Suzy Bila, artista: “A pintura não tem territórios”

A galeria AMAGAO associou-se à Arte Macau: Bienal Internacional de Arte de Macau e apresenta, até 6 de Outubro, a mostra “Paisagens Interiores”, da artista plástica Suzy Bila. Em entrevista, a artista, nascida em Moçambique, confessa que não faz arte para todos, sujeitando-se a múltiplas análises e olhares, deixando-se ainda influenciar artisticamente pelo mundo que a rodeia e as suas mudanças

 

Como se descreve enquanto artista?

É uma pergunta difícil (risos). É muito mais fácil falarmos dos outros do que de nós. Como artista vivo muito os processos dinâmicos. Sou uma pessoa que sente influências deste mundo e das suas metamorfoses. Não sou de territórios, porque acho que a pintura não tem territórios. Vivo muito de diálogos disciplinados que são influenciados por diferentes linguagens, e ao mesmo tempo gosto de trabalhar nelas. Gosto tanto de trabalhar na escrita como educadora de infância, ou como artista plástica. Também gosto de trabalhar em cerâmica. Sou uma pessoa que vivo entre processos que vão dialogando com a vida de uma maneira própria e que se vão permitindo [existir] sem serem forçados.

Que trabalhos poderemos ver nesta exposição em Macau?

Mostro 40 peças pintadas a acrílico sobre tela e outras em que usei tinta-da-china sobre papel. Na verdade, esta é uma exposição composta por poemas em diálogo, e é reflexo dessa minha relação com a vida, e da arte como um campo que se abraça a esta vida. A mostra acaba por ser uma viagem que traz peças com nomes como “Silêncio” ou a “Voz do Pássaro”. É uma metamorfose de todos esses poemas e daquilo que flui entre o passado e presente.

Mas quando fala desses poemas, são palavras escritas por si?

Não. São diálogos internos. Não fui buscar poemas de ninguém e nada está escrito. O que tenho aqui é mesmo a parte pictórica da vida.

Criar arte nasce então desse diálogo interior, das suas percepções em relação ao mundo.

É esta metamorfose da vida e de um mundo em mudança, e sou influenciada por isso. É a partir de tudo isso que depois nascem estes processos.

Que expectativas tem em relação a esta exposição?

Há um caminho, e esta exposição começou a ser planeada há dois anos. Ao longo deste caminho percebi também que estava a trabalhar com pessoas que percebiam de arte e esta sensibilidade acabou por criar uma relação, e é esse o meu cartão de visita em relação a Macau, porque já sei o que vou esperar e quais as pessoas que estão comigo neste processo. Acaba por ser algo positivo porque tenho essa bagagem positiva para esta exposição.

Nasceu em Moçambique, vive em Portugal desde 1996. Fale-me do seu percurso como artista.

Nasci em Maputo e na minha adolescência conheci um artista plástico que me despertou para a pintura. Nessa relação acabei por entrar em exposições. Ganhei um prémio em 1992 que me permitiu ir para Portugal, onde estudei cinco anos no AR.CO [Centro de Arte e Comunicação Visual], em Lisboa. Quando acabei entrei também na área da educação, e fiz uma licenciatura e mestrado nessa área. Estou agora a finalizar o meu doutoramento em educação artística, porque estas duas áreas, da pintura e da educação, sempre estiveram ligadas.

O nome desta exposição é “Paisagens Interiores”. O que significa?

A mostra tinha outro nome e depois optámos por este nome que acaba por abranger tudo isto, a ligação da arte e da construção das peças, e de parte delas serem todas este poema, este diálogo.

Quando disse que a pintura não tem territórios, quer dizer que não se identifica com um determinado estilo?

Identifico-me como uma artista do mundo, porque vou buscar coisas aos artistas de Moçambique, de Portugal, do Brasil. A arte é a comunhão de muita coisa. Não há mesmo territórios dentro de mim.

Como olha hoje para a ideia de lusofonia, palavra que se integra com várias áreas, incluindo as artes?

Nunca justifiquei essa palavra, vejo como algo que não é necessário justificar. Sinto que há uma forma de ser, de se assumir com o outro. Somos pessoas de relação, temos de sentir que temos de estar com os outros para podermos construir essas pontes, que são várias. Quando falo da arte, não falo da arte da lusofonia ou da Europa, por exemplo. Sou influência deste mundo, porque nasci em Moçambique, estou em Portugal, vou para o Oriente, para a América. Não posso separar estes sentimentos em termos artísticos. As pontes são importantes e temos de sentir que, em termos artísticos, não podemos ter territórios.

A sua arte pode, então, ser compreendida por todos?

Pode ser compreendida por quem sente algo por ela. Não vou fazer arte para toda a gente. A arte é aberta aos sentidos de cada um.


Exposição e workshop

Em “Paisagens Interiores”, a arte de Suzy Bila manifesta-se “em tons vívidos ou monocromáticos”, contendo em cada quadro “a essência da transcendência e da espontaneidade”, aponta um comunicado da galeria AMAGAO, situada no Artyzen Grand Lapa. Citada pelo mesmo comunicado, a artista referiu que a sua arte “reflecte as respostas às questões da vida”. “Cada momento tem a sua intensidade única, sem guião, [podendo ser um] imprevisto. A minha alma desperta num mundo de esperança, imersa num futuro em que as histórias do meu povo se entrelaçam com uma miríade de emoções. No meio das dificuldades da vida, somos transformados; e no silêncio absoluto, ouvimos os gritos agonizantes da terra. Neste lugar, permito-me sentir os meus sentidos, onde o céu encontra o mar.”

Assim, o visitante pode mergulhar num espaço repleto de “formas abstractas, das paletas, das emoções e da criatividade sem limites”. Além da mostra, decorreu no passado fim-de-semana um workshop com a artista, concebido para crianças dos 7 aos 14 anos. Para os organizadores desta iniciativa, a mostra de Suzy Bila “está aberta aos entusiastas da arte e às mentes curiosas”, sendo “um testemunho cativante da capacidade da arte em transcender os limites físicos e emocionais”.

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