Andreia Sofia Silva EventosLivro | “Pássaros de Ferro”, de Maria Helena do Carmo, apresentado em Lisboa Maria Helena do Carmo apresentou recentemente, na Fundação Casa de Macau, em Lisboa, o seu novo livro, intitulado “Pássaros de Ferro”, que aborda o período da Guerra Sino-Japonesa e do Pacífico. Em entrevista, a autora revela que a obra será também apresentada em Macau em Outubro e explica a sua ligação ao romance histórico [dropcap]”P[/dropcap]ássaros de Ferro” é o mais recente livro de Maria Helena do Carmo, escritora que foi docente em Macau. Lançado em Março em Lisboa, com o apoio da Fundação Casa de Macau, a autora tenciona trazer o novo romance para Macau, em Outubro. Em 2017 a autora publicou “Estórias de Amor em Macau”, uma edição do Instituto Internacional de Macau (IIM), que acabaria por ser fundamental para “Pássaros de Ferro”. Isto porque a obra de 2017 é composta por “doze contos sobre mulheres de diferentes etnias, que se destacaram das suas contemporâneas durante a ocupação portuguesa, do século XVI ao século XX, e foi aí que encontrei o tema para o este novo livro”. “Como já havia escrito sobre o séc. XVII – “Nhónha Catarina de Noronha” -, do séc. XVIII o romance “Mercadores do Ópio” e “Bambu Quebrado”, referente ao séc. XIX, decidi investigar o período das Guerras Sino-Japonesa e do Pacífico”, adiantou ainda ao HM. “Pássaros de Ferro” mantém, assim, o mesmo estilo dos livros anteriores, onde a História assume o protagonismo. “Este livro tem ainda mais investigação, por haver muita matéria publicada desse período em arquivos e uma vasta bibliografia.” Macau surge neste livro retratada, de acordo com a autora, “com a maior fidelidade possível, de acordo com testemunhos da época, escritos e orais”. É também um livro “cronologicamente correcto, com relatos de factos verídicos, então ocorridos, dando às personagens os seus nomes verdadeiros”. “A ficção intromete-se apenas para dar corpo ao conteúdo do romance”, frisou. Por contar Formada em História e depois de ter dado aulas em Macau durante vários anos, Maria Helena do Carmo assegura que nunca abandonou as duas carreiras que abraçou. “Ainda não saí da investigação e do ensino. Não se pode escrever de uma época sem a investigar, e ainda lecciono História na Academia Cultural Sénior de Lagoa. Portanto, acho que sim, que os processos se complementam.” A autora assegura que ainda não teve vontade de se aposentar. “A atracção pela escrita é antiga, só que nunca arranjei tempo para tal antes de me aposentar. A ideia do romance histórico surgiu quando investigava para a minha dissertação, ao encontrar inúmeros casos dignos de relevo, e de verificar que muitos documentos se contradiziam, ou pecavam por falta de fidelidade. Talvez de propósito, por uma política de sigilo do Governo, ou por desconhecimento da realidade, comecei a duvidar que fossem fidedignos, o que prejudicaria qualquer trabalho histórico. Porém, um trabalho de ficção dá toda a liberdade ao autor.” A autora defende também que o território continua a ser fértil em temas para a escrita de novos romances. “Não faz ideia de quantas sugestões me são feitas por amigos, para explorar este ou aquele tema. Assim tivesse eu tempo para me deslocar a Lisboa e me entregar aos arquivos.” Neste sentido, e numa altura em que se celebram os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China, Maria Helena do Carmo não tem dúvidas de que há ainda “muitas histórias” por escrever. “Umas que vivi nos anos em que residi na cidade, outras de amigos que lá moraram, ou ainda por lá estão, histórias que os textos deixam nas entrelinhas, figuras do passado que merecem destaque, enfim… Não penso parar, porque parar é morrer. Enquanto Deus me der vida, saúde, vista e esta vontade de trabalhar, continuarei a escrever no meu canto, onde me sinto tranquila”, concluiu.
Andreia Sofia Silva EventosInvestigação | Cinematografia da Ásia lusitana ao serviço do regime [dropcap]F[/dropcap]ilmar em Goa, Timor e Macau representava viagens longas e custos elevados, o que explica o facto da “Ásia portuguesa” ter sido menos retratada no cinema do que as antigas colónias de África. Maria do Carmo Piçarra garantiu ao HM que o que se fez foram, essencialmente, filmes de propaganda. “Durante muito tempo filmou-se pouco nas colónias da chamada Ásia portuguesa. Fizeram-se sobretudo filmes de propaganda políticos e filmes científicos onde os sinais de propaganda são muito fortes.”À época, não havia “uma produção própria, apesar de terem sido feitas tentativas em Goa”. “No geral, Portugal não criou em nenhum dos sítios onde era potência colonial condições para se fazer cinema. Nem sequer havia televisão até à independência africana. Em Goa, a partir dos anos 50, arranca uma maneira muito ligeira de fazer cinema. Em Macau há depois uma produção internacional.”Em Timor, Maria do Carmo Piçarra destaca o trabalho de António Almeida. “Nos anos 40 há uma tentativa de fazer filmes não apenas de propaganda política, mas também económica. É contratado um senhor para fazer três filmes para uma grande empresa que detinha a exploração de cacau em Timor. Nos anos 50 António Almeida, um antropólogo em missão, faz vários filmes que se confundem com os filmes de propaganda ao regime.” Quem também retratou Timor foi o poeta português Ruy Cinatti. “Enquanto estava a fazer o seu doutoramento, Ruy Cinatti foi a Macau e comprou uma câmara de filmar. Depois pediu ajuda a Lisboa ao Instituto de Investigação Científica e Tropical e consegue que lhe enviem o operador que já tinha filmado para o António Almeida, chamado Nascimento Rodrigues. Ambos registaram cerca de 13 horas de materiais que nunca foram montados, sem som. ”Por entre museus, o arquivo da RTP e espólios privados, a investigadora portuguesa denota uma grande dispersão do que se filmou na Ásia na altura, pelo facto dos territórios “terem histórias muito diferentes”.
Andreia Sofia Silva Eventos MancheteManuel Antunes Amor, o primeiro realizador a retratar Macau Em 1919 Manuel Antunes Amor foi para Macau trabalhar como inspector escolar, mas a sua paixão pelo cinema fez dele o primeiro realizador a filmar, ainda que de forma amadora, o território. A investigadora Maria do Carmo Piçarra fala hoje, em Lisboa, deste realizador e das formas como Macau, Goa e Timor foram retratados no cinema nos tempos do Império colonial português [dropcap]C[/dropcap]hama-se “Macau, Cidade Progressiva e Monumental” e é provavelmente o primeiro filme feito sobre Macau. Datado de 1923, a autoria pertence a Manuel Antunes Amor, um homem que nunca fez do cinema a sua profissão, mas cujo trabalho amador acabaria por contribuir para uma representação de Macau do início do século XX. O filme, que retrata o quotidiano da Baía da Praia Grande, das principais avenidas, dos riquexós e do jogo do “Clu-Clu”, entre outros pedaços da vida da população da altura, foi digitalizado em 2015 e pode ser visto hoje no website da Cinemateca Portuguesa. O trabalho de Manuel Antunes Amor tem vindo a ser analisado por Maria do Carmo Piçarra, investigadora que apresenta hoje, na Universidade de Lisboa, a palestra “Cinema Império – Projecções dos arquivos e uma constelação de perguntas”, inserida no ciclo de conferências “Representações Visuais da ‘Ásia Portuguesa’ – Perspectivas críticas”. Maria do Carmo Piçarra não tem dúvidas de que Manuel Antunes Amor “foi, de alguma forma, a primeira pessoa a fazer filmes em Goa e em Macau”. A chegada do realizador amador ao território aconteceu em 1919, depois de uma passagem por Goa. “Ele foi convidado para ir para Macau fazer uma reconversão do ensino público. Aí passa três anos. Compra uma câmara de filmar e um projector portátil e começa a usar as suas sessões de cinema para ensinar os alunos do ensino primário.” “Macau, Cidade Progressiva e Monumental” é, nas palavras de Maria do Carmo Piçarra, “um dos filmes mais antigos sobre as colónias e esteve, durante muitos anos, mal datado”. “Em 1922 está de regresso a Goa e faz uma série de filmes sobre as escolas locais que estão desaparecidos”, acrescentou. Ainda em Goa, e antes do regresso a Macau, Manuel Antunes Amor já revelava uma predisposição para a sétima arte. “No final da primeira década do século XX estudou pedagogia na Alemanha e em 1915 ganhou o concurso público para ser inspector do ensino primário em Goa, para onde levou ideias muito avançadas para a época em termos de pedagogia.” Além disso, Manuel Antunes Amor “era pintor e fotógrafo, e acompanhava a linguagem cinematográfica e tudo o que se passava no mundo nessa altura”. Da propaganda Com o passar dos anos, e após o regresso a Portugal ditado por motivos de saúde, em 1928, o trabalho amador de Manuel Antunes Amor acaba por ser usado pelos regimes políticos que se foram estabelecendo. Primeiro pela Ditadura Militar de 1926, depois pelo Estado Novo, em 1933. “Ele começa a apresentar alguns filmes que fez em sessões privadas e que acabam por ser usados pelo regime português. O agente geral das colónias, Armando Cortesão, determina, com o apoio de Salazar, que Portugal deve participar nas grandes exposições coloniais da altura, e os filmes que Manuel Antunes Amor fez de Goa passam na exposição de Antuérpia, enquanto que as filmagens de Macau passam na exposição de Paris.” O trabalho de investigação de Maria do Carmo Piçarra sobre o realizador está longe de estar terminado. “Um dos objectivos da minha pesquisa é tentar identificar materiais existentes de Manuel Antunes Amor. Desde que vim de Goa consegui encontrar o contacto de uma sobrinha, e tenho expectativas de que ela possa ter documentação ou um outro filme.” A investigadora portuguesa regressa a Macau em Novembro para procurar mais informação sobre uma outra realizadora das primeiras décadas do século XX, de nome Lucrécia Borges, que geria uma produtora com o marido. “Em 1925 há uma grande exposição em Macau e nesse período uma senhora, Lucrécia Borges, obtém a exclusividade para fazer filmagens no território durante um determinado período de tempo. Sobre essa senhora nunca se escreveu nada em Portugal. Tenho muita curiosidade”, frisou. Já sobre Manuel Antunes Amor, “tem-se escrito pouco e mal”. O trabalho de Miguel Spiegel Macau foi também retratada por Miguel Spiegel que, apesar de não ter nacionalidade portuguesa, residiu no país durante muitos anos. Este era “um grande apaixonado por Macau e fez vários filmes nas décadas de 50 e 70”. “Alguns desses filmes eram de propaganda para o Estado português, mas também fez obras de propaganda turística e para a Polícia Judiciária sobre o consumo de ópio”, disse a investigadora. Além disso, Miguel Spiegel realizou “uma trilogia com elementos ficcionais”. Maria do Carmo Piçarra tem vindo a deparar-se com uma quantidade de materiais dispersos que não ajudam ao seu trabalho de investigação sobre o cinema feito no antigo império português na Ásia (ver texto secundário). Macau, um território bastante retratado no cinema norte-americano e europeu a partir dos anos 50, é o território onde há uma maior organização. “Há documentação mais bem organizada, mas não quer dizer que o acervo fílmico esteja muito bem tratado. Já percebi que não há cópias de filmes de realizadores portugueses e era importante que existissem. O último filme de António Lopes Ribeiro foi feito em Macau e não o consegui ver até hoje”, rematou.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaMacau, 20 anos | Ex-secretário adjunto de Almeida e Costa salienta importância das ZEE [dropcap]J[/dropcap]oão Costa Pinto, ex-secretário adjunto para a Economia e Finanças da Administração do Governador Almeida e Costa, recordou o período em que chegou ao território e compreendeu que a criação das Zonas Económicas Especiais, em Shenzen e Zhuhai, pelo Governo de Deng Xiaoping iria determinar o futuro de Macau. “Percebi que o desenvolvimento de Macau dependia do desenvolvimento do Delta do Rio das Pérolas. O território ia depender do desenvolvimento económico destas ZEE.” “Não precisei de muito tempo para perceber duas coisas: uma de que, ao criar as ZEE, o Governo chinês estava a transformar o Delta do Rio das Pérolas num polo de transformação. Tal faz-nos compreender o alcance extraordinário desta decisão, visto 30 anos depois”, acrescentou João Costa Pinto. Actualmente vice-presidente da Fundação Oriente, o economista recordou as dificuldades com que se deparou quando chegou ao território para gerir a pasta da economia. “A capacidade da Administração em diversificar a economia era muito limitada.” “Compreendi, na altura, que a insuficiente utilização do território como plataforma era o resultado de um complexo conjunto de resultados. Havia um bom ambiente político, mas também um longo caminho a percorrer até à normalização. Eram poucos os empresários portugueses com capacidade e visão”, disse. Neste sentido, João Costa Pinto admitiu que “procurou assinar vários acordos”, sem sucesso. “Tudo mudou, pois hoje a nossa economia está integrada na zona Euro e temos novas gerações de empresários. Macau está integrada na grande economia chinesa e procura sair, ela própria, da via do jogo e diversificar a sua economia como plataforma de serviços. Permaneço convencido de que, apesar da distância e de subsistirem limitações, as raízes são profundas. Temos de procurar preservar as ligações, com ajustamentos feitos às mudanças económicas e políticas que se verificam cá e lá”, rematou.
