Tradução literária | Pouca atractividade financeira afasta bilingues

Traduzir literatura continua a ser uma profissão pouco atractiva financeiramente para bilingues, confessa à Lusa Lídia Zhou Mengyuan, do Departamento de Tradução da Universidade Chinesa de Hong Kong. No caso de Macau, a maior parte dos bilingues continua a optar pelo trabalho na Função Pública

 

O aumento do número de profissionais bilingues de chinês e português, nos últimos anos, não se reflectiu directamente em mais pessoas a trabalhar na tradução literária, uma profissão “pouco lucrativa”, disse à Lusa uma académica.

Nas últimas duas décadas, a China criou cursos superiores de português em cerca de 40 universidades do país, coincidindo com os primeiros momentos após a transferência da administração de Macau de Portugal para a China, a 20 de Dezembro de 1999, que atribuiu ao território o papel de plataforma comercial e económica com os países de língua portuguesa.

Mas, apesar de a tradução ser um trajecto comum para quem escolheu fazer da língua portuguesa um projecto de vida, são “muito poucos” aqueles com oportunidade de dedicar-se a tempo integral à tradução literária, refere a professora do Departamento de Tradução da Universidade Chinesa de Hong Kong Lidia Zhou Mengyuan.

“O crescimento de talentos bilingues não resultou directamente em mais pessoas a trabalhar na tradução literária entre esses dois idiomas”, constata, analisando que esta “não é uma profissão muito lucrativa”.

Também o professor da Universidade de São José (USJ), Nuno Rocha, com investigação feita no domínio do desenvolvimento e tradução de folhetos médicos, admite que “a recompensa monetária é muito maior ao trabalhar como tradutor ou intérprete noutras áreas”. Em Macau, onde houve uma aposta no ensino do português, que se mantém como língua oficial, “ser tradutor para o Governo local é um emprego que permite ter estabilidade financeira”, diz.

Fora da região administrativa especial, “o trabalho de tradutor ou intérprete para multinacionais chinesas, que têm escritórios em vários países de língua oficial portuguesa, é bastante mais bem pago do que ser tradutor de literatura”.

Mais tradução na China

Mesmo quando tem de coexistir com outra actividade profissional por não ser rentável, a tradução de obras de Portugal é superior na China, quando comparada com Macau, de acordo com um catálogo de livros convertidos para chinês, elaborado pela Embaixada de Portugal em Pequim e referente a 2022.

Desde 1955, ano do lançamento da versão chinesa de “Esteiros”, romance neorrealista de Soeiro Pereira Gomes, traduzido a partir do russo em Xangai, que a China continental lançou 246 obras traduzidas do português.

Macau é responsável por pouco mais de metade, 138, tendo começado anos mais cedo, em 1942, com a versão chinesa da obra de João de Barros “Os Lusíadas Contados às Crianças e Lembrados ao Povo”.

Zhou Mengyuan acredita que a diferença nestes números é uma “questão de mercado”, com um público-alvo “muito maior” na China.
Além de os tradutores de Macau estarem mais ligados ao trabalho na função pública, acrescenta Min Xuefei, a escrita local, em chinês tradicional, também pode ser uma condicionante. No resto do país, escreve-se com caracteres simplificados.

Nuno Rocha resume: “A escrita em caracteres tradicionais e a questão do acordo ortográfico a nível do português levam a que a exportação de muito do material de tradução aqui feito tenha de ser alvo de uma revisão para se adaptar ao contexto do local de chegada”.
Macau não adoptou oficialmente o acordo ortográfico. Também o método de tradução na China e nos próprios países lusófonos tem vindo a alterar-se ao longo dos tempos.

Min Xuefei e Zhou Mengyuan avaliam que na China, onde milhares de estudantes se formam anualmente em português, as traduções das obras lusófonas já são feitas maioritariamente de forma directa, sem intermédio de uma segunda língua.
Já no sentido contrário, “a tradução indirecta continua a ocupar uma posição significativa” no acesso da literatura chinesa nos países de língua portuguesa, lembra Zhou Mengyuan.

“Embora haja mais pessoas que conhecem tanto o português quanto o chinês, a tradução indirecta ainda existe em parte devido à facilidade de encontrar tradutores do inglês para o português ou do francês para o português em comparação com tradutores do português para o chinês”, acrescenta.

A existência de poucos cursos superiores em chinês nos países lusófonos também limita a emergência de um corpo de tradutores apto a converter obras chinesas diretamente para o português, refere Min Xuefei.

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