Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteLola do Rosário, ex-directora do jardim de infância D. José da Costa Nunes Dirigiu o D. José da Costa Nunes durante um ano e diz que nunca lhe foram dadas explicações para a sua saída. Lola do Rosário garante que os problemas com o pedido de subsídios foram resolvidos e diz-se “magoada” com Miguel de Senna Fernandes, presidente da APIM. Sobre o alegado caso de abuso sexual, Lola do Rosário diz que não foi ouvida para a elaboração do relatório interno, nem sequer pela PJ [dropcap style≠‘circle’]D[/dropcap]isse-me que não lhe foram dadas explicações para a sua saída do jardim de infância. Não, plausíveis não. Quando me fizeram o convite ponderei todas as situações, inclusivamente o ordenado, que não era muito para a responsabilidade que tem o Costa Nunes. E acabei por vir ainda no mês de Agosto e comecei logo a trabalhar, porque sabia que tinha muito trabalho. Comecei a organizar tudo ao que era inerente ao início de um ano lectivo, com uma mudança de líder. Que problemas encontrou nesta altura quando chegou a uma casa que já conhecia, mas de outra altura? Estava tudo bastante diferente. Havia algumas coisas com as quais concordei e que mantive, porque acho que não era para chegar e alterar tudo só porque me apetecia. A minha antecessora tinha coisas bem feitas e mantive-as, como os horários. Gradualmente fui fazendo algumas alterações, achei que se justificava, mas sempre dando conhecimento ao presidente da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM). Nunca fiz nada sem lhe dar conhecimento. As coisas estavam a funcionar e no início do ano lectivo tive que fazer alguns ajustes a nível das finanças. Quando me foi feito o convite, o actual presidente e outros membros da APIM disseram-me que as contas não estavam em ordem. Desde 2012 até finais de 2016, tínhamos de prestar contas à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), relativas aos subsídios. Dou-lhe um exemplo simples: uma educadora deu uma formação, recebeu o cheque, mas não tínhamos o comprovativo de como ela tinha recebido nem a data. Falei com as pessoas em causa e depois ficou resolvido, porque estava em causa a atribuição de verbas para este ano, que já recebidas. Mesmo que eu fizesse o pedido à DSEJ, não estando o resto justificado, poderia não ser dada a verba, e o Costa Nunes não vive sem a verba da DSEJ. Mas essa foi uma das razões para a sua saída, e chegou a ser noticiado que tinha saído por problemas internos e falhas no preenchimento dos pedidos de subsídio à DSEJ. Pedimos mais do que nos foi dado e o presidente da APIM deve ter dado conhecimento aos outros membros do montante que eu tinha pedido. Era bastante elevado, mas tive seis anos na direcção de um agrupamento de escolas em Portugal e estamos fartos de saber que nunca o Governo nos dá o montante que pedimos. Foi-nos dado muito menos, mas não era nada que, para mim, fosse novidade. FOTO: Sofia Mota Já tinha acontecido isso no Costa Nunes? Penso que sim, pelo menos fui consultar tudo o que estava para trás, com a ajuda de uma funcionária que faz a gestão financeira. Foi sempre assim, é algo normal acontecer. Chegou a ter de assinar documentação ou orçamentos deixados pela sua antecessora? Não. Pedi-lhe para assinar porque não tinha justificação nenhuma ser eu a assinar documentos que pudessem não estar assinados. E ela assinou. Que justificação encontra então para esta saída? Está magoada com a direcção da APIM? Magoada estou, bastante. Isto porque eu acho que não se faz um convite a uma pessoa que tem uma vida estabilizada em Portugal. Não tinha um mau ordenado, já estava há 15 anos em Portugal. Fiz uma mudança de 180 graus, e assumi alguns encargos contando que ficaria em Macau. O que me magoa mais é que eu não vejo, nem foi dita nenhuma justificação plausível e aceitável da minha parte. Não tive tempo de aquecer a cadeira. Eu sou uma directora que nunca está no gabinete, raramente. Circulo muito pela escola, sempre que estive em direcções. O que eu fazia era ficar na escola na minha hora de almoço. Estou magoada, porque acho que não havia justificação para, durante um ano, ter feito o melhor que podia, com crianças lá dentro, as minhas colegas, que prezo muito, e esta história [de alegados abusos sexuais] toda também me entristece bastante. A minha neta vai entrar em Setembro para lá e nós optamos pelo Costa Nunes, e ela entrou em todas. Continua a confiar na escola? Eu confio na escola. Vejo também e tenho amigos pais, avós de crianças que lá andam e que foram vitimas nesta situação, e vejo o lado deles, porque se fosse comigo não sei como reagiria, mas entristece-me bastante. Não posso falar se a actual direcção está a fazer um mau ou bom trabalho, não sei. Num artigo foi referido que, durante o seu mandato, os serventes mantinham contacto com as crianças. Quer comentar? O que acontecia no meu tempo era que cada sala tinha uma educadora, uma agente de ensino e um servente. Neste momento, já não é assim, há falta de pessoal. Há quatro salas para crianças de cinco anos e só têm dois serventes. Há um servente para duas salas, mas quando saí já sabia que ia acontecer isso. Os serventes não têm contacto directo com as crianças a não ser na hora de almoço, porque as agentes de ensino vão almoçar e a educadora fica com o servente na sala para a apoiar. A hora da sesta é a hora de almoço dos serventes, então eles não estão no trato directo com as crianças. São as agentes de ensino que os mudam, sobretudo depois da sesta. Pedi sempre que tivessem cuidado para não mudar as crianças nos corredores ou na casa de banho ou dentro da sala, por uma questão de respeito pelo corpo da criança. Trabalhou com o funcionário suspeito de abusos. Nunca notou nada estranho no seu comportamento? Não. Aliás, esse servente estava numa sala de cinco anos e eu achei por bem mudá-lo para o rés-do-chão, para uma sala de três anos. Troquei, a educadora não gostou, mas achei que deveria fazer isso. No rés-do-chão eu estava sempre, porque era uma sala ao lado da secretaria. Se alguma vez passou pela cabeça do rapaz ter uma atitude menos correcta, com a minha presença nada aconteceu. Via as casas de banho, quem estava, via na sala cor-de-rosa onde eles faziam as sestas. Nunca vi nada, nem me pareceu que tenha algum perfil de pedófilo. Em Portugal já tive de ir a tribunal… Lidou com este tipo de casos? Lidei. Casos com avôs e tios, situações em que tive de ir testemunhar, e até falei com uma psicóloga na altura para me explicar as características e os sinais. Houve um caso que fui eu que fiz queixa à Polícia Judiciária, porque desconfiei do comportamento da criança. No Costa Nunes nunca reparou em sinais suspeitos? Nunca. De nenhum dos funcionários, até porque um pedófilo não tem de ser apenas homem, pode também ser mulher. Pegando na questão do género. A imprensa chinesa abordou muito o facto do suspeito ter, alegadamente, trocado fraldas às crianças. Faz sentido, na área educativa, ter em atenção a questão do género, de ser o homem a trocar fraldas a meninas? Pessoalmente, não me faz confusão, porque é como termos o pai e a mãe em casa a cuidar dos filhos. Não tem de ser responsabilidade total da mãe trocar as fraldas ao filho. Tem de haver, e eu tinha falado com o presidente da APIM e a psicóloga da instituição, algumas acções de formação para os serventes e as agentes de ensino que lá estão, pois não têm formação. Nós temos. Há algumas situações em que se pode conversar com as pessoas e explicar. Deveria haver formação para os funcionários da escola. Mas esta é uma questão quase transversal a todas as escolas. Além disso, a maior parte das crianças com três anos no Costa Nunes já não usa fralda. Prestou declarações no âmbito da elaboração do relatório interno por parte da direcção do Costa Nunes? Não. Não me chamaram, nem a Polícia Judiciária me chamou para prestar declarações. Acredita que o projecto do Costa Nunes pode sofrer um grande abalo com este caso e até fechar portas, mediante as conclusões do relatório interno? Pode. Sei de meninos que ainda não entraram e cujos pais estão a tentar colocá-los noutras escolas onde também foram aceites. Provavelmente, estão a desistir, mas não é muito fácil, porque o prazo para o pagamento era no início de Abril e as pessoas já pagaram no Costa Nunes. Além de que há listas de espera. Quem for para a direcção do Costa Nunes terá de ser uma pessoa muito forte e com a certeza daquilo que está a fazer para enaltecer o Costa Nunes outra vez. Acredita então que a actual directora e outros funcionários têm de sair? Provavelmente, é isso que vai acontecer. Penso que a direcção da APIM é que deve considerar o que é melhor para a escola. Isto porque a imagem da escola é uma coisa, mas o trabalhar da mesma escola é outra. O ano passado abri quatro turmas de crianças com três anos, houve um grande crescimento. Daí o meu espanto: se a escola cresce, porque é que me tiram? Há um feedback positivo por parte da sociedade, das pessoas mais influentes, e não quero aqui mencionar nomes. Famílias chinesas, macaenses… Sim, crianças de pais que estão em entidades públicas, por exemplo. A escola estava bem, e então porque é que não me renovam o contrato? A direcção da APIM tem de ter mais diálogo, porque trabalhei com o anterior presidente da APIM e ele deu-me, a mim e à minha antecessora, autonomia suficiente para nós trabalharmos. E isso não acontece actualmente. Acho importante a direcção da APIM estar por dentro das situações, e não é por acaso que a directora do Costa Nunes é uma educadora de infância. Acha que a direcção da APIM trouxe instabilidade ao projecto, ou que há problemas de gestão que têm de ser resolvidos? Há problemas de gestão que têm de ser resolvidos. A direcção da APIM tem de estar mais presente, estar em reuniões mensais com as educadoras, como me foi prometido, além de reuniões semanais com a directora. Não deixar as coisas muito vagas, porque depois quem lá está dentro, para gerir, é complicado. Voltando ao período em que trabalhou com José Manuel Rodrigues. Quer comentar as suspeitas que recaem sobre si quanto a um alegado desvio de fundos do Costa Nunes e sobre a sua saída da escola? Não teve nada a ver com dinheiros. É uma questão de verem as minhas contas bancárias. A APIM não é só um presidente e tem muitas pessoas na direcção, na sua maioria homens. Quando saí, o anterior presidente da APIM, ao contrário do actual, ofereceu-me o lugar de educadora. Eu, por vontade própria, e por causa das minhas filhas, comecei a pensar que era melhor ir para Portugal, e tinha lá lugar. Não tem a ver com dinheiros, foram situações com as quais não compactuei, e achei melhor sair. Ele fez-me um convite em 2013, quando o Costa Nunes fez 80 anos e vim às festividades. Se houvesse alguma coisa, em que eu tivesse fugido com dinheiro, ele nunca me convidaria. Fiquei muito indignada com os comentários feitos aquando da minha saída em 2001. Sempre soube o que era sigilo profissional, daí não ter comentado com ninguém a razão da minha rescisão de contrato.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaGoverno rejeitou decisões de arbitragem e optou pelos tribunais [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Executivo já rejeitou decisões proferidas por tribunais arbitrais por considerar que estas continham “irregularidades”, adiantaram ontem os advogados Jorge Neto Valente e Álvaro Rodrigues, membros da direcção da Associação dos Advogados de Macau (AAM). “O Governo tem impugnado decisões do tribunal arbitral e levado essas mesmas decisões para o tribunal judicial”, frisou Álvaro Rodrigues. Neto Valente especificou. “Em dois casos que conheço houve uma decisão arbitral porque os contratos assinados com o Governo previam o recurso a árbitros. O Governo perdeu e recorreu ao tribunal judicial, alegando que havia irregularidades na decisão do tribunal arbitral, mas qualquer pessoa pode impugnar decisões e não apenas o Governo. Depois deixaram de se meter cláusulas arbitrais nos contratos, mas em contratos recentes tenho visto novamente.” De frisar que, apesar de ter impugnado estas decisões, o Governo tem vindo a promover a necessidade de apostar em vias alternativas para a resolução de conflitos, tal como a arbitragem ou mediação. Nesse sentido, está em processo de revisão a lei da arbitragem, datada de 1996. A AAM tem o seu centro de arbitragem a funcionar desde 1998, mas nos últimos 20 anos poucos têm sido os casos decididos por esta via. Neto Valente explicou ontem porquê. “Os árbitros locais não inspiram verdadeira confiança aos cidadãos, porque acham que as pessoas não são suficientemente isentas. E isso, de certo modo, é comprovado pelo facto do Conselho de Consumidores ter uma arbitragem que funciona e que é efectuada por um magistrado. Mas a arbitragem não tem de ser efectuada por magistrados.” Nesse sentido, a AAM planeia introduzir árbitros estrangeiros oriundos de países de língua portuguesa, tendo já estabelecido contactos com a Direcção dos Serviços de Economia, Instituto de Promoção do Investimento e Comércio de Macau e uma entidade do continente. Meios necessários A AAM já emitiu um parecer no âmbito de revisão da lei, mas o seu presidente alertou ontem que “não há mais arbitragem pela falta de uma lei”. “Não é qualquer arbitragem de Macau que pode ser executada na China e vice-versa, e há ajustamentos a fazer [na lei]. A questão é se as pessoas querem recorrer à arbitragem e se acreditam nas instituições.” Neto Valente defende que as pessoas ou empresas devem escolher se querem ou não resolver os seus conflitos pela via da arbitragem, ao contrário de Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância, que defendeu a obrigatoriedade da arbitragem para alguns casos. “O que pode levar a pensar dessa forma é a falta de resposta dos tribunais, mas a solução não passa por tirar casos dos tribunais, admitindo que os tribunais não têm capacidade para resolver os problemas. Há que criar os meios para que possam funcionar”, referiu o advogado.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaEscutas | Neto Valente alerta para “onda securitária” em Macau O presidente da Associação dos Advogados de Macau considera que é preciso ver “com muito cuidado” a criação de um departamento dentro da Polícia Judiciária para garantir a segurança do Estado, onde serão feitas escutas para efeitos de investigação. Jorge Neto Valente defende que “há cada vez mais regulamentações e aperto” [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] mais uma voz que se insurge, em jeito de alerta, contra as medidas que Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, quer implementar em Macau. Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), reiterou ontem que é preciso ter atenção quanto à criação de um novo departamento dentro da Polícia Judiciária (PJ) destinado à “intercepção de comunicações telefónicas [como] um instrumento de investigação criminal”, conforme disse o secretário no hemiciclo. “É um aspecto que tem de ser visto com muito cuidado”, adiantou ontem o causídico, no âmbito da apresentação das actividades comemorativas do Dia do Advogado. “Não podemos ver as coisas só pelo lado do poder e naturalmente o poder é autoritário, quer sempre ter acesso a tudo, escutar, ter a liberdade total. Temos o exemplo das câmaras de segurança, em que uma entidade pública pede a outra entidade pública que autorize a instalação de câmaras por todo o lado”, comentou. Neto Valente lembrou que, até ao momento, todos os pedidos foram aceites, pois são feitos no seio do Governo. “Não me consta que tenha havido alguma recusa da entidade que autoriza, que é o gabinete do secretário para a Segurança, ao pedido da Polícia de Segurança Pública, que é fiscalizada e subentendida pelo mesmo secretário.” “Os dados pessoais são protegidos para toda a gente, menos para as entidades policiais, que querem ter acesso a tudo e mais alguma coisa. Temos de tentar ser equilibrados”, frisou. Maré defensiva Neto Valente acredita que a sociedade está a ser alvo de uma “onda securitária”. “Cada vez há mais regulamentações, mais aperto, como se fosse preciso desconfiar de todo o cidadão e tratar de todo o cidadão como um potencial criminoso. Mas essa é a minha opinião pessoal.” Quando foi ao hemiciclo, Wong Sio Chak quis deixar claro que a criação do novo departamento no seio da PJ não visa a perseguição dos cidadãos. De acordo com o secretário, a vigilância apenas acontece “havendo um procedimento legal a cumprir, nomeadamente tem de ser ordenada ou autorizada por despacho do juiz”. O ex-director da PJ fez também questão de sublinhar que a utilização de escutas é “uma prática comum na investigação”. Recentemente, o advogado e ex-deputado Leonel Alves alertou para o risco que existe de se criar uma polícia política. “É uma questão que temos de ponderar muito bem, porque os meios de obtenção de prova estão no Código do Processo Penal, e qualquer mexida nesse âmbito tem que ser devidamente ponderada. Não se pode descurar as protecções constitucionais que estão na Lei Básica e creio que não há qualquer intenção de não respeitar o quadro legal vigente. Vamos aguardar para ver quais são os inputs técnicos a esse nível que o Governo irá apresentar.”