Andreia Sofia Silva China / Ásia MancheteCooperação | Portugal quer aproveitar centralidade de Macau Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, disse ontem em Lisboa que o país pretende aproveitar a centralidade de Macau na zona do Delta do Rio das Pérolas para aprofundar as suas relações com a China [dropcap]N[/dropcap]a conferência “O Futuro de Macau na Nova China” o crescimento económico chinês e as relações diplomáticas com Portugal acabaram por dominar grande parte dos painéis de debate. Sobre o futuro de Macau, as grandes palavras de ordem foram a integração e a história que Portugal possui com o território. Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, defendeu que o país deve tirar partido da centralidade do território no sul da China. “Devemos tirar todo o partido do facto de Macau ter uma posição muito central na zona do Delta do Rio das Pérolas, que é uma das grandes regiões de expansão económica na China”, começou por dizer. Sem querer pronunciar-se sobre o futuro de Macau, por ser “um processo que será decidido pela República Popular da China (RPC)”, Augusto Santos Silva disse que essa centralidade ditou a abertura do consulado-geral de Portugal em Cantão, bem como a abertura de uma delegação da AICEP na mesma cidade chinesa. Quanto ao Fórum Macau, Augusto Santos Silva apontou que “nos primeiros 15 anos provou a vantagem de ter esta plataforma”, não sem antes tecer algumas críticas ao financiamento de projectos específicos de investimento. “(O Fórum Macau) precisa agora de mostrar a sua utilidade através de projectos concretos financiados pelo Fundo”, frisou. Cumprimento da Lei Básica Falando de um “relacionamento muito antigo”, Augusto Santos Silva lembrou que “devemos olhar para o futuro de Macau na China e o futuro das nossas relações com a RAEM dentro do quadro mais geral do relacionamento bilateral entre Portugal e a China”. O dirigente destacou “a qualidade desse relacionamento histórico que sempre foi isento de qualquer conflitualidade e que foi capaz de desenvolver-se em vários planos, a nível comercial, cultural e de cooperação política”. Santos Silva lembrou ainda a pacífica transferência de soberania de Macau para a China, que este ano celebra o seu 20.º aniversário. O ministro destacou “a transição exemplar de Macau e a forma como têm sido cumpridos todos os compromissos constantes na Lei Básica”, algo que “tem acentuado a qualidade e a natureza do relacionamento entre Portugal e a China, de tal modo que um país pode dizer do outro que é parceiro numa dimensão tão importante como as áreas político-diplomática, cultural, educativa e linguística”. Neste sentido, Santos Silva destacou o facto da língua portuguesa continuar a ser falada e ensinada no território. “O português nunca se ensinou tanto como agora, e nunca se usou tanto o português em Macau. Usa-se mais o português e ensina-se do que nos tempos em que Macau estava sob Administração portuguesa.” Existe hoje, em Macau, “um pleno respeito pelas instituições, pela cidadania macaense e pelos compromissos assumidos pelos dois Estados”. “Espero que continuemos a cumprir a Lei Básica e a assegurar que este processo de transição continue a ser exemplar”, acrescentou. Sim à integração Cai Run, embaixador da China em Portugal, defendeu também que a integração regional é uma das metas para o futuro de Macau. “O Governo Central apoia Macau na sua integração e nos projectos de ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e da Grande Baía Guangdog-Hong Kong-Macau, realizando o desenvolvimento e prosperidade comum entre Macau e o continente chinês.” O embaixador adiantou também que, com o mesmo apoio de Pequim, a RAEM “vai integrar-se aceleradamente na trajectória do desenvolvimento chinês fazendo maiores contributos para a relação sino-portuguesa”. Já o ministro Adjunto e da Economia português considerou ontem que as relações entre Portugal, a China e o mundo falante de português “têm um caminho de progresso muito significativo”, sublinhando que Macau pode desempenhar “um papel muito importante nesse relacionamento”. “Portugal e a China têm relações de mais de 500 anos que surgiram e se densificaram, sobretudo, a propósito de Macau. A relação de confiança que se estabeleceu entre os dois Estados, particularmente na questão da transição da administração do território para a RPC permitiu consolidar relações históricas e o conhecimento recíproco em benefício de ambos os povos”, realçou Pedro Siza Vieira, no encerramento da conferência. Numa mensagem vídeo, o ministro salientou que o “protagonismo de Macau num futuro de cooperação entre a China e os países falantes de português” representa um “factor decisivo do futuro” do relacionamento de Portugal “em benefício do desenvolvimento económico e da prosperidade” dos povos. “Portugal conhece bem Macau. Macau conhece bem a realidade lusófona. Está bem integrada na República Popular da China e a presença muito significativa de uma comunidade importante de portugueses na região, também apoia este processo”, argumentou. Pedro Siza Vieira indicou ainda que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) representa mais de 4 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e situa-se “em mercados muitos importantes” como a União Europeia, mercado com quase 500 milhões de habitantes e também nos continentes americano, africano e asiático.
Andreia Sofia Silva PolíticaTSI | Rejeitado direito de residência a homem que perdeu nacionalidade chinesa [dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) voltou a recusar o direito à residência a um homem que nasceu na China mas que adquiriu a nacionalidade de Tonga. O Tribunal Administrativo já tinha negado a hipótese deste indivíduo adquirir o Bilhete de Identidade de Residente de Macau. O acórdão do TSI, ontem divulgado, revela que o homem nasceu na China em 1970, mas em 1984 “adquiriu a nacionalidade de Tonga em conjunto com os pais”. O indivíduo viveu em Macau entre os anos de 1983 e 1993, tendo pedido à Direcção dos Serviços de Identificação o “Certificado de Confirmação do Direito de Residência”. O pedido foi negado com o fundamento de que o requerente não reunia os requisitos das leis sobre residente permanente e do Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau”. O TA argumentou depois que, apesar do homem ter nascido na China, “à luz do artigo 4º da Lei da Nacionalidade da República Popular da China, a nacionalidade adquirida pode perder-se supervenientemente por diversas razões”, sendo que “o cidadão chinês que requeira ou adquira nacionalidade estrangeira, perde automaticamente a nacionalidade chinesa.”
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemEstudo | Análise à representação de Macau no cinema e televisão americanos A Macau dos anos 50 não foi retratada da mesma maneira no cinema e nas séries televisivas norte-americanos, em nome dos interesses financeiros e conjuntura política da época. Rui Lopes, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, apresenta um estudo sobre a forma como o território foi representado no audiovisual americano “[Os filmes] misturavam os preconceitos de Hollywood, que apresentava os espaços asiáticos como sendo cheios de vícios e imoralidades, e representavam também uma visão negativa de Hollywood em relação ao colonialismo português”. Rui Lopes, investigador do Instituto de História Contemporânea [dropcap]O[/dropcap] período da Guerra Fria e a visão americana do colonialismo europeu marcaram a forma como a Macau dos anos 50 foi retratada no cinema e nas séries televisivas. Ambas as indústrias o fizeram de maneira diferente, de acordo com os interesses políticos e financeiros da época. A conclusão é de Rui Lopes, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC-UNL), que apresenta a palestra “Macau no cinema e na televisão americana dos anos 50” a 23 de Abril. Entre a década de 50 e 1975, Macau serviu de cenário a 15 filmes norte-americanos, que apresentam quase sempre uma estreita ligação a Hong Kong. Na visão de Hollywood, Macau surge como uma cidade imoral, desorganizada e corrupta. “Por um lado, estes filmes apresentavam Macau como um espaço turístico e romântico, mas quase todos os filmes apresentavam também Macau como um poço de crime e de fuga à lei”, contou o investigador ao HM. Estas películas “misturavam os preconceitos de Hollywood, que apresentava os espaços asiáticos como sendo cheios de vícios e imoralidades, e com problemas de criminalidade, e representavam também uma visão negativa de Hollywood em relação ao colonialismo português, que era apresentado como corrupto e pouco eficiente, sobretudo se compararmos com as representações dos ingleses em Hong Kong”. Se os filmes “apresentavam uma imagem bastante violenta de Macau”, as séries televisivas faziam o aposto. “Mostravam também Macau como um sítio de crime, mas já não era um sítio que fugia à lei, mas sim onde os americanos colaboravam com os portugueses, os espiões e a polícia.” Na óptica do académico, esta divergência de interpretação da cidade prende-se com o facto de “a televisão seguir a lógica da Guerra Fria, segundo a qual os EUA adoptavam uma atitude pragmática de apoio às potencias coloniais, para combaterem o comunismo”. No fundo, o cinema e as séries televisivas da época que usavam Macau como cenário revelam “dois modos americanos de olhar Macau e o colonialismo”. Para Rui Lopes, o cineasta Josef von Sternberg, que filmou “Macao” em 1952, acabou por ser um dos realizadores mais marcantes a colocar Macau no mapa do cinema norte-americano. “Não só é o mais conhecido filme americano que se passa quase todo em Macau, mas foi também o filme que definiu a imagem do território no cinema americano que depois foi copiada em todos os filmes seguintes.” Política e cinema Rui Lopes aponta questões financeiras para explicar as diferentes abordagens entre o meio televisivo e cinematográfico. “A televisão estava muito dependente do apoio oficial do Governo norte-americano, isto porque era uma indústria que ainda estava nos seus primórdios, uma vez que a indústria do cinema tinha começado na viragem do século XX.” O académico considera que esta é a razão pela qual a produção televisiva adoptava um discurso muito mais próximo do Governo norte-americano, que olhava para Portugal como um aliado importante num conjunto de causas comuns, como o combate ao comunismo e o tráfico de droga. No sentido contrário, Hollywood contava já com uma indústria estabelecida, robusta e mais independente a este nível, pelo que a “prioridade era fazer dinheiro com histórias bombásticas que reproduzissem o que as pessoas gostavam de ver, que eram os seus próprios preconceitos sobre o Oriente e esta ideia de grandes histórias e melodramas em sítios sem lei”, comenta o investigador. Na época, os olhares de ambas as indústrias repousavam em Macau, pelo facto do território “ter uma longa tradição de representação literária, como um sítio lânguido, de alguma decadência e de vício, mas um sítio melancólico. E já havia vários escritos sobre isso”. Outro dos aspectos aliciantes do território, em termos audiovisuais, alia a posição geográfica à época, “aconteceram várias coisas ao mesmo tempo”, como a Guerra Fria e a implantação da República Popular da China, que acontece em 1949. “Macau torna-se naquilo que a imprensa americana chamava a imprensa de bambu, ou seja, por oposição à cortina de ferro. Estava na fronteira entre o mundo comunista e ocidental. Estando naquela fronteira, significava que Macau era o sítio ideal para histórias de espionagem, contrabando e aventuras.” https://www.youtube.com/watch?v=W7ivUqV_MPM Coreia e Hong Kong Mais tarde, quando começa a Guerra da Coreia (de 1950 a 1953), surge “um grande interesse do público americano por assuntos relacionados com a Ásia”, conflito em que as forças armadas norte-americanas participaram. Aparece então “uma vaga de filmes relacionados com a Ásia e nos quais se inclui Macau por causa desta componente”. O facto de Macau ter casinos era também um fator de atracção para argumentistas e realizadores, mas não só. “Como Portugal não tinha ainda, na altura, aderido ao Tratado de Bretton-Woods, e não havia, portanto, um valor fixo atribuído ao ouro no espaço português, significa que também em Macau havia um grande mercado de ouro associado a um grande sistema de contrabando, pirataria e de crime organizado”, contextualiza o investigador. Rui Lopes assegura que Hong Kong era retratado como um lugar onde imperava a lei e a organização. “Há um contraste muito claro, porque Hong Kong aparecia como um sítio ordeiro, moderno, seguro. Era também um sítio de liberdade, porque era para onde fugiam os refugiados chineses que vinham da China após a revolução comunista.” Também aqui há uma influência política na disparidade interpretativa, no entendimento do académico. “Estes filmes mostravam um discurso de Hollywood mais crítico pelo facto de ser colonialismo português e não apenas colonialismo. No caso do colonialismo inglês, aparecia com um discurso mais simpático.” Um lugar secundário O passar do tempo e dos acontecimentos históricos alteraram a visão da sétima arte e da televisão norte-americanos sobre Macau. De lugar desordeiro passou a ser um território com mais glamour, sempre com forte presença do jogo. “Surgiram outros interesses. Macau deixou de ser o único sítio com casinos e Portugal aderiu à Interpol e ao Acordo de Bretton-Woods, o que significa que parte do que era visto como um sítio sem lei esmorece um bocado no imaginário do público.” Contudo, ainda se encontram resquícios de excentricidade e mistério nas obras audiovisuais que retratam a cidade. “Hoje há uma mistura das duas coisas. Algumas das ideias feitas e ícones ainda estão vivos, pois são raros os filmes em que os casinos não aparecem. O filme ‘A Última Vez que Vi Macau’ (de Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata), tem muitas referências de ‘Macao’, de Josef Von Sternberg. Existe a memória, mas Macau aparece hoje como um sítio mais moderno e distante da ideia de decadência”, concluiu Rui Lopes. https://www.youtube.com/watch?v=DRcEqLJQryQ Cinema europeu dos anos 60 Rui Lopes pretende agora investigar a representação de Macau no cinema europeu, algo que teve o seu apogeu na década de 60. “É tudo especulação. Mas, muito provavelmente, serão perpetuados os estereótipos do cinema norte-americano sobre o crime, contrabando e a corrupção. Mas o facto de serem filmes dos anos 60 trazem um conjunto de novidades.” Isto porque, na visão do investigador do IHC-UNL, “os países europeus tinham uma relação mais próxima com Portugal, mas tudo se passa numa altura em que na Europa a tensão da Guerra Fria começa a reduzir, enquanto que o Maoísmo e a China como inimigo eram questões que estavam em ascensão. Talvez isso se reflicta nos filmes”. Certo é que, nessa década, “o cinema francês, alemão e italiano dá origem a uma série de filmes de aventura e espionagem que se passam em Macau, algo que culmina com o James Bond a deslocar-se a Macau nos anos 70 (no filme “O Homem da Pistola Dourada”, de 1974)”. https://www.youtube.com/watch?v=AwBc16MWySs
