seleccionados para o Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa”, descreve o programa. A gastronomia portuguesa não fica de fora das comemorações do 10 de Junho. No dia 12 decorre, no restaurante Mesa, no Hotel Karl Lagerfeld, o evento “Dia de Portugal”. Por valores entre 188 e 688 patacas será possível realizar “uma viagem gastronómica pelas várias regiões de Portugal, degustar produtos únicos portugueses como a famosa ginjinha em copos de chocolate e desfrutar de música portuguesa ao vivo”. Por sua vez, no dia 2 de Junho, será organizada uma noite de vinhos e queijos portugueses no terraço do hotel Sofitel, uma organização do Banco Nacional Ultramarino e grupo Vino Veritas. A 16 de Junho acontece, no Café Oriente, do Instituto Português do Oriente (IPOR), a mostra “Se podes olhar vê, se podes ver repara”, que celebra o centenário do nascimento de José Saramago, escritor português, com trabalhos dos alunos de nível C1 do Curso Geral de Português como Língua Estrangeira, a partir das suas leituras do livro “O Ensaio sobre a Cegueira”. A 3 de Junho, também no Café Oriente, decorre a apresentação do livro “Uma Casa com Asas”, de Andreia Martins, e que conta com ilustrações de Catarina Vieira. No mesmo dia, às 16h, haverá uma sessão de narração de histórias em parceria com a Associação Sílaba. Nos dias 3, 4 e 5 de Junho decorre também, no auditório da Casa Garden, um espectáculo de performance sensorial para bebés intitulado “Onde a terra se acaba e o mar começa”, com a artista Diana Coelho. No dia 9 de Junho, às 19h30, no auditório do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, decorre o evento “Falar Macau, Falar Português”, com a entrega dos prémios de um concurso de escrita organizado pelo IPOR. Serão ainda exibidos os vídeos “O Centro Histórico de Macau”, realizado por Margarida Guerreiro e Rita Cheong, “Unidos pela Língua”, de Vinne Szeto e Ignacio Marcovecchio e “Macau, a minha casa é cheia de amor” de Renee Wong.
Andreia Sofia Silva EventosAntónio Mil-Homens, fotógrafo e artista: “Comunidade portuguesa deveria ser mais unida” É mais uma das figuras da comunidade portuguesa que deixa Macau ao fim de um punhado de anos. Depois de dar cartas nas áreas da fotografia, arte e poesia, António Mil-Homens regressa a Portugal onde pretende desenvolver workshops e residências artísticas. Para trás deixa inúmeras exposições e projectos culturais, lamentando que a comunidade portuguesa não dê mais apoio às associações de matriz portuguesa Deixa Macau ao fim de 15 anos, onde se afirmou como fotógrafo e artista. Foram anos fundamentais na construção de um percurso criativo? Sem dúvida. Aqui as possibilidades são diferentes em relação ao que se consegue fazer em Portugal. Na prática, não tive apoios, além da cedência de espaços. De todas as exposições tive o apoio efectivo, em 2009, por altura do 10º aniversário da RAEM, quando a Amélia António decidiu a vinda para Macau da minha exposição “Macau para Sempre” e a edição do livro. As outras exposições saíram-me do bolso, mas eu tenho uma má relação com os pedidos, porque as poucas vezes que pedi apoios foram-me recusados ou tiveram respostas tardias. Macau foi importante, mas está na hora de inverter a lógica dos últimos 15 anos. Regressa a Portugal, onde já tem projectos culturais pensados. Sim, tenho condições para os desenvolver e virei a Macau sempre que se justificar. Desde 2018 que tenho casa própria no Alto Alentejo e investi em infra-estruturas que me vão permitir desenvolver projectos na área cultural e ecológica. O cerne será a organização de workshops nas mais variadas áreas, irei convidar pessoas para ministrarem esses workshops nas áreas que não domino e disponibilizo alojamento. Pretendo também criar condições para fazer residências artísticas nas áreas da pintura e da escultura, por exemplo. O meu regresso tem também a ver com uma série de factores, o facto de estar aqui sozinho e de o trabalho na área da fotografia ter caído quase para zero. A fotografia tem evoluído em Macau de forma positiva? Houve uma evolução incrível, em prejuízo da fotografia como profissão e modo de vida. Entraram mais fotógrafos no mercado e o digital causou uma certa depreciação que o digital trouxe à forma como a fotografia é olhada, veio democratizar a fotografia. Aponto, o ano passado, a criação da associação Halftone que está a angariar cada vez mais associados, além da existência de outras associações chinesas. Quando foi para Macau já tinha planos definidos na área cultural? Tinha estado cinco meses e meio em Macau em 1996, antes da transição. Tinha voltado para fazer a cobertura da transição para a Revista Macau, que na altura era dirigida por Rogério Beltrão Coelho, e também colaborei com um outro projecto, o livro de José Pedro Castanheira, “Os Últimos Cem Dias do Império”. As fotografias não são todas minhas porque quando me juntei ao projecto ele já estava em marcha. Já tinha uma certa ideia de Macau em termos culturais. Claro que nunca me passou pela cabeça que seria em Macau, já numa fase recente, de desenvolver as valências da pintura e da poesia. Em 2010 decidi que os projectos poéticos que tinha na gaveta iam começar a sair, e foi quando editei o meu primeiro livro, uma edição de autor. Em 2020 comecei a pintar, sem qualquer formação ou experiência na área. Foi um processo que sinto como estranho, pela forma e intensidade como aconteceu. Como foi fotografar a transferência de soberania de Macau? Foi desafiante? Sim, na medida em que as situações que foram acontecendo eram as mais diversificadas. O projecto implicava que José Pedro Castanheira escrevesse um texto por dia, nos últimos cem dias da Administração portuguesa, e era necessária uma imagem para ilustrar cada texto, e aí foi um desafio. Mas sem modéstia digo que foi fácil na medida em que, odiando a rotina, nunca me especializei num determinado tipo de fotografia. Isso dá-me a capacidade de analisar qualquer tipo de fotografia que me seja solicitado. Foi exaustivo na fase final, pois estavam cá centenas de fotógrafos. Esperava a permanência desta cultura de matriz portuguesa no território? As iniciativas culturais que acontecem são representativas dessa cultura portuguesa? Diria que sim, embora mais pudesse ser feito. Não digo da parte da Casa de Portugal em Macau, que tem desenvolvido um trabalho ímpar, apesar dos apoios que cada vez são menores e dos encargos cada vez maiores. Mas falo da comunidade em si e das pessoas que a compõem. Teria sido importante essa demonstração de vitalidade cultural fosse ainda mais vincada. Esta é uma crítica construtiva, pois há muita gente que tem muito para dar e remete-se ao seu cantinho e não deita cá para fora a sua capacidade criativa. A pandemia está a mudar profundamente a comunidade portuguesa, mesmo em termos culturais? Sim. Nós, humanidade, nos chamados países desenvolvidos, habituámo-nos a um certo facilitismo no dia-a-dia, do que fazemos e não fazemos, do que gostamos ou não. Quando surge algo com impacto, como é o caso da pandemia, as pessoas perdem a capacidade de reagir pela positiva e de entender todas as implicações, a mudança que tem de passar a haver para encararmos o dia-a-dia e a relação com os outros. À conta dos direitos individuais esqueceram-se os deveres colectivos, a solidariedade, o respeito. Temos de aprender a virar a moeda e, com os olhos da esperança, podemos tirar lições destes maus momentos e descobrir algo positivo, apesar de tudo. O trabalho das entidades de matriz portuguesa está mais dificultado? Penso que sim, mas muitas vezes o trabalho diplomático, sobretudo se as pessoas não têm uma personalidade mais dinâmica ou para o exterior, passa despercebido ou nem é considerado. Colocamos o voto na urna e achamos que a nossa parte está feita, mas acho isso errado como cidadão, pois todos temos um papel no dia-a-dia. O mesmo se passa com a comunidade portuguesa, que deveria ser mais unida e dar mais apoio às instituições que a representam. Ficámos com um certo comodismo. Para os próximos anos como será a divulgação cultural a nível local? Haverá espaço para uma maior aproximação entre comunidades? Poderá haver a profissionalização de algumas áreas, por exemplo? Penso que sim, assim as pessoas consigam perceber as oportunidades e as dificuldades também. É aquilo que na maior parte das vezes não acontece. Houve uma transição em Macau, temos um período até 2049, mas quem pensaria que este seria um período imutável e que só 50 anos depois é que se viraria a página, é não conhecer minimamente a cultura chinesa. Esta é uma cultura de preparação e programação a longo prazo. É isso que temos de entender. Macau já não vai ser como era antes da pandemia, nem nenhuma outra parte do mundo. Aqui, com a queda acentuada do peso do jogo, que não vai voltar mais ao que foi, com a abertura para a Grande Baía, vão surgir desafios muito maiores, mas imensas oportunidades também. A competitividade será cada vez maior, pois vamos competir com Cantão, Hong Kong ou Shenzhen, e isto tem de obrigar a uma mudança de postura e de actividade.
Andreia Sofia Silva SociedadeDSAT | Mais 18 auto-silos com pagamento electrónico este ano A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) garante que este ano haverá mais 18 parques de estacionamento com pagamento electrónico disponível para os utilizadores. A informação consta numa resposta, assinada por Lam Hin San, director da DSAT, a uma interpelação escrita entregue ao Governo pelo deputado Lam Lon Wai. Actualmente, dos 55 parques de estacionamento sob alçada da DSAT, só 32 têm pagamento electrónico. A DSAT explica ainda que “no contrato de gestão e exploração dos parques de estacionamento públicos não foi expressamente exibida a integração de diferentes plataformas de pagamento electrónico”, pelo que só mediante as necessidades “este requisito será introduzido nos concursos públicos futuros”. Quanto à aplicação do sistema de “Simply Pay” nos parques, a DSAT explica que a Autoridade Monetária e Cambial de Macau “está a estender este serviço”, além de “incentivar as instituições financeiras a disponibilizarem o mesmo na caixa de pagamento nos parques de estacionamento públicos, bem como a actualizarem o sistema de cobrança de tarifas”. Tudo para proporcionar “um serviço de pagamento mais inovador e conveniente”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCapitais públicos | Avaliações de desempenho com efeitos nos salários O Conselho Executivo já terminou a análise do novo regime jurídico das empresas de capitais públicos. Uma das alterações, passa pela introdução de um “regime de avaliação da exploração e funcionamento” das empresas, que terá efeitos nos salários