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaCaso Sulu Sou | “Tem conotação política evidente”, diz Neto Valente O presidente da Associação dos Advogados de Macau, Jorge Neto Valente, disse ontem que o caso Sulu Sou “tem uma conotação política evidente” e lamentou que, nos dias que correm, se apliquem penas desproporcionais em relação aos crimes cometidos [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]sta terça-feira, o Ministério Público (MP) pediu que a aplicação de pena de prisão a Sulu Sou, deputado suspenso, e Scott Chiang, activista, ambos ligados à Associação Novo Macau, pela prática do crime de desobediência qualificada. Ontem, à margem da apresentação das actividades do Dia do Advogado, o presidente da Associação dos Advogados dos Macau (AAM), Jorge Neto Valente considerou que o caso tem “uma conotação política evidente”, ainda que não tenha tecido comentários mais aprofundados devido ao facto da sentença ainda não ter sido lida, algo que acontecerá no próximo dia 29. “É um caso que está em aberto. Não só escapa à nossa apreciação por estar em julgamento como é um caso com uma conotação política muito evidente, não estamos a ver só o aspecto político, e essa é uma razão para não nos pronunciarmos”, clarificou o advogado. Neto Valente lembrou que “nem sempre a apreciação [da justiça] é objectiva”. “Quando me diz que é um caso menor [dado os actos cometidos e a natureza do processo], veja-se que em Hong Kong também houve consequências em alguns casos mais gravosas, mas o tribunal também não teve contemplações e aplicou penas que eu considero exageradas.” De notar que Pedro Leal, advogado de defesa de Scott Chiang, frisou esta terça-feira, durante as alegações finais no Tribunal Judicial de Base, que este caso tem por objectivo acabar com a carreira política de Sulu Sou, que foi eleito pela primeira vez deputado pela via directa em Setembro do ano passado. “Há um esforço grande do ponto de vista político para acabar com a carreira de Sulu Sou. Felizmente, há separações de poderes. Macau devia orgulhar-se de ter políticos como estes dois. Hong Kong devia ter mais políticos como estes”, frisou o causídico. Penas demasiado graves Jorge Neto Valente referiu ainda que a justiça tem vindo a aplicar penas demasiado graves, tendo em conta a natureza “benevolente” do Código Penal (CP), implementado no território nos anos 90. “O CP é bastante generoso e benevolente, e isso foi dito em 1995, quando foi implementado. A ideia era que se mantivesse algo da matriz portuguesa do CP, que é um direito penal mais preocupado com a reinserção dos delinquentes. Isto por oposição ao que se verifica em Macau, em que há uma preocupação cada vez maior com a punição. Quanto mais severa melhor, para assustar.” Para o presidente da AAM, “tem-se vindo a caminhar para esse sentido e não para a reinserção, que praticamente não é considerada”. “É punição e agravamento, e com as mexidas avulsas na legislação, acontecem desproporções que tornam incomparáveis coisas que deveriam ser comparáveis”, frisou. Neto Valente adiantou ainda que “há penas que são desproporcionais”. “Quando, para um crime de colarinho branco, se aplicam 15 anos de prisão, que é a mesma pena para um crime de homicídio, todos temos o direito de pensar que o homicídio parece mais grave e que causa uma maior perturbação social”, concluiu. Espectáculos e consultas jurídicas até domingo A Associação dos Advogados de Macau (AAM) anunciou ontem o programa de mais um Dia do Advogado, cujas actividades incluem uma série de espectáculos de animação cultural e consultas jurídicas. A cerimónia de abertura do evento tem lugar amanhã ao final da tarde no Largo do Senado. As actividades prolongam-se durante todo o fim de semana, com as habituais consultas jurídicas a decorrerem das 10h00 às 20h00 no espaço cedido pela Direcção dos Serviços de Turismo.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeNam Van | Concessão de terrenos considerada nula origina processo em tribunal A concessão acabou há dois anos, mas só agora foi oficializada e publicada em Boletim Oficial. A Sociedade de Empreendimento Nam Van e as suas subsidiárias acabam de perder os 16 terrenos concessionados pelo Governo e promete ir para tribunal. Jorge Neto Valente, presidente do conselho de administração, lembra que a empresa construiu o sistema de esgotos na Praia Grande como contrapartida das concessões e acusa o Governo de não cumprir com as suas obrigações [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Março deste ano, chegou o alerta. Em 2016, o prazo de concessão dos 16 terrenos localizados nas zonas C e D de Nam Van tinha terminado, mas o Governo ainda não tinha anulado oficialmente essa concessão. Dois anos depois, é divulgado o veredicto final: de acordo com a publicação de ontem em Boletim Oficial (BO), a Sociedade de Empreendimento Nam Van e as suas subsidiárias perdem mesmo a concessão dos terrenos, por não os terem desenvolvido no prazo de 25 anos conforme manda a Lei de Terras. Ontem a empresa organizou uma conferência de imprensa, tendo o seu presidente do conselho de administração, Jorge Neto Valente, acusado o Governo de não ter cumprido com as suas responsabilidades, sobretudo no que diz respeito aos prazos para a aprovação de projectos. A empresa alega que teve de esperar pelo desenvolvimento do plano do Fecho da Baía da Praia Grande e que a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) poucas respostas deu quanto aos projectos que foram sendo apresentados sucessivamente. Em causa está também a parcela de terreno que a empresa teve de ceder para a construção dos casinos Wynn e MGM, sem que tenha, alegadamente, recebido compensação. Tal aconteceu há 12 anos, quando Edmund Ho era Chefe do Executivo. “Contrariamente ao que é habitual, o Governo disse à Nam Van que queria dar aquele terreno à Wynn, que tinha pressa [em fazê-lo], e que depois essa área que perdíamos iríamos construir nas zonas C e D. Isto está escrito no BO. Isto significa que se pode acreditar naquilo que o Governo põe no BO? Umas vezes pode-se acreditar, outras vezes não. É moral? Acho que não”, frisou Neto Valente. O Governo terá alegado que algumas das subsidiárias nunca apresentaram pedidos para o desenvolvimento de terrenos, mas Neto Valente tem explicações para essa situação. “Foram feitas várias diligências e não é honesto dizerem à empresa do lote 2 para esperar pelo plano [Fecho da Baía da Praia Grande] e dizerem o mesmo para o lote 3. Claro que [os responsáveis] dos lotes 4 e 5, que eram da mesma empresa, não foram lá perguntar outra vez. Será que posso afirmar que ‘se destes lotes não questionaram, é porque não queriam desenvolver?’ Isso não é verdade”, frisou. Os cheiros da Praia Grande Além de ceder parte do terreno a casinos, a empresa lembra que investiu muitos milhões para desenvolver o sistema de esgotos na zona da Praia Grande, quando o lago artificial não existia e os maus cheiros eram evidentes. “Conheço a história da Nam Van desde o princípio e as pessoas hoje não têm muitas memórias, não sabem qual era o estado da Baía da Praia Grande. Os esgotos eram despejados para lá, havia lodo e mau cheiro. Hoje temos melhor qualidade de vida nessa zona, porque a Nam Van fez as infra-estruturas, tirou o lodo, levou os canos para a estação de tratamento e fez os lagos. Hoje temos melhores condições porque a Nam Van investiu não como benemérita, mas como contrapartida. À Administração interessava resolver a questão da Baía da Praia Grande, foi resolvida, e o desenvolvimento ficou para depois”, lembrou Neto Valente. O também advogado e presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM) recorda que o investimento feito foi elevado. “Se tivessem começado, como muitas vezes o Governo permite, que é fazer as coisas do seu interesse e deixar o pagamento para depois, ou com prémios baixos… mas não foi o caso. Aquilo custou milhares de milhões, foi o investimento mais caro que existiu em Macau”, conta o advogado. Outra questão prende-se com a necessidade de preservar a vista da Colina da Penha, protegida pela UNESCO, mas a empresa alega que o Governo nunca arranjou soluções para compensar os terrenos cedidos. “Quando a Nam Van cedeu ao Governo os terrenos da zona B, para a MGM e o Wynn, foi-nos dito que a área seria compensada do outro lado, nas zonas C e D. Mas essa área não iria permitir ver a zona da Colina da Penha nem os prédios do Porto Interior. Teria de haver outra maneira, e acho que os investidores pensaram que o Governo iria arranjar espaço nos novos aterros. Vários investidores com situações idênticas pediram ao Governo para dar compensações nos novos aterros.” “A sociedade cumpriu tudo aquilo a que se tinha comprometido, mas o Governo não. Mais do que como presidente das sociedades subsidiárias, mas também como cidadão, o que me preocupa é o Governo, a falta de moral da Administração. Para mim não é aceitável dizer ‘não fui eu, foi o meu antecessor’. Isto não se faz. O Governo tem ou não tem credibilidade?”, questionou Neto Valente. A portaria revogada Os terrenos foram concessionados nos anos 90 e, de acordo com a versão da empresa, os planos para o desenvolvimento dos terrenos arrancaram de imediato. O Governo alega que, em 2006, a Sociedade de Empreendimento Nam Van já poderia ter aproveitado os terrenos, mas Neto Valente negou. “Não é verdade, porque a Nam Van fartou-se de pedir ao Governo aprovações, apresentamos requerimentos e a resposta ou não era nenhuma ou dizia ‘esperem pela aprovação do plano [Fecho da Baía da Praia Grande].” Neste aspecto importa frisar que, em 1991, foi aprovado um plano de ordenamento para a zona, que foi “convenientemente revogado” pela Administração, considerou Neto Valente. “Foi a primeira vez que se fez isso em Macau, aprovar um plano através de uma portaria, para não ser alterado de acordo algum funcionário mais negligente. Quando nasceu a Nam Van, o plano de desenvolvimento da Baía da Praia Grande foi feito de acordo com essa portaria, que foi revogada depois”, acrescentou. Para facilitar o desenvolvimento dos terrenos, a empresa acabou por distribui-los em empresas subsidiárias ou investidores, tendo sido investidos “milhares de milhões de patacas”. Má Lei de Terras Para Neto Valente, o caso só se resolve nos tribunais e defende que é importante olhar para a responsabilidade que caberia ao Executivo neste caso. “As pessoas só têm duas maneiras: ou à tareia ou através dos tribunais. Penso que vão escolher os tribunais. O secretário [Raimundo do Rosário, com a tutela dos Transportes e Obras Públicas] está a seguir a lei, não tem culpa nenhuma, fizeram aquela lei, ele cumpre. Já critiquei a lei, acho que não devia ter sido feita assim. Já foi referido por aí que na altura, a AAM chamou a atenção para as consequências perniciosas que iriam existir de executar a lei. E um dos deputados que a aprovou, por sinal um jurista, disse que foi enganado.” Na sua visão de Neto Valente, se o Governo tivesse considerado os atrasos, não teria havido caducidade, até porque umas vezes são justificados os atrasos, mas outras vezes não. “Não me pergunte a mim qual é o critério”, comentou. O presidente do conselho de administração da concessionária deixou ainda bem claro que no continente nada disto aconteceria. “Nunca vi fazer isto no interior da China. Sendo assim prefiro o primeiro sistema em vez do segundo sistema. Lá não fazem disto”, rematou. Reacções de alguns presentes Ung Choi Kun, ex-deputado e accionista da Nam Van “Sou um accionista com uma participação pequena numa das concessões, mas arrependo-me. Na altura em que foi aprovada a nova Lei de Terras, o Governo disse que ia lidar com as situações de forma diferente e que ia ter em conta as responsabilidades. Deveria haver um tratamento diferente entre as terras com atrasos imputáveis às concessionárias e os outros terrenos” Zheng Anting, deputado à Assembleia Legislativa “Os atrasos nas obras foram causados pela DSSOPT, que pediu tempo aos construtores por vários motivos, a candidatura à UNESCO, o plano para o desenvolvimento da zona, a concepção do Plano Director. As construtoras não puderam fazer as obras e não receberam respostas do Governo. Também no caso do Pearl Horizon não se pôde construir porque não houve autorização” William Kuan, accionista e ex-candidato às eleições legislativas “Depois da aprovação, as empresas estiveram abertas à comunicação com o Governo, mas eles não comunicaram connosco, e agora recuperaram os terrenos. É injusto porque nunca aprovaram os planos de construção e recuperaram os terrenos como se [a falta de desenvolvimento] tivesse sido responsabilidade das concessionárias. Os tribunais deveriam decidir qual a percentagem de responsabilidade que cabe ao Governo nestes casos. É importante que se arranje uma solução para que as promotoras sejam compensadas” Patrick Wong, director-executivo da Nam Van “As pessoas pensam que as empresas tiveram 25 anos para construir, mas não é verdade porque não tiveram aprovação. Há uma solução, que passa por compensar as empresas que não são responsáveis pelo atraso e espero que o Governo tenha coragem para alterar a lei. Estamos a falar de 65 casos em que as concessionárias não são responsáveis”.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaPartos | ATFPM defende maior abrangência. Consulado não se pronuncia A Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau abordou o aumento das taxas de partos para trabalhadoras não residentes no encontro que teve com a cônsul-geral das Filipinas em Macau, mas esta optou por não se pronunciar. José Pereira Coutinho alerta para o facto da maioria das migrantes ficar de fora da excepção aberta pelo Governo [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] actualização das taxas de partos no hospital Conde de São Januário, que vai obrigar as trabalhadoras não residentes (TNR) a pagar entre três a nove vezes mais por um parto, foi um dos temas abordados no encontro que a Associação dos Trabalhadores da Função Pública (ATFPM) teve com o consulado-geral das Filipinas em Macau. Ao HM, o presidente da associação e deputado José Pereira Coutinho confessou que a medida anunciada pelos Serviços de Saúde de Macau (SSM), sobretudo no que diz respeito ao apoio do Instituto de Acção Social, deveria incluir mais trabalhadoras migrantes. “Fizemos essa abordagem, por nossa iniciativa, junto do cônsul-geral. É uma matéria em que há ainda campo para melhorar a abrangência, uma vez que a maior parte das parturientes fica fora dos benefícios recentemente promulgados pelo Governo.” Contudo, a cônsul-geral das Filipinas em Macau, Lilybeth Diapera, não se terá pronunciado sobre o assunto. “Ela está ciente disso tudo, mas tratando-se de uma matéria estreitamente da competência do Governo da RAEM, não lhe compete, enquanto entidade oficial, intervir directamente no assunto”, adiantou José Pereira Coutinho. É de frisar que uma grande fatia das empregadas domésticas vai ficar de fora do “desconto” no aumento das taxas de partos no hospital público, uma vez que as trabalhadoras que ganharem até 4050 patacas por mês pagam “apenas” o triplo do preço actual, ao invés do aumento nove vezes superior. Diferenças para alguns Para um próximo encontro está prometida uma discussão sobre as revisões que estão a ser levadas a cabo à lei laboral. Esta deve, de acordo com o deputado da Assembleia Legislativa, “ser para todos os trabalhadores, incluindo os TNR”. “A questão fundamental é que há várias normas da lei laboral que prejudicam os direitos dos trabalhadores em termos de igualdade na recepção de subsídios nocturnos e por turnos, nos trabalhadores dos casinos, sobretudo os croupiers. Não recebem subsídios por estarem a trabalhar nesses regimes.” Além disso, a opção do despedimento sem justa causa estará a ser utilizada pelo patronato “em muitas situações para contratar, por via indirecta, TNR”. “Há muito tempo que exigimos que o Governo reveja a situação para evitar abusos do actual sistema de despedimentos sem justa causa, que deveria ser mais rigoroso”, frisou José Pereira Coutinho. O deputado e presidente da ATFPM defendeu ainda que deve existir uma maior celeridade na atribuição de blue cards para filhos de trabalhadores migrantes. “Sentimos que há uma dificuldade burocrática que podia ser melhorada”, concluiu. Pereira Coutinho disse ainda que, nos últimos anos, a ATFPM tem notado um aumento de pedidos de ajuda por parte das comunidades de trabalhadores migrantes. “Temos reparado que o número de pedidos de ajuda tem aumentado, nomeadamente no que diz respeito aos pedidos de concessão de subsídios para os portadores de deficiência, e atribuição de bolsas de estudo. Temos também pedidos de ajuda no acompanhamento de candidaturas de casas económicas, porque temos reparado que o agregado familiar dessas famílias é grande e têm sido conseguidos resultados satisfatórios no âmbito de atribuição de casas económicas. São residentes, membros da comunidade filipina.” Costa Nunes | Coutinho reúne com pais de alegadas vítimas O deputado José Pereira Coutinho é o terceiro a endereçar o caso de alegados abusos sexuais cometidos por um funcionário do jardim de infância D. José da Costa Nunes. Ao HM, Pereira Coutinho frisou que vai reunir-se com alguns pais “nas próximas 24 horas”, tendo prometido avançar com mais pormenores posteriormente. Este é o terceiro deputado do hemiciclo que se debruça sobre o caso, depois de Agnes Lam ter levado a cabo uma conferência de imprensa sobre o assunto, com a presença de alguns encarregados de educação, e de Lam Lon Wai ter feito uma interpelação escrita sobre o caso.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCosta Nunes | Ex-funcionária confirma acesso dos serventes às crianças A equipa de serventes do jardim de infância D. José da Costa Nunes era constituída por cinco pessoas, que faziam mais do que apenas limpar e servir refeições. As suas tarefas incluíam levar crianças à casa de banho e olhar por elas no período da sesta, uma realidade justificada pela falta de recursos humanos. As revelações são de uma ex-funcionária da escola [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ais, direcção do jardim de infância D. José da Costa e a direcção da Associação de Promoção da Instrução dos Macaenses (APIM) chegaram à conclusão, na passada sexta-feira, que as funções de todos os funcionários do infantário devem ficar bem definidas. A conclusão surgiu depois de ter sido noticiado de que o servente suspeito de abusar sexualmente de meninas de três anos cumpria mais tarefas além das limpezas e coordenação de refeições e que lhe fazia tudo o que era pedido. Uma ex-funcionária da escola, que pediu para não ser identificada, adiantou que a mistura de tarefas sempre foi comum no Costa Nunes, ao ponto de um funcionário da área da informática ter chegado a tomar conta de crianças. “Quando não havia pessoal, o informático ficava, às vezes, com as crianças, houve até um pai que não gostou de ele ter pegado numa criança e ter-lhe dado beijinhos, por exemplo. Houve logo um problema interno aquando dessa situação”, revela. A funcionária recorda que a ex-directora do Costa Nunes, Lola do Rosário, dava a maior parte das ordens à equipa de serventes, coordenada por uma funcionária. “Sabe-se que os serventes faziam tudo. Posso dizer que também os miúdos eram muitos apenas para uma auxiliar e uma educadora tomar conta. Era constante os serventes levarem os miúdos à casa de banho. Quanto às turmas das crianças mais pequenas, com dois a três anos, as auxiliares e educadoras estavam sempre presentes com os miúdos, mas sempre com um servente por perto. A maioria das vezes, as auxiliares ausentavam-se para beber café, fumarem e outras coisas.” Nesse período, “os serventes ajudavam a vestir os miúdos, a tirar os sapatos e a deitá-los, e também os levavam à casa de banho para fazerem as suas necessidades”. “Depois da sesta acordavam os miúdos para os levar para as actividades e também lhes davam de comer à hora do almoço”, adiantou a funcionária, que cumpriu funções no jardim de infância durante o período de um ano. Apesar de serem responsáveis por trazer as refeições à escola, os serventes também davam comida às crianças. “Na maioria das vezes, eram eles a fazer esse trabalho e não as auxiliares. O papel delas era apenas o de controlar se os miúdos comiam ou não. Após as refeições os miúdos dormiam a sesta. Nas salas de aula do pátio cor-de-rosa eram colocados os serventes em conjunto com as auxiliares das educadoras.” Ex-directora não comenta O funcionário suspeito de abusos foi contratado em 2015, no tempo em que Vera Gonçalves era directora da instituição. Esta não quis comentar ao HM quais eram as referências do servente à data, ou se tinha experiência a trabalhar em escolas. A actual directora, Marisa Peixoto, também não quis fazer comentários ao HM, tendo adiantado que já prestou todas as declarações necessárias e que o trabalho de averiguação continua a ser feito. O relatório interno tem de ser entregue à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) até esta quinta-feira. A ex-funcionária do Costa Nunes frisou que “naquele tempo, [Lola do Rosário] colocava os serventes nas salas na hora de dormir das crianças, assim como ajudá-los a vestir e despir na mesma hora. Todos sabem que os serventes têm esse tipo de trabalho.” “Nunca vi nenhum deles a fazer o que for, mas se há suspeitas há que averiguar. A ex-directora [Lola do Rosário] delegava funções à chefe dos serventes para os distribuir pelas salas nas horas das refeições e de dormir”, acrescentou. DSEJ não é responsável, diz Alexis Ontem, à margem da reunião do Conselho para os Assuntos das Mulheres e Crianças, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, poucas informações adiantou sobre o assunto, mas garantiu que não se podem imputar culpas à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). “O caso aconteceu na escola e não podem passar a responsabilidade para a DSEJ. Creio que o público em geral compreende que a DSEJ é uma instituição que vai agir caso seja necessária uma suspensão”, adiantou Alexis Tam, que espera receber o relatório interno a tempo e horas para que possa ser decidida essa mesma sanção, o mais depressa possível. O secretário adiantou que toda a ajuda está a ser prestada. “Neste momento, temos de ajudar os miúdos do jardim de infância D. José da Costa Nunes. Estamos a apoiar, a DSEJ tem uma equipa para ajudar os pais e as crianças. Mas queria salientar que ajudar crianças é uma questão sensível, não é como ajudar adultos. Tem de ser utilizado um método muito específico e os nossos colegas especialistas da DSEJ vão prestar ajuda.” Alexis Tam alertou ainda que podem existir mais casos a acontecer noutros espaços educativos. “As escolas têm de comunicar connosco sobre este assunto, e não apenas o jardim de infância. As escolas e as universidades têm um mecanismo de comunicação.”
