Bai Juyi – A Canção do Alaúde

Tradução de António Graça de Abreu

Esta Canção do Alaúde é um dos mais famosos poemas de toda a vastíssima poesia chinesa. Escrito por 白居易Bai Juyi (772-846), quando seu exílio em Jiujiang, no ano de 816, permanece como uma das obras-primas saída da pena, do entendimento, da sensibilidade e do engenho do grande Bai Juyi. Eis uma possível tradução do poema.

琵琶行并序

元和十年,予左遷九江郡司馬。明年秋,送客 湓浦口,聞船中夜彈琵琶者,聽其音,錚錚然 有京都聲;問其人,本長安倡女,嘗學琵琶於 穆曹二善才。年長色衰,委身為賈人婦。遂命酒,使快彈數曲,曲罷憫然。自敘少小時歡樂事,今漂淪憔悴,轉徙於江湖間。予出官二年恬然自安,感斯人言,是夕,始覺有遷謫意,因為長句歌以贈之,凡六百一十六言,命曰琵琶行。

潯言江頭夜送客
楓葉荻花秋瑟瑟
主人下馬客在船
舉酒欲飲無管絃
醉不成歡慘將別
別時茫茫江浸月
忽聞水上琵琶聲
主人忘歸客不發
尋聲暗問彈者誰
琵琶聲停欲語遲
移船相近邀相見
添酒回燈重開宴
千呼萬喚始出來
猶抱琵琶半遮面
轉軸撥絃三兩聲
未成曲調先有情
絃絃掩抑聲聲思
似訴平生不得志
低眉信手續續彈
說盡心中無限事
輕攏慢撚抹復挑
初為霓裳後六么
大絃嘈嘈如急雨
小絃切切如私語
嘈嘈切切錯雜彈
大珠小珠落玉盤
間官鶯語花底滑
幽咽泉流水下灘
水泉冷澀絃凝絕
凝絕不通聲漸歇
別有幽愁暗恨生
此時無聲勝有聲
銀瓶乍破水漿迸
鐵騎突出刀鎗鳴
曲終收撥當心畫
四絃一聲如裂帛
東船西舫悄無言
唯見江心秋月白
沈吟放撥插絃中
整頓衣裳起斂容
自言本是京城女
家在蝦蟆陵下住
十三學得琵琶成
名屬教坊第一部
曲罷曾教善才服
妝成每被秋娘妒
五陵年少爭纏頭
一曲紅綃不知數
鈿頭銀篦擊節碎
血色羅裙翻酒汙
今年歡笑復明年
秋月春風等閑度
弟走從軍阿姨死
暮去朝來顏色故
門前冷落車馬稀
老大嫁作商人婦
商人重利輕別離
前月浮梁買茶去
去來江口守空船
繞船月明江水寒
夜深忽夢少年事
夢啼妝淚紅闌干
我聞琵琶已嘆息
又聞此語重唧唧
同是天涯淪落人
相逢何必曾相識
我從去年辭帝京
謫居臥病潯陽城
潯陽地僻無音樂
終歲不聞絲竹聲
住近湓江地低濕
黃蘆苦竹繞宅生
其間旦暮聞何物
杜鵑啼血猿哀鳴
春江花朝秋月夜
往往取酒還獨傾
豈無山歌與村笛
嘔啞嘲哳難為聽
今夜聞君琵琶語
如聽仙樂耳暫明
莫辭更坐彈一曲
為君翻作琵琶行
感我此言良久立
卻坐促絃絃轉急
淒淒不似向前聲
滿座重聞皆掩泣
座中泣下誰最多
江州司馬青衫濕

Canção do alaúde1

No décimo ano do período Yuanhe 2 fui despromovido e afastado da corte, com o cargo de intendente militar em Jiujiang. No Outono do ano seguinte, em Penpu, quando me despedia de um amigo, ouvi ao longe o tanger de um alaúde, tocado da maneira utilizada na capital. Procurei a pessoa que descuidadamente dedilhava as cordas e encontrei uma antiga cantora de Chang’an que, esgotada a sua beleza, era agora companheira de um mercador. Mandei vir vinho e pedi à antiga cortesã que tocasse um pouco mais. Depois, ela falou-nos do tempo feliz da sua juventude e de como agora era obrigada a viajar, em terras distantes, por rios e lagos. Desde a minha partida da capital jamais me sentira tão triste e infeliz. Compreendi nessa noite o real significado da palavra exílio. Escrevi então este longo poema, com 616 caracteres3 e ofereci-o a essa mulher.