pagos aos dirigentes. O Conselho Executivo concluiu também a análise de legislação sobre arquivos e sistemas de segurança contra incêndios, bem como a regulamentação do novo estatuto das forças de segurança Está concluída a análise do novo regime jurídico das empresas de capitais públicos, depois de um período de consulta pública realizada em 2021. O Conselho Executivo apresentou algumas linhas gerais do novo diploma na última sexta-feira, sendo que uma das alterações passa pela criação do regime de avaliação do desempenho da exploração e do funcionamento das empresas financiadas com fundos públicos. Segundo uma nota de imprensa, estas entidades “devem ser sujeitas periodicamente à avaliação do serviço competente relativamente à situação de exploração e funcionamento”. Esta avaliação, vai depois “influenciar as remunerações e a renovação dos mandatos dos membros dos órgãos”. O diploma, além de regulamentar a “constituição, exploração, funcionamento e supervisão das empresas de capitais públicos, bem como o exercício dos direitos dos titulares da participação pública”, estabelece uma definição do que é uma empresa deste tipo e os princípios que esta deve respeitar. Relativamente às participações detidas numa empresa de capitais públicos, caberá ao serviço de supervisão definir as atribuições dos titulares dessas acções. Fica definido que ao alienar as participações de capital detidas nas empresas de capitais públicos e os respectivos direitos e interesses, deve-se adquirir uma contrapartida razoável. Ainda na área da supervisão, determina-se que deve ser feita uma auditoria ao desempenho financeiro da empresa por contabilistas habilitados, devendo os resultados ser divulgadas junto do público. São ainda dadas “competências especiais” à assembleia-geral, conselho de administração e conselho fiscal destas empresas, definindo-se “as formas de escolha e nomeação dos membros dos órgãos das empresas de capitais públicos e os requisitos para o exercício das funções”. Estatuto regulamentado Na área das forças de segurança, e tendo em conta a entrada em vigor de um novo estatuto, o Conselho Executivo também concluiu a análise sobre o regulamento administrativo que determina a sua regulamentação. Este diploma “define as características das funções de cada um dos postos dos agentes das Forças e Serviços de Segurança, bem como o desempenho de funções pelos agentes”. São ainda reguladas matérias como “os cursos de formação para ingresso, de promoção e curso de comando e direcção, bem como o procedimento para promoção e a publicação e registo da lista de antiguidade”. Fica ainda determinado que “nos casos em que o pessoal que preste serviço fora do seu quadro de origem requeira uma avaliação extraordinária, passa a ser o dirigente do serviço onde esse pessoal está colocado a entidade competente para homologar a avaliação de desempenho”. Quanto à lei dos arquivos, que visa reformar o decreto-lei em vigor desde 1989, esta pretende “regulamentar os serviços e entidades públicos, a Assembleia Legislativa e os órgãos judiciários para que procedam à gestão, conservação e utilização sistemática dos seus arquivos, evitando danos dos mesmos”. É, assim, criado, “um mecanismo permanente de transferência e eliminação dos arquivos públicos”, regulamentando-se também o seu acesso, gestão e informatização. São também alvo de regulação, os arquivos das empresas de capitais públicos, de utilidade pública e instituições que prestem serviços públicos. Caberá ao Instituto Cultural, nomeadamente ao Arquivo de Macau, a gestão destes arquivos. Desta forma, “os serviços e entidades públicos, a Assembleia Legislativa e os órgãos judiciários têm o dever de colaboração”, em prol da preservação de documentos. Será ainda criado um “grupo especializado” que substitui o actual Conselho Geral de Arquivos. Na sexta-feira, o Conselho Executivo concluiu ainda a análise do regulamento administrativo intitulado “Regulamentação de inscrição para exercício de actividades de verificação, manutenção e reparação de sistemas de segurança contra incêndios”.
Andreia Sofia Silva EventosFotografia | “ASIA.FAR”, de Francisco Ricarte, inaugurada este sábado Um total de 80 fotografias tiradas por Francisco Ricarte desde 2007 em Macau e vários locais da Ásia compõem a nova exposição que estará patente na Casa Garden a partir de amanhã. “ASIA.FAR” revela o olhar sensorial do fotógrafo e que constitui, acima de tudo, um exercício de memória e de reflexão Um olhar não é sempre igual, muito menos a memória. Quantas vezes voltámos a pousar os olhos em imagens tiradas num outro tempo, que hoje têm outro sentido? Este foi o ponto de partida para a nova exposição que Francisco Ricarte, arquitecto e fotógrafo, apresenta, a partir deste sábado, na Casa Garden. “ASIA.FAR” é o nome da mostra e espelha a sua essência: o olhar de Francisco António Ricarte (FAR) sobre Macau e os diversos locais da Ásia que tem visitado desde 2007. Francisco Ricarte deixa de antemão um aviso: esta não é uma exposição com fotografias turísticas, mas sim imagens que revelam uma outra sensibilidade. É, acima de tudo, uma “interpretação da Ásia aos olhos de um indivíduo”, contou ao HM. “Este exercício de memória sofre alterações e há aspectos que adquirem um outro significado, e é essa ideia que eu quis trabalhar, fazendo uma releitura dos registos fotográficos que fiz desde 2007 até este ano. Seleccionei um conjunto de imagens em que procurei demonstrar a minha sensação e percepção dos vários espaços visitados e como me marcaram inicialmente e ao fim de uns anos. Este foi o ponto de partida para esta exposição”, acrescentou Ricarte. Macau é, como não poderia deixar de ser, ponto de destaque para esta mostra. Há “duas linhas principais”, revelando-se “o foco na natureza, o património natural muito rico do ponto de vista visual” e depois a densidade populacional, o urbanismo intenso, os prédios altos. “Há também elementos físicos e mais contemporâneos, ligados à densidade e nas visões correntes que temos de Macau. Essa é uma série que designei como ‘Conheça os vizinhos’, e que traduz essa hiper-realidade que temos à nossa volta”, destacou. Uma Ásia “especial” “ASIA.FAR” revela também os locais que mais marcaram Francisco Ricarte, contando-se imagens de lugares como Hue, no Vietname. “Outro é um lugar fantástico e soberbo que é Angkor Wat, no Cambodja, que deixa qualquer pessoa sensibilizada. Mas há também outros locais como Banguecoque, uma primeira viagem que fiz ao Tibete, quando fui ao norte do Vietname, a Sapa. Não posso deixar de referir Japão e a cidade de Quioto que é uma lição de estética e de beleza.” Francisco Ricarte já nos habituou a apresentar muitas das suas fotografias a preto e branco, mas desta vez revela-se a cor, numa exposição que não tem um tema específico. “A exposição anterior que fiz foi mais temática, baseada num determinado contexto e realidade. Revelava uma visão muito particular e pontual. Este é um exercício sobre a memória dos espaços que me marcaram.” “Ao mesmo tempo que reconhecemos na Ásia a vibração da cor, também podemos reconhecer a intensidade dos negros, do claro e do escuro, dos contrastes, as sombras, o que é mais percebido e não visto. Esta exposição poderá dar lugar a esse entendimento”, adiantou Ricarte. Ao olhar para o trabalho fotográfico que fez nos últimos anos, Francisco Ricarte reconhece que evoluiu como fotógrafo, apesar de não ter pretensões. “Mal seria se assim não tivesse acontecido. Não tenho a pretensão de fazer coisas perfeitas mas a preocupação de fazer o exercício do olhar, a forma como vejo as coisas. Essa é a preocupação que foge da visão imediatista daquilo que é só curioso e típico. Procuro fugir disso e que as minhas fotografias traduzam algo mais emotivo e sensorial. Não são fotografias turísticas mas traduzem, sim, sentimentos sobre determinados aspectos.” É por isso que, em “ASIA.FAR”, as imagens “vão variando, no sentido em que no início somos contaminados quando chegamos à Ásia e a Macau, pelas cores e pelos cheiros, pela exuberância do que vimos, mas lentamente assimilamos esses factores e procuramos transformá-los e criar uma outra percepção”. A exposição é inaugurada amanhã às 17h30 e poderá ser vista até ao dia 19 de Junho.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCovid-19 | Quem vem de Hong Kong terá código verde durante auto-gestão de saúde A partir da meia-noite da próxima segunda-feira deixa de ser obrigatório, para quem viaja de Hong Kong, o cumprimento de sete dias de auto-gestão de saúde com as restrições actuais, uma vez que estas pessoas terão código de saúde verde ao longo desse período. A larga maioria dos casos positivos é detectada nos primeiros sete dias de quarentena, porém, o isolamento mantém-se em 14 dias O “abrandamento da situação epidémica de Hong Kong” é uma das razões pelas quais as autoridades de saúde decidiram que, a partir da meia noite da próxima segunda-feira, 16, deixe de ser obrigatório o cumprimento, por parte de quem viaja de Hong Kong para Macau, da realização da auto-gestão de saúde de sete dias. Nesse período, o código de saúde deixa de estar amarelo e passa a cor verde, o que permite uma maior circulação no território. No entanto, é obrigatório realizar testes de despistagem à covid-19 a cada dois dias. Apesar desta alteração, as autoridades permanecem irredutíveis numa mudança do período de quarentena de 14 dias, ainda que a maior parte dos casos de covid-19 sejam detectados nos primeiros sete dias. Os dados foram anunciados ontem por Leong Iek Hou, coordenadora do Centro de Coordenação e de Contingência do novo tipo de coronavírus, na habitual conferência de imprensa sobre a pandemia. “Desde o início da pandemia que 75 por cento dos casos importados são detectados no prazo de sete dias. Do quarto ao sétimo dia são detectados 16,8 por cento dos casos, e depois 6,4 por cento entre o oitavo e décimo dia. Do 11.º ao 14.