Andreia Sofia Silva EventosEditora “Mandarina Books” aposta na literatura e conteúdos infantis Catarina Mesquita, jornalista portuguesa radicada em Macau, decidiu lançar a “Mandarina Books”, uma editora de livros para a infância e pretende também produzir conteúdos para um público mais jovem. Na agenda para este ano está uma exposição de ilustração a acontecer no território [dropcap]N[/dropcap]um mercado editorial de pequena dimensão como é o de Macau, a jornalista Catarina Mesquita decidiu explorar o nicho da literatura para a infância e abrir uma nova editora. Chama-se “Mandarina Books”, tem alguns meses de existência e pretende trabalhar com os dois idiomas oficiais do território e o inglês, conforme contou a fundadora ao HM. “Somos uma editora e produtora de conteúdos para a infância, mas somos, na nossa essência, apaixonados pela cultura para os mais novos. Temos alguns planos que não passam só pela edição de livros, mas também por trazer a Macau projectos tanto para as crianças, como para os pais. Momentos que os levem a pensar, a estar juntos e a transformar sonhos em realidade.” Catarina Mesquita pretende, com a “Mandarina Books”, publicar “não só conteúdos originais como obras que já existam e não estejam disponíveis no mercado em outras línguas”. Apesar de ser um projecto muito recente, já existem eventos em carteira. “Estivemos recentemente na Feira Internacional do Livro Infantil a fechar alguns contratos com outras editoras nossas parceiras para que possamos editar ainda este ano algumas colecções de livros de histórias já editadas no estrangeiro. O primeiro livro original sairá para as bancas a 1 de Junho, Dia Internacional da Criança, e será “mais interactivo” do que as obras comuns para os mais pequenos. “Estamos a olear a máquina para que assim que ela comece a trabalhar a todo o gás possamos pôr conteúdos de qualidade cá fora”, adiantou Catarina Mesquita. Como a aposta da “Mandarina Books” passa também pela ilustração, Macau poderá esperar uma iniciativa nesta área. “Uma exposição de ilustração está também na agenda deste ano ainda com data a definir, para que seja um momento em família e de forma a que as crianças possam também cada vez mais ir a exposições e se liguem ao mundo ‘offline’”. Isto porque quem faz a “Mandarina Books” assume que a ilustração é “uma paixão”. “Queremos também dar especial importância a quem dá cor ao mundo infantil reunindo assim um portfólio de ilustradores de Macau ou residentes em Macau que possam ver os seus trabalhos publicados em outros lugares”, frisou. A sorte das mandarinas O nome da editora vem do famoso fruto que se diz dar boa sorte, e que na época do Ano Novo Chinês se encontra à porta de vários estabelecimentos. “O nome surge da necessidade de criar uma pequena mascote. Foi inspirado nas mandarinas da China, um fruto tradicional desta região e cujo significado de prosperidade e sorte se quer ver associado a este projecto.” Catarina Mesquita ansiava pela criação da editora há cinco anos, data em que se mudou de Portugal para Macau. “A Mandarina tem sido um trabalho de paciência quase como que plantar uma árvore (lá está, de mandarinas). Lancei as sementes e com o tempo elas foram crescendo, furaram a terra e estão agora a começar a dar os primeiros frutos. Queremos que esta árvore seja resistente ao ponto de muitos quererem construir uma casa nesta árvore – colaborando connosco seja com os seus textos há muito guardados na gaveta, seja com ilustrações.” A jornalista já tinha trabalhado na área da literatura para a infância, uma experiência que nunca esqueceu. “Percebi que não era apenas uma área em que eu gostava de trabalhar mas também uma área que tem muito para dar a Macau.” Catarina Mesquita percepcionou “a necessidade do mercado de conteúdos nas três línguas”, além do facto de que “existem muitas crianças em Macau e muitos pais que querem que as crianças aprendam línguas através do contacto com os livros”. A “Mandarina Books” entra no mercado editorial numa altura em que os mais pequenos não passam sem o recurso às novas tecnologias. “É um desafio interessante vingar numa fase em que os estímulos para as crianças são brutais como os tablets, os telefones e as televisões. Sou duma geração em que recebíamos sempre um livro desde que éramos bebés até terem surgido os telefones.” “Sinto que há muitos pais a quererem combater isto com a força de um livro e é aí que a Mandarina quer estar: ao lado dos pais que ainda querem que os seus filhos alimentem a imaginação com histórias e das crianças que podem perceber que um livro pode mesmo ser um amigo”, concluiu. Pela qualidade Para os próximos meses, Catarina Mesquita assume querer investir mais na qualidade do que na quantidade. “Já há algumas ofertas no mercado e não queremos encher prateleiras de livros. Há quem caia no erro de achar que um livro infantil, por si só é um projecto fácil: juntamos ilustração a um texto e já está. Costumo dizer que o mercado para a infância é o mais exigente: o olhar das crianças é crítico, inteligente e não tem filtros”, apontou. Apesar da editora pretender trabalhar com as três línguas, Catarina Mesquita pretende chegar ao público falante de chinês. “Temos a ambição de chegar aos leitores chineses essencialmente para também nós aprendermos com ele. A nossa equipa é essencialmente estrangeira e conhecemos a realidade dos nossos países que estão habituados a lidar com o livro infantil desde pequenos”, rematou.
Andreia Sofia Silva EntrevistaCarlos Taibo, professor de ciência política da Universidade Autónoma de Madrid: “O colapso vai ser global” As alterações climáticas e o esgotamento das matérias-primas são as causas mais prováveis para o colapso do sistema socio-económico das sociedades contemporâneas. A Ásia e, sobretudo, a China não estão imunes. Esta é a tese defendida por Carlos Taibo, professor de ciência política da Universidade Autónoma de Madrid, cuja versão portuguesa do livro “Colapso. Capitalismo terminal, Transição ecossocial, Ecofascismo” foi recentemente lançada Defende que vai acontecer um colapso a nível global entre 2020 e 2050 e não daqui a cem anos, como muitos julgam. Como é que este colapso se vai sentir na China? Naturalmente que vai acontecer na China, não tenho nenhuma dúvida. O facto de a China estar a reproduzir muitos dos elementos do crescimento próprio do mundo ocidental justifica que é candidata fundamental. Além disso, as alterações climáticas e o esgotamento das matérias-primas energéticas afectam a China de maneira muito evidente. Há uma discussão muito interessante relativamente ao facto de na China existir um Governo de carácter autoritário, algo que pode contribuir ou oferecer respostas mais firmes face às que derivam das democracias liberais. Há uma diversificação das opiniões que, em relação a estes processos, pode ser muito delicada. Mas, como sou bastante céptico no que diz respeito às estruturas de poder autoritário, penso que seria fácil que a direcção da política chinesa se fizesse no sentido de apoiar um projecto de ecofascismo ao invés de procurar respeitar as regras do jogo dos restantes países e dar espaço a movimentos de transição de carácter alternativo ou igualitário. Portanto, depois da queda do capitalismo pode-se seguir uma situação de ecofascismo. Primeiro teríamos de clarificar qual é a situação do sistema económico chinês. Trata-se de uma combinação muito estranha de capitalismo com muitos elementos de políticas autoritárias, eventualmente socializantes em alguma dimensão. Mas tenho a impressão de que a pegada capitalista na economia chinesa é tão forte que tudo o que digamos sobre a deriva do capitalismo nas economias de mercado livre pode afirmar-se também da presumível deriva no modelo económico chinês. Considera que a China pode ser um dos países protagonistas deste colapso social de que fala, a par dos Estados Unidos. Acha que a guerra comercial que travam é um sinal do colapso de que fala? É um país protagonista das relações comerciais internacionais e, temos de admitir, se essas relações estiverem na origem do colapso, então será o protagonista central do colapso. Em qualquer caso, devo reconhecer que o meu livro aborda o período depois do colapso e não sobre o que acontece antes. Alguém poderia perguntar-me: se o colapso se produz no ano 2050, o que acontece antes? Do meu ponto de vista, a ideia de uma III Guerra Mundial serve para descrever o cenário de uma sociedade pós-colapso, mas pode servir um cenário prévio ao colapso. Neste âmbito de conceitos, com certeza a China desenvolve um papel central e importante, ainda que não seja a principal potência agressiva, mas sim os EUA. Tem sido acusado de ser alarmista quanto à possibilidade da ocorrência de um colapso social no mundo entre 2020 e 2050. Como reage perante estas críticas? Bom, prefiro ser qualificado e descrito como alarmista a ser qualificado de frívolo. É muito mais grave para mim o pecado da frivolidade do que o do alarmismo. Além disso, afirmei no início da minha palestra que não estou em condições de afirmar, sem margem para dúvidas, que se vai produzir um colapso social do sistema. No meu argumento mais prudente afirmo que esse colapso é provável, ou muito provável. Parece-me que os dados me levam a concluir cientificamente que esta conclusão é legítima. Não digo mais nada. Se tivesse de apontar causas ou acontecimentos fundamentais para o colapso, quais apontaria? A guerra comercial que hoje vivemos, a crise da zona Euro, por exemplo? Estou a pensar em processos globais, como as mudanças climáticas, o esgotamento das matérias-primas energéticas, o surgimento de uma crise social, financeira e demográfica derivada do desenvolvimento de violências várias. Um planeta com muitos conflitos onde cai o esgotamento das matérias-primas e as alterações climáticas. Prefiro rebaixar o peso do argumento no que diz respeito à crise da zona Euro, que considero que tem um relevo menor em relação à discussão sobre o colapso. Porque defende que o colapso irá acontecer mais rapidamente nos países do sul do que no norte, e como é que essa diferença se verifica na Ásia? Se as duas principais causas para a ocorrência do colapso são as mudanças climáticas e o esgotamento das matérias-primas energéticas, parece-me evidente que vai golpear de maneira mais forte os países do sul. A subida das temperaturas vai provocar a migração de populações inteiras, com refugiados procurando zonas menos severas em termos climáticos. O esgotamento das matérias-primas energéticas não vai ter tantos efeitos nos países do sul, pois dependem menos disso. Por serem países menos desenvolvidos, necessitam menos dessas matérias-primas energéticas, à diferença do que acontece no norte. Suspeito que a China e a Ásia emergente estará no meio destas duas situações, de tal maneira que não é trágico o cenário das mudanças climáticas nem tão benigno o esgotamento das matérias-primas energéticas. Há uma clara desigualdade entre a China e o Japão e depois o Sudeste Asiático. Portanto, haverá efeitos diferentes. Sim. O que acontece é que é difícil identificar esses efeitos. Porque a minha tese é que as sociedades que mais vão padecer dos efeitos do colapso são aquelas que mais dependem de tecnologias ou energias que chegam de longe. A sociedade japonesa, por exemplo, vai padecer bastante destes efeitos, mas a China não tanto. Não digo que não irá sofrer, mas tem as suas defesas, que se caracterizam pelo facto de a sociedade chinesa viver ainda uma grande parte em subdesenvolvimento. Isso faz com que as suas necessidades energéticas sejam mais reduzidas. Introduzi o conceito de que, paradoxalmente, as sociedades que, na Europa, consideramos mais deprimidas, são as que vão ter maiores possibilidades num cenário de colapso, porque são aquelas que dependem menos das tecnologias e de energias. Suponho que isto vai acontecer em boa parte da China, mas não nas regiões mais orientais, que se abrem ao Oceano Pacífico, que são sociedades muito urbanas e muito dependentes de tecnologias e energias. Uma vez que a China ainda tem uma boa parte da população ligada ao sector primário, irá sobreviver melhor que o Japão a um eventual colapso. Considero que é assim. Como encara o discurso político da China em prol da defesa do ambiente? Não conheço bem, mas tenho a impressão de que a China foi um país que pensou durante muito tempo nas medidas internacionais que pretendiam reduzir as suas emissões de gases e fomentar o seu desenvolvimento económico. Mas, provavelmente, há uma leitura diferente, que considera que o problema existe e que a China está cega em relação à realidade e simplesmente nega o aumento das emissões. Fala-se muito do colapso enquanto questão mais ocidental ou europeísta… O colapso vai ser global, ainda que vá ter efeitos diferentes nas regiões. É certo que a discussão sobre o colapso tem uma presença mais forte nas sociedades ocidentais, mas intuo que é inevitável que essa discussão chegue a outros lugares porque, repito, o colapso é global. Este é um elemento que distingue este colapso de outros registados no passado. Por exemplo, quando o Império Romano colapsou, os efeitos sobre os outros impérios foram nulos. Hoje sabemos que as mudanças climáticas e o esgotamento das matérias-primas são processos inevitavelmente globais. O que podemos fazer para evitar este colapso? Temos de modificar a nossa vida quotidiana de maneira a instaurarmos uma relação muito mais civilizada com o meio natural e organizar movimentos colectivos que modifiquem as regras do jogo, em prol do fim do mercantilismo e da procura de projectos colectivos solidários mais austeros. Contudo, devemos atribuir outro significado à palavra austeridade do que o significado que os nossos governantes dão hoje em dia, quando preferem associar a austeridade a uma redução dos orçamentos sociais. A austeridade é um valor saudável e positivo.