Camilo Pessanha | Editada colectânea de estudos e escritos do poeta

“China e Macau – Camilo Pessanha” é o nome da nova obra do académico Duarte Drumond Braga que reúne e dá nova roupagem a textos de e sobre o poeta português falecido em Macau. Destaque para a reedição inédita de “Leituras Chinesas”, obra pedagógica lançada em 1915 por Camilo Pessanha e José Vicente Jorge destinada a portugueses que queriam aprender chinês

Muito já se escreveu sobre Camilo Pessanha, poeta e figura máxima do Simbolismo português falecido em Macau em 1926, território onde também foi docente e jurista. Mas a editora portuguesa Livros de Bordo, que conta no seu catálogo uma panóplia de títulos dedicados ao Oriente, acaba de editar um livro que reúne num volume estudos sobre Pessanha, bem como escritos e traduções de sua autoria.

Coube ao académico Duarte Drumond Braga, que há vários anos se debruça sobre a obra e vida do poeta português, fazer o trabalho de pesquisa, recolha e selecção que dá corpo a “China e Macau – Camilo Pessanha”, tendo como base muitas das obras editadas nos anos 90, algumas delas em Macau, e que são hoje difíceis de encontrar no mercado editorial.

Ao HM, Duarte Drumond Braga conta que se baseou, essencialmente, em duas obras editadas por Daniel Pires, um dos estudiosos de Pessanha. São elas “Camilo Pessanha – Prosador e Tradutor”, editado pelo Instituto Cultural de Macau em 1993, e ainda “China – Estudos e Traduções”, editado em 1993 em Portugal pela editora Vega. Enquanto a primeira obra “continua a ser a edição de referência para quem quer ter acesso, num só volume, à prosa de Pessanha”, descreve Drumond Braga, a segunda inclui textos “de âmbito escolar e sobre figuras de Macau” que não terão sido compilados em Portugal, limitando-se “a textos de tema chinês”.

Assim, “China e Macau – Camilo Pessanha” congrega “textos que já saíram, mas que têm agora uma organização e estruturação diferentes”, incluindo “a maior parte dos textos [de Pessanha] sobre a China e Macau que já estavam indisponíveis”.

O autor inclui ainda na obra um ensaio seu “sobre a relação de Camilo Pessanha com a China e Macau, e talvez aí se apresentem abordagens e perspectivas novas”.

Neste ensaio, Duarte Drumond Braga descreve a descoberta da China por Camilo Pessanha como sendo “autêntica, fruto de séria investigação e fora do vulgar para um português da sua época”.

Acrescenta-se que “as potencialidades de um posto numa colónia remota” proporcionam a Pessanha “um corpo fundamental de reflexão em prosa acerca do País do Meio”, ou seja, a China. “É, todavia, necessário recuperar o contexto em que Pessanha viveu e estudou a China: um continente visto de esguelha, a partir dos pequenos pontos em que os europeus eram autorizados a estanciar”, lê-se.

A obra inclui ainda um capítulo dedicado a “Textos sobre Macau”, onde se incluem, por exemplo, títulos como “Macau e a Gruta de Camões” ou “Homenagem aos gloriosos aviadores Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia, heróis do raid LisboaMacau”, viagem que se realizou em 1924, entre outros escritos.

Na óptica do autor, a edição de “China e Macau – Camilo Pessanha” permite um acesso mais facilitado aos escritos de Pessanha sobre a Ásia aos leitores interessados. “Uma das características desta edição é que os textos mais específicos sobre história ou figuras históricas de Macau, ou a gruta de Camões, estavam dispersos em vários volumes, estando agora agrupados.”

Duarte Drumond Braga fez algum trabalho de pesquisa, nomeadamente na Biblioteca Nacional, onde se encontra o espólio de Camilo Pessanha, adquirido em 1979. Para este trabalho de investigação contou com o apoio de Daniel Pires. “Incluo aqui as versões completas de alguns textos [que tinham sido parcialmente editados nos livros anteriores]. Fiz ainda pequenas correcções. Não pude conferir as primeiras edições de alguns dos textos que estavam em Macau, e aí baseei-me no trabalho de Daniel Pires. Refiz as transcrições dos textos a partir dos jornais e isso dá sempre novas perspectivas”, explicou o autor.

O trabalho feito por Daniel Pires, em 1992, torna “bem evidente a sua actividade [de Pessanha] enquanto intelectual activo e empenhado”, descreve Braga. Além disso, “a correspondência e abundante documentação reunidas por aquele investigador deixam entrever um programa emancipador, de perfil republicano e nacionalista, presidindo às actividades cívicas e políticas do autor, além da raiz laica, anticlerical e maçónica”.

Pessanha tradutor

Uma das grandes novidades de “China e Macau – Camilo Pessanha” é a reedição, pela primeira vez desde 1915, da obra “Leituras Chinesas”, de nome chinês ” Kuok Man Kau Po Shü”, um manual de cariz pedagógico da autoria de Camilo Pessanha e José Vicente Jorge destinado ao ensino do mandarim a portugueses que viviam em Macau. Duarte Drumond Braga reeditou, assim, as traduções dos textos em português, uma vez que não teve acesso aos originais em chinês.

“Os autores apresentam [nesta obra] textos com o vocabulário todo discriminado, traduzidos depois por Pessanha e Vicente Jorge. Camilo Pessanha sabia chinês, mas José Vicente Jorge foi um dos mestres de chinês de Pessanha. É um trabalho a quatro mãos, o que é interessante. Pessanha daria, provavelmente, um arranjo final aos textos em português.”

Duarte Drumond Braga frisa que “este livro não serve de muito a quem quiser aprender chinês hoje em dia”, pois é ensinado o chinês tradicional, além de que “os métodos de ensino mudaram bastante”. Ainda assim, “os originais em chinês são textos importantes, da tradição taoista, por exemplo”.

“Pareceu-me importante reeditar este livro porque as traduções não eram muito consideradas. Aqui vê-se o Camilo Pessanha tradutor, e penso ser importante valorizar isso”, disse o autor.

Um regresso ao poeta

Camilo Pessanha, cujo corpo jaz no cemitério de São Miguel Arcanjo e que deixou descendência em Macau, tem sido lembrado entre Macau e Portugal através de diversas actividades culturais e edições de livros. Duarte Drumond Braga é um dos autores que consta na última obra lançada em Lisboa sobre o poeta, focada na sua obra maior: “Clepsydra 1920-2020 – Estudos e revisões”.

O livro, lançado em 2021, teve coordenação da académica Catarina Nunes Almeida e apresenta, conforme a mesma recordou ao HM à época, “uma releitura” de Clepsydra, única obra de poesia que Pessanha deixou e editado em 1920 graças ao esforço da amiga Ana Castro Osório.

A obra, que contou com o apoio do HM, inclui ainda textos de autores como Paulo Franchetti, Rogério Miguel Puga ou Carlos Morais José, entre outros, que se debruçaram sobre a vida e obra de Pessanha, profundamente ligada a Macau.

Camilo Pessanha foi para Macau em 1894, tendo sido “fundador da Maçonaria em Macau”, um “jurista temido” e ainda um inveterado fumador de ópio”, conforme descreveu Daniel Pires aquando do lançamento de “Clepsydra 1920-2020 – Estudos e Revisões”. Pessanha fez ainda amizade com diversas personalidades políticas de Macau numa altura em que o território vivia no rescaldo das duas revoluções republicanas – na China, em 1911, e Portugal, em 1910. O poeta foi próximo do republicano e governador Carlos da Maia e de Sun Yat-sen.

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