º dia são detectados 1,7 por cento”, frisou. Não há dados relativos ao número de casos diagnosticados. “Com a variante Ómicron, observamos que o período de incubação é cada vez mais curto. Estamos a fazer uma avaliação. Não me recordo da última vez que detectámos um caso positivo no décimo dia, mas vamos fazer uma comparação com os dados dos últimos seis meses”, adiantou a responsável. Leong Iek Hou frisou também que está a ser analisada a possibilidade de reduzir os dias da quarentena. “Sabemos que algumas regiões vizinhas reduziram o período de observação médica e estamos a avaliar o resultado. Queremos equilibrar as medidas e reduzir a inconveniência para as pessoas.” Dúvidas nos hotéis Outra das alterações anunciadas ontem, prende-se com o facto de os Serviços de Saúde de Macau (SSM), em cooperação com a Direcção dos Serviços de Turismo (DST), passarem a coordenar a marcação de quartos de hotel para a quarentena de todos os que viajam do Interior da China. Estes “não têm de fazer a marcação antecipada”. Já para quem viaja de outras regiões o cenário é bem diferente. Actualmente, apenas é permitido marcar um quarto com a antecedência de cerca de um mês, mas Leong Iek Hou garantiu ontem que “é permitida a marcação de hotéis até Agosto”, sendo que os residentes podem “comunicar directamente” com as entidades hoteleiras. De momento existem quartos suficientes, assegurou a responsável. No entanto, a médica admitiu não saber quantos residentes poderão viajar para Macau nos próximos meses, em consonância com o número de quartos disponíveis. “Os hotéis estão a tratar da marcação dos quartos aos poucos e a cada mês dão resposta a quem reservou. Não sei quantas pessoas vão regressar em Agosto, pois o residente pode prever viajar para Macau e não o fazer. Para quem já reservou os quartos estamos a tratar dos casos passo a passo e pedimos paciência.” Código de saúde | Segunda parte Já está em andamento a segunda fase da afixação dos códigos de saúde em estabelecimentos, e que inclui mais locais que não foram integrados na primeira fase. Desta forma, e segundo um comunicado ontem divulgado, os estabelecimentos devem imprimir e afixar o código de saúde até ao próximo dia 31. Cabe à Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) notificar os estabelecimentos ou associações abrangidas por esta segunda fase, devendo as mesmas registar-se no portal da DSI, em https://webservice.dsi.gov.mo/AssoSurvey/. Será depois enviado, no dia útil seguinte, o link da plataforma para o descarregamento de código QR de estabelecimento, e a conta para a pessoa de contacto, para que a mesma possa aceder à conta e descarregar o código de estabelecimento através do link. Na mesma nota, lê-se que a primeira fase da implementação dos códigos de saúde foi concluída em Janeiro, mas “há ainda alguns tipos de estabelecimentos na comunidade que estão em risco, mas que não foram incluídos na primeira fase”. Mais de 30 mil locais já têm o código relativo à 2.ª fase do programa. Docentes sem famílias As autoridades não vão permitir, para já, que os docentes ou pessoal de gestão escolar do estrangeiro tragam as suas famílias quando vierem trabalhar para o território. “Até agora recebemos nove pedidos que ainda estão a ser analisados. Apenas vamos autorizar a entrada dos docentes e não das suas famílias. Teremos de observar a situação epidémica e, passo a passo, ajustar as nossas medidas”, disse Leong Iek Hou. “Neste momento daremos prioridade ao pessoal docente de que carece Macau e vamos ouvir as opiniões dos serviços de educação”, adiantou. Quanto à vinda de empregadas domésticas das Filipinas, no âmbito do programa piloto, foram recebidos 12 pedidos até ao momento, tendo sido aprovados oito. Os restantes casos não “são qualificados” devido à ausência da toma de algumas doses da vacina contra a covid-19.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteDora Nunes Gago, autora: “Gostava que o leitor encontrasse esperança” A ex-directora do departamento de português da Universidade de Macau lança amanhã em Lisboa o livro de contos “Floriram por engano as rosas bravas”. Segundo a autora, a obra resultou de uma sucessão de idas e vindas a Macau, da inspiração em vultos culturais como Camilo Pessanha e Maria Ondina Braga, mas também da vontade de estabelecer uma ligação com a realidade noticiosa local “Floriram por engano as rosas bravas” contem alguns contos que já foram publicados. Porquê lançar agora esta obra? Não foram muitos publicados. Se calhar, no leque de 24 contos, seis tenham sido publicados, pelo que a grande maioria são textos inéditos. Esta é uma colectânea que fui organizando nos últimos seis anos. Recordo-me que o primeiro conto foi escrito no Ano Novo Chinês de 2016. No fundo acaba por ser um registo dos últimos dez anos de vivências em Macau e na Ásia, pois comecei a trabalhar na Universidade de Macau em Fevereiro de 2012. Fiz alguns rascunhos de situações que vivi e conheci, como viagens, e alguns contos baseiam-se em notícias de jornais, como é o caso do suicídio da então directora dos Serviços de Alfândega [Lai Man Wa], nos Ocean Gardens, ou aquele caso da morte do meio irmão do presidente da Coreia do Norte que foi assassinado em Kuala Lumpur e que viveu em Macau [Kim Jong-nam]. “A Roleta da Vida” é um conto sobre alguém que perdeu tudo num casino. Foi um trabalho feito ao longo do tempo, até que vi que era altura de juntar tudo e publicar. Decidiu então pegar em assuntos do quotidiano e adaptá-los à literatura. Como foi o processo criativo de unir realidade e ficção? Essa junção aconteceu de forma muito natural. Escrevo há muitos anos e a escrita e a literatura sempre foram, para mim, uma forma de olhar o mundo e também de me tentar integrar nele. Foi um pouco isso que tentei fazer através desses contos, tentar perceber melhor as diversidades culturais que existem em Macau e integrá-las em mim. Daí que acaba por ser quase inevitável essa junção dos mundos. Quando se sentava para escrever, que temas da actualidade local lhe despertavam mais a atenção do ponto de vista literário? Sempre me interessei por tudo. Uma boa história pode surgir no momento mais inesperado. Não procurei nos jornais ou em meu redor temas específicos. Por exemplo, a investigação que tenho feito na universidade, que tem muito a ver com imagens do estrangeiro e relacionadas com exílio, talvez tenha sido um pouco condicionada por isso. Mas interessam-me sobretudo temas sociais, que tenham a ver com cultura e sociedade. Tudo depende de como as coisas vão surgindo e do que despertam em mim. Porquê o género conto? Tenho uma colectânea de poemas completa e também estou a escrever algumas crónicas, que irei publicar em breve. O romance está ainda numa fase inicial porque exige outro tipo de trabalho, não é apenas inspiração, mas o trabalho textual tem de ser mais persistente e exigente, algo que não tenho conseguido conciliar com a minha profissão. O conto, por ser uma narrativa mais breve, e por ter um princípio, meio e fim, e porque naturalmente sempre tive mais tendência para ser sintética do que analítica, foi o género em que me senti mais à vontade. O título da obra remete para um poema de Camilo Pessanha. Pessanha é, aliás, uma grande influência para este livro, tal como Maria Ondina Braga. No caso do verso de Pessanha é curioso porque gostei muito dele e andava dentro de mim há muitos anos, há mais de 30 anos talvez, desde que li o poema. De repente, achei que esse verso fazia sentido porque está incluído num poema que fala de questões como a brevidade da vida, os desencontro, as ilusões e desilusões. É um poema simbolista com uma temática muito densa e que achei que se encaixava muito bem nesta colectânea. Quanto à influência da Maria Ondina Braga, sempre me identifiquei muito com a sua obra. Cheguei a conhecê-la pessoalmente num encontro de escritores, nos anos 90. Foi engraçada a minha entrada na sua obra. Em 1991, quando era aluna da Universidade de Évora, ganhei um prémio de escrita que incluía uma viagem a Macau. Quando regressei a Évora fui à livraria do centro comercial e havia lá um livro da Maria Ondina Braga, o “Nocturno em Macau”. Tinha acabado de sair. Identifiquei-me muito com esse romance e parecia que dava resposta a um certo fascínio que tinha sentido por Macau. A partir daí comecei a ler muita coisa sobre a autora e a nível de investigação também tenho escrito muita coisa sobre ela. Tem sido uma presença forte na minha vida. No prefácio é referido o lado de exilado de Pessanha, que morre em Macau, dependente do ópio. Há também esta relação com Pessanha? Camilo Pessanha é uma figura muito relevante na literatura portuguesa. É o nosso grande poeta simbolista e deixou uma grande influência na literatura portuguesa, nos modernistas, em Fernando Pessoa, por exemplo. Tendo este livro Macau como um dos cenários e estando Pessanha tão ligado a Macau, Pessanha é um autor que não se pode ignorar quando se fala de Macau e quando referimos o Oriente. É uma presença muito interessante. O primeiro conto é “A Chegada” e depois termina com o conto “A Partida”. Há aqui a ideia de distância, de exílio, de ligação a uma terra que se ama mas não se conhece? É verdade. Esta ideia de exílio colocou-se ainda mais nestes dois anos com a questão da pandemia, pois não pude ir a lado nenhum. Foi viver numa bolha à parte do mundo, uma bolha que fica longe. Outra das mensagens muito presente no livro é o contraste entre culturas e línguas. Sim. É também uma questão muito relevante em Macau, a questão linguística e as dificuldades que muitas vezes existem para se comunicar. Mas a literatura está sempre aberta às interpretações e cada leitor pode descobrir mensagens diferentes. Mas o que eu gostava realmente que o leitor encontrasse é a mensagem de esperança, mesmo nos momentos mais complicados e difíceis. Tentei em muitos contos apontar essa ideia de esperança. Este livro mostra uma percepção do que é Macau? Talvez. Macau é um território muito complexo, é um espaço geograficamente pequeno mas que tem dentro dele muitos mundos e culturas. Ao mesmo tempo é também um espaço em constante mudança, mas suponho que, pelo menos, o leitor fica com uma imagem de alguns aspectos relevantes do território. Este livro vai ser editado em Portugal. Sente que existe interesse das editoras portuguesas relativamente a Macau e ao Oriente, sobretudo na literatura? O panorama editorial em Portugal é complicado porque há imensas editoras e existe a sensação de que todos são escritores. Isso tem-se sentido muito nos últimos tempos, e faz impressão porque é um país onde não há muitos leitores. Creio que ainda há algum interesse pelo Oriente, porque continua a ser um mundo um pouco misterioso, apesar das viagens e da banalização. Que cenário traça em termos de edição de livros e produção literária em Macau, em língua portuguesa? Creio que esse mercado estará vivo mas começa a ressentir-se com a saída de estrangeiros, nomeadamente portugueses. Um dos problemas que vejo no mercado literário em Macau é a circulação dos livros fora do território.