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeChan Meng Kam quer abrir cursos de português em Hengqin Chan Meng Kam recebeu esta terça-feira o grau de doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora. Sou Chio Fai, que lidera a Direcção dos Serviços do Ensino Superior, foi o patrono e recordou a vida dura do ex-deputado e empresário. Este adiantou que a licenciatura em português da Universidade Cidade de Macau deverá abrir no próximo ano lectivo e que existem planos para abrir uma escola de graduação em Hengqin [dropcap]H[/dropcap]allelujah”, música de Leonardo Cohen cantada por um irrepreensível coro, foi a banda sonora para a cerimónia de atribuição de doutoramento Honoris Causa atribuído, esta terça-feira, a Chan Meng Kam pela Universidade de Évora (UE). O ex-deputado e empresário fundador do grupo Golden Dragon, nunca frequentou uma universidade, muito menos publicou livros ou fez investigação científica. Ainda assim, foi distinguido pelos contributos na área social e no desenvolvimento do ensino em Macau, através da Universidade Cidade de Macau (UCM). Ditam as regras que um doutor Honoris Causa tenha um patrono e Chan Meng Kam contou com o alto patrocínio do Governo de Macau. Sou Chio Fai, que dirige a Direcção dos Serviços do Ensino Superior (DSES), recordou o percurso de um homem que, ainda adolescente, saiu da pobre Fujian para tentar a sua sorte em Macau, no início da década de 80. “Nessa época, teve diferentes empregos e chegou a dormir apenas duas horas por noite. Viu depois a oportunidade no pequeno comércio, quando as necessidades das populações eram grandes. Comprava vestuário e vendia do outro lado da fronteira”, disse Sou Chio Fai num discurso proferido em português. O director do DSES recordou também o deputado (Chan Meng Kam esteve na Assembleia Legislativa entre 2005 e 2017), que teve “uma notável contribuição legislativa”, o filantropo, que “desde 1993 contribuiu para mais de 200 instituições sociais em Macau” e o empresário, dado o seu papel na promoção das relações entre Macau, China e os países de língua portuguesa. O discurso de Chan Meng Kam, que teve tradução para inglês, recordou também o percurso de vida cheio de obstáculos do homem que já recebeu a mais alta distinção do Governo da RAEM, uma medalha atribuída pelo Chefe do Executivo. Além disso, defendeu que o “conhecimento é poder” e que “a educação é muito importante para o sucesso”. No final, agradeceu à plateia que o ouviu em português. A cerimónia contou com a presença de algumas personalidades ligadas a Macau, tal como Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente, ou Rui Lourido, presidente do Observatório da China. Tecnologia e património A comitiva de Chan Meng Kam, da qual fazia parte Sou Chio Fai e o reitor da UCM, Shu Guang Zhang, chegou uma hora mais cedo para assinar dois protocolos, relacionados com o ensino do português e património. “Assinámos dois acordos com a UE esta tarde focados em duas áreas. Um deles é na área da saúde e dos cuidados médicos e o outro é ao nível do equipamento de tradução automática português-chinês, com vista a promover a cooperação a longo prazo. A UCM é uma plataforma para atrair pessoas e talentos”, disse Chan Meng Kam, à margem da cerimónia. A comitiva fez também uma visita ao Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia da UE e ficou fascinada com o que viu. “Vimos que há muito potencial neste parque e também visitámos o laboratório na área do património da UE. Podemos ver que tem centenas de investigadores e talvez possamos fazer mais e desempenhar um papel no desenvolvimento desta área.” Citada pela agência Lusa, a reitora da UE, Ana Costa Freitas, adiantou mais detalhes sobre estas iniciativas. Um dos memorandos de entendimento foi assinado “na área do património cultural” e que implica a criação de uma cátedra na universidade alentejana, no valor de “cerca de 50 mil euros”. Esta cátedra permitirá “financiar estudos sobre a herança cultural” comum entre Macau e Portugal, com o envolvimento do Laboratório HERCULES da UE, indicou. “Vamos receber cá pessoas para fazerem estágios e vamos mandar para lá pessoas para fazerem também estágios e iremos formar alguém que fique à frente do laboratório lá [em Macau]”, explicou. Segundo Ana Costa Freitas, já foi efectuado o inventário dos equipamentos que a UCM terá de comprar “para ter um laboratório minimamente apetrechado e, depois”, começa-se “logo a trabalhar”. Na área da informática, explicou a reitora, a colaboração prevê a criação de laboratórios conjuntos entre as duas universidades assentes num sistema “de tradução por computador” de chinês-português e vice-versa. “Já estamos a começar, por exemplo, na parte do ‘machine learning’ [a máquina automática de tradução] já temos o laboratório”, frisou Ana Costa Freitas. No protocolo relativo à área da informática, consultado pela agência Lusa, pode-se ler que a parceria abrange também um laboratório colaborativo neste âmbito centrado na saúde. A realização de cursos de Verão, de turismo ou de arquitectura paisagista, na academia alentejana, recebendo alunos de Macau, será outro dos “frutos” da colaboração com a universidade privada macaense, segundo a reitora. Português em Hengqin Chan Meng Kam pretende também desenvolver ainda mais o ensino do português na sua universidade, tendo adiantado que deseja alargar essa oferta formativa até à ilha de Hengqin. “Uma vez que vamos criar a escola de graduação chinês-português em Hengqin, precisamos de talentos nesta área para desenvolver a investigação e projectos inovadores.” No próximo ano lectivo, a UCM vai abrir a nova licenciatura em estudos portugueses, garantiu Chan Meng Kam, sendo esta uma vontade há muito expressa pelos dirigentes desta universidade.
Andreia Sofia Silva SociedadeTUI diz que comunicações da DSSOPT não representam a RAEM [dropcap]U[/dropcap]m acórdão do Tribunal de Última Instância (TUI) aponta o dedo à Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) no que diz respeito aos procedimentos levados a cabo sobre dois terrenos situados na zona do Fecho da Baía da Praia Grande, que reverteram para o Governo findo o prazo de 25 anos de concessão. Os juízes, apesar de não reconhecerem o direito das concessionárias à renovação da concessão dos terrenos, defendem que a postura que a DSSOPT teve e o diálogo que manteve com as duas empresas “não representa a RAEM”. “As comunicações de serviço interno da DSSOPT, bem como a atitude da DSSOPT revelada nos ofícios, com os quais as recorrentes foram notificadas de que os projectos apresentados eram passíveis de aprovação, mas que o procedimento administrativo ficava suspenso provisoriamente, até que fosse aprovado o novo plano de intervenção urbanística, nunca poderia constituir reconhecimento de nenhum direito das recorrentes por parte da RAEM.” Além disso, “as informações ou opiniões nela contidas não representam nem obrigam a RAEM, muito menos depois do termo do prazo de arrendamento dos terrenos”, lê-se no acórdão. Além disso, os juízes do TUI também consideram que a questão da culpa pelo não aproveitamento dos terrenos não é fundamental para este caso. “Não é essencial a questão da culpa no não aproveitamento dos terrenos no prazo fixado para o efeito, já que, com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a concessão não pode ser renovada, desde que não se verifique a excepção, e deve ser declarada a sua caducidade”, lê-se. As empresas em causa são a Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van SA e a Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van SA, ambas pertencentes ao universo da Sociedade de Investimento Imobiliário Nam Van, que o ano passado perdeu o direito de concessão de 16 terrenos situados na zona da Praia Grande. Sem violações Os procedimentos referidos neste acórdão do TUI dizem respeito às licenças de obra de tapume, ensaio de estacas e alteração da rede de drenagem, pedidos que foram feitos entre 2006 e 2007. A DSSOPT nunca chegou a aprovar os processos com o argumento de que estaria a ser feito o projecto urbanístico do “Centro Histórico de Macau”, e que este levaria, mais tarde, à suspensão de todos os projectos das zonas C e D da Baía da Praia Grande. As duas empresas recorreram para o TUI da decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI) proferida em 2018, que comprovou a retirada dos terrenos. Estas alegaram agora junto do TUI que o Executivo violou questões como o princípio da boa-fé ou da igualdade entre partes, mas os juízes não tiveram o mesmo entendimento. “Não se vê como foi violado o princípio da igualdade das partes, nem as recorrentes chegaram a explicitar concretamente tal violação. Dizem ainda as recorrentes que o tribunal recorrido considera provados factos controvertidos, sem que, no entanto, tenha indicado quais são. Na realidade, não se vislumbra, a nosso ver, nenhuma controvérsia entre os factos provados.”
Andreia Sofia Silva EntrevistaRui Horta, coreógrafo e director do projecto Espaço do Tempo: “Sou uma espécie de cota da dança” Um dos mais conceituados coreógrafos portugueses da actualidade assume-se como alentejano por adopção depois de 19 anos à frente da associação cultural O Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo. Rui Horta assume ter atingido um estatuto que lhe permite fazer apenas o que lhe apetece, e isso pode passar por trabalhar com artistas de Macau nas áreas da dança ou do teatro Apresentou, no ano passado, o espectáculo “A Vespa”. Voltou aos palcos como bailarino, tinha saudades? Durante muitos anos não tive, porque estou muito bem no meu papel de coreógrafo. Só parei (o espectáculo) porque o ano passado caiu uma abóbada no Convento da Saudação (sede do projecto O Espaço do Tempo) e eu cancelei tudo, porque precisava de concentrar toda a minha energia nisto. Foi como perder a casa. Sim. Porque ao fim de 19 anos de estares num sítio e cair-te uma abóbada, quando já deverias estar com o espaço recuperado e com um paradigma diferente, é como perder um membro. Mas foi por causa desta perda que conseguimos que, finalmente, o Ministério da Cultura olhasse para nós. Neste momento, temos aprovada uma linha de salvaguarda de 1,6 milhões de euros, mas é só para segurar o edifício. O convento está na posse da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e nós somos uma espécie de catalisador. Depois desse contratempo, que projectos podemos esperar? Pode-se esperar muita coisa. Decidi que a próxima apresentação que vou fazer será uma criação com a cidade, em que vou fazer uma audição aberta e trabalhar com as pessoas da cidade. E depois vou entrar num período mais calmo do ponto de vista d’O Espaço do Tempo, porque vamos mudar para outro sítio em Agosto. Vou depois tirar um ano mais calmo, em que vou ter mais trabalhos artísticos. Não posso deixar de criar, porque se deixar de criar, sou a pessoa mais infeliz desta cidade. Este projecto com a comunidade local chama-se Quórum. Espera a adesão das pessoas? Sim. Tenho uma experiência feita de dois projectos parecidos. Tenho obras em 50 companhias do mundo inteiro, nos últimos 20 anos, fiz 2500 espectáculos em toda a minha vida, é quase absurdo. Já não preciso de fazer mais nada, a não ser aquilo que me apeteça muito fazer, que me dê muito gozo. Já chegou a esse estatuto. Sim, só faço aquilo que me apetece fazer. E apetece-me fazer coisas novas. Nunca tinha feito um solo só para mim e expor-me dessa forma, que é angustiante. Depois nunca tinha trabalhado com a comunidade e apetecia-me trabalhar com as pessoas na sua maravilhosa autenticidade. Pensei que tinha de fazer isto em Montemor-o-Novo porque celebra o meu tempo aqui. As pedras só fazem sentido se estiverem vivas. Porque é que aquele projecto (O Espaço do Tempo) é fantástico? Porque habitámos o convento durante 19 anos, estava fechado há décadas. Gosta de pegar em sítios antigos e dar-lhes uma nova alma. Acho que sou bom nisso. Não me assusto quando vejo uma ruína, dá muito trabalho mas não desisto, porque pegamos numa herança. Acho que trouxe essa força para Montemor, tem sido um legado nosso, somos uma espécie de anti-depressivo da cidade. Fazemos parte da paisagem cultural da cidade, mas há um elemento n’O Espaço do Tempo que vai ser sempre de estranheza. Não lamenta que a cultura local, ou a adesão das pessoas, se faça apenas pelo folclore ou pela feira, por exemplo? Já não se faz só assim. Temos criado ao longo dos anos muito público para o teatro. Não fazemos um trabalho só de criação, há depois um grande trabalho de mediação cultural, de ir ter com as pessoas. Haverá sempre o público que estará na feira, mas eu também venho de férias mais cedo e todos me vêem à porta da feira a distribuir panfletos para o concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa na semana seguinte. É preciso lutar. As pessoas ficam sempre espantadas por me verem ali. Eu acho engraçado. Nunca quis ser estrela. Não. Uma das coisas mais importantes de se viver em Montemor é ir ao café. Às vezes, mudo de café duas vezes por dia, porque quero estar próximo das pessoas. É nossa obrigação, como associação, estar de mãos dadas, mas viradas para fora, não para dentro. Se não, de que serve fazer cultura? A primeira coisa que o Hitler fez foi fechar os teatros, porque sabia que eram espaços de pensamento crítico. Aconteceu algo semelhante na China, durante a Revolução Cultural. Sim, foi brutal. A coisa do pensamento único. Não podes ter a cartilha única. É dessa mistura que saem as coisas mais extraordinárias. Já que falamos da China, há cerca de dois ou três anos fizeram uma residência artística em parceria com o festival This is My City, de Macau. Tem tido oportunidade de trabalhar com artistas da Ásia, é algo que gostava de fazer? É algo que ainda está longe. Temos sempre programadores que vêm da Índia, de Hong Kong e da Coreia do Sul. Já temos alguns programadores do Oriente com muita curiosidade em relação aos artistas portugueses. Tivemos um grande projecto há quatro anos atrás com companhias da Índia, mas a nossa esfera de trabalho é mesmo a Europa. Mas gostava de fazer algo? Completamente. Aliás, falamos de Macau, de repente fico muito curioso e gostava de eventualmente estabelecer uma ligação com um artista chinês que viesse desse território, e que entendesse melhor a cultura portuguesa, na área da dança contemporânea ou do novo teatro. Mas claro que as grandes companhias de dança chinesas já circulam na Europa e com muito sucesso. No livro “Sinais do Tempo” fala do discurso político para a área cultural. Como olha para esta ligação entre Portugal e China na área da cultura? É óbvio que isso deve ser uma prioridade e temos uma relação inevitável do ponto de vista comercial com a China, como tudo o mundo tem. Mas nós temos uma história comum e acho que devemos dar uma capacidade de acrescentar algo e de fazer negócio porque há ainda laços e emoções e há, sobretudo, um conhecimento. No mundo global a China é uma grande potência e penso que não há outra hipótese para nós, neste momento, se não sermos pró-activos nesta relação. É uma terra longínqua, mas a distância ficou mais curta com toda a hipermobilidade do século XX. Não há nada verdadeiramente longe hoje em dia, não é? Mas não teme o domínio do que é chinês e uma certa permissividade portuguesa? Não conheço muito bem essa realidade, mas a cultura chinesa é impressionante. A própria filosofia chinesa está antes da filosofia grega, foram os pensadores chineses que fizeram uma reflexão sobre o que é o Homem. É uma cultura milenar com uma tal profundidade que antecede os próprios clássicos gregos e romanos. Temos de ter essa humildade. É claro que hoje é uma cultura de poder. O último século de vida na China é brutal. A China é uma potência económica que projecta poder e vai projectar a sua cultura, não temos hipóteses. É um país que, quando espirra, constipamo-nos todos. Portugal é o oposto, temos de nos aceitar como somos. Voltemos à coreografia. Que temas lhe falta abordar, numa altura em que só faz o que lhe apetece? A dança é uma linguagem e a coreografia é a organização dessa linguagem. Podes dizer o que quiseres. E a cada instante assaltam-te coisas diferentes. Hoje tenho três ideias diferentes na cabeça, por exemplo. A história de um montemorense que descobri e que fundou o primeiro circo em Luanda, foi à aventura. Interessa-me falar do sonho, porque é essa espontaneidade que nos leva a ser uns tipos felizes. A vida é só uma. Portanto, não vamos viver deprimidos. Temos a obrigação de ser felizes e isso não é uma opção, é uma obrigação. Ainda que haja em Montemor-o-Novo um sentimento de depressão colectiva. Há, e é uma coisa muito alentejana, mas temos de lutar contra isso. Acredito que a cultura é um antídoto para a depressão. Sair para ir ao teatro é um acto de resistência e tem um valor social enorme. Essa é a minha postura perante a arte. Somos um projecto artístico de grande qualidade a nível europeu, temos 70 residências artísticas este ano, passam 500 artistas por aqui, servimos 10 mil refeições por ano. Mas isso é tão importante como fazer outros projectos em parceria com associações locais. Não podes estar numa cidade de província só com um projecto artístico, se não no outro dia mandam-te embora. Se não fosse a dança era um homem deprimido, ou arranjava outra maneira? (Risos). Arranjava outra maneira. A dança é brutal. Desde miúdo que partia tudo lá em casa, e fiz desporto antes de ter coragem para ser bailarino. Tornei-me bailarino a partir de 1974, 1975, sou um filho da Revolução. Ninguém era bailarino na altura, pelo menos os homens. Fui o primeiro (na área da dança) a ir para o estrangeiro. Fui para Nova Iorque e os outros portugueses iam todos para minha casa, ficavam um mês. Sou uma espécie de cota da dança. Como foi explicar aos seus pais que queria dançar? Os meus pais eram professores universitários. O meu pai era patologista, uma pessoa muito culta, austera, mas muito aberta, apesar de tudo. E disse-lhe que queria dança. Ele virou a cabeça lentamente e perguntou-me “filho, não és homossexual, pois não?”