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCaso Costa Nunes: DSEJ convoca psicólogos para prestar apoio a pais e crianças [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Direcção de Serviços para a Educação e Juventude (DSEJ) convocou especialistas da área da psicologia para dar apoio aos pais e crianças na sequência dos alegados abusos sexuais infantis no jardim de infância D. José da Costa Nunes, referiu o organismo ao HM. “Com o consenso dos pais implicados, a DSEJ vai disponibilizar apoio psicológico para os pais e crianças”, lê-se na informação disponibilizada ontem ao HM. Da equipa vão fazer parte psicólogos e assistentes sociais especializados em gestão de crises, revelou. Também ontem, teve lugar uma conferência de imprensa da deputada Agnes Lam que se fez acompanhar por dois pais de crianças da escola em causa que pediram, precisamente, a intervenção de especialistas por parte da DSEJ. “Os pais pedem que a DSEJ providencie, o quanto antes, psicólogos especializados em crianças para se deslocarem à escola e fazer uma avaliação do número de crianças que possam ter sido vítimas de abuso sexual, bem como da gravidade deste abuso”, lê-se num comunicado enviado pela deputada ao HM. Por outro lado, dadas as queixas relativas aos comportamentos que as crianças alegadamente abusadas estão a ter em casa, nomeadamente “o medo de tomarem banho e de irem à casa de banho”, os pais pedem apoio para lidar com essas situações. Entretanto, ficou ainda o pedido para o desenvolvimento de um programa de aconselhamento e acompanhamento de longo prazo, de modo a garantir o devido assistência a estas crianças e evitar consequências mais graves no futuro. Alexis allheado Apesar do reconhecimento da necessidade de especialistas pela DSEJ, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, que tutela esta matéria, mostrou-se ontem com pouco conhecimento acerca da situação. “A DSEJ e os Serviços de Saúde têm pessoal para prestar este tipo de apoio. Eu não sou esse tipo de profissional, mas temos professores e assistentes sociais para ajudar os miúdos”, começou por referir aos jornalistas após reunião do Conselho para os Assuntos das Mulheres e Crianças realizada ontem. Tam considera que, no que respeita a apoio por parte de psicólogos “os SS terão de prestar mais esclarecimentos”, sendo que não tinha conhecimento se teria sido pedido algum tipo de apoio neste sentido. O secretário desconhece ainda o número de vítimas de alegado abuso sexual no jardim de infância D. José da Costa Nunes. “Segundo percebi, primeiro temos de identificar quantas crianças foram vítimas, ainda não sabemos”, apontou. Alexis Tam chegou mesmo a afirmar aos jornalistas que recebeu uma “mensagem” a dizer que havia duas vítimas, sem ter certezas se seriam novos abusos ou aquelas que já estão a ser investigadas pela Polícia Judiciária. Na mesma tarde, seria confirmado um total de sete queixas apresentadas pelos pais às autoridades.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaPartos | Alexis Tam desmente FAOM quanto ao conhecimento da proposta O secretário Alexis Tam desmente a informação avançada pela Federação das Associações dos Operários de Macau de que terá sabido da proposta de aumento das taxas de partos em 2017 e não este ano. Alexis Tam diz que os preços cobrados em Macau são semelhantes aos das Filipinas [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão se sabe quem estará a mentir sobre a data em que o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, tomou conhecimento oficial da proposta feita pelos Serviços de Saúde de Macau (SSM) sobre a actualização das taxas dos partos no hospital público. A versão oficial remete para a recepção da proposta em Março deste ano por Alexis Tam, mas ontem o jornal Ponto Final noticiou que o secretário já sabia quais seriam os aumentos em 2017, tendo tido uma reunião com dirigentes da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM). Ontem, à margem de uma sessão plenária do Conselho para os Assuntos das Mulheres e Crianças, Alexis Tam garantiu que tudo não passa de uma mentira. “É muito simples: isso não é verdade. Recebi a proposta dos SSM há pouco tempo, mas não concordei com ela. Não foi no ano passado [que recebi], isso eu posso desmentir. Recebi a proposta mais ou menos em Março deste ano.” O secretário frisou ainda que não esteve em nenhuma reunião o ano passado, mas apenas este ano. “Claro que não estive em nenhuma reunião, e em todas as reuniões eu tenho um assessor comigo. Com certeza, eu não recebi nenhuma associação de trabalhadores migrantes o ano passado, nem a FAOM. Não estive presente e só estive num encontro com duas associações de trabalhadores migrantes.” Ao jornal Ponto Final, o presidente da direcção da FAOM, Leong Wai Fong, falou da ocorrência de um encontro em 2017. “O secretário [para os Assuntos Sociais e Cultura], o director e alguns funcionários vieram à FAOM. De facto, o conteúdo desta reunião não era só sobre este assunto. Nessa altura, o nosso presidente e outros colegas falaram com o secretário, mencionando este assunto, e o secretário pediu a nossa opinião sobre a política preparada.” Leong Wai Fong acrescentou ainda ao jornal que foi dito que as trabalhadoras não-residentes que vivem com mais dificuldades e que lhes devem ser prestados mais cuidados. “De acordo com a política presente, acho que o Governo considerou [as nossas opiniões]”, frisou. O Ponto Final avançou ainda que a Associação Geral das Mulheres não foi ouvida no processo de consulta pública, uma garantia dada pela sua presidente, a deputada Wong Kit Cheng. Alexis Tam também negou estas afirmações. “Não tenho conhecimento disso, mas os SSM poderão prestar esclarecimentos. Segundo percebi, foi mesmo consultada.” Política “justa” Ontem o secretário adiantou ainda que continua a achar “justa” a medida que aumenta as taxas para partos no hospital São Januário, sendo que as trabalhadoras não residentes (TNR) vão continuar a pagar mais. “O Instituto de Acção Social (IAS) vai ajudar a fazer uma avaliação de cada caso, em que os rendimentos mensais sejam inferiores a 4550 patacas. Isso foi muito claro. Temos de saber que o aumento das taxas de partos foi bastante justo, uma vez que comparando, por exemplo, com as Filipinas, os partos aqui em Macau ainda são mais baratos. Esta medida é bastante justa para os TNR.” Alexis Tam assegurou que “há empregadas domésticas que recebem bem”, apesar de ter sido confrontado com o facto da maioria ganhar abaixo da média salarial no território, que ronda as 15 mil patacas. “Temos cerca de 20 mil empregadas domésticas e temos de definir uma linha, que é de 4550 patacas, e outros casos onde haja dificuldades económicas poderá ser dada ajuda através do IAS. Nenhum sítio é melhor do que Macau.” O secretário defendeu ainda que em Macau paga-se tanto por um parto como nas Filipinas. “Esta despesa é mais ou menos igual, ou inferior, ao que se paga nas Filipinas. Este valor já deveria ter sido aumentado há muito tempo. Esta medida já foi a consulta pública, participaram as principais associações e a maioria concordou”, concluiu. Médicos portugueses em Macau “em breve” O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura não soube dar uma data certa, mas os médicos portugueses contratados pela via do concurso público deverão chegar ao território “em breve”. “O concurso público já foi aberto, mas isso é com os SSM. Segundo percebi, será muito em breve. Têm de ser preparadas as condições para receber os médicos portugueses, mas garanto que será muito em breve, penso que talvez dentro de um mês ou dois.”
Andreia Sofia Silva Manchete Política“Uma Faixa, Uma Rota” | Manuel Pinho já não participa em conferência [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ex-ministro da economia português, Manuel Pinho, e desde Julho arguido no caso EDP que está a ser investigado em Portugal, afinal já não se vai deslocar a Macau para participar na conferência sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota”. Ao HM, o Gabinete de Estudo de Políticas do Governo adiantou que Manuel Pinho não se desloca ao território por “motivos pessoais”. O evento realiza-se nos próximos dias 6 e 7 de Junho na Universidade de Macau e é organizado pelo Governo da RAEM e a associação “Grand Thought Think Tank”, liderada pelo deputado nomeado Ma Chi Seng. A iniciativa conta também o apoio da Fundação Macau. Neste momento, Manuel Pinho está acusado pelo Ministério Público dos crimes de corrupção passiva e de participação económica em negócio por fazer parte de um alegado esquema de corrupção que envolve a empresa portuguesa, onde o Estado chinês controla uma posição de 28,25 por cento, directa e indirectamente através da empresa China Three Gorges. O Ministério Público português considera que Pinho e José Sócrates, à época primeiro-ministro português, terão favorecido a EDP no processo de entrada em vigor dos contratos que garantiram à empresa pagamentos de 2500 milhões de euros desde 2007.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCosta Nunes | Caso de alegado abuso sexual chega à Assembleia Legislativa As suspeitas de abuso sexual no jardim de infância D. José da Costa Nunes já chegaram ao hemiciclo, com a entrega de uma interpelação escrita pelo deputado Lam Lon Wai. Pais, direcção e APIM reuniram na sexta-feira, e debateram medidas a adoptar na gestão da escola, nomeadamente no que diz respeito à definição clara das tarefas dos funcionários [dropcap dtyle≠’circle’]O[/dropcap] ex-funcionário do jardim de infância D. José da Costa Nunes suspeito de abuso sexual de três meninas, estará sujeito a apresentação periódica às autoridades, enquanto as investigações criminais prosseguirem. “Tendo em conta a gravidade do caso e a situação concreta do respectivo processo, o juiz de instrução criminal, sob a promoção do delegado do procurador, impôs ao arguido medidas de coacção, nomeadamente, a obrigação de apresentação periódica”, enquanto decorre a investigação do caso, de acordo com um comunicado divulgado no sábado. A Polícia Judiciária (PJ) recebeu três queixas e, após as declarações prestadas pelas alegadas vítimas e pelo suspeito, o caso foi encaminhado para o MP por “existirem provas suficientes”. Nos termos da lei penal, o crime de abuso sexual de crianças é punido com uma moldura penal de um a oito anos de prisão. Entretanto, o caso do Costa Nunes já chegou à Assembleia Legislativa (AL), nomeadamente pela mão do deputado Lam Lon Wai que entregou uma interpelação escrita ao Governo onde refere que a sociedade ficou chocada e que o caso será “doloroso”, caso se confirmem as práticas de abusos sexuais nas menores de três anos de idade. Lam Lon Wai, deputado ligado à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) eleito pela via indirecta pelo sector do trabalho, lembrou que a primeira denúncia feita pela mãe de uma menor foi feita há meio ano e que a direcção da escola não agiu imediatamente. Por essa razão, o deputado disse estar preocupado com os mecanismos em vigor, que podem não proteger de forma eficaz a segurança das crianças. O deputado considerou que, se o caso tivesse sido revelado mais cedo, poderiam ter-se reduzido os impactos junto das crianças e das suas famílias, além de que estas poderiam ter recebido apoios mais cedo. Na interpelação, Lam Lon Wai revelou também estar preocupado com casos de violência doméstica em que as vítimas são crianças, temendo que este tipo de casos não tenha a exposição necessária. O membro da AL alertou para a necessidade de se estabelecer um mecanismo que faça com que professores e assistentes sociais sejam responsabilizados jurídicamente caso não denunciem casos suspeitos de abuso sexual, para que haja uma resposta mais rápida. Escola clarifica tarefas Na sexta-feira, decorreu uma reunião entre pais, a direcção do infantário e os responsáveis da Associação de Promoção da Instrução dos Macaenses (APIM), onde foram discutidas as medidas mais prementes a adoptar nos próximos tempos. Um dos tópicos fulcrais da discussão prendeu-se com a necessidade de redefinição das tarefas de cada funcionário, disse ao HM Fátima Oliveira, presidente da Associação de Pais do Costa Nunes (APCN). “Essa será uma das óbvias e primordiais medidas a adoptar, a definição rigorosa das funções de cada funcionário e a adopção de directivas internas e protocolos para lidar com estas situações e outro tipo de casos venham a acontecer.” De acordo com a TDM, Ho Chan Nam, porta-voz da PJ, alertou para as funções extra que o servente terá desempenhado, quando tinha apenas como incumbências a limpeza do jardim de infância e a coordenação das refeições. “O suspeito tinha que limpar os alunos como parte das funções que desempenhava. Nesse âmbito, ele podia tocar nos órgãos genitais das meninas. Por isso, não podemos excluir a possibilidade de que o suspeito possa ter abusado das crianças quando não estava mais ninguém presente. No nosso entender, a escola carece de regras bem definidas no que diz respeito à forma como os funcionários devem proceder quando limpam os alunos.” Na reunião, e de acordo com Fátima Oliveira, ficou claro que qualquer funcionário podia, até aqui, ajudar no que fosse preciso, além das suas funções de base. “Havia, de facto, uma definição base, e os serventes e auxiliares não estariam nunca encarregues do trabalho de sala com as crianças, porque esse sempre coube à educadora. Havia, de facto, uma distinção básica do papel de cada um, não com o rigor que se pretende ou que será mais desejável. A ideia que passou é que haveria alguma flexibilidade caso houvesse necessidade, dependendo de sala para sala. O que ficou claro é que tem de haver mais rigor na definição de funções de cada pessoa dentro do jardim de infância.” De frisar que Goreti Lima, psicóloga da instituição, contou ao HM que o ex-servente chegou a brincar com as crianças. “Era um excelente funcionário e fazia mais do que aquilo que lhe era pedido. Era super simpático, envolvia-se em actividades com as crianças, brincava com elas quando não era essa a função dele, entrava mais cedo e saía mais tarde, era sempre prestável. Não levantava nenhuma suspeita pela conduta que levava e era próximo das educadoras.” Apesar da Direcção dos Serviços para a Educação e Juventude (DSEJ) já ter alertado para a possibilidade do jardim de infância poder vir a sofrer sanções, que podem passar pelo fecho da instituição, a verdade é que a sua vice-directora, Leong Vai Kei, pediu aos pais para terem calma e aguardarem a conclusão do relatório interno que a escola está a elaborar. “Sempre exigimos às escolas que sigam as leis e as directrizes em vigor. Somos todos humanos e poderemos não ser capazes de fazer face a todos os problemas com que nos deparamos, principalmente se ocorrerem em circunstâncias distintas. Da nossa parte, estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para dar resposta às falhas que ainda subsistem”, referiu a vice-directora da DSEJ. Entidade externa faz relatório Caberá a especialistas externos ao Costa Nunes a realização do relatório interno, que irá apurar a possível ocorrência de abusos desde 2015, data em que o funcionário começou a trabalhar como servente na escola. Serão também analisadas responsabilidades e eventuais consequências, tal como o despedimento da educadora de infância responsável pela turma onde ocorreram os abusos e da psicóloga da instituição. “Isso irá ser apurado no inquérito interno”, frisou Fátima Oliveira, que disse continuar a acreditar no Costa Nunes. “A APCN continua a achar que a escola deve continuar a funcionar. Houve alguns erros graves com consequências graves também, mas é preciso melhorar e implementar medidas para que não volte a acontecer. Espero que a escola continue a ser uma referência para o ensino em língua portuguesa. Como é óbvio vai ser afectada por esta situação, mas temos confiança de que vai recuperar e melhorar. Está a ser realizado um relatório interno e a DSEJ fará o seu trabalho.” Num comunicado, a DSEJ explica que “o relatório deve incluir ainda os pormenores do caso, situação de trabalho do pessoal envolvido, bem como as medidas de acompanhamento adoptadas pela escola”, além de que “a escola tem de indicar as medidas e aconselhamento futuros que pretende executar para melhorar a prevenção e a protecção dos alunos, a forma de gestão administrativa e de pessoal e a formação do seu pessoal”. Comunidade chinesa