Andreia Sofia Silva EventosDocumentário | Comuna de Han Ian organiza primeiro festival de produções locais Penny Lam, da associação Comuna de Han Ian, é o curador da primeira edição de um festival inteiramente dedicado ao documentário produzido sobre e em Macau e, acima de tudo, por quem é do território. O objectivo é revelar histórias que estão por contar e mostrar o trabalho de jovens realizadores A associação Comuna de Han Ian está a organizar a primeira edição de um festival inteiramente dedicado ao género documentário mas com produções sobre o território e feitas por realizadores locais. A primeira edição da Competição do Documentário de Macau, que, além da exibição dos filmes irá incluir uma exposição, decorre em Julho, sendo que as submissões de projectos podem ser feitas até à próxima segunda-feira, dia 16. A organização não tem ainda um local definido para a realização do evento. “Como uma das maiores associações que promove o cinema documental na cidade, a Comuna de Han-Ian tem providenciado uma plataforma para mostrar os trabalhos que são feitos em todo o mundo, procurando uma liberdade criativa nos últimos anos. Esperamos poder estabelecer a primeira competição que se foca apenas nos documentários de Macau, a fim de apresentarmos o trabalho dos realizadores locais de forma profissional”, lê-se numa nota. O júri será composto por realizadores e representantes da indústria do cinema da China, sendo que o documentário seleccionado como “Melhor Filme” irá obter um certificado e um prémio de dez mil patacas, além de ser exibido publicamente. Ao HM, o curador do evento, Penny Lam, explicou que quaisquer residentes de Macau, mesmo os que vivam no estrangeiro, podem concorrer. De frisar que a Comuna de Han-Ian tem vindo a organizar, desde 2016, um outro evento dedicado ao género documentário, o Festival Internacional do Documentário de Macau, que irá também decorrer em Julho. “Organizamos, desde 2016, este festival, mas este não se foca muito nos documentários produzidos em Macau, porque existem outros eventos nos quais os realizadores participam. Pensei que, com a minha experiência, poderia promover mais os documentários que são realizados em Macau para um nível mais profissional, uma vez que tenho contacto com curadores de outros festivais a nível internacional.” Segundo Penny Lam, a ideia sempre foi “fazer uma competição focada apenas nos realizadores locais, juntamente com um ciclo de exibição de filmes e uma exposição, para mostrar os trabalhos dos participantes junto do público”. O objectivo é atrair “uma grande quantidade de submissões”, incluindo projectos que normalmente são candidatos às competições organizadas pelo Instituto Cultural. “Também espero muitas submissões de realizadores de Macau que vivam fora do território, em Portugal por exemplo, porque não necessitamos que o filme seja filmado em Macau. Podem ser realizadores com ligações a Macau ou então co-realizadores, por exemplo. Estou algo ansioso pelas submissões que serão apresentadas e que tenham sido filmadas noutros países.” Números “muito bons” Penny Lam acredita que Macau é, acima de tudo, um território onde há muitas histórias por contar, daí um novo festival fazer todo o sentido. “Há temas de Macau que são bons para explorar no género documentário, tal como elementos culturais que estão a desaparecer. Mas o que espero no futuro é que possa existir maior criatividade na produção de documentários e essa é uma das razões pelas quais eu estou a promover esta competição, porque queremos ver e descobrir até que ponto vai essa criatividade junto dos realizadores locais.” O curador diz ainda que os jovens realizadores têm prestado cada vez mais atenção a este género cinematográfico. “Todos os anos os números relativos ao público [dos nossos eventos] são muito bons. Acredito que o género documentário tem um impacto positivo não apenas junto do público mas também por parte dos realizadores. Os realizadores de Macau são muito focados neste género e revelam muito entusiasmo, e penso que muitos jovens optam por fazer documentários, porque Macau está a mudar muito rapidamente, mesmo que seja uma cidade pequena.” Desta forma, “o documentário constitui um bom começo para muitos realizadores locais, porque a produção é mais barata e existe maior liberdade em matéria de conteúdos e filmagens”. “Muitas pessoas estão de facto a começar a sua carreira por este género”, frisou Penny Lam. Ainda assim, o responsável da associação Comuna de Han-Ian alerta para os desafios constantes em organizar festivais deste género. “Há o patrocínio do IC mas existem muitas dificuldades em organizar estes eventos porque não há uma grande indústria cinematográfica e não existe, a nível local, uma mentalidade para a realização de um festival de cinema. É difícil para nós encontrar bons parceiros e a equipa para este evento é muito nova, tudo é novo. Temos de fazer muitas tentativas e discutir muitas coisas porque não temos um modelo de evento semelhante que possamos copiar. Não temos experiência e profissionais”, conclui.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteA história de Mário Póvoa, o português preso por navegar em águas chinesas Em 1965 Mário Póvoa vivia em Coloane e, juntamente com um grupo de chineses, partiu numa embarcação em busca do cadáver do colega, Fat Chun, que havia morrido afogado. Apanhados pelas autoridades por estarem em águas territoriais chinesas, foram interrogados e doutrinados sobre Mao Tse-tung e Chiang Kai-chek. Acabariam por regressar a Macau no dia seguinte. A PIDE, em Portugal, teve conhecimento do caso A morte de Fat Chun por afogamento, aos 39 anos de idade, em Macau, no dia 23 de Junho de 1965, provocou um episódio marcante na vida do português Mário Póvoa, então residente em Coloane e natural da freguesia de Noselos, concelho de Moncorvo, em Portugal. Foi no dia seguinte que o português partiu numa embarcação, juntamente com familiares de Fat Chun e mais trabalhadores chineses, em busca do corpo deste homem. No entanto, saídos de Coloane, acabariam por chegar a águas territoriais chinesas e detidos pelas autoridades na ilha de Ma Liu Ho, hoje conhecida como a ilha de Hengqin. Depois de prestadas declarações, voltaram ao território, à época administrado pelos portugueses. O caso foi reportado ao então Ministério do Ultramar e à PIDE-DGS [Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção-geral de Segurança] pelo Governador de Macau em funções, o tenente coronel António Lopes dos Santos. O documento que descreve esta aventura, consultado pelo HM, está hoje guardado no arquivo diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa. Coube a um responsável da Polícia de Segurança Pública (PSP) interrogar, a 27 de Junho, Mário Póvoa sobre o que de facto tinha acontecido. O português, que trabalhava como capataz da brigada da “MEAU”, casado, à época com 36 anos de idade e residente na granja da “MEAU”, explicou tudo ao responsável da PSP. A viagem começou no dia seguinte à morte de Fat Chun, portanto a 24 de Junho, pelas 16h15. Mário Póvoa embarcou com mais 14 chineses com o objectivo de “procurar um cadáver no mar de Má-Lou Hó”. Fat Chun estava desaparecido desde o dia 23 e esta era já a terceira tentativa para a localização do corpo. O português fez-se então acompanhar por Va Fong, Cheoc Keong, Leong Peng, Vong Leong, Leong In, Sun Chong Seng, Ho Kuang e Chau Kang, “todos operários do Fomento”, bem como de Kong Kao, “peixeiro” e Lai Iong Seng, “operário da obra de ligação”. No mesmo barco seguiam “Ieong Lou, Lai Sio Ieng, Lai Sio Hoi e Chan Iong Cheng, respectivamente, mulher, filhos e prima do afogado”. Às 16h foi avistada a embarcação das autoridades chinesas, descrita como um “barco tipo carga (barco esse de todos conhecido como sendo quem fiscaliza, por parte da China, o estreito entre Coloane e a ilha de Má Liu Ho)”. À PSP de Macau, Mário Póvoa explicou que, “como se encontravam dentro das águas chinesas, rumaram rumo às nossas águas [de regresso a Macau], sendo já dentro destas detidos pelo citado barco”. As autoridades chinesas, no momento da detenção, “lançaram uma amarra à sampana (proa a proa)”, tendo conduzido os tripulantes à “ilha de Má Liu Ho onde chegaram pelas 17h”. “O barco que os deteve é do tipo de barcos que transportam carga entre as ilhas e Macau, tendo uma metralhadora, e nele viajavam três indivíduos fardados”, descreve o documento. Alimentados e doutrinados Chegados a território chinês para serem interrogados sobre os motivos pelos quais entraram em águas estrangeiras, Mário Póvoa e os colegas da tripulação deram as devidas explicações e nunca foram maltratados, bem pelo contrário. Não só receberam os alimentos que pediram como foi-lhes entregue o tabaco da marca preferida. “Desde o momento do desembarque foi-lhes dito pelas autoridades locais que estivessem descansados, pois nada de mal lhes aconteceria. Cerca das 20h foi-lhes servido de jantar em conformidade com aquilo que cada um pediu, tendo ao declarante [Mário Póvoa] sido servido ovos e uma cerveja depois de instado para que comesse algo, dado não querer comida chinesa.” Ouvidos “três chineses” entre as 21h30 e a 1h, Mário Póvoa deitou-se por volta das 22h, “sendo-lhes dadas esteiras e cobertas, lamentando as autoridades chinesas não os poderem acomodar melhor”, conforme o relato do português à PSP. No dia 25, logo às 10h, seria retomado o interrogatório até ao meio dia. As autoridades chinesas pretendiam saber o que fazia este grupo de pessoas nas suas águas e porque tinham fugido. O tratamento condigno dado aos detidos manteve-se. À hora de almoço “foi-lhes servida carne enlatada, tendo de novo as autoridades insistido com o declarante [Mário Póvoa] se pretendia qualquer coisa especial para a alimentação”. Nesse momento, o português “pediu tabaco para todos, tendo-lhe sido dados dez maços de tabaco consoante a marca que cada um pediu”. Mas o interrogatório não se ficaria por aqui. As autoridades chinesas decidiram dar ainda uma aula sobre os acontecimentos políticos e sociais que então se viviam, nomeadamente sobre “a miséria do povo no tempo de Chiang Kai-chek” as “dificuldades no começo do regime de Mao Tse-tung”, a “actual igualdade entre cidadãos chineses” e a “não existência de miséria na China”. Mário Póvoa e os seus companheiros ouviram também explicações sobre a “capacidade industrial com a construção de barragens”, tendo sido “citado, por exemplo, uma construção recente” na ilha de Ma Liu Ho. Não faltaram ainda informações sobre a “produção de aviões, bombas teleguiadas e armamento eficaz que está a ser utilizado no Vietname”, país que, à época, vivia uma guerra civil. Interrogatório nocturno Mário Póvoa só seria ouvido às 20h, tendo sido questionado sobre “se ele reconhecia ou não que errara em ir para as águas chinesas”. O português acabaria por afirmar que “fez isso inconscientemente e que foi à procura do cadáver de um homem que com ele trabalhou seis anos”. Assinada uma declaração em como tinham sido devolvidos todos os bens dos detidos, estes regressaram