. Eu disse que não. Fiquei muito aflito, imagina se fosse! Aí ele disse “então faz o que te apetecer”. Deu uma resposta à frente do seu tempo. Nessa altura, já estava a estudar arquitectura no primeiro ano. Depois saí e fui estudar educação física, que era o que havia mais próximo da dança. Não havia cursos. Não. Eu sou o fundador das escolas de dança de hoje. A minha geração era auto-didacta, fui para Nova Iorque lavar pratos. Era para ir por três meses e fiquei dez anos. Sou desses. Limpei apartamentos, trabalhei em restaurantes, dava aulas de ginástica. Foi mesmo o sonho americano, a ganhar 3,75 dólares à hora, o salário mínimo. A minha primeira gripe curei-a com copos de água, não tinha dinheiro para comprar aspirinas. Fui mesmo pobre e nunca contei aos meus pais. Não precisava, mas foi importante ter sido pobre e ter aceite essa fragilidade. Deu-lhe liberdade para dançar. Deu-me liberdade para seguir o meu sonho. Gastava todo o dinheiro que ganhava em Nova Iorque para pagar aulas de dança. Lavava pratos num restaurante entre as dez da noite e as quatro da manhã e nas últimas duas horas secava pratos já a dormir. Sei o que isso é, ainda hoje conheço o gesto. Só te conheces com os teus limites. A vida é um acto de curiosidade até ao último dia.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeReitora da Universidade de Évora diz que Chan Meng Kam é “uma personalidade ímpar” É atribuído amanhã o grau de doutoramento honoris causa a Chan Meng Kam na qualidade de presidente do Conselho da Universidade Cidade de Macau. Ana Costa Freitas, reitora da Universidade de Évora, garante que a distinção não é somente fruto dos projectos que as duas academias têm em conjunto, mas acontece também por ser “pertinente dar a conhecer uma personalidade ímpar da RAEM sobejamente reconhecida e respeitada” [dropcap]C[/dropcap]han Meng Kam, presidente do Conselho da Universidade Cidade de Macau (UCM), vai receber amanhã o grau de doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora (UE), disse à Lusa a instituição de ensino superior portuguesa. A cerimónia está agendada para as 15h30 e será marcada pelo discurso de Chan Meng Kam, com o título “My greatest mission in life is to serve society” (A minha grande missão de vida é servir a sociedade). Sou Chio Fai, director do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior estará presente no evento. Em declarações ao HM, Ana Costa Freitas, reitora da UE, garantiu que o elo que junta as duas universidades não é a única justificação para atribuir o grau de doutor honoris causa a Chan Meng Kam. “A distinção agora conferida a Chan Meng Kam não procura reforçar qualquer parceria. Resulta tão só do entendimento da UE em distinguir o estadista, o empresário e o filantropo Chan Meng Kam, que tem dedicado a sua vida ao bem público da Cidade de Macau e das suas gentes, contribuindo decisivamente para a imagem, reputação e desenvolvimento da RAEM.” Além disso, a reitora considerou que “numa altura em que Portugal apoia a iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’, entendeu a UE ser pertinente dar a conhecer, uma personalidade ímpar da RAE de Macau, sobejamente reconhecida e respeitada, o Sr. Chan Meng Kam”. A UE atribui esta distinção meses depois de ter sido assinada uma parceria na área da tradução com a UCM. Em Novembro, foi notícia o facto de estar a ser desenvolvido um novo sistema de tradução automático chinês-português que deverá estar pronto este ano. A infra-estrutura ficará na cidade de Évora e terá um custo de cerca de um milhão de euros. A reitoria da UE garantiu que Chan Meng Kam nunca fez quaisquer donativos financeiros “ou de qualquer outra espécie” à instituição que dirige “ou de qualquer outra espécie”. Projectos na calha Depois da criação do Instituto Confúcio na UE, seguem-se mais parcerias com a UCM, cuja ligação com a universidade alentejana aconteceu há três anos. “Neste período, a ligação entra as nossas universidades tem sido fortalecida pelos diversos contactos, directos e indirectos que se têm desenvolvido”, declarou Ana Costa Freitas. Na resposta ao HM, a reitora explicou que “decorrem dois projectos bilaterais financiados pela UCM”. Um deles versa sobre a área da História e Património, e um outro na matéria da tradução Português-Mandarim. “Em paralelo deu-se início a um programa de intercâmbio de docentes das duas universidades e, em breve, iniciar-se-á na UE uma Summer School na área da Arquitectura Paisagista. Outras iniciativas de colaboração mútua terão o seu início em breve”, frisou. Para a UE, a ligação à UCM é “muito especial, dadas as ligações históricas e culturais que unem Portugal a Macau”. “Não obstante os contactos directos e regulares que mantemos com a China, encaramos Macau e a sua universidade como um apoio efectivo das nossas relações com o País do Rio das Pérolas. Com esta parceria antecipamos benefícios e o aprofundamento das nossas relações ao nível do ensino, da investigação e da transferência de conhecimento, área que começa a dar os primeiros passos”, apontou Ana Costa Freitas. A reitoria da UE destaca ainda o facto de “a China ter vindo a ser encarada como parceira prioritária”, até porque a universidade “tem efectuado uma aposta muito forte na internacionalização dos seus ensinos e da sua investigação, enquanto pilar fundamental da sua estratégia de crescimento e de afirmação no panorama internacional”. O grau de doutoramento honoris causa será também atribuído a António Galopim de Carvalho, professor catedrático jubilado.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaChina | Analistas defendem reforço da posição da UE no contexto da guerra comercial Situada no meio da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, a União Europeia deve clarificar relações com a Ásia para desenvolver as suas empresas e travar eventuais pressões dos EUA ou de países do norte da Europa que tentem sabotar essas parcerias. O tema “A ascensão da RPC no tabuleiro internacional do pós-Guerra Fria” esteve ontem em debate na Universidade do Porto [dropcap]N[/dropcap]o princípio era a União Soviética e os Estados Unidos, mas, com a queda da URSS, a China tem assumido cada vez mais um papel de relevo, tanto a nível económico como diplomático. No meio está a União Europeia (UE), que deve clarificar e reforçar o seu posicionamento no contexto da guerra comercial que se vive nos dias de hoje. A Universidade do Porto (UP), em Portugal, acolheu ontem a palestra “A ascensão da República Popular da China (RPC) no tabuleiro internacional do pós-Guerra Fria”, que contou com a presença de Rui Lourido, presidente do Observatório da China (OC), Jorge Cerdeira, docente da Faculdade de Economia da UP, e António Lázaro, director do Instituto Confúcio da Universidade do Minho. Em declarações ao HM, Rui Lourido defendeu que é altura da UE assumir a importância do seu posicionamento geoestratégico. “A Europa tem de compreender que a China não é um inimigo, mas sim um concorrente com o qual deve fazer parcerias e estabelecer um relacionamento pacífico e de mútuo interesse”, começou por dizer. Neste sentido, a Europa “deve abrir-se às negociações com a China de igual para igual, sem prescindir das suas alianças que podem ligar o continente à América, mas elas não são incompatíveis, bem pelo contrário, deverão ser complementares”. Também Jorge Cerdeira defende que a UE é, nos dias de hoje, “um dos principais players internacionais, tal como a China ou os Estados Unidos”, “ocupando uma posição de destaque na produção, exportações, importações e investimento a nível internacional”. Neste contexto, a UE deve compreender qual o seu papel no seio destas relações diplomáticas. “Naturalmente que nesta fase em que existem muitas incertezas sobre o futuro das relações económicas internacionais, a Europa deverá ter uma posição clara e unida sobre o assunto e ser capaz de assumir o seu papel de relevo no xadrez internacional.” Para Jorge Cerdeira, essa necessidade não tem sido cumprida “muito devido aos constrangimentos internos que tem sofrido (que incluem a crise das dívidas soberanas, a questão dos refugiados, o processo do Brexit ou as diferentes posições dos países relativas à política da União)”, defendeu. Pressões americanas No passado dia 5 de Março o Conselho da UE aprovou as novas regulações que serão feitas aos investimentos estrangeiros provenientes de países terceiros em sectores estratégicos, como têm sido os investimentos chineses. Para Rui Lourido, a UE deve analisar as propostas chinesas de acordo com os seus interesses, mas defende que neste processo de regulação há não só uma pressão dos países do norte da Europa, como é o caso da Alemanha ou França, mas também dos Estados Unidos, a quem não interessa “uma Europa unida”. “Vejo estes regulamentos que têm vindo a ser levantados na sequência de pressões americanas e desta guerra comercial que é nefasta para o relacionamento e desenvolvimento das empresas europeias.” Para Rui Lourido, “as empresas alemãs são concorrentes das empresas chinesas e não há mal nenhum nisso”, uma vez que “ambas as empresas devem fazer parcerias no sentido de aproveitarem o mercado chinês”. O presidente do OC recorda os 17 acordos que recentemente Portugal assinou com a China no contexto da política “Uma Faixa, Uma Rota”, que incluem acções de investimento no Porto de Sines e mais ligações ferroviárias. “Quando Portugal faz isto cria inimizade ou concorrência com os portos do norte da Europa, que até hoje têm sido centrais para o comércio europeu. Estes países, ao verem que este comércio se pode deslocar para sul, algo que já acontece também com a Grécia, com os investimentos no porto de Piréu, pressionam Portugal para não entrar nestas parcerias que propiciam este desenvolvimento”, defendeu Rui Lourido. O presidente do OC acha que, neste âmbito, “a perspectiva de Portugal tem de ser autónoma” e considera que “não se deve perder o foco face aos investimentos no sul da China e no espaço da Grande Baía e África, que serão centrais para a construção de um mundo pacífico, rentável e produtivo”. Regular é preciso Apesar de falar de pressões dos países do Norte da Europa e dos Estados Unidos, Rui Lourido acredita que a regulação do investimento directo estrangeiro na UE é necessária. “Este relacionamento deve ser escrupulosamente encaminhado e regulado nos interesses comuns de ambas as empresas”. Jorge Cerdeira recorda que os investimentos chineses na Europa têm aumentado progressivamente desde que o país entrou na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001. “À Europa cabe, dentro da ideologia do nacionalismo pragmático que hoje se apregoa no que concerne à atracção e restrição do investimento directo estrangeiro, seleccionar os investimentos que entende serem favoráveis e rejeitar os que entende serem menos interessantes.” Se Rui Lourido fala de pressões em prol da regulação, Jorge Cerdeira interpreta estas iniciativas como naturais. “Tal prática, comum noutros países (tal como, por exemplo, na China), deve ser encarada com naturalidade, ainda que, evidentemente, reste saber como é que esse processo de ‘filtragem’ (do investimento directo estrangeiro) vai ser efectivamente feito na prática”, disse ao HM. “Fecharmo-nos ao relacionamento com a China não é bom, é o caminho inverso que a Europa e Portugal devem ter. A China é neste momento a segunda grande nação a registar as patentes de investigação, está quase colada aos Estados Unidos. Considero que esta aliança com empresas chinesas que detém esse know-how torna-se fundamental para a expansão das empresas portuguesas e a sua expansão nos mercados”, acrescentou Rui Lourido. Guerra Fria 2.0 Apesar dos vários encontros, não há ainda uma resolução para o fim definitivo do conflito comercial que opõe a China aos Estados Unidos. Jorge Cerdeira não consegue prever se estamos perante uma nova Guerra Fria, ainda que com outros contornos, mas fala de um futuro “incerto”. “O futuro da relação entre os EUA e a China, bem como a guerra comercial que tem existido, é incerto. Há dados e estudos que sugerem que a guerra comercial já custou aos EUA cerca de 8 mil milhões de dólares. Resta saber qual é a reação que as autoridades de política dos EUA e da China vão ter perante os resultados pouco favoráveis que advêm desta guerra.” Incertezas à parte, o professor da UP acredita que “os últimos dois anos têm contribuído para uma maior afirmação das políticas proteccionistas face ao que verificou nos anos anteriores”. Rui Lourido também não consegue prever uma nova Guerra Fria, mas fala de um mundo mais perigoso num futuro próximo caso estes conflitos continuem. “Essa guerra comercial que se tenta expandir a outros sectores com grande perigosidade torna o mundo mais instável. A China tem substituído o papel de equilíbrio que a América desempenhava nessas instituições e defende hoje o multilateralismo e a própria ONU.” As relações de conflito neste contexto “devem ser mediadas pela ONU e não por reacções caso a caso”, sem esquecer o papel que entidades como a OMC ou o Mercosul devem ter, defendeu Lourido. “A economia americana perdeu energia com a crise de 2008 e a forma mais inteligente de ultrapassar isso é com um relacionamento concorrencial, mas amigável. Há forças que não pensam assim e temos o presidente norte-americano (Donald Trump) a sair de tratados internacionais e a tentar desestruturar a Europa, porque à América não interessa uma Europa unida e forte.” “Isso leva à criação de conflitos que os europeus devem ver de acordo com os seus interesses e estabelecer parcerias com a Ásia para que possam balancear a sua influência, com países como a China, Índia e Japão”, concluiu Rui Lourido.