reage Em declarações à TDM, um pai de nacionalidade chinês, que não quis ser identificado, falou de uma quebra de confiança na instituição de ensino. “Sempre houve grande confiança entre a escola e os encarregados de educação, ao ponto dos pais todos os dias saudarem os contínuos e funcionários com um sorriso. Toda a gente está bastante desapontada com o que aconteceu.” Outros dirigentes educativos reagiram também, tal como Tai Chan Lam, director da escola Hoi Fai, que surge citado no Jornal do Cidadão. Este defendeu que a DSEJ não deve permitir que funcionários do sexo masculino colaborem na higiene de meninas, esperando que possa ser criado um mecanismo de denúncia obrigatória deste tipo de casos. Tai Chan Lam adiantou que na sua escola os funcionários do sexo masculino não tratam da higiene de alunas do sexo oposto, e que não compreende a forma como o jardim de infância Costa Nunes funciona nesse aspecto. Um outro encarregado de educação, de apelido Lei, falou no canal chinês da Rádio Macau da existência de um quarto caso de alegado abuso sexual (actualmente a PJ está a investigar apenas três casos). De acordo com o seu relato, uma das alunas do infantário chegou a casa e perguntou ao pai se podia tocar no seu pénis. Depois de terem questionado a filha, esta revelou que o funcionário do jardim de infância terá feito o mesmo pedido à menor, que terá cometido esse acto. Lei entende que alguns pais nunca denunciaram outros alegados abusos junto da PJ porque temiam as consequências para os seus filhos. Outro pai, de apelido Leong, também telefonou para o programa de rádio onde se queixou da postura da direcção do jardim de infância e da DSEJ, devido à falta de explicações e de apoios. Alguns pais também revelaram estar insatisfeitos porque, depois das queixas, o funcionário continuou a trabalhar na escola. De acordo com a imprensa chinesa, Lam, encarregada de educação, frisou que sempre confiou no jardim de infância, mas que depois deste caso acha difícil continuar a manter a mesma confiança na direcção. Outro pai disse que não ficou satisfeito com as explicações dadas pelo presidente da APIM, Miguel de Senna Fernandes, na reunião de sexta-feira, nem com o facto da educadora e da psicóloga não terem denunciado o primeiro caso, ocorrido em Outubro. Ontem não foi possível chegar à fala com Miguel de Senna Fernandes. Dois casos pela via do toque em dez anos A Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) adiantou que, nos últimos dez anos, foram registados “dois casos que envolveram pessoas que tocaram em crianças de forma inapropriada”. Estes actos são punidos de acordo com o Estatuto das Instituições Educativas Particulares. Entretanto, o director da DSEJ, Lou Pak Sang, adiantou que está a ser estudada a revisão do mecanismo de gestão de crises nas escolas, para melhor responder a este tipo de casos, noticiou a imprensa chinesa.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCosta Nunes | Suspeito detido. Ministério Público investiga alegados crimes de abuso sexual [dropcap]O[/dropcap] suspeito da prática de abusos sexuais a duas meninas de três anos que frequentam o jardim de infância D. José da Costa Nunes foi hoje constituído arguido por suspeita da prática do crime de abuso sexual de criança, tendo sido detido pela Polícia Judiciária (PJ). A informação foi confirmada ao HM por fonte da PJ, que adiantou ainda que os depoimentos das alegadas vítimas e do próprio suspeito, ex-funcionário do jardim de infância, ajudaram na recolha de mais provas por parte das autoridades policiais. O caso segue agora para mais investigações junto do Ministério Público. O juiz de instrução criminal ainda não se pronunciou sobre a medida de coacção a aplicar ao suspeito de 30 anos de idade, de nacionalidade filipina. Além das duas queixas que foram ontem apresentadas pelos pais junto da PJ, surgiu entretanto uma terceira queixa. Fonte da PJ frisou ao HM que voltaram a ser realizados exames médicos às alegadas vítimas, mas que, mais uma vez, foram inconclusivos quanto a vestígios da prática de abusos. Contudo, as declarações do suspeito e das meninas fizeram com o que o caso tenha sido entregue no MP para mais averiguações. “Os exames não deram resultados, não há provas concretas”, disse a PJ. O caso da alegada prática de abusos sexuais no jardim de infância D. José da Costa Nunes por um funcionário da escola foi noticiado esta quinta-feira, tendo a direcção do jardim de infância tido conhecimento das queixas dos pais na terça-feira. Estes acusam a escola de negligência, mas, até ao momento, a associação de pais reitera o apoio e confiança no trabalho da direcção da escola. Na próxima semana deverá ser concluído o relatório interno, a entregar à Associação de Promoção da Instrução dos Macaenses.
Andreia Sofia Silva SociedadeAbuso sexual | Funcionário do Costa Nunes não foi constituído arguido [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] funcionário do jardim de infância D. José da Costa Nunes que, alegadamente, terá cometido abusos sexuais a duas meninas de três anos não foi constituído arguido. Neste momento, é apenas alguém que foi convidado a ajudar no processo de investigação. Entretanto, de acordo com a DSEJ, o regime sancionatório para casos como este pode implicar uma multa pecuniária, ou mesmo a suspensão da escola A Polícia Judiciária (PJ) considera, para já, não haver indícios suficientes para a constituição do suspeito como arguido, mas dentro do jardim de infância D. José da Costa Nunes a confiança foi quebrada. A PJ adiantou ontem ao HM que o funcionário que foi despedido por, alegadamente, ter cometido abusos sexuais a duas meninas de três anos não foi sequer constituído arguido. O sujeito “não foi detido e foi convidado para ajudar na nossa investigação”, disse fonte da PJ. “Neste momento, ainda não foi constituído arguido. Não há provas de que tenha cometido abusos sexuais. As vítimas são duas meninas e já foram fazer uma consulta no hospital, não tendo sido detectados quaisquer vestígios de abuso sexual”, acrescentou a mesma fonte. O ex-funcionário do jardim de infância estava em casa, no território, quando foi “convidado” pelas autoridades para prestar declarações. “Neste momento, não podemos dar mais informações, porque é apenas um indivíduo que nos está a ajudar na investigação.” Os responsáveis da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) deram ontem uma conferência de imprensa, mas remeteram a maior parte das informações para a PJ. “A PJ está a fazer a investigação e depois vai divulgar mais informações junto do público. Vamos esperar por mais informações da polícia. Vamos reunir com a direcção da escola e esta deve agir de acordo com o nosso guia de funcionamento. Enviamos agentes de aconselhamento para dar apoio aos pais e às crianças”, adiantou a responsável da DSEJ que referiu que também será dado “ apoio psicológico às crianças”. Na conferência de imprensa promovida pela DSEJ, vários órgãos de comunicação social chinesa fizeram questões sobre o facto do funcionário ter, alegadamente, trocado fraldas às crianças, facto que também é referido pelos media de Hong Kong (ver caixa). Sobre as consequências para a instituição, a DSEJ adiantou que, “de acordo com a lei está definido no regime sancionatório a aplicação de uma multa pecuniária ou a suspensão do funcionamento da escola”. Contudo, a PJ confirmou ao HM que tal ponto nunca foi referido pelas autoridades e que essas informações serão apenas boatos divulgados nas redes sociais. Número de casos não é claro Os casos aconteceram numa turma do primeiro ano do jardim de infância, com alunos de apenas três anos. A primeira queixa foi feita por uma mãe à educadora em Outubro, mas esta nada disse à direcção do jardim de infância, conforme relatou ao HM Goreti Lima, a psicóloga da instituição de ensino. “O primeiro caso foi uma mãe chinesa que veio dizer que a filha lhe tinha dito que esse funcionário lhe tinha posto as mãos nos genitais. A coisa passou porque é difícil acreditarmos numa coisa dessas. Depois aconteceu com uma menina portuguesa e na terça-feira foi uma família portuguesa que fez a mesma queixa. Aí tivemos o alerta. Na mesma turma aconteceram mais casos semelhantes.” A Associação de Promoção de Instrução dos Macaenses (APIM) não sabe, para já, quantos casos terão ocorrido ao certo, estando apenas confirmados dois casos investigados pela PJ. Segundo adiantou Miguel de Senna Fernandes ao HM, terão surgido situações em que os pais nem sequer reportaram à escola. “Isto tem de ser muito bem esclarecido. Tenho dúvidas de que [determinadas situações] sejam consideradas casos. Há apenas dois casos apenas confirmados pela PJ. É por isso que estou a aguardar o relatório da direcção da escola.” Apesar de no hospital Conde de São Januário nada ter sido detectado com os exames efectuados às duas crianças, Miguel de Senna Fernandes lembrou que o abuso sexual não acontece apenas na forma de agressão. “Temos de ver e estudar o caso. No fundo, ele não é suspeito porque, do ponto de vista da polícia, não há indícios de abuso sexual, mas sabemos que não se limita apenas a casos de agressões, com indícios muito claros no corpo da vítima. O comportamento pode acontecer de várias formas e o toque pode chegar.” Não é ainda clara a continuação deste funcionário na instituição depois da sua suspensão por parte da direcção do Costa Nunes. Independentemente do resultado da investigação criminal, “coloca-se também a confiança no funcionário”. “É uma coisa ainda por estudar no futuro e ficamos a aguardar a conclusão do relatório. E era bom que fosse feito desta semana para resolvermos este caso o mais depressa possível”, acrescenta Miguel de Senna Fernandes. O relatório de que fala o presidente da APIM será desenvolvido pela direcção do jardim de infância, adiantou a sua directora, Marisa Peixoto. “Vamos fazer um processo interno de averiguações e depois realizar um relatório interno, vamos ouvir várias pessoas para apresentar à direcção da AIPIM para depois eles próprios fazerem as suas averiguações internas.” Marisa Peixoto apontou que teme uma redução do número de matrículas, numa altura em que cada vez mais famílias procuram o Costa Nunes, dado ser o único jardim de infância de matriz portuguesa. “Tememos [uma redução das matrículas] mas vamos tentar restabelecer a confiança dos pais. Aconteceu e não podemos fazer nada, mas vamos trabalhar a partir daí e melhorar. O primeiro passo que tomámos foi o afastamento da pessoa em causa logo no dia em que os pais fizeram a queixa. Em termos de rotina da escola, estamos a tentar que os pais não fiquem tão preocupados.” Empregado exemplar No jardim de infância, o funcionário tinha como funções tratar das limpezas e das refeições. Mas, segundo Marisa Peixoto, era muito prestável, respondendo a vários pedidos de ajuda que lhe faziam. “Era daqueles empregados que não tinha responsabilidade sobre nenhum grupo mas que estava sempre disponível, a tudo o que lhe pedíamos havia disponibilidade da parte dele para fazer. Era uma pessoa bem disposta”, conta a directora da instituição. Também Goreti Lima, psicóloga, se recorda de um trabalhador sempre disponível. “Era um excelente funcionário e fazia mais do que aquilo que lhe era pedido. Era super simpático, envolvia-se em actividades com as crianças, brincava com elas quando não era essa a função dele, entrava mais cedo e saía mais tarde, era sempre prestável. Não levantava nenhuma suspeita pela conduta que levava e era próximo das educadoras. Isso também é um choque para elas, ele ganhou a confiança de todos.” Apesar da PJ não ter considerado o indivíduo como suspeito, a verdade é que Goreti Lima alerta que “as crianças estão na descoberta do seu corpo e para elas são apenas festinhas”. Cabe, por isso, aos “adultos ter consciência de que isto não se faz”. Na terça-feira, quando foi confrontado, o funcionário “não reagiu, não viu maldade, ficou de cabeça baixa, transtornado. Ficou perdido”, recorda a psicóloga. Para a profissional que acompanha as várias turmas do D. José da Costa Nunes, este é um alerta a todos os profissionais da instituição. “Eu e as minhas colegas temos responsabilidade nisto, porque não foi dito o que se passava.” Goreti Lima acrescenta ainda a falta de recursos humanos no jardim de infância. “Não tenho tempo para fazer observações em todas as salas, porque ando sempre a correr, andamos sempre a correr. É preciso que os pais saibam que têm de estar mais presentes na vida dos filhos, que têm de conversar com eles e que tem de haver mais contacto entre os pais e a escola. Isto faz-nos repensar o nosso estilo de vida porque estão em causa uma série de coisas.” Hoje deve decorrer uma reunião entre a associação de pais, a direcção do jardim de infância e a APIM. Media de Hong Kong noticiaram o caso As suspeitas de abuso sexual no jardim de infância de matriz portuguesa foram noticiadas por alguns meios de comunicação social de Hong Kong. Um deles foi a Radio and Television Hong Kong (RTHK), que noticiou a investigação que decorre sobre o caso alegadamente protagonizado pelo jovem filipino de 30 anos e que resultou na ida dos pais de duas crianças à PJ. Na notícia, lê-se que a escola “não tratou do caso no tempo devido”. Também o website do jornal Oriental Daily News reportou que “duas crianças num jardim de infância terão sido abusadas por um trabalhador filipino”. Associação de pais diz que direcção “tomou medidas necessárias” Foi emitido ontem um comunicado depois da reunião da Associação de Pais do Costa Nunes (APCN), onde se refere que a direcção do jardim de infância tomou as medidas necessárias para lidar com este caso. “Pelos dados de que dispomos, acreditamos que a direcção do jardim-de-infância D. José da Costa Nunes (DJCN) tomou as medidas possíveis assim que teve conhecimento do que se estava a passar. A informação de que dispomos até ao momento leva-nos a crer que está a ser feito o devido acompanhamento das crianças e pais directamente envolvidos.” A associação de pais faz ainda um apelo contra a desinformação. “Pela gravidade e sensibilidade do caso em apreço, apelamos ao bom-senso e respeito pela privacidade dos envolvidos. A desinformação em situações desta índole tem danos incalculáveis não só para as pessoas directamente envolvidas, como também para a comunidade escolar.” O comunicado, assinado pela presidente, Fátima Oliveira, refere ainda que serão feitos mais comentários quando se considerar necessário. “Atendendo ao elevado grau de sensibilidade da questão, ao facto de se tratar de matéria de foro criminal – a ser já investigada em sede própria –, e, sobretudo, tendo em consideração que os principais visados deste triste acontecimento são crianças de tenra idade, entendemos que não nos compete, neste momento, tecer qualquer comentário adicional.” Os sinais de abuso sexual na criança (por Goreti Lima) – Vários sintomas psicológicos, incluindo os transtornos depressivos vulgo depressão ou tristeza, e os transtornos de ansiedade nomeadamente o transtorno pós-traumático. Estes são os maiores sinais associados com questões de abuso e/ou trauma sexual. As tentativas de suicídio também são comuns – A nível psicológico e comportamental a criança pode apresentar sinais de ansiedade e regulação emocional deficiente, como medos e nervosismo, irritabilidade, raiva, chupar no dedo, roer as unhas; depressão e tristeza; perturbações da memória e concentração; alterações alimentares; e alterações do sono como insónias, terrores nocturnos, pesadelos, enurese nocturna (xixi na cama). – Também podem apresentar isolamento social, alterações ou dificuldades nos relacionamentos sociais e íntimos; e baixa auto-estima, ou seja falta de confiança, desrespeito por si mesmo, desvalorização pessoal, não se sentir merecedor de amor e respeito por parte dos outros, referir-se depreciativamente ao seu próprio corpo como “sujo”, “defeituoso” ou “feio”. Sentir vergonha, culpabilização; evitar certos sítios ou certas pessoas; comportamento sexuais desadequados para a idade, “tocar” nos órgãos genitais ou fazer avanços, evitar ir à casa de banho para fazer as suas necessidade como antigamente, tomar banho, recusar expor o corpo – Sinais físicos, que são queixas somáticas, por exemplo, dores muscular constantes, dores de cabeça , fadiga , distúrbios gastrointestinais; doenças nos genitais, nas meninas cândidas frequentes, inflamações, dores e mal-estar.