na mesma embarcação à ilha de Coloane, tendo partido às 21h e chegado às 21h20. “À partida foram ajudados pelas autoridades a porem o barco na água, tendo estes, até ao último momento, instado com todos se pretendiam algo de comer antes de embarcarem”, lê-se ainda. Aquando da detenção, não foram utilizadas armas e existiu sempre “liberdade de movimentos”. Com estas informações em cima da mesa, as autoridades portugueses em Lisboa não conseguiram concluir se, de facto, Mário Póvoa e os restantes tripulantes tinham violado o espaço marítimo chinês. “Dada a proximidade da ilha chinesa de Má Liu Ho no local da ocorrência, e a imprecisa definição de fronteira, é difícil afirmar-se, não obstante a constante informação atrás transcrita, que a embarcação tenha penetrado nas águas territoriais chinesas e que foi detida já nas águas territoriais portuguesas”, lê-se numa nota adicional. O rebentar do 1,2,3 Para João Guedes, jornalista e autor de vários livros sobre a história de Macau, este episódio “ilustra bem o adensar do clima de desconfiança política e militar da China em relação a Macau”, e que haveria de “explodir” com os episódios do 1,2,3, em 1966. “O facto de Macau não possuir então águas territoriais agudizava a situação. Além disso, os chineses sabiam que em Macau se encontrava em actividade uma rede terrorista que efectuava operações contra alvos no Interior da China, tendo afundado nesse ano, ou no ano anterior, um navio de guerra de grande envergadura que se encontrava ancorado no porto da cidade de Kong Mun, não longe de Macau.” Segundo João Guedes, o general Kot Siu Wong era o espião chefe dos nacionalistas do partido Kuomitang em Macau e acabaria por desertar para a China, “levando consigo toda a informação sobre a rede de espionagem que comandava”. O responsável afirma mesmo que “esta acção [de Kot Siu Wong] terá contribuído para o eclodir dos tumultos de 1966”. Moisés da Silva Fernandes, investigador da história de Macau da Universidade de Lisboa, dá conta que, entre 1950 e 1960 “havia, com uma certa regularidade, estes confrontos transfronteiriços, porque não havia entendimento entre a China continental e a administração portuguesa” quanto à definição das águas territoriais. João Guedes relata mesmo as histórias que ouviu da boca do “senhor Bilro”, que depois de trabalhar como guarda da PSP em Coloane era porteiro da TDM. À época, era a unidade militar do “senhor Bilro” a responsável por acender o farolim da navegação que se encontrava a meio do canal entre Coloane e a ilha da Montanha. “A embarcação com que cumpria essa missão diária era blindada, porque se o não fosse não a poderiam levar a efeito. Isto porque a maior parte das vezes as tropas chinesas postadas na costa do lado oposto abriam fogo contra ela, obrigando os tripulantes a abrigar-se atrás das chapas de aço da protecção para para não serem atingidos.” Segundo João Guedes, “o senhor Bilro dizia que os militares chineses não tinham intenção de matar ninguém (pelo menos nunca o fizeram) mas o tiroteio servia para advertir as autoridades de Macau que o farol só era aceso todos os dias graças à boa vontade da China”. O caso Salgado Dos casos mais célebres de detenções de embarcações, conta-se a do capitão Álvaro Salgado. Moisés da Silva Fernandes recorda que este foi capturado no dia 22 de Março de 1952 quando velejava entre a península de Macau e a ilha da Taipa, tendo ficado em cativeiro na China durante 31 meses. Álvaro Salgado só seria libertado a 19 de Dezembro de 1954. “Antes de ser preso, exercia na repartição de Informações do Quartel-General da guarnição militar”, descreve o historiador. João Guedes conta ainda que Álvaro Salgado tinha sido comandante da PSP em Macau e foi preso quando praticava vela desportiva. O vento tê-lo-á levado para as águas chinesas. “Este oficial acabaria por ser acusado de espionagem, tendo estado quatro anos preso em Cantão, depois de ter sido passeado pelas ruas juntamente com outros suspeitos de serem agentes estrangeiros presos com cordas e com cartazes a enumerar os seus alegados crimes contra o povo”, remata João Guedes.
Andreia Sofia Silva Entrevista ManchetePaulo Canelas de Castro, académico: “Conflito na Ucrânia obriga UE a testar limites” A Declaração Schuman, que marcou o arranque do que é hoje a União Europeia, foi assinada há 72 anos. Paulo Canelas de Castro, especialista em Direito Internacional e Europeu, analisa o projecto europeu que actualmente enfrenta a situação caótica da guerra na Ucrânia, assim como a chegada ao pelotão da frente de novos actores internacionais, nomeadamente a China Tendo em conta os objectivos iniciais, como encara a evolução do projecto europeu desde a sua génese? A União Europeia (UE) é hoje uma realidade incontornável do nosso mundo A Declaração Schumann visava reconciliar duas grandes potências em conflito durante anos, construir um mundo de paz e garantir a prosperidade económica e social. Julgo que a trajectória da União Europeia (UE) e dos Estados-membros nestes anos é a prova de que essa aspiração foi conseguida. A Europa vive num mundo de paz e não voltou a haver guerra dentro do espaço da UE, que se tem alargado. E em termos económicos, como avalia o projecto? Saiu-se de uma situação de grandes dificuldades no pós-II Guerra Mundial para um cenário em que existe o maior mercado interno do mundo. Isso explica que todos os Estados que saíram de regimes autoritários tenham procurado tornar-se membros da UE. Claro que permanece sempre a necessidade de revigorar o projecto europeu, mas parece-me imperioso celebrar essa mensagem inicial de paz que deu influxo ao projecto europeu. No contexto China/Estados Unidos, considera que a UE conseguiu manter a sua posição estratégica? Há muito que a UE está confrontada com um mundo diferente. A consagração em 1992 da própria noção de UE, diversa das precedentes Comunidades Europeias, é credora dessa interpelação fundamental. Em reacção à queda do Muro de Berlim, o projecto europeu deu um salto qualitativo evidente, tornando-se um projecto político também, que respeita aos cidadãos europeus, que interpela e procura mobilizar e integrar cidadãos, além de prosseguir a vertente de integração económico-social mais plural e exigente. A UE confronta-se hoje com uma realidade geopolítica diferente, mais complexa do que a vivida durante a Guerra Fria, nomeadamente com outras potências a emergir, como a China. Este contexto global cria uma nova tensão para a qual a UE procura encontrar soluções. Hoje, acontecimentos ou tendências internacionais recentes interpelam a UE a repensar-se. Em que sentido? Assim se explica, por exemplo, a adopção recente da uma bússola estratégica em que configura orientações para os novos desafios de um mundo em mudança. E há que tomar posição relativamente a essa situação nova, profundamente perturbadora do quadro de segurança estabelecido, que é uma guerra às portas da UE. Ainda por cima desencadeada por um grande Estado que partilha a geografia europeia. Um Estado que, durante algum tempo, se pensou honraria a sua responsabilidade especial consagrada na Carta das Nações Unidas, que após a Guerra Fria ensaiou uma estratégia de alguma aproximação aos países ocidentais, mas que agora não coloca em crise todo esse quadro de segurança da Europa. Na sua óptica, qual o papel da UE neste contexto? A guerra na Ucrânia interpela a UE a regressar e reafirmar os seus valores, a dar resposta a questões práticas imediatas, como o enorme fluxo de refugiados, ou ainda a questões politico-diplomáticas como a procura da Ucrânia por um ancoramento no horizonte europeu. Isto tendo em conta que a Georgia e a Moldávia também pediram a adesão a UE por viverem situações de proximidade com a realidade que a Ucrânia já vivia antes da guerra. A entrada da Ucrânia na UE é possível, juridicamente, neste contexto? Que implicações terá? Os critérios de adesão à UE exigem que o Estado candidato tenha uma economia de mercado funcional e seja um Estado de Direito. Há depois procedimentos que têm de ser cumpridos para provar o preenchimento destes requisitos, nomeadamente estabilidade e segurança. Procura-se que a adesão não conduza a conflito ou instabilidade no quadro da UE. Num tal quadro mais largo de exigências, esta pode ser uma condição difícil de preencher. Os Estados-membros terão depois de tomar uma posição, conjuntamente com a instituições europeias. Há indícios de uma compreensão muito aguda por parte dos europeus de quanto a situação na Ucrânia os interpela. Temos uma tomada de posição institucional, sobretudo da parte da presidente da Comissão Europeia, que reconhece a legitimidade da Ucrânia em prosseguir esta aspiração. Teremos de ver como os líderes dos Estados-membros reagem. Outros factores concorrem em sentido divergente, tal como o facto de algumas candidaturas à UE passarem por um processo demorado até obterem resposta. Muito se tem falado da necessidade de a UE ter uma nova estratégia em matéria de defesa. Qual a sua posição? A UE não era, inicialmente, um projecto de defesa ou militar. O fim da Guerra Fria teve o efeito paradoxal de fazer a UE perceber que a dimensão política também era importante e que na reconfiguração do mapa geopolítico, com a dissolução da URSS e a reconfiguração do mapa da Europa, teria de assumir uma vertente de segurança e defesa. Isso explica que a UE após Maastricht e, sobretudo o Tratado de Lisboa, tenha assumido uma política externa comum onde o vector defesa que tem crescido ao longo dos tempos. Este conflito na Ucrânia vai obrigar a UE a testar os seus limites e a pensar em termos inovadores como é que prossegue este vector num quadro mais hostil e menos estável. Muitos Estados na UE têm uma relação histórica com o centro russo da [antiga] URSS que trazem este tema para a agenda da UE de forma mais determinada. Como o fazem outros Estados em posições de liderança, como a França e Alemanha. A noção de que existem riscos sérios de segurança à porta da Europa, que é necessário uma resposta muito unida e determinada relativamente a ameaças do exterior levam a UE a ter de pensar de forma inovadora. Temos sinais de que alguma coisa está a acontecer. Tais como? A acusação fundada de que os europeus não contribuíam o suficiente para a NATO e para a sua própria segurança, poderá estar a perder actualidade. Assiste-se também ao repensar de posição de Estados neutrais membros da União. A UE terá de pensar qual será a forma eficaz de responder aos desafios com que se confronta na área militar e de segurança, mas também na área diplomática e de acção humanitária. A relação com a NATO será uma questão central neste quadro, mas ela também se joga noutros campos da