Andreia Sofia Silva China / Ásia MancheteGestão privada da TAP “não tem sido a mais correcta”, diz Observatório da China [dropcap]R[/dropcap]ui Lourido, presidente do Observatório da China (OC), disse ao HM que a gestão privada da companhia aérea portuguesa TAP não tem sido a mais correcta, quando questionado sobre a mais recente saída da chinesa HNA da estrutura accionista. “Em todos os negócios a rentabilidade é a alma. Quando atribuímos a privados empresas que são fundamentais para a expansão de uma imagem da economia nacional, há sempre esse risco. Portugal decidiu dar a nossa empresa bandeira mas este Governo não conseguiu privatizar tudo. Mas não me parece que a gestão privada da TAP seja a mais correcta.” O responsável defendeu, por isso, a continuação da aposta numa parceria chinesa na área da aviação, mas com outra empresa. “Talvez a escolha da empresa chinesa não tenha sido a mais pertinente. Deveríamos ter uma parceria chinesa, sem dúvida, e Portugal deve lutar por essa parceria com uma grande empresa de transporte aéreo, para que faça as rotas directas com Pequim e Cantão. Há outras empresas interessadas. O Estado português deveria ter encontrado um parceiro chinês sólido e não estar apenas dependente do lucro”, frisou. Foi a 28 de Março que se soube que o representante da HNA na estrutura accionista da TAP ia sair, depois da empresa ter vendido a sua participação de 20 por cento no grupo que detém 45 por cento da TAP, a Atlantic Gateway, por 55 milhões de dólares americanos. Com o Governo de António Costa, primeiro-ministro português, o Estado voltou a ter 50 por cento das acções da TAP, sendo que os privados possuem 45 por cento e os trabalhadores os restantes cinco por cento. O negócio, anunciado à bolsa de valores de Xangai, aconteceu devido a problemas de liquidez que a HNA enfrenta há cerca de um ano.
Andreia Sofia Silva EventosCinema | Cartaz do Índie Lisboa celebra os 20 anos de transferência de soberania de Macau [dropcap]F[/dropcap]oi hoje apresentado em Lisboa o cartaz da edição deste ano do festival de cinema Índie Lisboa. Além da antestreia de “Hotel Império”, filme de Ivo Ferreira, bem como de três episódios da sua nova série, intitulada “Sul”, serão exibidos alguns filmes que visam celebrar o aniversário dos 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China. Na categoria “Especial Macau 20 anos” será exibido “Foco Macau – 20 anos depois” de Lou Ka Choi, bem como “The Cricket Dynasty”, de Chang Seng Pong, ambos de 2018. O cartaz conta também com a película “G.D.P.: Grandmas’ Dangerous Project”, de Peeko Wong, e “Rabbit Meets Crocodile”, de Sam Kin Hang, um filme de animação também produzido em 2018. “Sheep”, de Mak Kit Wai, também do mesmo ano, encerra o cartaz dedicado ao cinema local. O Índie Lisboa leva também um pedaço do cinema asiático a Lisboa, com a curtas-metragen chinesa“A Fly in the Restaurant”, de Xi Chen e Xu An, bem como “Wong Ping’s Fables 1”, de Hong Kong. “A Million Years”, uma curta de Danech San, em representação do Cambodja, também será exibida. No painel das longas metragens há também lugar para “Present.Perfect.”, de Shengze Zhu, um documentário que nasce de uma produção conjunta entre os EUA e Hong Kong, realizada este ano. O Índie Lisboa acontece entre os dias 2 e 12 de Maio em vários locais da capital lisboeta e contará com mais de 50 filmes portugueses, presentes em toda a programação, entre estreias mundiais, estreias nacionais e primeiras obras. Há 17 filmes na competição de curtas-metragens.
Andreia Sofia Silva EntrevistaCasa de Macau em Portugal quer ensinar patuá e ter mais sócios chineses Maria de Lurdes Albino não pode voltar a candidatar-se à presidência da Casa de Macau em Portugal, mas pondera participar numa nova lista. Em entrevista concedida em Lisboa, a responsável fala dos projectos que pretende realizar apesar das dificuldades financeiras. O ensino do patuá é um deles, bem como a abertura da Casa de Macau a jovens bolseiros chineses [dropcap]A[/dropcap] vivenda situada na avenida Almirante Gago Coutinho, em Lisboa, deixa adivinhar um espaço cheio de história. A sua decoração interior também. Notam-se uns jornais de Macau em cima da mesa, a tradicional mobília chinesa, a publicidade a eventos ligados a pedaços do Oriente que se realizam na capital portuguesa. No primeiro andar, permanece a sala destinada à pessoa que ocupa o cargo de presidente da Casa de Macau em Portugal (CMP), ainda que seja muito pouco utilizada. Descansam uns móveis doados por macaenses ou associações e sobressaiu um quadro que marca a memória da visita do ex-presidente da República Jorge Sampaio, que acompanhou o processo de transferência de soberania de Macau. As paredes estão ocupadas por quadros de pintores da terra como Herculano Estorninho e fotografias de importantes sócios da casa, como o empresário Ng Fok. No rés-do-chão da casa dispõem-se mais salas onde um grupo de sócios joga bridge uma tarde por semana. A visita guiada pela casa que guarda pedaços de Macau é conduzia por Maria de Lurdes Albino, a actual presidente da CMP que não pode recandidatar-se a um novo mandato, mas que pondera fazer parte de uma lista candidata às próximas eleições. Maria de Lurdes Albino não acompanhou de perto o processo de transição, pois veio jovem estudar para Portugal e por cá casou. Mas nunca perdeu a ligação à sua terra, que visita várias vezes por ano. Roque Choi, importante figura da comunidade chinesa que fazia a ligação com as autoridades portuguesas, era visita frequente da sua casa. Presidente desde 2013 (as últimas eleições foram em 2018), Maria de Lurdes Albino cumpre um segundo triénio de mandato e traça um balanço positivo dos trabalhos associativos que têm sido feitos, mas revela que as dificuldades financeiras foram sempre uma realidade. “Não tem sido fácil fazer a gestão da Casa, mas temos conseguido ultrapassar as situações. Temos as actividades habituais, como as festas de Natal ou da Páscoa, e depois temos outras actividades que organizamos e que nos permitem continuar a auferir algum lucro para continuarmos a desenvolver o nosso trabalho sem grandes oscilações.” Os subsídios chegam da Fundação Casa de Macau, bem como do Conselho das Comunidades Macaenses pela via da Fundação Macau, sempre que há os habituais encontros anuais da comunidade. A CMP sofre de um problema comum a todas as entidades associativas de macaenses espalhadas pelo mundo: a falta de jovens. “Embora os nossos associados tenham uma idade mais avançada, temos conseguido captar pessoas um pouco mais jovens, embora gostássemos de ter ainda mais”, assegurou ao HM. Tal pode passar pela implementação de outro tipo de actividades, “mais ligadas aos interesses dos jovens hoje em dia, como as novas tecnologias, por exemplo”, disse. Contudo, “não existem os meios adequados para tal”, adiantou Maria de Lurdes Albino. “Vamos fazendo o que podemos, com os subsídios que vamos tendo, que são usuais, porque a casa é uma entidade de utilidade pública sem fins lucrativos. Portanto, não podemos ter propriamente actividades que gerem lucros.” Maria de Lurdes Albino tem uma fórmula para renovar a CMP em termos de sócios, que passa “por suscitar o interesse dos jovens bolseiros” chineses que vão temporariamente para Portugal estudar a língua portuguesa ou outras áreas. “Neste momento, não têm grande capacidade de se tornarem sócios, porque estão cá pouco tempo e depois vão embora, mas isso não quer dizer que nós, enquanto direcção, não estejamos a pensar na hipótese de arranjar uma solução em que eles se tornem sócios temporariamente ou, eventualmente, manterem-se depois sócios mesmo regressando a Macau. Estamos a ponderar essa via”, frisou. Dialecto na agenda Numa altura em que o ensino do mandarim está na moda em Portugal, a CMP continua a oferecer cursos de cantonês que, garante Maria de Lurdes Albino, continuam a ser muito procurados. “Neste momento, começa a haver menos interesse pela frequência dos cursos de mandarim e começamos a ter pedidos de cursos de cantonês.” A presidente encontra uma explicação “talvez demasiado simplista” para esse facto. “As pessoas vão muito a Macau. Há quem tenha lá trabalho, porque Macau é mais atractivo para os portugueses devido à existência de uma comunidade portuguesa. Mesmo as pessoas que vão em viagem a Macau ou que vão aos encontros da comunidade e que não são macaenses, ou que não têm raízes, pedem porque precisam de saber falar no dia-a-dia. Neste momento, está a haver uma procura muito grande. Poderá haver outras razões.” Ao nível do ensino de idiomas, a CMP gostaria de abrir cursos de patuá, um objectivo que ainda não foi possível de concretizar. “Temos isso em mente e no nosso plano de actividades, mas é muito difícil de realizar. Fizemos muitos contactos em Lisboa e Portugal, mas não conseguimos arranjar alguém que domine o patuá, porque quem domina o dialecto já são pessoas mais antigas.” “Em Macau não é tanto assim porque houve uma transmissão do patuá entre gerações, mas aqui em Portugal temos esse problema. Não é fácil e já fizemos imensos contactos e ainda não conseguimos. É um projecto que gostava imenso de levar a cabo”, acrescentou a responsável. Maria de Lurdes Albino garantiu que existe muita procura pelo ensino do patuá. “Penso que vamos ter alunos suficientes porque já houve várias pessoas que demonstraram interesse no patuá. Estamos inseridos na sociedade portuguesa e estamos dispersos, e não há muitas pessoas que saibam. Não é fácil passar para outras gerações alguns aspectos da cultura macaense. Mas tenho esperança de que vamos conseguir.” Elogios a Alexis Quando o HM conversou com Maria de Lurdes Albino, Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, tinha recebido há dias o doutoramento Honoris Causa da Universidade de Lisboa. A presidente da CMP esteve presente na cerimónia e dedica os maiores elogios ao governante. “Foi falada essa questão da língua portuguesa em Macau e o estabelecimento de uma ponte entre a cultura portuguesa, através da língua. Estes jovens bolseiros, quando vêm aprender português, chegam a Macau e têm a possibilidade de continuarem os seus estudos de português, e essa é uma via muito importante para manter a cultura portuguesa viva e fazermos a ligação entre as duas culturas.” “Os chineses não têm a cultura de matriz portuguesa, mas já têm alguma aprendizagem que me parece bastante boa para depois dinamizarem em Macau essa ligação e continuarem os seus estudos. Gostei muito de ouvir o doutor Alexis Tam e acho que ele tem feito um excelente trabalho nesse aspecto”, frisou. Maria de Lurdes Albino não quis comentar questões políticas por ser algo que vai contra os estatutos da CMP, mas adiantou que “não há mais ou menos interesse” na língua portuguesa entre os governos de Edmund Ho e Chui Sai On. “Penso que houve sempre bastante interesse da parte do governo da RAEM, com Edmund Ho e Chui Sai On. Não é uma questão de haver mais ou menos interesse, talvez seja uma questão de oportunidades. Durante o mandato de Edmund Ho houve muito interesse demonstrado pela cultura portuguesa, tal como agora haverá. Talvez agora haja um maior impacto em termos de divulgação, devido aos 20 anos da transição”, adiantou. Sucesso da gastronomia De entre as várias actividades que a CMP organiza, os eventos gastronómicos têm imenso sucesso, como comprovam as centenas de pessoas inscritas. “O interesse pela gastronomia é enorme, e quando organizamos aqui eventos temos imensa gente interessada em aprender.” Para Maria de Lurdes Albino, a gastronomia é um ponto chave para responder a uma pergunta que está eternamente sem resposta. “Passamos a vida a debater a questão da identidade, do que é ser macaense, e nunca há uma resposta. Há diversos aspectos que confluem para uma característica diferente, específica em termos culturais, mas é muito difícil definir o que é a identidade macaense. Passa pela definição das várias vertentes. A gastronomia macaense é um dos pontos chave para que não se perca esta identidade. Outra seria o patuá, que seria importante manter.” A presidente da CMP assume não ser muito dada à cozinha, mas ainda guarda consigo muitas das receitas da sua família. Em casa, há sempre um minchi pronto a comer. “Hoje há muitos livros publicados, mas cada família tem a sua forma de cozinhar e as suas próprias receitas, com algumas diferenças. E não havia um conhecimento público do que se fazia. Até que as pessoas resolveram começar a colocar em livros. Quando era miúda havia pessoas que não queriam divulgar as receitas da família, que eram sagradas. É uma pena que não tenhamos a gastronomia macaense mais divulgada.” Os 50 anos da existência da CMP em Portugal comemoraram-se em 2016 com uma festa que reuniu grandes figuras ligadas ao território. Depois de Sampaio, Maria de Lurdes Albino confessa que “gostava de voltar a receber a visita de um governante chinês ou português”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeAntigo Novo