Andreia Sofia Silva Internacional MancheteIrão | China continua a apoiar acordo nuclear, mesmo com a saída dos EUA O mundo ficou chocado com a decisão de Donald Trump de abandonar um acordo que visa controlar e observar o progresso do programa nuclear iraniano, apesar do presidente norte-americano ter várias vezes manifestado essa intenção. Para já, a China, tal como os parceiros europeus, defende a continuação do acordo. O Irão promete cumprir, desde que sejam respeitados os seus direitos. A Coreia do Norte está atenta, com vista à cimeira bilateral com os EUA Com agências [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m dos feitos da Era Obama acaba de ser quebrado pelo actual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que decidiu abandonar o acordo nuclear assinado em 2015 entre o Irão e países parceiros como a China, Rússia, França, Reino Unido e Alemanha. Em entrevista ao jornal português Diário de Notícias, Ernest Moniz, secretário da Energia dos Estados Unidos quando Barack Obama era presidente, e uma das personalidades que trabalhou no estabelecimento do acordo nuclear, falou da sua importância. “O acordo nuclear com o Irão foi certamente um grande feito (…). O que tem de ser relembrado é que quando, em Fevereiro de 2015, a negociação entrou em velocidade de cruzeiro entre mim e a minha contraparte, o Dr. [Ali Akbar] Salehi, naquele momento o Irão tinha acumulado 20 mil centrifugadoras, dez toneladas de urânio enriquecido e o mundo tinha muito pouco conhecimento sobre o programa nuclear iraniano. E isso era perturbador, porque sabíamos que o Irão tinha tido um programa de armamento nuclear até 2004. Não construíram nenhuma arma nuclear, mas tinham aquilo que os inspectores internacionais da Agência de Energia Atómica chamam um programa de armamento nuclear estruturado.” Moniz considerou o acordo fez “recuar o programa [nuclear do Irão] uns 15 anos” e acredita que o anúncio da saída dos Estados Unidos pelo seu presidente, Donald Trump, é “um grande erro estratégico porque, entre outras coisas, põe de parte as medidas de verificação para cuja aplicação trabalhámos tanto. Sempre no espírito de ‘não confies e fiscaliza, fiscaliza, fiscaliza’”. Todos os parceiros europeus neste acordo já condenaram a atitude de Donald Trump, e, da parte do Irão, os comentários até foram mais longe: “Trump não tem capacidade mental para lidar com estas questões”, disse o porta-voz do parlamento iraniano Ali Larijani, citado pela Reuters. A decisão de Trump pode pôr em causa a continuação do acordo, sobretudo se o Irão também decidir abandonar o pacto frisado, o que levaria a uma expansão do seu programa nuclear, com consequências imprevisíveis para a comunidade internacional. Hassan Rohani, presidente iraniano, anunciou que, para já, o país “vai manter-se” no acordo nuclear caso os seus interesses sejam garantidos, e tomará decisões posteriores em caso contrário. “Devemos ser pacientes para ver como os outros países reagem”, disse Rohani num discurso, numa alusão às restantes potências que assinaram o acordo nuclear, e sugerindo que pretende discutir com europeus, russos e chineses. Além disso, considerou as palavras de Donald Trump como “desadequadas”, tendo prometido trabalhar com os países signatários em prol da paz global. A China, que sempre deu o seu parecer favorável a este memorando de entendimento, declarou publicamente estar contra a postura de Trump, que deverá avançar com sanções ao Irão de forma unilateral. O enviado especial da China para o Médio Oriente apelou ontem a todas as partes envolvidas no acordo nuclear com o Irão que resolvam as disputas através do diálogo, informou a agência oficial Xinhua. Gong Xiaosheng disse numa conferência de imprensa no Irão, após reunir-se com funcionários do país, que o acordo multilateral “é muito sério e importante”. O enviado chinês afirmou que o documento ajuda a preservar o sistema internacional de não-proliferação nuclear e promove a paz e estabilidade no Médio Oriente, e que a sua integridade deve ser respeitada. “Ter um acordo é melhor do que não ter. O diálogo é melhor do que a confrontação”, disse. A China sempre apoiou este acordo, face às críticas de Donald Trump, que sempre o considerou incompleto e “uma vergonha”. O presidente norte-americano considerou que o documento não evita o desenvolvimento de mísseis balísticos e não promove o respeito pelos direitos humanos. Em Janeiro deste ano, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Lu Kang, citado pela Xinhua, defendeu que as partes envolvidas deviam gerir as diferenças e continuar a implementar o acordo de forma “exaustiva” e “efectiva”. E reiterou o apoio ao acordo nuclear, ao qual se referiu não só como uma conquista multilateral importante, como também um exemplo para resolver os problemas internacionais através da via política e diplomática. Kim à espreita Depois de ter sido anunciada uma cimeira entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, o país liderado por Kim Jong-un estará atento aos acontecimentos depois do anúncio feito por Trump, disse Liu Xiaoming, antigo embaixador chinês na Coreia do Norte entre os anos de 2006 e 2009, citado pela Bloomberg. “A República Democrática da Coreia do Norte está a observar. Se te afastas de um acordo feito pela tua anterior administração, isso acarreta um mau exemplo”, disse Liu, referindo-se ao período Obama. O diplomata disse esperar que se chegue a um consenso para que o acordo possa sobreviver a este impacto, uma vez que o seu fim iria corresponder a um “retrocesso”. “No que diz respeito à Coreia do Norte, e tendo em conta a minha experiência, haverá sempre dois passos em frente e um atrás. Às vezes é um passo à frente, e dois atrás.” Entretanto, esta semana Kim Jong-un voltou a fazer a segunda visita surpresa à China no espaço de poucos meses, tendo viajado de avião até Dalian, onde se reuniu com Xi Jinping. De acordo com o South China Morning Post, alguns analistas consideram que poderá de facto haver uma tentativa de compromisso em prol da desnuclearização na Coreia do Norte. Obama fala de “erro grave” O acordo assinado em 2015 visava estabelecer uma redução e congelamento temporário, até 25 anos, de vários segmentos do programa nuclear iraniano, em troca do fim das sanções internacionais aplicadas a Teerão. Na última sexta-feira, Donald Trump assinou pela “última vez” a suspensão das sanções ao Irão que estão na base do acordo e disse que era preciso, com os aliados europeus, corrigir os defeitos do acordo. A Rússia também já assegurou que pretende preservar o acordo com o Irão e advertiu que se os Estados Unidos abandonarem o pacto cometem “um erro muito grave”. “Faremos tudo o que depender de nós para preservar o acordo”, disse o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Ryabkov, à agência Interfax. Quem também se pronunciou sobre esta matéria foi Barack Obama, que qualificou de “erro grave” a decisão de Donald Trump. “Penso que a decisão de colocar [o acordo] em risco, sem qualquer violação do acordo pelos iranianos, é um erro grave”, indicou o ex-Presidente dos EUA, numa declaração feita num tom particularmente firme. Sem este acordo, assinado em 2015 após quase dois anos de negociações, “os Estados Unidos poderão no final encontrar-se perante uma escolha perdedora entre um Irão com a arma nuclear ou uma outra guerra no Médio Oriente”, alertou. “A realidade é clara”, insistiu, o acordo, que é “um modelo do que a diplomacia pode conseguir”, funciona e “é no interesse da América”, disse, lamentando uma decisão que significa virar as costas aos “mais próximos aliados da América”. “Numa democracia, haverá sempre mudanças de políticas e de prioridades de uma administração para outra (…) Mas desrespeitar de modo sistemático os acordos do qual o nosso país é parte pode corroer a credibilidade da América”, adiantou Obama. Portugal | Marcelo e Governo lamentam saída americana O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, subscreveu a tomada de posição do Governo português, que lamentou a saída dos EUA do acordo nuclear do Irão e defendeu que os restantes signatários devem manter a sua posição. “O Presidente da República subscreve plenamente a posição do Governo, tornada pública esta tarde, sobre a decisão do Presidente dos Estados Unidos da América de retirada unilateral do acordo nuclear com o Irão”, refere uma breve nota divulgada no sítio oficial da Presidência da República. O Governo português “lamenta bastante” a saída dos EUA do acordo nuclear com o Irão, mas espera que esta seja “compensada” pela determinação dos restantes signatários de manterem a sua posição, disse à Lusa o ministro dos Negócios Estrangeiros. “Lamentamos bastante a decisão dos Estados Unidos. Nós, Portugal, e a União Europeia tudo fizemos para convencer os nossos amigos americanos a não darem este passo”, afirmou Augusto Santos Silva, em declarações à agência Lusa. O Governo português vê o acordo como “um instrumento positivo”, com o objetivo de “impedir que o Irão chegue à produção de armas nucleares próprias”, referiu o governante. O chefe da diplomacia portuguesa advertiu que a decisão dos EUA, ontem anunciada pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, pode ter consequências negativas, nomeadamente o “isolamento iraniano e o enquistamento ainda mais intenso do regime iraniano”, bem como uma “escalada da conflitualidade que hoje já é evidente no Médio Oriente”. Consequências que, para o Governo português, podem ser mitigadas se os restantes signatários do acordo nuclear “mantiverem a sua posição”. “Esperamos que esta saída dos Estados Unidos seja compensada pela determinação das restantes partes signatárias do acordo no seu cumprimento”, sublinhou Santos Silva. Principais pontos do acordo nuclear com o Irão Urânio – O Irão só pode manter reservas de 300 quilos de urânio pouco enriquecido, quando anteriormente mantinha reservas de 100.000 quilos de urânio altamente enriquecido. Por outro lado, o Irão apenas pode enriquecer urânio a 3,67 por cento, que pode ser utilizado como combustível de um reactor para fins civis, mas fica muito aquém dos 90 por cento necessários para produzir uma arma. Centrifugadoras – Antes da aplicação do acordo, o Irão tinha cerca de 20.000 centrifugadoras, usadas para enriquecer o urânio. Actualmente, está autorizado a ter apenas 6.104, de modelos antigos, em duas instalações nucleares. Instalações nucleares – Teerão, a capital do Irão, aceitou suspender a construção de um reactor de água pesada, que permite produzir plutónio, e converter a central de Fordo de enriquecimento de urânio numa central de investigação nuclear. Inspecções – O acordo prevê inspecções da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) a qualquer instalação em qualquer momento. Os peritos da agência podem também pedir para inspeccionar um local que considerem suspeito. Teerão tem 24 dias para permitir as inspecções. Se recusar, uma comissão arbitral avalia a situação e pode determinar a reactivação imediata das sanções. Prazos – O acordo estipula que os limites ao enriquecimento de urânio e armazenamento de urânico enriquecido expiram ao fim de 15 anos. O prazo definido visa criar condições para um diálogo e a negociação de uma extensão do pacto ou de um novo acordo. Mísseis balísticos – O acordo não inclui provisões em relação aos mísseis balísticos.