actualidade da UE. A questão do acordo-quadro entre a China e a UE em matéria de investimentos ficou pendente nos últimos meses. Que expectativas tem nesta matéria? O acordo parecia-me interessante e importante para aproximar a UE de um actor fundamental nas relações internacionais contemporâneas. Neste período de grande instabilidade nas relações internacionais, em que todas as certezas foram postas em causa, mais proximamente por força da pandemia e em que todos os processos da globalização que pareciam sólidos se revelaram afinal, algo frágeis, era importante evitar mais um vector de tensão. Mas esse vector existe. Um acordo como este correspondia a aspirações da UE e da China de revigorar as respectivas economias e sociedades e dar um passo em frente numa relação que vinha a esmorecer, apesar da proclamação de que a relação configuraria uma parceria estratégica. O acordo contemplava elementos muito inovadores no sentido de integrar a China numa visão de construção do mundo segundo regras que foram criadas na ordem mundial para o conjunto dos seus membros. Sabe-se, porém, que, por forças de práticas de direitos humanos que serão contraditórias com tais aspirações e as regras do próprio acordo, o Parlamento Europeu introduziu um elemento de perturbação neste processo de aproximação. Parece-me que, de momento, não há dados novos que permitam ultrapassar esta situação. A última cimeira UE-China teve, deste ponto de vista, poucos resultados palpáveis e as diferentes posições em relação ao conflito que marca a hora presente [Ucrânia] acabam por ter um impacto negativo. As possibilidades práticas de retomar este acordo, num quadro com discursos de tom diferente, não me parecem ser a perspectiva mais imediata. Isso não quer dizer que não fosse útil. Mas gostaria de frisar quão auspiciosos são, pelo contrário, os entendimentos entre a UE e a China no domínio da resposta internacional às alterações climáticas, bem como da relevância das instituições internacionais e do multilateralismo, numa senda de governação global em que importa que estes dois actores principais das relações internacionais contemporâneas estejam comprometidos. É no quadro desta perspectiva que via como particularmente relevante o acordo compreensivo sobre investimentos. Quais os grandes desafios da UE nos próximos tempos? É óbvio que estamos perante uma emergência. Este conflito injustificado tem reflexos imediatos na UE. Pede respostas imediatas no plano humanitário de acolhimento de refugiados, e a UE respondeu de forma condigna a essa crise. Exige também resposta diplomática de UE para surtir efeitos, nomeadamente de diálogo com a Rússia. Há também que permitir, por um lado, a legítima resistência da Ucrânia e sinalizar, ao mesmo tempo, à Rússia, que as suas acções são uma clara violação do Direito internacional e, por isso, têm de ser devidamente sancionadas. A UE tem sinalizado Estados que mais directamente se têm sentido agredidos, não lhes negando o horizonte europeu a que aspiram. Isso vale para a Ucrânia mas também para a Geórgia e Moldova que têm experiências similares, com ocupações parciais dos seus territórios. Mas a UE tem de lidar também com questões estruturais. Uma delas é a pandemia, que acentuou a necessidade de reconstruir o tecido sócio-económico tão afectado. A UE tem também que contribuir para uma globalização mais justa e sustentável, em que os diversos actores não tenham que viver angústias perante a paralisia dos processos globais. As crises e emergências que se esperam não devem também fazer perder de vista a relação com o ambiente e a preservação do planeta. Há que fazer a transição climática, não sendo permitidos adiamentos, tal como a transição digital que deve estar ao serviço da humanidade, da ecologia e do respeito pelos direitos dos indivíduos. Além disso, a guerra na Ucrânia coloca uma nova urgência na prossecução da transição energética, sem mais delongas, apesar de provavelmente ser um processo custoso.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteJohn Lee eleito Chefe do Executivo de Hong Kong John Lee foi eleito, no domingo, Chefe do Executivo de Hong Kong com 1.416 votos do comité eleitoral, tendo sido registada uma participação eleitoral de 97,7 por cento. O Chefe do Executivo eleito é visto como o rosto de um “novo capítulo” de um mesmo livro, focado nas questões da segurança nacional e da estabilidade sócio-económica da região vizinha O único candidato a Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, foi no domingo confirmado no cargo, ao obter 1.416 votos, anunciou a comissão dos assuntos eleitorais. O candidato Lee Ka-chiu, John, “obteve 1.416 votos”, sendo eleito Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, indicaram as autoridades eleitorais, num comunicado publicado no ‘site’ das eleições. “Agradeço o vosso apoio à eleição do Chefe do Executivo”, disse Lee, de 64 anos, num breve discurso proferido depois de anunciados os resultados, noticiou o jornal local South China Morning Post. No período de votação, entre as 9h e as 11h30, 1.428 membros da comissão depositaram o seu voto, o que representa uma taxa de participação de 97,7 por cento, de acordo com um comunicado das autoridades locais. A comissão eleitoral é composta por 1.463 membros, na maioria pró-Pequim. Cerca de sete mil polícias foram destacados para evitar qualquer incidente durante a votação, indicou a imprensa local. Ainda assim, a Liga dos Sociais-Democratas, um dos últimos grupos pró-democracia na região, organizou uma manifestação de três pessoas, antes da abertura das assembleias de voto, para exigir “o sufrágio universal, agora”. “Sabemos que esta acção não terá qualquer efeito, mas não queremos que Hong Kong fique completamente silenciosa”, declarou a manifestante Vanessa Chan, perante dezenas de agentes policiais. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, a seguir à vitória, John Lee adiantou aos media que o seu Governo “estará determinado em confrontar os problemas enraizados que Hong Kong enfrentou durante muitos anos, ter passos decisivos e adoptar acções eficientes e efectivas para resolvê-los”. “Espero que possamos começar um novo capítulo juntos, construir uma Hong Kong que cuida, que é aberta, vibrante, e que está cheia de esperança, oportunidades e harmonia”, adiantou. Apesar de o manifesto eleitoral apontar sobretudo para uma política de continuidade em relação a Carrie Lam (2017-2022), Lee avisou: “Será uma nova sinfonia, e eu serei o ‘maestro’”. Da herança Secretário para a Segurança no Executivo da Chefe do Executivo cessante, Carrie Lam, Lee supervisionou as operações policiais para pôr fim aos protestos anti-governamentais que abalaram a cidade em 2019. John Lee herda uma cidade e terceira praça financeira mundial praticamente isolada do mundo devido às medidas restritivas de controlo da covid-19. Sob o slogan “Iniciar em conjunto um novo capítulo para Hong Kong, Lee prometeu um Governo “orientado para resultados”, mas o programa de 44 páginas, publicado na semana passada, apresentou poucas medidas concretas. Na campanha eleitoral, Lee comprometeu-se a promulgar legislação local para proteger o território das ameaças à segurança nacional, aumentar a oferta de habitação no mercado imobiliário mais caro do mundo, melhorar a competitividade da cidade e estabelecer uma base firme para o desenvolvimento de Hong Kong. Em 1 de Julho, data que marca a transferência de soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China, John Lee vai substituir Carrie Lam, de 65 anos, que decidiu não se candidatar a um novo mandato de cinco anos. Reforma a caminho Ontem, numa conferência de imprensa, Carrie Lam declarou que o sistema político baseado no conceito dos “patriotas a administrar Hong Kong” ficou totalmente implementado com a eleição de John Lee. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, Carrie Lam reuniu com John Lee para discutirem a reestruturação governativa, as medidas para travar o surto pandémico e as actividades que vão celebrar os 25 anos da transferência de soberania de Hong Kong para a China. A Chefe do Executivo ainda em funções acredita que esta reforma vai permitir a continuação da prosperidade de Hong Kong. “Eu e a minha Administração vamos continuar a lutar contra esta pandemia da covid-19 a fim de permitir que a população de Hong Kong regresse a uma vida normal o mais cedo possível e também garantir uma base forte para a retoma das viagens [sem quarentena] para o continente.” John Lee comentou ainda os planos do Governo para a reestruturação de alguns organismos públicos, nomeadamente a separação das direcções de serviços de transportes e habitação. “A actual proposta já teve em conta vários factores e as sugestões são detalhadas. Trocámos opiniões sobre alguns elementos da proposta. Deverei reflectir sobre essas visões com os colegas da Chefe do Executivo em detalhe [o mais cedo possível]”, frisou. Uma das primeiras acções que John Lee fará após a sua eleição será a visita às quatro representações de Pequim em Hong Kong, incluindo o Gabinete de Ligação e o Gabinete para a Salvaguarda da Segurança Nacional. Ontem, além de reunir com Carrie Lam, John Lee reuniu também com o Chefe da Justiça e o Presidente do Conselho Legislativo. Novo capítulo, mesmo livro Contactado pelo HM, Jorge Tavares da Silva, académico da Universidade de Aveiro e analista de assuntos políticos chineses, considera que a eleição de John Lee “vem refrescar o ambiente política em Hong Kong, ainda que seja um homem pertencente à estrutura política anterior, após o desgaste da governação de Carrie Lam”. O facto de John Lee estar no poder constitui “um sinal à população de que há uma nova gestão no território, revelando uma vontade de mudança e um sinal atenuador para os ímpetos reivindicativos locais”. Além disso, John Lee “tem no seu discurso uma vontade explicita de resolver um dos maiores problemas da geração mais nova, a crise de habitação”. Há também “a perpetuação de um clima de segurança apertado no território, área de onde transita John Lee”. “Não deixa de ser um sinal para que a indisciplina será fortemente condicionada. Em suma, em simultâneo, uma vontade de dar uma nova resposta à população de Hong Kong sem sair das suas linhas mestras. Como diz o slogan do seu programa ‘iniciando um novo capítulo para Hong Kong Juntos’. Uma viragem de página no mesmo livro”, apontou o académico. Relativamente ao programa eleitoral apresentado pelo Chefe do Executivo eleito, Jorge Tavares da Silva entende que revela “algumas linhas orientadores do que poderá ser o seu mandato”, existindo “uma vontade de proteger Hong Kong enquanto importante centro financeiro