Saúde | Serviços de urgência em apuros, governantes elogiam redução de espera

Enquanto médicos e enfermeiros se queixam de sobrecarga de recursos e condições indignas de tratamento, oficiais do Governo garantem que o sistema de triagem está a funcionar. Profissionais médicos trabalham sem folgas, 12 horas por dia, e revelam desânimo e tristeza por não conseguirem responder às necessidades mais básicas dos doentes

 

No dia de Natal, Ho Iat Seng visitou o Centro Hospitalar Conde de São Januário (CHCSJ) e o Hospital Kiang Wu, acompanhado pela secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U e pelo director dos Serviços de Saúde, Alvis Lo. No hospital público, os governantes foram recebidos pelo director da instituição, Kuok Cheong U, que fez uma apresentação do mecanismo de triagem de doentes infectados com covid-19 e como se processam as consultas médicas.

Desde o levantamento das restrições, o número de consultas nas Urgências do CHCSJ e a chegada de ambulâncias quadruplicaram para mais de 1200 pacientes por dia e 400 ambulâncias.

Kuok Cheong U informou os governantes de que, na altura da visita, mais de 30 por cento do pessoal do hospital estava infectado com covid-19 e que os recursos humanos eram “relativamente insuficientes”.

De acordo com um comunicado emitido pelo Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus na segunda-feira à noite, o Chefe do Executivo sublinhou o agravamento da situação epidémica e o aumento contínuo do número de casos de infecção. Porém, Ho Iat Seng indicou estar “ciente do enorme volume de trabalho do pessoal médico e de enfermagem da linha de frente”, tendo agradecido “aos trabalhadores da linha de frente pelo seu trabalho inexcedível”, que se mantêm “de forma firme nos seus postos de trabalho, mesmo com um grande número de trabalhadores afectados pela epidemia, para salvar e tratar doentes”.

Após a visita ao CHCSJ, Ho Iat Seng e a respectiva comitiva visitaram o Hospital Kiang Wu.
Apesar dos repetidos elogios ao pessoal médico e de enfermagem, o Chefe do Executivo não falou com profissionais, depois de já terem sido publicadas missivas de pessoal da linha da frente que revelavam um cenário complicado com a redução significativa de recursos humanos, aumento de pacientes e turnos intermináveis.

Durante a visita, um jornalista perguntou a Ho Iat Seng que preocupações lhe foram transmitidas por enfermeiros e médicos, ao que o Chefe do Executivo respondeu: “Estão todos muito ocupados, não achámos conveniente interromper o importante trabalho que estão a fazer. Se tiverem alguma queixa ou recomendação, podem comunicar à direcção dos Serviços de Saúde”. De acordo com o jornal All About Macau, o líder do Governo esteve 15 minutos em cada hospital.

Mundos distintos

Para responder à avalanche de infecções por covid-19, a direcção do CHCSJ decidiu recrutar “urgentemente enfermeiros aposentados, enfermeiros estagiários e médicos dos internatos para integrarem a equipa antiepidémica.” Além disso, a instituição procedeu à reorganização de recursos humanos, “em fase de reabilitação, para trabalhar nas áreas de infecção e nas enfermarias de isolamento”.

Desta forma, o centro de contingência indicou que o mecanismo de triagem foi agilizado e tempo de espera nas Urgências reduzido. “Actualmente, o tempo médio de espera para os casos não urgentes é de cerca de duas horas”, apontam as autoridades.

Porém, esta perspectiva não é partilhada por alguns profissionais. Uma das visões mais alarmantes tomou a forma de uma carta de um profissional da linha da frente, partilhada pelo deputado Ron Lam, que resultou numa interpelação escrita.

“Estamos tão sobrecarregados que não conseguimos responder às mais básicas solicitações e cuidados primários dos pacientes. Não temos pessoal suficiente para mudar roupa das camas, providenciar oxigénio, comida, nem tratar das necessidades fisiológicas dos doentes”, escreveu o profissional, que não se identificou. Sem revelar em que unidade hospitalar trabalha, sublinhou a inexistência de camas nas urgências, situação que chega ao ponto de cadeiras de rodas serem as únicas alternativas para receber idosos que estão acamados em instituições de acção social há muito tempo.

“Enquanto profissional médico, sinto-me profundamente envergonhado e desiludido. Mesmo a trabalhar sem descanso, não consigo assegurar que os doentes recebem tratamento médico digno. Nem consigo oferecer cuidados básicos que respondam às mais simples necessidades humanas”, partilhou Ron Lam.

O profissional da equipa médica revela ainda que desde que a pandemia se generalizou, trabalha todos os dias, pelo menos 12 horas, e que apesar de os recursos humanos terem sido cortados para metade, o número de pacientes continua a aumentar. “Só vemos desespero. Estamos de coração partido, desanimados. De acordo com o director Alvis Lo, Macau ainda não atingiu o pico das infecções. É difícil de imaginar como será esse pico. Talvez os doentes tenham de ficar deitados no chão, à espera de um milagre”, pode ler-se na missiva, partilhada por Ron Lam no Facebook.

Kiang Wu | Cerca de 40% de profissionais infectados

Cheung Chun Wing, vice-director do hospital Kiang Wu, disse que há cerca de 40 por cento dos profissionais de saúde infectados com covid-19. Segundo o jornal Ou Mun, o responsável adiantou que, além da falta de recursos humanos, o hospital enfrenta ainda um maior número de doentes devido ao tempo frio. Cerca de 500 pacientes foram atendidos online nos dias 24 e 25 de Dezembro, o que permitiu aliviar a pressão sentida nos serviços de urgência e reduzir a possibilidade de infecções.

Lares de idosos | Paul Pun apela a voluntários

Os lares de idosos geridos pela Caritas registaram, nas últimas duas semanas, dez óbitos, sendo que cerca de 25 por cento dos funcionários estão infectados com covid-19, noticiou a TDM Rádio Macau. Numa publicação na rede social Facebook, Paul Pun, secretário-geral da entidade, alertou para uma maior pressão nos serviços e deixou um apelo. “Os centros geridos pela Caritas que têm à sua guarda idosos e portadores de deficiência estão a enfrentar uma maior pressão, e alguns cuidadores estão também infectados. Se amigos, sobretudo os que já estão recuperados das infecções de covid, tiverem entusiasmo em dar uma ajuda, podem voluntariar-se para se juntarem às nossas equipas. Perante esta situação difícil, espero que todos se possam ajudar mutuamente e cooperar.” Os dados de contacto para voluntariado são o 63302692 ou 66888240, para WhatsApp. O email é caritashr@caritas.org.mo

IAS do pico

O Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus e o Instituto de Acção Social (IAS) indicaram que o pico de contágios de covid-19 pode já ter sido atingido. Um dos factores que pode levar a essa conclusão foi uma nota no centro de coordenação e contingência, divulgado na noite de Natal, sobre a corrida aos postos comunitários. “Nos últimos dois dias, o número dos utentes que se deslocaram aos postos de consulta externa comunitária para receber tratamento foi diminuído, em comparação com os dias anteriores” quando se o pico de afluência de pacientes chegou a 3,8 mil utentes. Também o IAS revelou uma “descida da quantidade dos novos casos surgidos por dia entre funcionários e utentes que residem nos equipamentos sociais”. No comunicado emitido na segunda-feira, o organismo liderado por Hon Wai refere que “o surto da covid-19 da presente fase já conheceu o seu pico” nos lares de idosos e instituições de recuperação.

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