Andreia Sofia Silva Ócios & Negócios PessoasSupreme, supermercado | A nova mercearia do bairro [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] supermercado Supreme, localizado na Taipa, tem desde Setembro uma nova gerência e um novo ambiente. De pequeno local de comércio, com pouca variedade de produtos, o Supreme passou a ser uma superfície comercial onde os clientes encontram tudo o que pretendem num só lugar. Encher a despensa em Macau nem sempre é fácil e requer, sobretudo, uma logística e deslocação a vários locais de comércio, pois é difícil encontrar tudo o que se precisa num só espaço. Foi a pensar nesta lacuna que Lúcia Costa, juntamente com outros sócios, resolveu apostar na renovação do supermercado Supreme, localizado bem no coração da Taipa. O que antes era um pequeno local de comércio passou a ser um supermercado de maior dimensão, que pretende oferecer aos clientes uma experiência completa ao nível de compras. “Em Macau toda a gente sente que tem de ir a mais do que um supermercado comprar as coisas. Há uma competição dos outros supermercados, mas também acho que nos completamos uns aos outros. O que estamos a tentar fazer, mas isso leva tempo, porque só abrimos em Setembro, é que uma pessoa compre tudo o que precise ali, em vez de saltitar de supermercado em supermercado.” Com uma experiência de sete anos neste sector, Lúcia Costa e parte dos sócios com que trabalha no supermercado já operavam alguns serviços num outro espaço na Taipa. Porém, investir neste negócio revelou-se uma oportunidade imperdível. “Nós já tínhamos um talho e mais alguns serviços no supermercado Park n Shop, e soubemos que este espaço estava disponível para arrendamento. Vimos nisso uma oportunidade de expandir e ter uma loja só nossa.” Lúcia Costa confessa que a maior parte dos clientes tem tido uma reacção positiva face ao novo supermercado. Ainda assim, há “alguns clientes que estavam habituados ao antigo Supreme, que tinha muitos poucos produtos e coisas muito específicas, que nós não temos”. “No início foi difícil a adaptação dos nossos clientes à loja. Mas cada vez temos mais clientes, mais produtos e o negócio vai crescendo. Ainda estamos a estudar o mercado, mas o feedback tem sido positivo. Mantivemos o nome, mas mudamos a loja, que está completamente diferente, em termos de estética e de variedade de produtos”, acrescentou a sócia do supermercado. Aposta no vegetarianismo Uma das novidades introduzidas pelo supermercado Supreme prende-se com a oferta de produtos vegetarianos, incluindo substitutos de carnes, queijos e patés. “Há muita procura em Macau de produtos vegetarianos, mas há falta de oferta de produtos não só vegetarianos mas sem lactose e sem glúten, por exemplo. Acho que cada vez há mais procura e é muito difícil arranjá-los em Macau. Então fizemos essa aposta, para termos algo diferente dos outros.” Lúcia Costa destaca ainda o talho e as suas carnes frescas. “Cerca de 90 por cento das carnes que temos são estrangeiras, principalmente da Austrália e EUA, e aí também apostamos na qualidade. Além disso, temos ofertas, em que se o cliente comprar determinados produtos fica a metade do preço. Há coisas que ficam mesmo em conta e isso não se consegue em mais nenhum outro sítio em Macau.” Além da diversidade, os sócios do supermercado Supreme buscam a qualidade, através de um grande leque de fornecedores. “A maior parte dos nossos fornecedores são de Hong Kong. Costumamos ir lá a feiras, fazemos muita pesquisa através de contactos que já temos. É assim que vamos descobrindo cada vez mais produtos e expondo-os na loja.” “Todos os produtos têm certificado. Para trazer produtos de fora tudo tem de ter um certificado que comprove de onde vêm e com que ingredientes são feitos. Apostamos em produtos de qualidade e temos muitos produtos portugueses, canadianos, australianos, americanos, e até franceses e italianos, por exemplo.” Apesar de estar localizado na Taipa, o supermercado Supreme faz bastantes entregss a moradores da península de Macau e Coloane. Para Lúcia Costa, o facto do Supreme disponibilizar um serviço em várias línguas serve de factor diferenciador face a outros negócios semelhantes. “Em primeiro lugar é difícil comunicar em inglês em todos os supermercados em Macau. Nós aqui temos serviço em português, inglês, tagalo e mandarim, temos pessoas que falam diversas línguas, o que ajuda no serviço.” O recurso às redes sociais é também uma aposta para contactar o cliente. “Temos uma página de Facebook e tentamos sempre ter feedback dos clientes. Aí, sabemos o que podemos mudar e melhorar, e só aí haverá uma evolução. Nesse ponto, as redes sociais funcionam, sobretudo com clientes novos, quando querem saber se temos determinado produto”, concluiu Lúcia Costa.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteEdgar Martins foi considerado um dos melhores fotógrafos do mundo. “Quis representar a ansiedade que senti” O trabalho “Silóquios e Solilóquios na Morte, Vida e Outros Interlúdios” e outro realizado no Instituto de Medicina Legal em Portugal valeram-lhe a distinção de um dos melhores fotógrafos do mundo pela Organização Mundial de Fotografia. Edgar Martins, português com raízes em Macau, promete uma exposição no território enquanto captura a ausência numa prisão de Birmingham, no Reino Unido [dropcap]F[/dropcap]Foi considerado o melhor fotógrafo do mundo. Estava à espera deste reconhecimento? Essa designação de melhor fotógrafo do mundo é sempre uma coisa muito subjectiva, porque o trabalho foi escolhido naquele momento, por aquele júri. Se calhar, se tivesse sido escolhido por outro júri, com um trabalho diferente, o resultado teria sido outro. Mas é claro que o reconhecimento é sempre fantástico, mais por abrir uma audiência bastante grande aos projectos. Se estava ou não à espera, não sei ao certo. Sempre estive confiante no peso conceptual do projecto, mas é uma questão de ver se é isso que o júri procura nas imagens ou não. O meu trabalho vai muito além do documental e do fotográfico e, por vezes, em prémios fotográficos fora do contexto das belas artes há a tendência para se escolherem prémios mais ortodoxos. O que me deixou bastante contente foi o facto de terem visto no trabalho qualquer coisa que merecia ser divulgada, e isso para mim é incrível, sobretudo para uma pessoa que trabalha um pouco fora da fotografia documental canónica. O tema da morte trouxe algum fascínio ou chamou a atenção pelas razões certas? Sim. O tema da morte é sempre uma coisa que suscita emoções muito fortes nas pessoas e muitas vezes emoções distintas, do estilo “não queremos sequer olhar para isso” ou “vamos lá ver o que é que isto nos tem a dizer”. A morte, para mim, foi um ponto de entrada para falar de linguagem fotográfica e a forma como nos relacionamos com fotografia. E em particular o facto de assuntos humanos, sociais e políticos complexos raramente serem conceptualizados fora do contexto da fotografia documental canónica. Quis produzir um projecto que reflectisse sobre as lacunas de informação, compreensão, representação e também as ansiedades sobre a ética e estética que inevitavelmente surgem com a fotografia documental. E foi assim que surgiu este projecto que produzi com o Instituto de Medicinal Legal e de Ciências Forenses em Portugal. FOTO: Nuno Fox Como foi a sua preparação? Como é que o pensou e estruturou? O que sentiu quando viu os materiais que ia fotografar? A minha ideia para o trabalho era muito distinta em relação ao que o trabalho acabou por representar. Não estava ciente do material que o instituto tinha mas também do tipo de acesso que eles me iam dar. Sobretudo, não tinha noção do espólio fotográfico fantástico que eles tinham. A partir do momento em que descobri esse espólio, ajudei a conservar, porque estava, não digo abandonado mas os objectivos de uma instituição de ciência forense são sempre outros. Durante três anos produzi mais de mil imagens e digitalizei mais de três mil negativos desse espólio. Trabalhei mais concretamente com as sedes de Lisboa e Coimbra, e fui também capaz de acompanhar investigações em curso, presenciar autópsias. Sabia, logo desde o início, que não estava interessado em representar este tipo de situações que pudessem ser vistas como visualmente sensacionalistas. Porquê? O que queria representar era a ansiedade que senti por estar neste tipo de local e por trabalhar com este tipo de material. É por isso que o meu trabalho se concentra numa linguagem de subtracção e não de documentação, é mais pela omissão e não tanto pela revelação. As imagens que foram premiadas para o projecto revelam isto muito bem. Representam provas forenses, objectos usados em crimes e em locais de crimes e também cartas de despedida de pessoas que cometeram suicídio. Não há dúvida de que as cartas de despedida têm um conteúdo potencialmente emotivo, mas a verdade é que é neste contexto, quando estou a lidar com este tipo de material, que me sinto o mais desconfortável possível. São coisas muito pessoais e uma pessoa fica com a sensação de que não deve olhar para elas, quanto mais representá-las. É precisamente esta ansiedade que eu tenho, em pensar que não devo olhar para o material que eu queria comunicar a um potencial público. É daí que surge um pouco a metodologia adoptada. Quem vê não percebe de imediato do que se trata. Quem olha para as imagens e não sabe que são cartas de despedida jamais chegará a essa conclusão, porque eu fiz todos os possíveis para não revelar o conteúdo e para exacerbar a relação entre revelação e omissão, entre o que se comunica e fica ausente. A partir do momento em que decidi que queria abordar o material desta forma foi simplesmente uma questão de ponderar sobre a metodologia adoptada. Este projecto foi bastante experimental neste sentido, porque incluiu imagens de arquivo, fotografia documental usando máquinas analógicas de grande formato, mas também usei abordagens que passaram por apropriar imagens do meu próprio arquivo fotográfico. No caso das cartas de despedida acabei por usar equipamento digital de alta resolução para as fotografar, porque fiz várias experiências. Mas a partir do momento em que percebi que poderia representar este material de uma forma subtil e enigmática com este equipamento, decidi utilizá-lo. Antes de chegar a este equipamento ainda tentei fazer fotogramas, um método muito artesanal. Há imagens no projecto que incluem fotogramas, mas nas imagens premiadas, nas cartas de despedida, foram todas fotografadas com equipamento altamente tecnológico. Disse numa entrevista que ficou com uma ligação à temática da morte depois do homicídio de um amigo seu. Como é que levou depois esse tema para o processo artístico? Há várias fases que me levaram a trabalhar sobre este tema. Comecei a querer trabalhar o tema da morte há 15 anos, mas senti que na altura não estava preparado. Quis trabalhar na altura com agências funerárias e rapidamente percebi que isso não ia levar a lado nenhum. Mas ainda não tinha amadurecido o suficiente para trabalhar um tema tão complexo. A minha prática artística nos últimos dez anos tem-se enraizado naquilo a que temos difícil acesso, então estou interessado nas técnicas de expressão artística nestes ambientes que promovem ou criam um diálogo. Como por exemplo? Trabalhei muitos anos com o tema da indústria e tecnologia, mas percebi que esse tipo de abordagem e tema tinha chegado a uma conclusão natural, e aí quis desafiar-me como pessoa e como artista. A morte surgiu-me como um tema interessante porque também é complexo, e o meu melhor amigo, na altura, um fotojornalista sul-americano que vivia aqui em Inglaterra, foi documentar a guerra na Líbia sem qualquer afiliação. Foi com três jornalistas independentes, achávamos que tinha sido raptado pelas milícias de Kadafi, chegamos a fazer uma campanha em prol da sua libertação e só soubemos que tinha sido assassinado quando os outros jornalistas foram libertados. Um dos jornalistas que fez essa viagem, americano, e que cheguei a conhecer, foi assassinado na Síria um ano depois do meu amigo. Então, essas duas mortes fizeram-me prestar uma atenção especial à forma como este tipo de matéria é tratada nos media e outros meios. Falou-me de intenções neste projecto, mas nunca quis chocar. O choque funciona uma vez, e esse é o grande problema da fotografia. Sempre tive a visão de que a fotografia choca e é intrusiva, mas é um mecanismo apotropaico. Aliás, esse é um dos grandes problemas do fotojornalismo, essa questão de polarizar os eventos. Apesar de chocar, tem esse papel de atenuar a nossa experiência de situações violentas. Nesse sentido, quis evitar esse tipo de abordagem e foi por isso que não fotografei autópsias, por exemplo, apesar de as ter presenciado. O projecto foca-se muito neste exercício conceptual do que se revela ou não. Tem um novo projecto, numa prisão de Inglaterra, intitulado “Sociologia da Ausência”. Porquê este tema? Este é o subtítulo do título principal, que é “o que é que a fotografia tem em comum com um jarro vazio”. Não haverá resposta no título, e é o vácuo no seu interior. É algo estrutural em torno da ausência. Estou a trabalhar com uma prisão em Birmingham, com um pequeno grupo de prisioneiros e as suas famílias. Tenho interesse em abordar a forma como lidamos com a ausência de um ente querido, sobretudo se formos forçados a viver separadamente, mas a fotografia representa algo que não se vê. E há aqui algo mais interessante, que é como é que a fotografia não se identifica com o seu sujeito fotográfico, mas com a ausência desse sujeito. Acho que o tipo de questões que levanta são profundas e muito interessantes. É pensar como podemos avançar o debate sobre a fotografia documental. Da série “Silóquios e Solilóquios sobre a Morte, a Vida e outros Interlúdios” © Edgar Martins De que forma é que Macau influenciou a sua carreira, ou tem vindo a influenciar? Macau é um sítio de contrastes. Sempre foi e continua a ser, apesar dos contrastes evoluírem e sofrerem mudanças. Isso acabou por despertar em mim um espírito crítico desde muito jovem, e nesse sentido Macau foi importante. Na adolescência o meu contacto com a fotografia foi sempre esporádico, nunca achei que poderia explorar de forma séria. Cheguei a fazer um curso de fotografia durante uns meses, mas nada além disso, e ninguém na minha família tinha paixão pela fotografia. O que me levou a decidir enveredar por este caminho foi o facto de, em 1996, ter publicado um livro de poesia e dissertações filosóficas – aliás, a escrita sempre foi a minha paixão – intitulado “Mãe, deixa-me fazer o pino”. Quando acabei o livro, e tive oportunidade de o reler, apercebi-me que era muito visual, baseado em visualizações específicas. Aí percebi que deveria estudar imagem visual. O que sempre me interessou na fotografia foram as suas insuficiências e carências. Toda a linguagem que criei ao longo dos anos tem sido estruturada em torno destas ideias. Albano Martins, seu pai, tem lutado pelo fecho do Canídromo, uma iniciativa que conseguiu ir além fronteiras. O prémio que agora ganhou trouxe-lhe mais visibilidade. Pretende chamar a atenção para esta questão com o seu trabalho? Do ponto de vista visual e fotográfico, a nível de projecto, não é que não seja interessante, mas penso que teria pouco a contribuir enquanto artista. Enquanto pessoa, tenho certamente um papel e já o tenho feito. Tenho um papel mais modesto em relação ao que o meu pai tem vindo a desenvolver na ANIMA e tenho apoiado a sua causa o máximo possível. Acho que é uma causa incrível e, aliás, a relação da nossa família com os animais foi moldada face às atitudes que existiam em Macau e na China. Todos somos apoiantes dos direitos dos animais. Para quando uma nova exposição em Macau? Neste momento, estou a discutir com duas entidades, mas não posso dar mais dados. Vou certamente apresentar um dos projectos que estou a fazer entre 2019 e 2020. É um projecto que será apresentado na sequência de uma apresentação que irei fazer em Pequim, no Three Shadows Art Center. Depois o trabalho passa por Macau, ainda que numa apresentação distinta. Dentro do próximo ano irei apresentar trabalho aí.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaLicença de maternidade | Governo pondera subsídios para residentes O Governo está a ponderar a criação de um subsídio para as trabalhadoras locais de forma a apoiar as pequenas e médias empresas no pagamento de mais dias de licença de maternidade. A conclusão consta no relatório da consulta pública relativo à revisão da lei laboral, divulgado ontem [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá concluído o processo de consulta pública relativo à revisão da lei laboral, pelo menos, em alguns pontos. Ontem foi divulgado o relatório e pode ler-se que o Governo está aberto à criação de subsídios para trabalhadoras grávidas, mas apenas para as que são portadoras de bilhete de identidade de residente. “Daremos início ao trabalho [do aumento do número de dias de licença de maternidade] sob a premissa de ter em consideração os direitos e interesses das trabalhadoras e a capacidade de sobrevivência das empresas. No que se refere à remuneração da licença de maternidade, poderemos proporcionar um subsídio aos trabalhadores locais”, refere o documento. O relatório revela que 91,9 por cento daqueles que apresentaram a sua opinião concordam com o aditamento de 14 dias de faltas justificadas às mães, após estas gozarem os 56 dias de licença de maternidade já previstos por lei. A concessão do subsídio foi um dos pontos sugeridos durante a consulta pública. “Algumas opiniões consideram que deve ser o Governo e o empregador a suportarem o prolongamento da licença de maternidade, sugerindo que deveria ser o empregador a conceder as férias, e o Governo a pagar a remuneração do prolongamento da licença de maternidade.” Foi também sugerido que sejam os cofres públicos, através do Fundo de Segurança Social (FSS), por exemplo, a suportar o pagamento de cinco dias de licença de paternidade. Contudo, o Executivo não se pronunciou sobre esta matéria. “Existem ainda opiniões que consideraram que o número de dias de licença de paternidade pode ser prolongado, assumindo o Governo e o empregador o respectivo encargo. O empregador autoriza a licença de paternidade, mas o Governo é o responsável pela remuneração.” Quem defendeu esta posição acredita que, se for o Governo a suportar este custo, tal “não afecta as regalias do trabalhador como também não aumenta os encargos das micro, pequenas e médias empresas”. Um total de 93,2 por cento das pessoas que participaram na consulta pública concordam que deve ser criada a licença de paternidade. Contudo, houve vozes que defenderam que a medida seja aplicada apenas a residentes. “Algumas opiniões indicaram que o trabalhador deve ter o direito ao gozo da licença de paternidade remunerada depois de reunir alguns requisitos, como ter um casamento legal, o parto do cônjuge ter ocorrido em Macau ou ser trabalhador residente”, lê-se. FSS e tempo parcial No que diz respeito à criação do regime de trabalho a tempo parcial, o Governo está disposto a incluir este tipo de trabalhadores no regime de contribuição obrigatória do FSS, aponta o mesmo relatório. “Algumas opiniões manifestaram a preocupação sobre a não aplicação do regime, o que poderá levantar problemas no que diz respeito ao gozo dos benefícios da segurança social. Assim, iremos ponderar sobre esta questão e estudar a aplicação do regime de contribuição do FSS aos trabalhadores a tempo parcial.” Ainda sobre esta matéria, as autoridades deverão legislar o trabalho em regime part-time com o mesmo número de horas de trabalho, independentemente da sua natureza. “Tendo em conta uma perspectiva prática, também concordamos que será mais adequado definir o trabalho a tempo parcial por um único número de horas de trabalho.” A nova lei deverá também implementar um mecanismo transitório entre os contratos a tempo parcial e inteiro. “Concordamos que há necessidade de criar um mecanismo de tratamento destas questões, pelo que iremos estipular disposições transitórias e um mecanismo de conversão de contrato”, conclui-se.