Zona A | Redução de espaços verdes no plano pormenor não preocupa

Anunciado em Março, o Plano de Gestão para a Zona Este prevê uma menor área verde face ao prometido em 2022. Arquitectos desvalorizam a alteração, afirmando que o planeamento de Macau tem de ser feito a uma escala metropolitana ou com foco na zona costeira. Ainda assim, existem críticas ao planeamento dos aterros

 

O futuro mora na zona norte e na conexão que terá à zona A dos novos aterros, criando um novo foco habitacional e societário, com promessas de mais infra-estruturas e acessos. Anunciado em Março, o Plano de Gestão para a Zona Este – Distrito 2, que comporta a zona A e ilha artificial que estabelece a conexão com a zona A, tem, afinal, menos 50 por cento de espaços verdes face ao que foi prometido pelo Governo na consulta pública de 2022.

Segundo o portal Macau News, a quebra em termos de espaços verdes ou vazios é hoje 47 por cento menor, passando de 711 mil metros quadrados para 373,719. A grande maioria do espaço contemplado no plano será usado para habitação, que irá albergar cerca de 96 mil moradores.

Ainda segundo a mesma fonte, “o plano não menciona se o Governo Central assinou ou não um projecto de recuperação de 0,36 quilómetros quadrados que foi proposto em 2022”. Caso este projecto vá avante, o novo terreno “deverá ser reservado para espaços verdes e será construído na área entre a costa noroeste da Zona A e a costa nordeste da península de Macau”.

Nos 373.719 metros quadrados previstos para a área verde do plano, inclui-se a construção de um corredor verde central que atravessa de norte a sul do aterro, prevendo-se ainda a implementação de “corredores de arborização que ligam as extremidades este e oeste da área de intervenção, delimitada por quatro zonas, e um corredor verde marginal a envolver a costa”.

A redução de espaços verdes não assusta os arquitectos André Ritchie e André Lui, que preferem olhar para alternativas que se vão criando em torno do rápido desenvolvimento do território.

“Relativamente ao ambiente verde da zona A, penso que não nos devemos concentrar apenas na taxa de ecologização, pois trata-se de uma zona com uma importante linha costeira. O planeamento deve centrar-se no aproveitamento da linha costeira como um novo espaço de lazer”, disse André Lui.

Já André Ritchie, arquitecto que esteve ligado ao projecto de construção do Metro Ligeiro, considera que está na altura de pensarmos no desenvolvimento urbanístico de Macau de uma forma global e integrada na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

“Não podemos mais pensar o planeamento de Macau e o ordenamento territorial apenas à escala da RAEM. Temos de olhar para a escala da Grande Baía. Não é de todo inconcebível pensarmos que Macau pode ter uma densidade populacional maior e que, à nossa volta, temos espaços verdes disponíveis. No meu caso, moro na Taipa, e demoro menos tempo a ir a Hengqin do que ao posto fronteiriço da futura zona A. Demoro mais tempo a ir até este posto fronteiriço do que depois na ponte a caminho de Hong Kong. Aí faço caminhadas em Lantau, tenho esse contacto com a natureza”, exemplificou.

Em termos de integração e interligação territorial, o arquitecto destaca o alargamento das possibilidades de condução, com a política que permite a circulação em Guangdong, e o facto de “as fronteiras serem hoje mais permeáveis”, o que levou as vidas dos residentes a uma “escala metropolitana”.

André Ritchie dá também o exemplo de cidades europeias, nomeadamente Lisboa, onde cada vez mais a população vive nos subúrbios, deslocando-se de carro ou transportes e trabalhando no centro. “Temos espaços verdes aqui à volta, e bastante perto. Aí atenua-se um pouco [a falta de espaços verdes], pelo que não encaro esta questão como merecedora de grande preocupação”, apontou.

Necessidade de reformulação

André Ritchie adiantou que “a grande maioria das pessoas concorda com a criação de mais áreas verdes e esses espaços vazios, que são bem-vindos a Macau, dada a alta densidade habitacional que existe”, sobretudo na zona norte.

Contudo, o planeamento do território exige “equilíbrio entre interesses públicos e privados, políticos e económicos”, destacou. “Os planos têm de ser revistos periodicamente. Não sei se entre o período da consulta pública e dois anos depois, se o Governo não terá entendido o enquadramento geral da cidade, no contexto da Grande Baía, com fronteiras cada vez mais maleáveis.”

“Com essas mudanças, os planos são revistos e isso tem de ser encarado com alguma naturalidade. Mas poderá levantar-se a questão de eventuais espaços verdes que poderiam estar construídos e que agora não serão implementados”, disse.

Oportunidades perdidas

O arquitecto Mário Duarte Duque tem uma posição contrária, lamentando a redução dos espaços verdes e afirma que os novos aterros são “intervenções marcantes no desenvolvimento urbanístico da RAEM dada a sua dimensão” que, no entanto, “tiveram poucos avisos em consideração e que, até agora, não consolidaram conhecimento”.

Do ponto de vista da forma urbana, os novos aterros “também não nutrem grande entusiamo” por parte do arquitecto. Isto porque “pela primeira vez na RAEM prosseguiram-se com planos de pormenor onde apenas as infra-estruturas estiveram em comando, e não a forma urbana”, pelo que “a geografia e a arquitectura não tiveram intervenção de relevo”.

O arquitecto destaca ainda o facto de a elaboração dos planos de pormenor, ao abrigo do novo Plano Director da RAEM, pecarem por tardio em termos de ordenamento. “Promoveu-se a elaboração de planos pormenor para que a ocupação dos lotes não continuasse a ser feita por Plantas de Condições Urbanísticas (PCU) avulsas e discricionárias. O certo é que quando foi efectuada a consulta pública para o plano pormenor da zona A já tinha existido a necessidade de elaborar PCU e os edifícios estavam já em construção. Neste cenário, muito pouco há a recomendar que possa ser de oportuna utilidade.”

Questão de temperaturas

Mário Duarte Duque realça também as consequências climáticas do excesso de construção. “O facto de, na versão final do plano pormenor, se terem comprometido áreas verdes inicialmente previstas significa que, aí, o espaço urbano será mais quente do que o inicialmente estimado, se é que foi estimado. A temperatura atmosférica das cidades é consequência dos materiais da camada superficial.”

O arquitecto entende que o plano pormenor “prepara-se para se apropriar de corpos de água, sem tirar partido do modelo de aterros preconizado”, devido “à possibilidade de compensar a redução de espaço livre com acréscimo de área de aterro”.

Tendo em conta que os aterros em construção vieram dotar a RAEM “de um significativo perímetro de frente hídrica”, tal significa que existe uma “importante componente reguladora da temperatura atmosférica”.

Reduzir espaços verdes, ou livres, tem um impacto negativo na relação da cidade com a água envolvente e a radiação solar, denota ao HM Mário Duarte Duque. “A água precisa de muito mais radiação solar para elevar a sua temperatura, comparativamente com o solo e com os materiais de que as cidades são feitas. Ou seja, para a mesma radiação solar, a água aquece menos, e essa diferença não só é geradora de equilíbrio, como desenvolve ventos locais nas frentes hídricas, que penetram no espaço urbano mediante uma adequada forma urbana, e que são desejáveis. Prescindir desses corpos de água significa afastar a cidade ainda mais da sua frente hídrica, e anular características que são favoráveis”, rematou.

A zona destinada a habitação prevista no plano pormenor da zona tem uma área total de 433.649 metros quadrados, servindo para a construção de 49 lote de edifícios e 15.255 metros quadrados de área comercial distribuídos em três lotes.

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