O Verão mais longo

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]alando dos incêndios em Portugal no último fim-de-semana – tema incontornável, que aqui à distância das monções, dos verões húmidos e chuvosos, é algo que nem passa pela cabeça das nossas gentes. Tivemos aqui no domingo um tufão a passar-nos a cerca de 200 km do território, e com ele a chuva que caiu na segunda e terça-feira. Dei por mim a suspirar, enquanto lia nas redes sociais sobre o desespero dos nossos compatriotas, que desejavam que o S. Pedro os abençoasse com o líquido que pudesse pôr termo aos fogos que se alastraram por metade do território. E esta era uma chuva que para nós atrapalha.

Foi muito triste. Já o disse aqui aquando do incêndios de Pedrógão Grande em Junho último que “um morto já seria um morto a mais”, e se nessa altura foram 64, nos incêndios de há dias foram mais 41, número provisório. Foi mais do que o normal, num país que todos os anos vê repetir-se o mesmo cenário, mas além das fatalidades a lamentar, há ainda uma vasta parte do território nacional que foi delapidado pelas chamas – a quase totalidade do secular Pinhal de Leiria foi consumido pelo fogo, e deixou-me especialmente comovido ver o estado em que ficaram as localidades de Vieira de Leiria e S. Pedro de Moel, onde passei férias no Verão de 1988 e 1989. As perdas, quer humanas quer materiais, são incalculáveis, e dificilmente tudo será como antes.

Na hora de pedir responsabilidades, tivemos quem andasse a pedir a cabeça da Ministra da Administração Interna, que hoje (quarta-feira) acabou mesmo por se demitir. Era inevitável, nem que fosse pelo facto de ter sido a face política mais visível da tragédia. Há ainda quem vá mais longe e peça a demissão do Governo, pois a culpa é também “do Estado”. Ora aqui está uma confusão que se faz muito. O Estado não é este Governo, nem o anterior, nem todos os que vieram antes desse – somos todos nós. Da mesma forma que há quem facilmente culpe “a sociedade” disto e daquilo, ignorando que ele próprio faz parte integrante dessa sociedade. Em Portugal os fogos têm imensos “culpados”; ora é o mau ordenamento do território, ora é a falta de meios, ou o fogo posto, e aponta-se o dedo a um porque comprou submarinos em vez de equipamento de combate aos fogos florestais, à outra porque permitiu o planteio desregrado de eucaliptos, enfim, disparam-se em todas as direcções. Até aos pastores e aos caçadores, imagine-se, e ao próprio clima, que permitiu que este ano tivéssemos temperaturas pouco habituais para o Outono. É o velho hábito lusitano de pôr a albarda da culpa no burro que lhe dá mais jeito.

O Presidente da República já veio a terreno afirmar que “nada poderá ser como antes”, e não vai ser, certamente. É preciso exigir mais, é lógico, e ter ainda alguma contenção na hora de se atribuir responsabilidades. Vejo pedir-se a reinstituição da “pena de morte” para os incendiários, pasme-se, ou ainda quem procure retirar dividendos políticos do número de vítimas mortais, chegando a instalar autênticos cadaverómetros, com o pretexto de os arremessar contra o Executivo. Nada disto faz sentido, e é, repito, de lamentar. Deixai pelo menos o fumo assentar e respeite-se o luto, antes de pedir contas aos vivos que as têm a prestar. É este o estado em que o Estado está, infelizmente. Mas o Estado também somos nós.

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