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteJosé Dias, arquitecto e ex-funcionário do Instituto da Habitação: “Corrupção começa nas obras públicas” Chegou a Macau em 1990 e trabalhou até 2008 no Instituto de Habitação. O arquitecto José Dias lamenta que a qualidade das habitações públicas tenha piorado, sobretudo ao nível da área reduzida dos apartamentos. Em relação ao campus da Universidade de Macau, José Dias defende que o projecto está longe de ser moderno, além das fragilidades ao nível de esgotos, água e electricidade [dropcap]F[/dropcap]alou do ambiente artificial que existe em Macau. Quando aqui chegou, alguma vez pensou que o território iria desenvolver-se desta maneira, ou que os arquitectos teriam de trabalhar, na sua maioria, com este tipo de ambiente artificial? Estava em Moçambique e recebi uma oferta para trabalhar em Macau. Nessa altura a presença portuguesa era mais acentuada. Não é que não se soubesse o que ia acontecer. E depois da transição as coisas mudaram instantaneamente. Lembro-me de ter alugado um apartamento que estava à venda por 500 mil patacas, um T4. Em 2000 a casa valia uns quatro ou cinco milhões de patacas. É curioso que tudo isso se está agora a debater. Hong Kong está, neste momento, a debater a injustiça dos ricos elevarem os preços das rendas e pede-se que o Governo interfira, porque pode interferir, controlar o crescimento. Isto nasce do sistema democrático, que é livre, mas depois verificamos que a liberdade é fictícia, porque é livre à custa dos que estão bem instalados e que até fizeram os seus negócios e se sacrificaram, mas são ricos. Há outros que não o são e cada vez têm menos possibilidades. Em Hong Kong há também o debate em torno da dimensão reduzida dos apartamentos, e há cada vez mais pessoas a viver em gaiolas. ade levarem os preços das rendas e pede-se que o Governo interfira, porque o Governo. Acredita que o mesmo pode acontecer em Macau? Já existe esse problema. Há muita pouca racionalização, tanto em Hong Kong como em Macau, no que diz respeito ao crescimento. Não há controlo deliberado, age-se por emergência e não há um plano que controle o desenvolvimento do jogo, por exemplo. FOTO: Sofia Mota Tem alguma expectativas positivas em relação aos novos aterros? Acredita que poderá trazer algum desenvolvimento sustentável? Vai acontecer o mesmo que já aconteceu: tudo começa por estar regularizado e depois começa a ser empolado. Isso tudo vai diminuir a disponibilidade de área livre. Em primeiro lugar começam por ocupar o mar, mas nunca sabemos até onde vai esta tentação, e há uma perspectiva de agravamento. As coisas não vão mudar e podem até agravar-se, porque vai permitir-se mais população, e os mesmos espaços de Macau vão ser ocupados pelo dobro das pessoas, e isso tem consequências imprevisíveis. Macau é uma cidade com muitas fragilidades e a construção em altura não está a ser ponderada devidamente. É um paraíso artificial, digamos assim. Em que sentido? Estamos constantemente sujeitos a surpresas. Veja isto [referindo-se ao campus da Universidade de Macau]. É um quilómetro quadrado entregue a Macau, mas aparentemente, porque está a ser manipulado pela China. Não se percebe, porque se as pessoas tivessem mais discernimento, fariam com que isto tivesse uma maior apetência. [Macau] é um tesouro que se vai extinguir, como Hong Kong. Considera então que Macau vai desaparecer. O mais natural é que seja absorvido, porque são apenas 700 mil pessoas perante mais de um bilião de pessoas [a residir na China]. Isto não é nada e desaparece, de um momento para o outro. Basta uma perspectiva diferente, um plano de acção diferente para se extinguir, pura e simplesmente. Refere-se também à extinção da cultura e do património? Sim, com prejuízo para a China. Portugal é a Europa e para a China é um relacionamento fácil. Podemos ficar num cantinho a pensar em Macau, mas é uma coisa temporária. Das duas uma: ou há uma perspectiva criativa, optimista, ou então há uma perda de toda a identidade criada. Ainda sobre a altura dos edifícios. O Governo português soube travar muitas das situações que o Governo chinês não está a conseguir travar? Penso que não. A China tem de intervir para que se cumpra a Lei Básica, porque entregar passivamente [projectos] a novos profissionais sem assegurar a qualidade da intervenção é um pouco perigoso. Refiro-me a questões técnicas e à competência profissional, que é preciso salvaguardar. Não houve nenhuma intervenção de Macau neste projecto, por exemplo [referindo-se ao campus da Universidade de Macau]. Lamenta que este campus… Não seja mais moderno. Não se vincula à modernidade, na sua linguagem é um projecto neoclássico. Mas fundamental seria o respeito pelas regras da construção, sobretudo ao nível do fornecimento de água, esgotos e electricidade. São coisas fáceis de fazer se houver uma fiscalização íntegra. Voltemos à sua vinda para Macau. Foi convidado pelo Instituto da Habitação e acompanhou o processo de construção de habitações públicas. Habitação económica, sobretudo. Comparando essa altura com a actual, acha que… Agravou-se a qualidade das habitações. O espaço foi reduzido e hoje é possível ocupar uma sala se estendermos os dois braços. Na altura, havia uma lei portuguesa, já ultrapassada, que estabelecia as áreas, mas esse decreto-lei foi alterado, para pior, e as áreas foram diminuídas. Havia um risco de manipulação que se agravou depois da transferência de soberania e não há nenhuma perspectiva de melhoria da habitação. Posso concluir que não lhe agrada o empreendimento de Seac Pai Van. É pior em termos de área. Mas isto também tem o consentimento das pessoas, porque a população em geral não tem uma consciência. Mas os que acompanham as questões da Administração Pública sabem. E não se perspectiva nenhuma melhoria das condições. Aqui [no campus da UM], por exemplo, estamos numa criação nova. Há espaço desafogado, mas se formos ver as habitações lá dentro, não têm, por exemplo, sifões nas casas de banho, e isso leva a que haja maus cheiros. A qualidade da construção deste campus tem sido, aliás, bastante questionada. Poderia ter-se feito muito melhor? É evidente, sobretudo nestes aspectos que podem ser subvertidos. Quais eram as directrizes para a construção de habitação pública quando chegou a Macau? Actualmente, há muitas queixas sobre o planeamento do Governo a esse nível. Na altura, esse planeamento era melhor? Era, simplesmente porque havia menos procura. Era mais fácil dominar a situação e o corrupto não intervinha, ficava calado na sua secretária. As ofertas em termos de corrupção são sempre feitas na altura de [elaboração do projecto]. Observou casos em concreto? Nunca observei nenhum caso porque sempre que via alguma situação que estava contra a lei eu não aprovava, chamava a atenção e mandava alterar. A corrupção não é facilmente visível, e começa logo nas obras públicas, que não fazem o controlo do projecto. Vejo o projecto, corrijo o que está errado e segue, mas ele não vai ser feito como está, vai ser alterado e é aí que se dá a corrupção. O construtor alinha com as obras públicas e arranja maneira de subverter a situação. Mas isso acontece em todas as áreas. Há uma crítica constante em relação ao funcionamento das obras públicas. Acredita que algo pode mudar ao nível da celeridade de aprovação de projectos? É sempre possível, e isso começa nas hierarquias. Se há fenómenos exteriores que denunciam situações extremamente graves, as pessoas entram em pânico e tomam medidas. Ninguém faz a denúncia porque é lesado por isso. Esta é uma situação generalizada. Macau e Hong Kong sofrem as consequências de uma alta pressão da China, a que esta está sujeita também. A China alterou-se profundamente nos últimos anos e o que acontece é que está sob alta pressão de 1.4 bilião de pessoas. FOTO: Sofia Margarida Mota Como era ser arquitecto na altura em que chegou? Apesar de ter estado na Função Pública, fazer arquitectura era mais desafiante? Claro. O arquitecto português vem de fora e vem com uma cultura e experiência determinada. Alguns primam pela isenção e há outros que aproveitam as oportunidades de singrarem e ganharem mais dinheiro. Isso agravou-se desde essa altura para cá e o arquitecto passou a ter menos influência. Ainda agora houve uma exposição sobre o trabalho de José Maneiras, e ele seguiu as regras da escola do Porto, e procurou fazer o melhor possível dentro das suas possibilidades. Mas teve de enfrentar desafios, nomeadamente de quererem alterar coisas nos seus projectos indevidamente. Mas isso não quer dizer que as novas gerações sejam piores. Actualmente é difícil fazer arquitectura de autor, fora destes grandes projectos ligados ao jogo? É difícil intervir quando já estão estabilizados certos núcleos. Há uma série de equipas que trabalham e que são independentes e que têm fornecimento de trabalho de forma regular. E essas equipas são sempre as mesmas, as que se estabilizaram e encontraram formas de sobreviver. Falo do Bruno Soares, Maneiras, Carlos Marreiros, o Rui Leão e a esposa. Cada vez há menos construção mas, por outro lado, isso não é bem assim, porque ela surge pelos novos aterros ou pelas alterações que são solicitadas. Agora solicitei junto das obras públicas um cartão para exercer a actividade, e tenho esse cartão, mas até agora procurei trabalho e tenho tido alguma dificuldade. Tem, portanto, vontade de regressar. Do que tem mais saudades? Talvez agora nesta altura fosse mais aliciante fazer acompanhamento de obra. Há sempre inovações e realizações no processo de construção. Considera que faltou planeamento para o futuro, ao nível de habitação pública, tendo em conta o crescimento populacional que se verificou em Macau? Está em curso a construção dos novos aterros, sobretudo o mais importante para a habitação pública [zona A]. Isso vai estabilizar e proporcionar mais habitação económica, mas penso que este assunto poderia ser resolvido de outra maneira, negociando a remodelação dos edifícios no chamado casco velho, ou zona antiga da cidade. Há uma comissão que regula essa intervenção, mas penso que é pouco eficaz e não se tem feito quase nada para a reabilitação da construção antiga. Que projectos da sua carreira destaca? Fiz sobretudo muita obra em Moçambique, onde nasci, em Nampula, e também Maput e Lourenço Marques. Aliás, a minha última obra foi aí, com um projecto de nove habitações de rés-do-chão e primeiro andar. Era mais fácil fazer arquitectura nas ex-colónias? Claro que era, mas não havia muito trabalho a fazer. Este trabalho foi pedido por um serviço de manutenção de estradas. Em Nampula construí alguns edifícios em altura, mas apenas com três andares. Precisava de um novo desafio na sua carreira, e foi por isso que aceitou Macau? Sim, estava tudo muito paralisado e as condições de manutenção não eram fáceis. A Associação de Arquitectos de Macau e outras entidades têm feito o suficiente para preservar a memória da arquitectura portuguesa em Macau? Deve-se salvaguardar, de uma forma geral, os empreendimentos e chegou a fazer-se algo sobre o trabalho de Manuel Vicente, e agora sobre José Maneiras. É sempre possível fazer um levantamento urbano. Pode-se sempre fazer mais alguma coisa. Cheguei a escrever sobre a [importância] da intervenção e preservação no casco velho [zona antiga da península].
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeEfeméride | Há 25 anos, a cidade muralhada de Kowloon era demolida O arquitecto Mário Duque e o secretário-geral da Cáritas, Paul Pun, recordam a sua experiência como visitantes na cidade muralhada de Kowloon. Era um “labirinto” de apenas 2,7 hectares onde chegaram a residir 50 mil pessoas. A ilegalidade fez do local um problema para o Governo britânico que só foi resolvido em 1994. A demolição dos 500 edifícios aconteceu há 25 anos [dropcap style≠‘circle’]E[/dropcap]m chinês era conhecida como a “cidade da escuridão”. Não havia recolha de lixo, muito menos elevadores, água potável ou instalações eléctricas legais. Um frágil sistema de esgotos foi instalado quando as autoridades perceberam que os dejectos estavam a contaminar a água que era consumida. A construção foi sendo feita ao longo de décadas, sem mão de arquitectos ou engenheiros, sem inspecções ou fiscalizações. A cidade muralhada de Kowloon, casa de 50 mil pessoas que viviam em 500 edifícios construídos em pouco mais de 2,7 hectares, tornou-se numa mancha negra na história da administração britânica em Hong Kong. Essa mancha foi definitivamente apagada há 25 anos, com a demolição de todos os edifícios. As pessoas foram realojadas nas habitações sociais dos Novos Territórios, além de terem recebido uma indemnização. Em lugar do vazio deixado pelo território, que foi o mais densamente povoado do planeta, existe hoje um parque que conta as memória de um lugar que muitos recordam com saudade. FOTO: Hong Kong Lands Department Mário Duque, arquitecto, visitou a cidade muralhada de Kowloon, mas não foi sozinho. Levou um amigo que lhe mostrou como entrar num espaço cheio de becos e ruelas escuras. “Era um espaço de uma enorme densidade e percebia-se que tinha alguma organização, porque as coisas funcionavam. Era uma espécie de colmeia e não se percebia muito bem como é que aquilo tudo funcionava, porque toda a gente corria de sítio para sítio, sabia de onde vinha e sabia para onde ia e desenvolviam funções lá dentro. Era um sítio de trabalho e de habitação também. Tinha uma organização com alguma informalidade, mas que, na realidade resultava. Havia ares condicionados, a água corria pelo chão e paredes, havia electricidade.” Mário Duque recorda-se da sensação de se estar num “território estranho, para o qual não temos um mapa, não sabemos por onde se entra, nem por onde vamos”. “Tínhamos de ir com alguém que conhecesse minimamente o espaço. Não sabíamos sequer por onde entrar e por onde circular. Ninguém estava disponível para falar, porque estava toda a gente muito atarefada. Não devo ter passado do rés-do-chão, a zona dos pódios dos edifícios. Ali eram casas de comida, oficinas, fábricas e também habitações em simultâneo.” Mesmo sem ter conseguido falar com trabalhadores ou moradores, Mário Duque percebeu que havia ali uma certa estrutura social. “Notava-se que havia sítios onde as pessoas não estavam propriamente a trabalhar. Reuniam à volta da mesa, conversavam, pareciam os administradores do local. Toda a gente corria, todos tinham uma função, e não era propriamente uma cooperação, era cada um por si.” A cidade muralhada de Kowloon tinha a presença de algumas tríades da China e de Hong Kong e era comum a existência de bordéis e consumo de estupefacientes. Muitos trabalhavam sem documentos, em fábricas que não eram inspeccionadas pelas autoridades, em longas jornadas de trabalho que aconteciam todos os dias da semana, sem folgas. Nos andares de baixo funcionavam várias lojas, restaurantes onde se consumia comida de cão e dentistas sem qualquer tipo de licença. O arquitecto, a residir há décadas em Macau, recorda-se de que os espaços disponíveis para circulação dentro da cidade eram reduzidos ao essencial. “Em tempos, deveria ter tido uma construção organizada, mas depois foi apropriada. Houve um crescimento tão grande, e com uma intensidade tal, que tínhamos a sensação de estar dentro de uma colmeia, com tudo a funcionar, com muito pouco espaço. Era um labirinto, mesmo ao nível das circulações. Uma das coisas a que estamos habituados em Macau nos edifícios antigos é que muitas vezes as pessoas ocupam os espaços comuns de circulação e transformam-nos, e ali estava tudo ocupado.” “Senti-me seguro” Paul Pun, secretário-geral da Cáritas, já fazia trabalho de apoio social quando visitou pela primeira vez a cidade muralhada de Kowloon. Nunca se sentiu inseguro, apesar da existência omnipresente de consumidores e traficantes de drogas e da ausência de autoridades policiais. “Naquela altura, na cidade muralhada, viviam apenas chineses, e havia uma ligação às tríades. Eles não estavam presentes apenas na cidade, mas em vários pontos de Hong Kong. Lá havia mais liberdade para as tríades levarem a cabo as suas actividades, porque não havia câmaras.” O secretário-geral da Cáritas foi, durante dois anos, estudante da Universidade de Hong Kong. Na altura optava por andar a pé, evitando autocarros ou eléctricos, para sentir mais de perto o pulsar da cidade. Mais tarde, visitaria a cidade muralhada de Kowloon, sem ajuda de ninguém. “Não tinha ligações a ninguém, ou a qualquer associação. Cheguei a trabalhar com portadores de deficiência, que muitas vezes tinham de ir fazer tratamentos a Hong Kong, e algumas pessoas vinham a Macau pedir apoio e tínhamos de os ajudar nos contactos. Antes, as pessoas de Hong Kong perdiam dinheiro no jogo e nós fazíamos esse trabalho de apoio”, contou. Paul Pun recorda a ligação que existia entre as muitas famílias que tinham de partilhar pequenos espaços. Várias gerações nasceram e morreram na cidade muralhada de Kowloon que, originalmente, era um forte militar chinês. A sua população aumentou drasticamente com a ocupação japonesa de Hong Kong durante a II Guerra Mundial. “O espaço era gerido por eles próprios e tinha uma coisa boa: as pessoas mantinham a harmonia lá dentro, as pessoas não olhavam para ti, faziam com que te sentisses acolhido. Eu senti-me normal lá dentro, não me senti um estranho”, acrescentou Paul Pun, que, quando questionado sobre as condições das estruturas dos edifícios e do ambiente, recordou uma curiosidade. “Não sei se cheirava mal, porque na altura tive um problema de saúde e não conseguia ter cheiro. Por isso, é que quando caminhei lá não senti problemas a esse nível, mas garanto que era um lugar seguro.” Na cidade muralhada de Kowloon, Paul Pun recorda-se de existir uma ligeira diferenças no modo de estar das pessoas de Macau e Hong Kong. “Eu não me vestia como alguém de Hong Kong. Naquela altura, havia uma maior diferença na forma de vestir e até de andar, porque as pessoas de Hong Kong andavam mais depressa, por exemplo. Quando entrei num supermercado da cidade muralhada perceberam que eu não era de Hong Kong, porque andava mais devagar. Mas senti-me bem acolhido.” Densidade de hoje Na cidade muralhada de Kowloon, os apartamentos eram minúsculos e poucos tinham o luxo de morar numa casa exposta à luz do sol e ao ar da rua. Quem vivia nos apartamentos cá em baixo precisava subir vários andares a pé para o terraço do edifício, onde o espaço era dominado por um vasto campo de antenas de televisão desorganizadas. Uma escultura em bronze da maquete da “Cidade Muralhada” foi colocada à entrada do Kowloon Walled City Park, em Hong Kong. Hoje em dia, permanece o problema da falta de espaço em Hong Kong e é cada vez mais visível a realidade dos que são obrigados a viver em gaiolas ou em apartamentos. Em Macau nunca existiu um espaço tão densamente povoado como a cidade muralhada de Kowloon, mas Paul Pun alerta para a situação em que vivem hoje muitos trabalhadores migrantes. “Se compararmos com Hong Kong, sempre tivemos numa melhor situação, com a diferença dos trabalhadores migrantes, que vivem em espaços mais apertados. Estamos a falar de um espaço que era mais pequeno do que Seac Pai Van”, frisou o secretário-geral da Caritas. Mário Duque fala de uma predisposição cultural para que os asiáticos se organizem na cidade de uma forma mais densa, uma vez que os europeus, pelo contrário, precisam de espaço para comunicar uns com os outros. Ainda que a uma escala diferente, e sem a dimensão da cidade muralhada de Kowloon, o arquitecto dá exemplos de aglomerados urbanos que se mantiveram imunes ao desenvolvimento urbano, com uma organização própria. “Em escalas muito pequenas encontramos isso em Macau, quando determinado núcleo urbano tradicional foi incorporado numa estrutura urbanística geral, como as ilhas que permaneceram lá dentro, com a sua própria organização. Encontramos isso nas zonas viradas para o Patane e Porto Interior.”
