Os Lotos Adormecidos de Sun Junze

Xia Gui (1195-1224), o pintor profissional dos Song do Sul em Qiantang (actual Hangzhou), que não deixou uma obra teórica e que seria alvo de um preconceito na posterior valorização da pintura como uma arte de «amadores esclarecidos», seria no entanto autor de impressivas pinturas apreciadas mesmo por aqueles que o desvalorizaram.

As suas pinceladas largas, que parecem «rugas talhadas com um machado» (fupi cun), são acompanhadas da progressiva diluição da tinta, produzindo uma impressão que se assemelha a paisagens reais, nomeadamente a do Lago do Oeste de Hangzhou. Nas evocativas pinceladas que manipulam a textura da representação, tornando-a gradualmente recessiva e fazendo visível a neblina, dir-se-ia que descrevem formas em risco de desaparecer, passando a memórias de formas. O poeta Su Dongpo (1037-1101) aludiria a esse carácter fugídio da pintura:

«São como nuvens e nevoeiros passando diante de meus olhos, ou a canção de pássaros alcançando os meus ouvidos. Que posso eu senão receber alegria ao meu contacto com estas realidades? Mas quando elas não estão, não penso mais nelas. Assim estas duas coisas, pintura e caligrafia são para mim um constante prazer, nunca uma aflição.»

Visitantes estrangeiros de Hangzhou reconheceriam o cenário a partir de pinturas, como o pintor Japonês sacerdote do Budismo chan, Sesshu Toyo (c. 1420-1506) que nelas percebeu uma maneira de expôr visualmente o conceito mono no aware, a empatia ou sensibilidade para com as coisas do mundo que passa. Mas o próprio lugar continuou depois de Xia Gui, a despertar essa sensibilidade noutros pintores menos conhecidos de Hangzhou.

Sun Junze, profissional activo em Hangzhou na primeira parte do século XIV, na dinastia Yuan quando a maioria dos pintores já abandonara o estilo da academia da antiga capital, utilizou a expressividade das pinturas de Xia Gui de um modo que pareceu agradar sobremaneira a coleccionadores do Japão, onde hoje se encontra uma parte substancial das poucas pinturas que hoje se conhecem do autor.

É o caso das que estão no Museu Nacional de Tóquio, Paisagem de neve (rolo vertical, tinta sobre seda, 126 x 56,5 cm) ou Paisagem (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 102,5 x 83 cm). Nelas se notará a composição concentrada num canto da pintura, o que alguns interpretaram como característica simbólica da diminuição do território nacional ou a minúcia com que são tratados os edifícios e personagens em seu redor.

Como também acontece na Paisagem com edifícios (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 187,9 x 112 cm) no Museu de Arte da Universidade de Berkeley, Califórnia. Nela, observam-se sobre o rio uma quantidade de lírios de água em flor chamados shuilian, «lotos adormecidos» que por só florirem nessa altura e durante o dia, indicam a brevidade e a passagem do tempo, a estação do ano, o Verão.

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