À noite, um adeus ao amigo nas margens do rio,
as folhas do ácer, o vento de Outono sussurrando nos juncais.
Desmontei do cavalo, meu amigo já na barca, prestes a partir,
bebemos taças de vinho, sem música para nos acompanhar.
Brindámos tristes, por cada taça, mais próxima a separação,
adeus, as águas do rio já humedecendo a lua.
Eis, de súbito, o som de um alaúde sobre as águas,
esqueço o regresso, meu amigo esquece a partida.
Ambos seguimos a música, em busca de quem toca,
a melodia extingue-se, diante de nós uma mulher em silêncio.
Aproximamos da sua a nossa barca, convidamo-la a mostrar-se,
vamos buscar mais vinho, avivamos a luz das lanternas, recomeçamos o banquete.
Mil vezes pedimos que venha até nós,
aparece por fim, o rosto meio escondido atrás do alaúde.
Afina a guitarra, dedilha as cordas ao acaso,
não toca ainda, eis-nos mergulhados em enlevo e magia.
Um repassar de emoções em cada som, em cada nota,
acordes manchados de tristeza e nostalgia.
De olhos baixos, os dedos acariciando as cordas de seda
transmitem a amargura que lhe vai no coração.
Melodias suaves, um canto vibrante, uma súbita paragem,
ouvimos o “Vestido de Arco-Íris”, a “Ronda dos Seis Tambores”.
As notas altas ressoam como chuva em noite de tempestade,
as notas baixas como um ciciar segredado de amantes.
Tons graves e agudos entrechocando-se, mesclando-se,
como pérolas grandes e pequenas tombando num prato de jade.
A música saltitante como um pintassilgo entre as flores,
gotejante como água das fontes caindo sobre areia.
Depois, acordes como cristais de gelo, as cordas parecem romper,
a música fria, sussurrante, extinguindo-se pouco a pouco.
Agora um silêncio mais eloquente que todos os arpejos,
melancolia, a água correndo após o quebrar do jarro de prata.
Outra vez o tinir de espadas e lanças, uma zoada de armaduras,
os acordes finais brotando do coração do alaúde,
quatro cordas emitindo um único som, o do rasgar da seda.
As barcas, a leste, a oeste, mergulhadas em silêncio,
apenas a lua de Outono prateando o leito do rio.
Suspirando, ela prende a varinha nas cordas do alaúde,
alisa o vestido, ajeita o rosto, levanta-se e fala.

“Nasci na capital, cresci junto à Colina das Rãs,
aos treze anos meus dedos brincavam sabiamente com o alaúde.
Era a aluna mais distinta na escola de música,
professores, mestres aplaudiam meu engenho e destreza.
As mais belas da cidade invejavam meu porte, minha formosura.
Os jovens de Wuling disputavam a honra de me ver,
depois de uma canção ofereciam-me incontáveis peças de seda.
Alfinetes, pentes de prata quebrados descuidadamente,
o vinho caindo ao acaso sobre minha saia cor de sangue.
Escoavam-se os anos entre festas, risos, alegria,
sucediam-se brisas de Primavera, luares de Outono.
Um dia meu irmão partiu para a guerra, minha mãe morreu,
mês após mês, ano após ano desvanecendo-se minha beleza,
diante da porta, carruagens e cavaleiros cada vez mais raros.
Para sempre perdida a mocidade, casei com um mercador,
que, em busca do lucro e do negócio, me deixa abandonada.
Partiu o mês passado para comprar chá em Fuliang,
desde então permaneço nesta barca vazia, na foz do rio,
vogando ao luar sobre águas geladas.
A meio da noite, em sonhos, recordo minha juventude,
vejam como as lágrimas avermelham meu rosto pintado.”

Ao ouvir esta mulher tocar o alaúde,
já os soluços se me prendiam na garganta.
Agora, escutando sua história, em mim uma emoção imensa,
nós dois, destroços encalhados nas margens do céu,
finalmente próximos através de um encontro fortuito.
O ano passado fui obrigado a abandonar a capital,
a viver exilado nesta cidade de Xunyang.
Doente por terras estranhas, sem guitarras nem flautas,
minha casa em Penjiang, ao lado do rio pantanoso,
rodeada de canaviais amarelecidos, de bambus amargos.
Nesse lugar, ao nascer o dia, ao entardecer, à noite
ouve-se apenas o guincho dos macacos, o piar triste dos cucos.
Em tempo de Primavera e de flores, de Outono e de luar,
ergo muitas vezes a minha taça e bebo solitário.
Sim, há cânticos camponeses e flautas aldeãs,
mas as notas estridentes magoam meus ouvidos.
Esta noite chegou até mim o harmonioso tanger de um alaúde,
música celestial retocada por mãos de fada.
Silenciosa, sentada, a mulher ouve minhas palavras,
digo-lhe que vou escrever um poema, a “Canção do Alaúde”.
Ela pega, de novo, na guitarra, acaricia tristemente as cordas
e vai arrancando notas intensa, saudosamente magoadas.
Eu escondo os olhos, o pranto mancha nossas faces.
Quem mais chorou?
A cabaia azul do intendente de Jiujiang inundada de lágrimas.

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