Andreia Sofia Silva EventosComuna de Pedra explora a coreografia com materiais A Associação de Arte e Cultura Comuna de Pedra apresenta nesta edição do Festival de Artes de Macau o espectáculo “Murmúrio da Paisagem”, onde os corpos humanos perdem protagonismo em detrimento da manipulação de materiais. Jenny Mok juntou-se ao designer visual Nip Man Teng para um espectáculo novo que mistura dança e instalação teatral [dropcap style≠‘circle’]”A[/dropcap] colina que se vê não é uma colina; o riacho que se vê não é um riacho. Uma ilusão temporal entre uma colina e um riacho é uma moldura instável que se desmorona com uma simples rajada de vento.” É desta forma que o Instituto Cultural (IC) descreve o novo espectáculo que a Associação de Arte e Cultura Comuna de Pedra leva ao palco na edição deste ano do Festival de Artes de Macau (FAM), nos dias 19 e 20 de Maio. Em “Murmúrio da Paisagem”, Jenny Mok, directora da Comuna de Pedra, decidiu criar um espectáculo de dança e instalação teatral onde materiais como espuma ou plástico ganham importância em palco em detrimento do corpo humano. Para atingir este objectivo, a Comuna de Pedra trabalhou em parceria com Nip Man Teng, designer visual. “Este é o primeiro projecto que faço deste género e comecei a trabalhar nele no início de 2016”, explicou Jenny Mok ao HM. Este é, aliás, um projecto que surge no seguimento de “Paisagem Entrelaçada: Maré da Noite”, já apresentado e onde a directora da associação Comuna de Pedra também trabalhou com Nip Man Teng. “Comecei a trabalhar na ideia de fazer coreografia com materiais e essa é a ideia base do espectáculo. Quando falamos em teatro ou performances o foco principal é o corpo humano, independentemente do tipo de espectáculo. Então pensei em colocar o corpo humano numa posição mais secundária e dar mais destaque aos materiais e objectos. Tentei fazer coreografias para estes materiais e ver qual seria o resultado”, adiantou. O espectáculo da Comuna de Pedra vai revelar ao público um projecto em duas fases. “Numa primeira fase usei sacos de plástico e tecidos elásticos, e numa segunda fase concentrei-me apenas no plástico. Eu e o meu designer visual decidimos mudar para outros objectos diferentes para fazermos coreografias.” “Murmúrio da Paisagem” é também uma forma de espelhar a forma como utilizamos materiais no nosso dia-a-dia, uma vez que, na visão de Jenny Mok, “manipulamos estes objectos para tornar as nossas vidas melhores, e há séculos que fazemos isso”. “Isso é algo interessante sobre o ser humano, porque adoramos manipular tudo. Com estas coreografias feitas com objectos e materiais pretendemos também explorar esta relação que se estabelece com o ser humano. Há uma projecção para o futuro, colocamos muita imaginação sobre aquilo que vai acontecer no que diz respeito à manipulação feita pelos humanos.” Perspectiva ambiental Jenny Mok confessou também que outra das ideias por detrás de “Murmúrio da Paisagem” é a de chamar a atenção para o desperdício de recursos e a forma como, diariamente, poluímos o meio-ambiente. “Todos os locais podem ser considerados paisagem, mas, no caso de Macau, e tendo em conta que vivemos numa cidade, existe a consciência de que podemos ver apenas uma pequena parte da paisagem, e muitas vezes não é sequer possível. Tudo o que podemos ver actualmente, e que pode ser uma paisagem, é algo manufacturado depois da manipulação do ser humano.” Num território onde a construção não pára e onde o antigo e natural tem dificuldades em permanecer, “manipulamos imenso, os terrenos, a construção dos edifícios enormes, e a própria natureza em prol de nós próprios”. “É uma parte irónica, porque achamos que estamos no topo de qualquer coisa, temos autoridade sobre algo, manipulamos, mas sabemos que, eventualmente, isso vai-nos matar, mas continuamos a fazê-lo. Estamos obcecados com a manipulação”, defendeu Jenny Mok. Neste sentido, o espectáculo tem também um lado político ao decidir apresentar dança e instalação tendo objectos como protagonistas. “Colocamos o foco em algo a que queremos prestar atenção, para ser a parte principal do espectáculo. Então há também uma mensagem aqui, e ao fazer coreografias com os materiais também os estamos a manipular. Há um significado em tudo isto, na forma como exploramos estes temas.” Uma forma de comunicar Fazer um espectáculo, seja ele qual for, implica comunicar com artistas, actores, bailarinos. Um dos desafios que Jenny Mok sentiu foi o de ter de estabelecer algum tipo de diálogo com os plásticos ou tecidos usados para “Murmúrio na Paisagem”. “O grande desafio foi trabalharmos com estes materiais quase como se tivéssemos a trabalhar com artistas humanos. Quando comunicamos com um artista é diferente, pois quando estamos a comunicar com os materiais eles não te vão dar uma resposta, não há uma maneira de falar com eles. Então há que conhecê-los.” Houve, portanto, “um processo de comunicação e também de manipulação, mas ao mesmo tempo os materiais também te vão dando ideias pela maneira como te dão feedback. Há um equilíbrio entre manipular e ser manipulado por esses materiais, e essa é uma parte interessante”, rematou a directora da Comuna de Pedra.
Andreia Sofia Silva SociedadeTSI recusa pedido de suspensão de eficácia feito pela CESL-Ásia [dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) recusou o pedido de suspensão de eficácia apresentado pela Focus-Gestão, Operação e Manutenção de Instalações, empresa ligada ao universo CESL-Ásia, a 14 de Fevereiro deste ano. O pedido foi feito no âmbito de uma decisão do TSI relativa um concurso público que foi realizado em Dezembro de 2016 para a “Prestação do serviço de manutenção das instalações do Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa”, que foi adjudicado à Focus. Contudo, uma das empresas concorrentes, a CCCC Terceiro Macau Limitada, foi a tribunal, alegando que o regulamento do concurso público não foi devidamente cumprido e que os critérios para a escolha da empresa não foram seguidos, de acordo com os parâmetros previamente definidos. O TSI acabaria por anular o resultado do concurso público, em Janeiro deste ano, sendo que, após recurso apresentado, o Tribunal de Última Instância (TUI) continuou a dar razão aos juízes do TSI. Após esta decisão, o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, “proferiu despacho [a 14 de Fevereiro deste ano], determinando proceder ao cumprimento do referido acórdão do TUI dentro do prazo legal”. Já a Focus-Gestão, Operação e Manutenção de Instalações decidiu apresentar o pedido de suspensão de eficácia da decisão do TSI alegando que “a execução deste acto lhe causará prejuízos de difícil reparação”, além de que “a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público, e inexistem indícios de ilegalidade do recurso”, aponta o acórdão ontem divulgado. No entanto, o TSI entendeu que “não se afigura que seja um acto administrativo cuja eficácia é susceptível de suspensão”. Na prática, o Governo terá de realizar um novo concurso público para a manutenção das instalações do novo terminal marítimo, uma vez que não só o TSI anulou o resultado da adjudicação do concurso público como o TUI voltou a considerar, em Janeiro, que “a Comissão de Avaliação das Propostas violou o Programa do Concurso ao valorizar experiência de empresas com personalidade jurídica diversa de concorrente ao concurso, a quem é imputada a mencionada experiência”, de acordo com o respectivo acórdão.
Andreia Sofia Silva PolíticaCoutinho quer prazos para discussão de temas laborais O deputado José Pereira Coutinho entregou uma interpelação escrita ao Governo onde pede que sejam determinados prazos para a discussão de temas no seio do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS). “O Governo deve ponderar a melhoria do mecanismo interno do CPSP, tal como definir que as propostas têm de ter um calendário e objectivos para a sua discussão, isto é, não ficam sem prazo, com vista a evitar que isto se torne um meio para a fuga de responsabilidades por parte do Governo.” Na opinião de Pereira Coutinho, “o CPCS passou a ser uma desculpa do Governo para demorar os respectivos trabalhos. Algumas propostas de lei, após negociações do CPCS, perderam a sua validade por causa do longo tempo de discussão ou não obtiveram consenso no seio da sociedade por falta de representatividade suficiente”. Além disso, o deputado à Assembleia Legislativa volta a defender que o número de membros do CPCS deve aumentar em prol de uma maior representatividade. “O Governo deve ponderar o aumento do número de membros do CPCS e absorver mais pessoas de sectores diferentes, com vista a evitar que o CPCS não obtenha consenso entre os empregadores, os trabalhadores e a sociedade, por falta de representatividade, e que se torne um órgão para troca de interesses. Vai fazê-lo?”, questionou.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadePearl Horizon | Manifestantes barrados já tinham protestado em Macau Alguns dos manifestantes ligados ao caso Pearl Horizon, proibidos de entrar em Macau, já tinham participado em protestos no território, adiantou Kou Meng Pok, líder do grupo de lesados. Três analistas comentam mais um caso de pessoas barradas na fronteira e que não pertencem ao campo político de Hong Kong [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]eputados do Conselho Legislativo de Hong Kong, activistas ou académicos do campo pró-democrata e jornalistas. Estes pareciam, até agora, as únicas personas non gratas para o Governo de Macau e merecedoras de serem proibidas de entrar no território. Contudo, os protestos do dia 1 de Maio desta semana, ficaram marcados pela proibição de entrada de alguns manifestantes ligados ao caso Pearl Horizon e que, aliás, investiram em apartamentos no território. O HM confirmou junto de Kou Meng Pok, presidente da União dos Proprietários do Pearl Horizon, que as dezenas que manifestantes que foram barrados na fronteira pelas autoridades já tinham participado em protestos em Macau em anos anteriores. Esta terça-feira a Polícia de Segurança Pública (PSP) não fez qualquer comentário sobre o sucedido. O advogado da Polytex, empresa responsável pela construção do empreendimento habitacional Pearl Horizon, Leonel Alves, disse não conhecer os “fundamentos” para a decisão das autoridades. Contudo, “[as proibições de entrada] têm a ver com a segurança do Estado ou do território, a estabilidade de Macau, e não creio que uma manifestação de desagrado de uma vítima possa afectar a estabilidade social”, frisou. “Se foi tido em conta apenas esse fundamento, o de ser comprador das fracções autónomas, e na qualidade de vítima ou de lesado querer publicamente manifestar o seu desagrado é um direito garantido pela Lei Básica. O direito de mostrar a sua opinião publicamente participando em actividades autorizadas pelo próprio Governo, como é o caso da manifestação. Acho uma situação pouco agradável”, acrescentou o ex-deputado à Assembleia Legislativa. Albano Martins, economista, também revelou incompreensão face ao que está por detrás da decisão das autoridades e exige mais explicações do Governo da RAEM e até do Governo Central. “O Estado chinês ou o Governo de Macau deveriam explicar claramente qual a razão para estas pessoas não poderem entrar”, frisou, tendo defendido que as autoridades têm, de facto, uma lista negra de pessoas incómodas. “Não acredito que alguém possa actuar sem ter o nome numa lista negra. É impossível, porque ninguém vai assumir o risco. Se isto é verdade, admitindo que há investidores do Pearl Horizon que não entraram e que foram barrados, admitindo que isso seja verdade, é porque o seu nome consta de uma lista e isso incomoda toda a gente. Incomoda qualquer pessoa que sabe que estas situações não são melindrosas para Macau.” Estado policial Albano Martins vai mais longe e refere que Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, também deve vir a público prestar esclarecimentos. “O próprio secretário deveria esclarecer essa situação, porque é uma situação que incomoda toda a gente. Em qualquer país do mundo, os órgãos de soberania teriam uma palavra a dizer e aqui deviam dizer qualquer coisa, sob pena de estarmos a transformarmo-nos num Estado policial sem regras, onde ninguém sabe os motivos porque as pessoas não entram. Isso viola os direitos básicos das próprias pessoas.” O assunto motivou reacções nas redes sociais e blogosfera, como foi o caso do blogue Devaneios a Oriente. O seu autor, o jurista Pedro Coimbra, lembrou ao HM que há muitas perguntas sem resposta sobre esta matéria. “Ainda não entendo qual é critério [para a proibição de entrada de pessoas]. Aquilo que ouvimos dizer repetidamente, e que é apresentado como justificação, é que são razões de segurança interna. Quais são essas razões e quais são os critérios acho que ninguém sabe, nem a quem é que se aplicam.” Além disso, estão em causa várias contradições. “Não percebo como é que se autoriza uma manifestação e depois as pessoas que vêm participar também não entram. Não entendo.” Pode a proibição de entrada de investidores na área do imobiliário afectar a imagem externa de Macau e o seu posicionamento face a futuros investimentos? Pedro Coimbra considera cedo demais para avaliar. “Essa é a pergunta de um milhão de euros e só o futuro pode dar a resposta. Temos de aguardar e ver. Normalmente, o investimento no imobiliário está muito ligado ao crescimento económico. Acrescentando as receitas de jogo, não sei se o sector vais ser muito afectado mesmo com estas noticias.” Albano Martins frisou que este tipo de casos “nunca cria uma boa imagem para Macau”. “Acho que o secretário devia pensar seriamente que este tipo e atitudes enfraquece o segundo sistema e não beneficia o primeiro. Há muitos democratas de Hong Kong que vão para o continente e são autorizados a entrar. Agora estamos a falar de pessoas que não são criminosas, que têm o direito a terem uma vontade diferente da vontade do Governo e não se podem manifestar. É muito complicado”, concluiu.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaProtestos | Deputados querem rever lei para evitar diferentes decisões do TUI Deputados defendem que a lei que regula o Direito de Reunião e de Manifestação seja revista na totalidade para que o uso de espaços públicos seja mais bem definido e para evitar “diferentes interpretações” do Tribunal de Última Instância. O Governo concorda com a apreciação [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Executivo quer que a Polícia de Segurança Pública (PSP) passe a coordenar a apresentação dos avisos prévios para a realização de protestos, algo que tem estado a cargo do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), de acordo com a lei que regula o Direito de Reunião e de Manifestação, datada de 1993. Contudo, os deputados da 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), presidida por Ho Ion Sang, defendem que o diploma deve ser revisto na totalidade por ser necessário uma melhor clarificação dos espaços públicos a serem utilizados para protestos. Ho Ion Sang explicou que, nos últimos anos, a lei levou a diferentes interpretações por parte dos juízes em processos ligados a estes casos. FOTO: Hoje Macau “Houve diferentes interpretações da lei e um caso em que foi autorizada a realização de duas actividades no mesmo local, mas outro acórdão apenas autorizava a realização de uma actividade. Pedimos ao Governo que, no futuro, defina regras mais claras para que não haja decisões judiciais desse tipo”, exemplificou Ho Ion Sang. Espaços como o Estabelecimento Prisional de Macau, a sede do Governo as sedes das autoridades policiais estão referidas na lei, mas o Ministério Público (MP) não está, acrescentou o deputado. “Algumas terminologias já estão desactualizadas, o Governo acolheu a nossa opinião quanto à necessidade de introdução da figura do MP.” “Tendo em conta que alguns acórdãos do Tribunal de Última Instância (TUI) mostraram diferentes decisões judiciais sobre esta lei, pedimos ao Governo para ter em consideração uma maior clarificação de algumas normas sobre a utilização de espaços. A secretária [Sónia Chan] disse que era preciso uma consulta pública.” Nada a temer Na reunião de ontem, o Governo garantiu que os direitos dos cidadãos no que diz respeito ao acto de manifestação vão ficar garantidos. Mesmo que a lei venha a ser revista no futuro, para já a intenção é apenas de transferir as competências do IACM para a PSP. As autoridades policiais prometem manter o mesmo número de locais para a apresentação dos avisos prévios para os protestos: oito. O horário de atendimento será das 9h às 19h, mais alargado do que é actualmente. Ho Ion Sang adiantou que alguns deputados afirmaram temer que haja uma redução dos direitos dos cidadãos nesta matéria, mas o Governo adiantou que nada vai mudar. “Não há mesmo um enfraquecimento de direitos pelo que peço que as pessoas não tenham tanta preocupação sobre isto”, frisou o deputado. “O direito à manifestação não implica autorização, só um aviso prévio. Se tudo for executado de acordo com a lei actual, então não vão haver problemas. Se alguém quiser alterar o trajecto [previamente definido, durante o protesto], aí a PSP interfere porque tem essa competência e tem de garantir a ordem pública.” Os deputados não discutiram se actividades lúdicas ou religiosas, como a realização de procissões, também cumprem o requisito de apresentação do aviso prévio à PSP. “Não discutimos isto. O aviso prévio tem a ver com algumas actividades políticas ou laborais, mas para outras actividades tudo depende se implica ou não a ordem pública. Aí teremos de ver qual a competência da PSP”, concluiu Ho Ion Sang.