internacional, abalado pelas sublevações e pela pandemia da covid-19”. Está em causa “uma plataforma muito relevante para a saúde financeira da República Popular da China”, além de que a habitação é hoje “um dos pontos vulneráveis na gestão urbana de Hong Kong”. A eleição de John Lee significa ainda “uma garantia para Pequim e um sinal a Washington, pela não aceitação de ingerências externas nos assuntos locais, tendo em conta que Lee foi vice-chefe da polícia, sancionado pelos americanos”. Também ao HM, o analista político Sonny Lo defendeu que um dos grandes focos de John Lee para o mandato como Chefe do Executivo passa pela regulamentação do artigo 23 da Lei Básica e a lei de cibersegurança, procurando também lidar “com as origens sócio-económicas dos protestos de 2019 ao melhorar a mobilidade jovem, o patriotismo dos jovens e a habitação”. John Lee deverá também trabalhar mais em prol de uma maior “competitividade em Hong Kong e numa melhoria da capacidade governativa”. Sobre a questão da segurança nacional, Sonny Lo pensa que Pequim espera sobretudo que haja estabilidade em Hong Kong, a nível social e económico, ao mesmo tempo que se regulamenta o artigo 23 da Lei Básica e se promove “a incorporação económica e social na Grande Baía”. A nível económico, Sonny Lo acredita que Hong Kong “vai gradualmente abrir as portas para o mundo, enquanto que as restrições fronteiriças com o continente e Macau serão relaxadas, é uma questão de tempo”. “A recuperação está a caminho”, defendeu. E Macau? Sonny Lo não tem dúvidas de que, caso Hong Kong avance para a regulamentação do artigo 23, Macau irá seguir-lhe os passos através do “aperfeiçoamento e do reforço da lei de segurança nacional”, ocorrendo “uma convergência na segurança nacional das duas regiões”. Jorge Tavares da Silva recorda que, embora a realidade política em Macau seja “amplamente diferente” de Hong Kong, esta eleição “não deixa de mostrar as preocupações do Governo em manter na região da Grande Baía um clima de paz que leve ao desenvolvimento regional”. Além disso, aponta o académico, “o 20.º Congresso do Partido Comunista Chinês vai-se aproximando, sendo importante manter um ambiente político estável nos próximos meses”. Bilhete de identidade Ex-secretário para a Segurança e número dois do Governo de Carrie Lam, John Lee foi o grande responsável pela implementação da nova Lei de Segurança Nacional no território, além de ter actuado para travar a acção dos protestos em 2019. Apesar do resultado, o único candidato à liderança de Hong Kong já prometeu a introdução de novas infrações que reforcem a legislação sobre a segurança nacional. Aquando das eleições no final de 2021 para o parlamento local, dominado por deputados “patriotas”, Lee deixou um apelo à população, para ajudar as autoridades na missão de impedir que “os desordeiros, as forças estrangeiras e as forças destrutivas prevaleçam”. Aos jornalistas detidos, classificou-os de “elementos malignos (…) que abusaram das suas posições (…) como funcionários dos ‘media’”. Ex-inspector e comissário adjunto da Polícia, assumiu a pasta da Segurança no Executivo de Carrie Lam em 2017 e avançou com a proposta da polémica Lei da Extradição, que espoletou os protestos em 2019, que levaram milhões de pessoas às ruas durante nove meses. Em Junho de 2021, acabou por ser promovido a secretário principal governamental. John Lee integra uma lista de altos responsáveis de Hong Kong alvo de sanções norte-americanas, impostas em Agosto de 2020. Felicitações de Ho Iat Seng O Chefe do Executivo de Macau disse esperar que as duas regiões administrativas especiais chinesas “possam avançar unidas”, numa mensagem de felicitações enviada a John Lee pela eleição como líder de Hong Kong. Ho Iat Seng defendeu também que os territórios possam “avançar unidos e cooperar com firmeza através da participação na construção de uma Grande Baía Guangdong, Hong Kong, Macau de topo de gama, e na integração da conjuntura do desenvolvimento nacional para concretizar da melhor forma os respectivos desenvolvimentos, criando uma vida melhor para a população, elaborando em conjunto um novo capítulo da grandiosa causa de ‘um país, dois sistemas’, disse, de acordo com um comunicado oficial. O Chefe do Executivo de Macau sublinhou ainda “a mesma origem” cultural das duas regiões, bem como as “relações estreitas na economia, comércio, com resultados eficazes no intercâmbio e cooperação”. Com Lusa Preocupação do G7 Os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países do G7 expressaram ontem a sua “grande preocupação” com a nomeação do novo líder de Hong Kong, John Lee. O grupo das nações industrializadas, ao qual pertencem Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Japão e Alemanha, classificou a eleição de Lee como um “ataque contínuo contra o pluralismo político e as liberdades fundamentais”. Os responsáveis do G7 instaram a China a agir de acordo com a declaração sino-britânica e o restante das suas obrigações legais. “Pedimos fortemente ao novo Chefe do Executivo que respeite os direitos protegidos e as liberdades ancorados na Constituição de Hong Kong e cuide para que a justiça defenda o Estado de Direito”, referiram os responsáveis.
Andreia Sofia Silva EventosBeatriz da Silva, designer de moda macaense: “Continuo apaixonada por aquilo que faço” Fez formação em belas artes, mas a necessidade de ter autonomia financeira fê-la voltar-se para o mundo da moda. Há 14 anos, Beatriz da Silva, macaense, abriu o seu atelier no Soho, em Hong Kong, e não mais parou de criar peças femininas, elegantes e de alta qualidade. Manter a marca em contexto de crise pandémica tem sido um dos grandes desafios Como começou a paixão pelo mundo da moda? Estudei belas artes no Canadá, nos anos 80. Fiz algumas exposições individuais em Londres, Canadá e Macau. É difícil viver a cem por cento da arte. Tive sorte de, em Xangai, conhecer uma pessoa numa das minhas exposições que gostou do meu trabalho e me contratou como designer para trabalhar na sua fábrica. Nessa altura, quando trabalhava numa sala com amostras, fui aprendendo como fazer uma colecção de vestuário, e apaixonei-me por essa área. Além disso, realisticamente, tinha de me sustentar, porque ser artista, uma pintora, é impossível atingir esse objectivo. Por essa razão é que transformei a minha carreira e me tornei numa designer de moda. Depois dessa experiência trabalhei em Londres durante muitos anos para marcas como a Burberry. Até que tive a oportunidade de vir para Hong Kong e trabalhar numa empresa ligada ao comércio de vestuário. Aí aprendi muito sobre o mundo da manufactura e em termos de desenvolvimento [de peças e colecções]. Antes estava na área do retalho e do design e não tinha muitos conhecimentos sobre o fornecimento de encomendas e produção. Depois de sete ou oito anos, quando se deu a crise financeira de 2008, fiquei em regime de lay-off. Era difícil encontrar trabalho, e em 2009 decidi lançar a minha própria marca. Aluguei uma loja no Soho e ainda hoje estou aqui. Acabou por construir uma carreira quase por acaso. Continuo apaixonada por aquilo que faço. Construí uma carreira sólida, tenho os meus clientes fiéis que me apoiam desde que lancei a minha marca. Quais os grandes conceitos e ideias que estão por detrás da sua marca? Ela é, acima de tudo, sobre individualidade, paixão, inspiração, a crença na nossa própria personalidade. A marca “Beatriz da Silva” foca-se muito na ideia de bem-estar. Posso garantir que as minhas peças duram bastante tempo e são intemporais. Uso bons tecidos e a minha aposta é sempre em fazer moda de qualidade e não a chamada moda rápida [fast fashion]. Uma peça minha feita há 10 ou 15 anos pode continuar a ser usada hoje em dia, e a qualidade mantém-se. Acredito na necessidade de protegeremos o ambiente e tento fazer algo que seja sustentável. Há pessoas que compram uma peça barata, usam-na duas ou três vezes e depois essa peça deixa de ter qualidade e é deitada fora. Para mim, isso é promover o desperdício. A minha filosofia é fazer algo com valor, e quando se adquire uma peça minha, adquire-se qualidade. O preço pode ser um pouco elevado, mas se olharmos para a qualidade dos tecidos e materiais, não é assim tão elevado. Uso linhos e sedas, tecidos naturais e elegantes para enriquecer as minhas colecções. A sustentabilidade é, portanto, um aspecto fundamental da sua marca. Para mim há toda uma filosofia por detrás [da marca]. Ser uma pessoa por detrás de cada colecção visa atingir uma sensação de bem-estar ao vestir uma peça e ter consciência do que está à nossa volta. Quero construir [peças] que devolvam algo à sociedade e que tragam algo de diferente. Em última análise, compramos algo que não é caro, e entendo que nem toda a gente pode comprar peças de roupa caras, mas entendo que, como seres humanos, devemos criar algo em prol da comunidade. Há muitas questões em torno desta ideia de sustentabilidade. Quando alguém veste uma peça de roupa criada por si, como é que essa pessoa se pode definir? Prefiro fazer sempre roupa de mulher, em primeiro lugar. Quando trabalhei em Londres cheguei a ter formação em roupa de homem, e quando cheguei a Hong Kong trabalhei com colecções masculinas e femininas, mas sempre gostei mais de fazer roupa de mulher. Penso que as mulheres que vestem as minhas roupas são inteligentes, elegantes e muito focadas na sua carreira. São mulheres que sabem o que querem e que têm uma personalidade forte. Não tenho problema em vender as minhas colecções para mulheres que sabem apreciar a qualidade dos tecidos e dos materiais. A maior parte dos meus clientes são pessoas bem formadas em termos profissionais e têm um estilo de vida apaixonado, sabem como viver plenamente. Muitas dizem-me “tenho uma festa, arranje-me um vestido que me faça parecer fabulosa”. Adoro fazer com que as minhas clientes se sintam bem com elas mesmas. Hong Kong constitui um importante mercado no mundo da moda. Como é ser designer no território numa altura em que o território enfrenta grandes mudanças? Hong Kong é um mercado difícil, porque tem sido um lugar com uma tensão entre ricos e pobres. Não temos uma classe média, pois temos os expatriados que vivem muito bem e os locais, a classe trabalhadora, que vive constrangida no dia-a-dia, com baixos salários. Obviamente não tenho um grande nome, não tenho uma grande empresa, trabalho sozinha. Posso dizer que é muito difícil construir uma marca em Hong Kong, a não ser que tenhamos uma almofada financeira ou uma grande empresa por detrás. Como não é esse o caso, tenho de ser muito cuidadosa na forma como construo uma colecção, pois tenho de fazer muito bem o trabalho de publicidade. Até este momento vendo as minhas peças e também faço fornecimento para grandes empresas, como designer. Tenho uma equipa de recursos humanos limitada, mas acredito que se formos bons e profissionais não precisamos de uma grande equipa para nos ajudar. Tendo em conta a pandemia, houve mais desafios para manter o negócio? Sem dúvida. Também os protestos que decorreram no centro de Hong Kong, em 2019, afectaram bastante o meu negócio. Mesmo as pessoas normais [que não estavam ligadas aos protestos] não tinham vontade de sair e consumir. E depois foi a pandemia, todos passámos por algo que ninguém esperava, e o meu negócio voltou a ser severamente afectado. Mas acredito que, ao fim ao cabo, as coisas vão voltar ao normal e acredito que Hong Kong se torne num lugar resiliente. Acredito nas pessoas que lutam todos os dias para manter a sua vida e a sua família. As pessoas de Hong Kong trabalham arduamente e dou-lhes todo o crédito. Sente que a sua marca evoluiu e mudou nos últimos anos? Sim. Aprendi muito nos últimos anos, desde a minha primeira colecção, embora haja coisas que nunca mudam, como o espírito das minhas colecções. Mas, em 14 anos, há certos elementos do meu design que fui alterando, porque quando temos uma marca temos de criar esse valor comercial e eu tenho de ser um pouco comercial. Essa parte representará cerca de 30 por cento do meu trabalho, e o restante diz respeito à qualidade e valor [das peças] e aquilo em que acreditamos sempre.