Banco Ásia incluído nas mais de 100 buscas do Ministério Público [dropcap]A[/dropcap] falência do Grupo Espírito Santo continua a ser investigada pelas autoridades portuguesas e os números mais recentes dão conta da existência de 41 arguidos, bem como um arresto de mais de 122 milhões de euros e de 477 imóveis. Macau, onde funcionou durante anos o Banco Espírito Santo do Oriente (BESOR), mais tarde transformado em Novo Banco Ásia, e que foi posteriormente vendido ao grupo Well Link de Hong Kong, está a ser alvo das investigações por parte do Ministério Público (MP) em Portugal. De acordo com um comunicado emitido pela Procuradoria-geral da República na quinta-feira, foi accionada uma linha de cooperação judiciária com Macau “para obtenção de dados bancários, audições, arresto de bens e outros actos de recolha de prova”. O território foi também incluído nas 111 buscas realizadas, bem como Portugal, Espanha e Suíça. “O produto de buscas abrange, além de suportes documentais em papel, cerca de 100 milhões de ficheiros informáticos relativos a sistemas operativos bancários, sistemas de contabilidade, contratos, documentos contabilísticos, documentos de natureza bancária e transmissão escrita de comunicações entre Portugal, Suíça, Luxemburgo, Panamá, Dubai, Espanha, e redigidos em inglês, francês e espanhol”, lê-se no comunicado de imprensa. Quanto aos bens arrestados, o comunicado não específica se tais acções ocorreram também em Macau. O comunicado do gabinete da PGR diz apenas que “foram suscitados 16 incidentes de arresto, alguns dos quais concretizados no Brasil e Suíça”. No total, “estão arrestados ou apreendidos cerca de 120 milhões de euros em numerário e aplicações financeiras”, acrescenta. Os 30 milhões O caso do antigo Grupo Espírito Santo baseia-se na investigação sobre a possível prática dos “crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, corrupção activa e passiva no sector privado, corrupção com prejuízo no comércio internacional, branqueamento de capitais, infidelidade e associação criminosa”. O accionamento da linha de cooperação judiciária entre Portugal e Macau foi notícia em Julho do ano passado, tendo sido pedida uma carta rogatória às autoridades locais para se saber o paradeiro de 230 milhões de patacas (30 milhões de euros), que Ricardo Salgado, ex-CEO do BES, terá depositado numa conta em Macau. O jornal Ponto Final citou passagens do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, citado também pelo diário português Correio da Manhã. “O arguido [Ricardo Salgado] não apresentou justificação para um conjunto de inscrições na sua agenda de 2013, do qual aparentemente se extraem movimentos com destino a uma conta em Macau”. Quando foi ouvido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) de Lisboa, em 2015, Ricardo Salgado não conseguiu explicar o conteúdo de uma anotação da sua agenda pessoal que continham as expressões “Chegaram a Macau 30 m €”, “com valores de 39 OK” e “saldo Suisse”. Salgado disse que essas expressões poderiam “dizer respeito a movimentos de clientes”, mas o MP apresentou outra opinião. “Resta explicar por que razão é feita alusão a esta operação na sua agenda pessoal”, lia-se no acórdão. Estas explicações terão de ser dadas pelos actuais administradores do banco Well Link Macau.
Andreia Sofia Silva EventosArmazém do Boi recebe “Saline Baths”, uma mostra de Shi Samben [dropcap]N[/dropcap]o próximo dia 10 de Abril é inaugurada uma nova exposição no espaço Armazém do Boi, situado na Rua do Volong. A mostra individual de Shi Samben, um artista oriundo da China continental, intitula-se “Saline Baths” e está relacionada com as reacções que os seres humanos geram no próprio artista. “Quando examino de perto a natureza humana, apenas sinto desapontamento. Mas quando olho à volta do caleidoscópio do comportamento humano, o mundo torna-se novamente interessante”, referiu, citado por um comunicado. Na sua obra, Shi Samben olha para as salinas não só como um lugar onde se produz o sal mas também como uma “solução que mantém a função das células do nosso corpo”. Na sua visão, as salinas são algo “suave, gentil e aborrecido”, sendo que o artista se transforma ele próprio numa salina, que “observa e destila o caleidoscópio da natureza humana”. Por sua vez, o conceito de “banho” surge relacionado com a intimidade que necessitamos de preservar quando estamos rodeados de estranhos. “Os conceitos de estar em privacidade e em público estão interligados e são calculados, tal como quando o artista produz o seu trabalho pessoal”, adianta o mesmo comunicado. Shi Samben estará a realizar uma residência artística no Armazém do Boi até 26 de Maio. Esta iniciativa relaciona-se com um projecto de vídeos de animação realizado no passado, quando o artista tentou relacionar pensamentos intimistas e ambíguos com formas visuais, revelando “um dilema entre considerações filosóficas comuns e a vida normal das pessoas”.
Andreia Sofia Silva SociedadeCPTTM | Lionel Leong exige melhorias depois de relatório do CCAC [dropcap]O[/dropcap] secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, reagiu ontem ao relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), nomeadamente ao sistema arbitrário de contratações e pagamento de salários no Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM). Citado por um comunicado oficial, Lionel Leong referiu que, “independentemente de se tratar de um serviço público ou entidades públicas, como o CPTTM, a sociedade espera que o processo de recrutamento e promoção seja justo, imparcial e transparente”. O CPTTM terá agora de entregar um relatório de análise aos “processos de recrutamento para clarificar se, em situação de conflito de interesses, houve algum pedido de escusa”. Nesse sentido, o secretário “espera que o CPTTM siga os conselhos e sugestões apresentados no relatório do CCAC” e “aperfeiçoar, progressivamente, o regime de recrutamento e promoção”. Lionel Leong explicou ainda que a direcção do CPTTM foi avisada em Novembro do ano passado das sugestões do CCAC, tendo “ele próprio exigiu àquele organismo que tomasse as devidas medidas para melhorar e corrigir a situação, devendo integrar, especialmente, no estatuto de pessoal o regime de impedimento”.
Andreia Sofia Silva EntrevistaTeresa Nogueira, da Amnistia Internacional em Portugal, sobre a China: “Há ofensivas culturais e de sedução” Teresa Nogueira coordena o co-grupo sobre direitos humanos na China da Amnistia Internacional em Portugal e defende que o estabelecimento de Institutos Confúcio no país serve para a propagação da ideologia do Partido Comunista Chinês. A responsável alerta também para a vontade de Xi Jinping de mudar o sistema de direitos humanos dentro da ONU Na última visita que fez a Macau, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, disse que Portugal e China não convergem em matéria de direitos humanos. Considera que o discurso político tem feito a devida referência a esta questão? [dropcap]N[/dropcap]ão. Não só o discurso político, como os próprios media portugueses não transmitem nada do que se passa em relação aos direitos humanos na China. Não sei até que ponto isso resulta, ou não, de alguma pressão económica indirectamente ligada à China, mas a verdade é que não fazem eco de nada. Já desistimos de fazer manifestações sobre os direitos humanos na China, porque são tantos os polícias que parece que estamos em território chinês. Estou a referir-me à última visita… Do presidente Xi Jinping? Não. Aí resolvemos não fazer nada porque já tínhamos tido uma má experiência. Quando veio cá o presidente da Assembleia Popular Nacional (Zhang Dejiang, em 2017) pedimos, com imensa antecedência, uma manifestação a ser feita junto ao Palácio de Belém. Quando lá chegamos havia também uma manifestação de chineses pró-Governo da China, além de uma manifestação dos Falun Gong. A polícia mandou-nos afastar um pouco da entrada do palácio e quando o presidente chegou os chineses avançaram a desfraldaram uma bandeira de apoio ao Governo da República Popular da China (RPC) e ficámos confinados a um canto. Nota então uma diferença de actuação das autoridades. Noto que há uma certa protecção dos interesses chineses por parte do Governo português e uma condescendência face ao tema dos direitos humanos. Algo que está relacionado com a compra dos interesses vitais de empresas portuguesas e da obtenção de financiamento chinês. Como explica o nascimento do movimento pró-China em Portugal? São chineses que estão cá estabelecidos ou que são da embaixada. Agem com uma certa liberdade. Fui informada que quando veio cá o presidente Xi Jinping, os Falun Gong organizaram uma manifestação e foram empurrados com violência por grupos de chineses. Aí, a polícia actuou, separou as pessoas, não houve confrontos violentos, mas houve uma tentativa. A visita do presidente Marcelo Rebelo de Sousa à China está agendada para Abril. Que expectativas coloca no seu discurso político relativamente aos direitos humanos? Temos provas de que o presidente Marcelo é sensível a essa matéria. Tivemos prova disso quando ele fazia comentário político na televisão. Mas, sendo ele presidente, e estando Portugal tão dependente, e cada vez mais, de financiamentos chineses, acho que vai ter muita dificuldade ou não vai mesmo levantar questões relacionadas com os direitos humanos. Não acredito que o presidente se sinta à vontade para falar dessas questões sensíveis. A China admitiu a existência de campos de detenção de uigures e disse que existirão até serem necessários. Tendo em conta as últimas reuniões na ONU sobre este assunto, a resposta de Pequim fica aquém daquilo que a comunidade internacional esperava? A AI sempre pediu visitas a Xinjiang para estudar a situação dos direitos humanos, mas isso tem sido sempre recusado pela China. Quando a China diz que vai manter os campos até estes serem necessários, quer dizer que estes se vão manter até conseguir transformar os habitantes de Xinjiang em pessoas obedientes ao Governo chinês. E falantes de mandarim. Claro. Esta tem sido a política em relação ao Tibete, continua a ser, e agora em Xinjiang. Há cerca de um milhão de pessoas em campos de concentração que os chineses chamam de transformação pela educação. Foi tornado público que os detidos são usados como mão-de-obra barata para a produção têxtil em fábricas norte-americanas sediadas em Xinjiang. Também sabemos que, apesar de extremamente explorados, e de as pessoas terem condições muito penosas de trabalho, mesmo assim sentem um alívio face ao que sofriam nos campos de concentração. Temos declarações de pessoas nesse sentido. A ONU deveria ter um papel mais activo nesta matéria? Devia, mas a China, ao pertencer ao Conselho de Segurança, tem o poder de veto, e opõe-se às decisões mandatórias da ONU. Aliás, opôs-se uma moção de condenação do Myanmar e da Síria, e, portanto, com esse poder de veto, o poder da ONU é relativo. A ONU fez várias declarações, nomeadamente através do comité para a erradicação da pobreza extrema, quando se deslocou a Xinjiang e ao Tibete, e verificou que a pobreza nestas regiões é grande. Em que sentido? Houve diminuição da pobreza na China, mas no Tibete e em Xinjiang a pobreza é imensa. Isso resulta de uma política colonialista da China, que coloca pessoas de etnia Han nas regiões que passam a deter as principais actividades económicas e que só empregam Han. Os tibetanos e uigures limitam-se a actividades marginais. Esses colonos também exploram as matérias-primas destas duas regiões, que são muitas. O Tibete tem a maior mina de ferro do mundo, que está a ser explorada pelos chineses Han sem qualquer benefício para o Tibete. Há também a questão das florestas, pois metade do Tibete está desflorestado. Passa-se fome nestas regiões ou estamos a falar de outro tipo de pobreza? Há baixos salários, dificuldade em encontrar emprego, mas também fome. Poderemos ver desaparecer a cultura uigur ou tibetana no prazo de dez anos, vinte anos? Acho que voltará a ressurgir clandestinamente. Além de haver sempre resistentes, que são torturados e enclausurados, há uma transmissão que se faz de pais para filhos, e um dia mais tarde as coisas renascem. São etnias diferentes, com as suas tradições, língua e escrita próprias, é algo que demora muito séculos a desaparecer. A política “Uma Faixa, Uma Rota” é muito abordada do ponto de vista económico, mas decerto terá também implicações em termos de direitos humanos. O que preocupa a AI relativamente a esta política? Devo dizer que esta política representa uma viragem de 180 graus na política chinesa, porque durante 30 anos a China andou a dizer que era um país em desenvolvimento e que o que tinha era de conquistar tempo e esconder as suas capacidades. De repente, Xi Jinping começou a afirmar que queria construir uma comunidade com um destino comum para a humanidade, liderada pela China. Ele vai tão longe que quer dominar e moldar as mentalidades, e mudar o sistema de direitos