Tragédia nacional – Os fogos são um negócio

Durante quase uma semana o centro e norte de Portugal esteve a arder. Os fogos mataram sete pessoas, quatro bombeiros e três civis, e fizeram mais de 150 feridos, alguns em estado grave e que foram alvo de intervenções cirúrgicas. O país ficou de luto e os prejuízos atingem milhões de euros. Milhares de animais morreram vítimas das chamas. Mais de mil ignições e cerca de 120 mil hectares de área ardida, na sua maioria eucaliptos.

A tragédia nacional é o resultado indubitável da ganância por negócios muito lucrativos e da acção criminosa de incendiários bem pagos. Os fogos foram, sem dúvida, resultantes de quem está mais interessado em vender madeira, em deixar terrenos livres para a construção civil, em quem ganha muito dinheiro na compra de material de todo o género para os bombeiros e em quem enriquece com o aluguer dos aviões que combatem os fogos.

O professor José Luís Zêzere, geógrafo físico da Universidade de Lisboa, foi peremptório ao afirmar que nem os bombeiros nem os Canadair conseguiriam apagar os fogos porque a gestão e organização dos terrenos não existe e nada foi feito desde 2017 após a tragédia de Pedrógão. Os bombeiros limitavam-se a proteger as casas existentes no meio do mato e mesmo assim não conseguiram evitar que dezenas de imóveis, armazéns e standes de automóveis ardessem por completo. Os bombeiros são verdadeiros heróis num cenário dantesco como o que se verificou.

Na sua maioria são voluntários sem grande preparação para fogos de grande dimensão e a prova foi o triste acontecimento de três soldados da paz, duas mulheres e um homem, terem entrado onde nunca deviam, e ao serem cercados pelas chamas morreram carbonizados. De uma vez por todas, o Governo tem de decidir que a maioria dos bombeiros tem de pertencer a corporações profissionalizadas e, para isso, há que investir muito dinheiro e inserir essa despesa no Orçamento do Estado, o que não se verifica. Os distritos mais atingidos pelos fogos foram os de Aveiro, Porto, Vila Real e Viseu. Centenas de aldeias viveram dias de pânico e sofrimento. As populações estiveram seis dias sem dormir e mal alimentadas.

Muita gente ficou sem casa e sem nada dos seus bens, como um aviário que ardeu por completo com 20 mil pintos no seu interior. Em Albergaria-a-Velha, as chamas atingiram toda a urbe e muitas casas arderam e só por “milagre” não morreram dezenas de habitantes. Águeda, Castro de Aire, Arouca, Mangualde, Valongo, Oliveira de Azeméis, Sever do Vouga e tantas outras localidades foram atingidas durante dias e noites por fogos absolutamente impossíveis de debelar. Em muitas destas terras os bombeiros nem conseguiam chegar, as estradas estavam encerradas devido ao fumo espesso e os aviões não conseguiam descarregar água devido às condições gravíssimas de visibilidade. Até que veio a chuva e alegrou as populações que viram as chamas diminuírem.

Quanto a nós, a Protecção Civil esteve mal e as críticas choveram de todo o lado, incluindo dos autarcas. Chegámos ao ponto de no dia em que morreram os três bombeiros abraçados, a presidente da Câmara Municipal de Arouca tentou falar com a ministra da Administração Interna, devido à falta de meios no combate ao fogo urbano, e a governante tinha o telefone desligado… Em contacto com um nosso amigo em Albergaria-a-Velha, este disse-nos: “É pá, isto é o verdadeiro inferno, já não conseguimos respirar, há fogo por todo o lado, o vento é fortíssimo e os bombeiros são uma dezena, temos receio que desta vez morremos todos”. Estas palavras sofridas demonstram bem a generalidade do que passaram milhares de portugueses. Um outro popular com quem falámos afirmou não ter dúvidas que as ignições em certos lugares durante a noite foram de mãos criminosas e bem pagas. O mesmo popular salientou-nos que há quatro anos registou-se um fogo em determinado local de Águeda e hoje está lá construído um grande bairro habitacional cujo empreiteiro faz gáudio da riqueza adquirida com essa construção.

Sempre que o país arde, ó da guarda, que é preciso mais bombeiros, autotanques, helicópteros e aviões. Se o objectivo é evitar a destruição patrimonial natural e por extensão as casas, as indústrias e as vidas, então, não tenhamos ilusões que o verdadeiro combate é a prevenção. É urgente apostar na gestão dos espaços agroflorestais, diversificando espécies e acabar com a monocultura do eucalipto e do pinheiro-bravo. Sem o fundamental referido, os fogos não vão acabar e anualmente haverá grandes negócios dos quais resultará enorme pecúlio para criminosos e gananciosos.

P.S.: 1 – A ministra da Administração Interna não existe.

2 – Um agradecimento especial às três centenas de militares espanhóis especializados no combate a incêndios que se deslocaram para o teatro de operações português

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