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteViolência doméstica | O efeito da pandemia no aumento do número de casos No espaço de um ano Macau registou mais 43 casos de violência doméstica. Cecília Ho e Melody Lu, académicas e membros da Coligação Anti-violência Doméstica, alertam para o facto de o fecho das fronteiras e a crise económica serem duas das grandes causas para o aumento dos casos. Ambas acreditam que a violência poderá continuar a acentuar-se se as restrições pandémicas se mantiverem Com Nunu Wu O relatório que traça o panorama da violência doméstica no território, divulgado esta quinta-feira pelo Instituto de Acção Social (IAS), revela um aumento do número de casos, situação largamente influenciada pelos efeitos da pandemia. Entre 2020 e 2021 houve mais 43 casos de violência doméstica, sendo que, se olharmos para a tendência dos últimos cinco anos, vemos que a média mensal de casos, de 6,8, voltou a aproximar-se a valores de 2017, quando ocorriam cerca de oito casos de violência doméstica por mês. O maior número é de 2016, ano em que a nova lei da violência doméstica entrou em vigor, quando se registava uma média de 10,3 casos por mês. De frisar que, em 2020, tinha-se atingido a média de casos mais baixa, com 3,2 por cento. A violência contra mulheres casadas continua a representar a maior fatia, 45,7 por cento, tendo sido registados, em 2021, 37 casos. Por oposição, foi registado apenas um caso de violência doméstica contra um homem casado. Relativamente à violência conjugal, 81,6 por cento das situações implica violência física. Em todas as situações de violência, seja contra crianças, idosos ou pessoas incapazes, as vítimas do sexo feminino estão sempre em maioria, 74,4 por cento, sendo que as vítimas masculinas são apenas 25,6 por cento. No que diz respeito à violência perpetrada contra crianças, ocorreram 30 casos, uma fatia de 37,1 por cento. Neste caso, a maioria das situações, 56,7 por cento, registou violência física. O relatório traça ainda um quadro geral do tipo de agressor e dos motivos que o levam a agredir a vítima. Em 55,6 por cento dos casos ocorrem “distúrbios ou descontrolo das emoções”, sendo que, em segundo lugar, surge, com 25,9 por cento, o factor “concordância com o uso de violência”. O alcoolismo aparece em terceiro lugar como razão da violência, com 17,3 por cento. Quanto à origem dos casos, a maioria, 34,6 por cento, ocorre na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, na zona norte da península de Macau. Sobre o perfil profissional do agressor, 34,6 por cento não tem rendimentos, enquanto que 35,9 por cento está “inactivo”. Sobre o nível de ensino, 27,2 por cento tem apenas o ensino secundário completo. No quadro geral, os cenários que levam a situações de violência física prendem-se, em 45,7 por cento dos casos, com “dificuldades ou obstáculos de comunicação no casal” e, em 27,2 por cento, em situações de adultério ou suspeitas do mesmo. Seguem-se, em terceiro lugar, com 18,5 por cento, “obstáculos na comunicação entre pais e filhos”. Desde 2016, que a violência doméstica é um crime público, o que significa que qualquer pessoa fora do contexto familiar pode fazer queixa junto das autoridades se observar uma situação de violência. Segundo o relatório do IAS, as queixas por parte de vizinhos, amigos ou familiares da vítima representam ainda uma baixa fatia, 3,7 por cento, tendo em conta que a grande parte dos casos conhecidos, 29,6 por cento, veio do Corpo de Polícia e Segurança Pública. A Polícia Judiciária lidou com 4,9 por cento dos casos, enquanto que os organismos públicos trataram de 13,6 por cento das situações. De frisar que, em 26 por cento dos casos, foram as próprias vítimas a pedir ajuda. Futuro sombrio Melody Lu, socióloga e membro da Coligação Anti-violência Doméstica, aponta como a grande causa para este aumento do número de casos a crise económica que o território atravessa. “A investigação revela que a quebra na economia, o desemprego e o isolamento são os factores mais importantes para o aumento da violência doméstica”, contou ao HM. “Mais do que continuar o trabalho da educação pública [sobre este tema] e aperfeiçoar a lei de violência doméstica, penso que é mais importante olharmos para as condições estruturais, como a recuperação da economia e a saúde mental da população. É necessário estudar os casos existentes a fim de identificar os padrões e as causas [para a violência]. Neste momento não temos acesso a essa informação”, frisou. A socióloga da Universidade de Macau não tem dúvidas de que a continuação das medidas restritivas impostas pelas autoridades para lidar com a pandemia vai levar a um aumento do número de casos. “Poderemos ver um enorme aumento porque, nos últimos dois anos, as pessoas tiveram de aguentar momentos de maior dificuldade na esperança de que terminassem em breve. Quando não vislumbramos um fim, a depressão torna-se mais séria. Uma maior taxa de desemprego pode tornar-se algo permanente no futuro”, frisou. Cecília Ho, também membro da Coligação Anti-violência doméstica e académica na área do serviço social da Universidade Politécnica de Macau, acredita num potencial aumento de casos. “A pandemia tem um enorme impacto nos casos de violência doméstica, especialmente devido ao fecho de fronteiras, pois as pessoas têm falta de liberdade nas viagens para o continente. Antes, muitas famílias preferiam ficar no continente ou viajar entre Macau e Zhuhai devido ao menor custo de vida [do outro lado da fronteira]. Mas agora não o podem fazer e estão forçados a viver numa pequena área. Esperam-se mais conflitos e tensões”, defendeu ao HM. Para Cecília Ho, parece que o IAS “não analisou o impacto da violência doméstica através de uma base com mais educação pública, como a promoção de meios de comunicação não violentos entre membros da mesma família”. “A pandemia aumenta, de forma indirecta, a demissão de trabalhadores e mais pessoas enfrentam, de repente, dificuldades financeiras, o que traz uma maior tensão e discussões entre as famílias. Acredito que o número de casos de violência doméstica vai continuar a aumentar e que haja mais casos de violência física, dada a permanência de um temperamento depressivo e stressado até que haja uma recuperação económica.” Atenção aos pequenos Olhando para os dados do relatório, Cecília Ho destaca o facto de uma boa percentagem dos casos partir de denúncias das próprias vítimas, bem como de queixas de pessoas fora da família. Tal significa que “a consciência do público em torno da violência doméstica, e a busca de ajuda, tem vindo a aumentar”. Desta forma, o IAS deveria “depositar mais esforços na promoção, criando mais serviços de aconselhamento jurídico ou centros de acolhimento, a fim de encorajar a que mais casos de violência sejam reportados”. Quanto aos casos de violência contra crianças, Cecília Ho defende que não devem ser subestimados. “É urgente um acompanhamento em termos de aconselhamento a fim de combater a violência doméstica inter-geracional e o abuso psicológico.” Além de ainda existir uma percepção errada na sociedade local de que a violência doméstica apenas diz respeito aos casos de violência física, Cecília Ho alerta para a forma como as autoridades e agentes jurídicos continuam a lidar com estes casos. “Por norma os advogados estagiários são muito inexperientes a lidar com estes processos. A maior parte das vítimas não está informada e não tem conhecimentos jurídicos suficientes para tomar decisões e para se defender em tribunal. É urgente melhorar o sistema de ajuda jurídica”, adiantou. Quanto aos casos que chegam a tribunal, e que geram uma acusação efectiva do agressor, serão ainda poucos. “Não temos estatísticas, mas acreditamos que a maior parte dos casos são acompanhados não tratando a violência doméstica como crime público, mas aplicando o artigo 137 do Código Penal [ofensa simples à integridade física], que é um crime semi-público.” Desta forma, a maior urgência não recai na revisão da lei, mas sim “na revisão detalhada do sistema de ajuda [à vítima] e no sistema de investigação e recolha de provas por parte das autoridades policiais”. Estas alterações podem “acabar com o ciclo de violência doméstica se os agressores lidarem com as consequências”, apontou Cecília Ho. O HM falou ainda com a deputada Wong Kit Cheng que frisou também um maior aumento de pedidos de ajuda por parte das vítimas. “Tendo em conta os factores que levam a casos de violência, o IAS deve intervir e tratar os casos. Tendo em conta que as questões conjugais representam o maior factor, podemos recorrer à arbitragem e reforçar a intervenção dos assistentes sociais e serviços de aconselhamento familiar, sem esquecer uma maior educação parental.” Também ligada à direcção da Associação Geral das Mulheres, Wong Kit Cheng acredita que, acima de tudo, é importante a divulgação destes dados por parte do IAS, pois só assim “saberemos as razões da violência e poderemos elaborar mais medidas de acompanhamento”. “Os dados não revelam os casos confirmados de violência doméstica e quais os que não terminam com uma condenação, por isso é elevada a possibilidade de reincidência. É importante fazer um trabalho de prevenção”, rematou a deputada.