humanos da ONU, substituindo o conceito de direitos humanos pelo conceito de “ganhar-ganhar”. Este baseia-se nos acordos, geralmente comerciais, que a China estabelece com os Estados, em que, de acordo com Xi Jinping, todos ganharão. Mas quem ganha? São os Governos porque, na realidade, a população não ganha. São casos de exploração laboral? Sim. No Quénia, na construção de um caminho-de-ferro, os quenianos que lá trabalharam sofreram abusos e foram discriminados por supervisores chineses. Em Moçambique, a exploração de zircónio e titânio, numa aldeia próxima de Nampula, deu origem à quase total destruição da aldeia costeira, graças a cheias que nunca sucediam. Outro exemplo de violação dos direitos humanos é a exploração de cobalto na República Democrática do Congo, feita através de subsidiárias chinesas. A extracção do minério é feita em condições terríveis de salubridade, debaixo da terra e com imensa poeira, utilizando também trabalho infantil. O cobalto é depois exportado para a China para fazer as baterias de telemóveis e carros eléctricos. Se é isto que a China pretende substituir na ONU, está provado que quem ganha são os políticos, mas que não há a mínima preocupação de quem faz os acordos. Teme que venham a ocorrer casos de exploração laboral na Europa relacionados com esta política, ainda que com outra dimensão? As consequências são de condicionamento de certos países em relação a votações, nomeadamente na comissão de direitos humanos. Lembro o caso da Grécia que, em 2017, se opôs a uma resolução da União Europeia condenando a China por violação de direitos humanos. Porquê? Porque estava dependente da China em relação à exploração do Porto de Pireu. É isso que poderá vir a acontecer em Portugal. Há pouco tempo o primeiro-ministro António Costa disse que a cooperação com a China tem corrido muito bem e não tem afectado em nada o procedimento de Portugal, mas a verdade é que há uma ausência de condenação dos direitos humanos na China. Mas queria acrescentar que, associada à Rota da Seda, há também a construção de várias infra-estruturas. A posição da AI é que, em alguns casos, essas infra-estruturas, apesar de terem melhorado as condições das populações, mostram o reverso da medalha, de que já dei alguns exemplos. Há depois as ofensivas culturais, e diria de sedução por parte da China. Em que sentido? As ofensivas culturais fazem-se através dos Institutos Confúcio. Considera então que há aí uma tentativa de controlo por parte da China. É a ideologia. Pode parecer que os institutos são como a Alliance Francaise ou o British Council, mas não são, porque se implantam nas universidades e tentam propagar o pensamento dominante na China aos académicos. Não há então apenas a aprendizagem do mandarim. Sim. Houve uma tentativa de censura de um artigo sobre a China apresentado numa conferência por parte de uma pessoa do Instituto Confúcio. Foi censura de alguém, mas que não resultou. Além disso, estes institutos, juntamente com a aprendizagem do mandarim, ensinam a cultura chinesa e dão bolsas de estudo para os alunos estudarem na China, para se integrarem no país, para lhes impregnar o pensamento chinês. A sedução é também feita em relação a muitos políticos e autarcas, e não só. Até pessoas proeminentes em certos sectores. Pode dar exemplos? Lembro-me de um caso recente de uma pessoa portuguesa ligada à segurança alimentar que foi convidada para ir à China com tudo pago, mas que não se deixou enganar e viu o que se estava a passar e as restrições que lhe davam. Viu a tentativa que foi feita para lhe tirarem o passaporte quando chegou. Recordo-me também do presidente da Câmara Municipal de Lisboa que foi convidado para ir à China e que já fez acusações muito abonatórias sobre o país. E como ele outros políticos são convidados, há geminação de cidades portuguesas com cidades chinesas, há visitas pagas em que são mostradas maravilhas chinesas. Essas pessoas tornam-se depois cavalos de Tróia da China nos respectivos países. Que perfil traça do presidente Xi Jinping? É visto por muitos analistas como o novo Mao Zedong. E podemos estar perante um novo Mao. Estas medidas de colocação dos uigures em campos de aprendizagem pela educação, que são, no fundo, campos de concentração, replicam bastante bem o que o Mao fez com a Revolução Cultural, mas agora com a tecnologia e a Internet. Em Xinjiang há câmaras de vídeo em todo o lado e reconhecimento facial. Em toda a China está a implantar-se o sistema de crédito social em relação ao comportamento das pessoas. É um perigo real de controlo de mentalidades? Sim, há um controlo e um auto-controlo. Isso leva as pessoas a pensarem duas vezes antes de terem contactos com pessoas que não estão afectas ao regime.
Andreia Sofia Silva EventosInvestigador português analisou revistas literárias de Macau do início do século XX [dropcap]D[/dropcap]uarte Drummond Braga, investigador, apresentou esta quinta-feira em Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), um trabalho intitulado “Revistas literárias de Macau do início do século XX”. Ao HM, o investigador falou de um trabalho que surge no seguimento de pesquisas já realizadas sobre as revistas literárias em língua portuguesa publicadas em Goa. Duarte Drummond Braga optou por analisar três publicações da primeira década do século XX, nomeadamente a Revista Oriente, dirigida pelo bispo José da Costa Nunes, a Revista Macau, dirigida por Humberto Avelar, e o Boletim Eclesiástico, uma publicação da Diocese de Macau. “Queria saber como estas revistas se comportavam em termos de produção literária ou de crónicas e como desenvolviam essa parte mais cultural. Já havia um trabalho desenvolvido pelo Daniel Pires sobre os jornais do século XIX, que são bastante políticos, e parece-me que esta dimensão literária tarda em aparecer, só surge mais nos anos 60 ou 70 do século XIX”, contou. Nas bancas existiam “revistas mais culturais, políticas mas também literárias, com várias rubricas”. “No caso da Revista Macau, esta tinha uma posição mais anarquizante, à esquerda, enquanto que outras têm uma posição mais conservadora. Há diferentes posicionamentos políticos”, adiantou o académico. A Revista Oriente era uma publicação “cultural católica e não tanto um órgão da Igreja, como era o caso do Boletim Eclesiástico”, sendo “notória” a diferença de conteúdos face ao que era escrito na Revista Macau. Esta era “mais próxima de uma esquerda republicana, com questões ideologicamente diferentes da Revista Oriente, que por vezes tinha uma posição um pouco mais conservadora, mas não necessariamente”. “Talvez em confronto com a outra ela pareça um pouco mais conservadora”, frisou. O facto de não dominar a língua chinesa fez com que Duarte Drummond Braga se tenha debruçado apenas sobre estas publicações. Mas havia outras, não apenas escritas em português e chinês. A questão dos pseudónimos Questionado sobre a ligação que estas revistas tinham com a imprensa da época, Duarte Drummond Braga garantiu que ainda lhe falta desenvolver mais investigação nessa área. “Havia jornais católicos que já se publicavam, como A Voz do Crente, que é do século XIX, e havia também jornais católicos do mesmo período.” Duarte Drummond Braga denota também as dificuldades em investigar o jornalismo de Macau dos primórdios do século XX, pelo facto da maioria dos artigos publicados não serem assinados. Daí que não possa garantir se as revistas literárias da primeira década mostraram ou não novos autores macaenses. “Não posso garantir que não haja colaboradores macaenses, até porque no jornalismo desta época há muito a questão do pseudónimo e das iniciais, e isso torna bastante complicada a investigação com o jornalismo desta época. Mas parece-me que a produção literária de macaenses é uma coisa que aparece mais tarde”, frisou. O tema da palestra de ontem, inserida no Seminário Permanente de Estudos sobre Macau, ciclo de conferências da FCSH-UNL, poderá um dia dar origem a um livro. “Havendo interesse de alguma instituição em apoiar esse tipo de obra, porque não?”, questionou Duarte Drummond Braga. Esta não é a primeira vez que o académico se debruça sobre os escritos do Oriente. Duarte Drummond Braga estudou a relação entre Goa e Macau na literatura portuguesa ao abrigo de uma bolsa de pós-doutoramento da Universidade de São Paulo, o projecto “Pensando Goa (Fapesp)”. Além disso, é autor da obra “As Índias espirituais. Fernando Pessoa e o Orientalismo português”.
Andreia Sofia Silva PolíticaAL | Director dos SAFP diz que Macau tem um Governo “íntegro” [dropcap]A[/dropcap]pesar da ausência de Macau no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, o Governo local pode ser considerado como “íntegro”. A ideia foi deixada ontem pelo director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), Eddie Kou em resposta ao deputado Pereira Coutinho que questionava o Governo acerca das medidas a tomar para poder integrar o referido Índice. Macau saiu do ranking da organização em 2012 por faltarem informações sobre o território. “O Governo não consegue facultar estes dados e também não é exigido que o faça. O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) tem feito este trabalho e, como há esta restrição, vamos reforçar as outras vertentes referentes à criação de um Governo íntegro, como a formação e a fiscalização, para melhorar o nível de integridade de Macau”, indica Eddie Kou. De acordo com o responsável, Macau tem-se mostrado empenhado “no desenvolvimento de um Governo íntegro” e tem mantido “uma atitude de abertura face à avaliação do nível de integridade realizada por entidades internacionais ou organizações não governamentais”. Apesar da posição do território ser pior do que a das regiões vizinhas, o valor de referência destas avaliações é, ainda assim, tido como “positivo”, apontou. Críticas paralelas A defesa da existência de um Governo íntegro por parte de Eddie Kou mereceu críticas de Sulu Sou que achou “piada” à classificação, tendo em conta que “o índice de integridade de Macau tem pouco mais pontos do que o das Filipinas tal como a existência dos casos em que os secretários contratam familiares para a função pública”, disse. O deputado pró- democrata fez ainda referência ao recente caso denunciado pelo Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) de abuso poder de um funcionário do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) e ao relatório apresentado ontem (ver Grande Plano) que denuncia condutas fraudulentas de funcionários públicos. Song Pek Kei levantou também a questão da responsabilização dos infractores. “O relatório do CCAC apresentado ontem deixou a sociedade chocada porque revelou as deficiências do nosso sistema”, pelo que é necessário apurar responsabilidades, apontou. Em resposta, o director dos Serviços de Administração e Função Pública revelou que “em 2019 serão objecto de revisão o regime disciplinar e o regime de aposentação e cessação e funções cujas matérias estão relacionadas com a responsabilidade administrativa”. O responsável garantiu ainda que os Serviços têm estado empenhados na promoção de acções de formação de modo a alertar os funcionários para esta matéria. Do lado do Executivo esteve o deputado Wi Chou Kit que elogiou o trabalho feito pelo Governo. “Os trabalhos anti-corrupção têm melhorado. Os crimes de corrupção estão a diminuir”, sublinhou. Pereira Coutinho questionou também o Governo acerca do desenvolvimento de um sistema político mais democrático que eleja a maioria dos deputados da AL por sufrágio directo. Para Eddie Kou, Macau tem dado mostras de evolução no sentido da democracia na medida em que, “o número de deputados aumentou de 23 para 33 membros desde a primeira legislatura” e “o número de assentos para os eleitos por sufrágio directo e indirecto aumentou de 8 para 14 e 12 respectivamente”.
Andreia Sofia Silva PolíticaGoverno: Comissão da chefe da delegação da RAEM em Pequim não foi renovada [dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Chui Sai On, reagiu ontem ao relatório do CCAC em comunicado oficial referindo que a comissão de serviço da chefe da delegação da RAEM em Pequim não foi renovada, após a instauração de um processo disciplinar interno. No mesmo comunicado, Chui Sai On defende que “os funcionários públicos devem ter como motivação o serviço à sociedade, exercendo as suas funções com integridade e no cumprimento da lei, devendo as chefias dar o exemplo”. “Conforme informações do CCAC, todos os casos de crime já entraram em processo judicial, havendo mesmo para alguns deles decisão dos tribunais. Relativamente aos casos da Provedoria de Justiça, os respectivos serviços já foram informados e alguns já corrigiram as falhas ou melhoraram os procedimentos. Entretanto, os responsáveis máximos dos serviços ou secretários da tutela vão considerar, de acordo com a situação concreta, se existe matéria para a instrução de processos disciplinares às pessoas envolvidas”, lê-se ainda na resposta.