Grande Plano MancheteFórum Macau | Think Tanks discutem desenvolvimento, segurança global e vias de cooperação Andreia Sofia Silva e João Luz - 13 Set 2022 GCS Realizou-se ontem o “Fórum dos Think Tanks entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, no Fórum Macau. Sob os temas do desenvolvimento e segurança global, 18 palestrantes apontaram caminhos para a convergência entre a China e mundo lusófono, com Macau a desempenhar o papel de elo de ligação. Num contexto de convulsões geopolíticas, um naipe alargado de académicos discorreu sobre possíveis pontes, além do comércio “As portas da China não vão fechar, muito pelo contrário. Vão estar cada vez mais abertas”, indicou o comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na RAEM, Liu Xianfa, no discurso de abertura do “Fórum dos Thinks Tanks entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. O evento, que decorreu ontem no Complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, juntou académicos chineses e dos países de língua portuguesa (PLP) sob o tema: “Com base na plataforma de Macau, impulsiona-se uma cooperação mais estreita entre a China e os Países Lusófonos nesta Era Nova”. O responsável do Comissariado dos Negócios Estrangeiros (MNE) da China em Macau afirmou que o desenvolvimento e a segurança devem ser as duas prioridades para uma nova agenda da cooperação sino-lusófona na era pós-pandemia. O comissário lembrou que as prioridades foram definidas pelo Presidente chinês, Xi Jinping, como iniciativas globais, argumentando que é necessário “aprofundar a cooperação” com os países lusófonos nestas vertentes, de forma a “aumentar a confiança mútua, política”. Liu Xianfa começou por destacar “a via acelerada de cooperação com os países de língua portuguesa” desde o início do século, para concluir: “Temos diferentes culturas e tradições, mas o desejo comum de seguir um caminho pacífico”. O comissário lembrou o percurso “de sucesso” chinês, baseado no “socialismo com características chinesas”, mas também os mais de 67 mil milhões de euros que os países lusófonos garantiram em exportações para a China no primeiro semestre deste ano, dados que, defendeu, justificam um esforço futuro em dar novo fôlego à cooperação entre as duas partes. Uma das ideias partilhadas foi a criação de “massa cinzenta” conjunta composta por think tanks dos países envolvidos, que funcionem como um sub-fórum que proporcione apoio intelectual ao Fórum Macau na concretização dos seus planos de acção. “Acreditamos que o fórum vai criar novas ideias e aprofundar o intercâmbio e aprendizagem mútua, contribuindo para o pleno desempenho do papel de Macau como plataforma e para a elevação do nível de cooperação entre a China e PALOP sobre o desenvolvimento”, referiu Liu Xianfa. Seguir seguro Depois do mote dado pelo comissário do MNE em Macau ter sublinhado alguns dos sucessos e “milagres” alcançados pela República Popular da China nas últimas décadas, Xu Yingming, da Academia Chinesa de Comércio Internacional e Cooperação, do Ministério do Comércio, afirmou que o desenvolvimento da China pode servir de guião para países em via de desenvolvimento para reduzir a pobreza, aumentar a vitalidade económica. “Por razões históricas os países de língua portuguesa partilham a mesma língua e relações especiais entre si. Ao mesmo tempo, tanto a China como estes países estão em vias de desenvolvimento e enfrentam oportunidades e desafios. A China e estes países complementam-se e, nos últimos anos, o comércio entre estes países bateu recordes histórias, com diversificação das áreas de investimento”, adiantou. O académico acrescentou que a “segurança é uma garantia para a cooperação entre a China e os PLP e um pré-requisito para o desenvolvimento, prosperidade e estabilidade”. A ideia foi partilhada por Osvaldo Mboco, decano da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UTANG – Universidade Técnica de Angola, que como a maioria dos palestrantes participou na discussão através de videoconferência. O docente sustentou que a “problemática da segurança” nos países de língua portuguesa em África mina as relações entre os Estados, sobretudo a nível económico. Osvaldo Fernando Mboco ressalvou, por um lado, que “sem segurança dificilmente se pode alcançar o desenvolvimento”, mas recordou, por outro, que é necessário antes de mais definir o tipo de segurança que está em causa, assinalando, contudo, que, actualmente, “a grande preocupação é política ou de estabilidade política dos próprios Estados”. O académico destacou casos como o da Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde e Angola, que vivem casos distintos de insegurança. Se Cabo Verde é politicamente estável, “mas sem uma economia pujante”, se na Guiné-Bissau existe “instabilidade política”, Moçambique vive “a ameaça terrorista em Cabo Delgado”, já Angola carece de segurança alimentar, fruto da recessão económica que data já de 2014, assinalou. Um cenário que o leva a concluir que “a segurança é estruturante para qualquer tipo de desenvolvimento” e que esta “problemática (…) no continente africano põe em causa” a cooperação sino-lusófona. Osvaldo Mboco sustentou igualmente que China e Angola têm de mudar o modelo de relações económicas, afirmando que “é preciso alterar a configuração das relações entre a China e o Estado angolano”, de forma a permitir a criação de unidades de fabrico, mais emprego e um maior volume de negócios, bem como a transferência de know-how. Contudo, avisou que, para que isso aconteça, “o Estado angolano tem de mudar o ambiente de negócios”, mais propício ao investimento estrangeiro. Mensagem para dentro Numa tarde em que também Elsie Ao Ieong U, secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, discursou perante uma plateia de notáveis, o secretário-geral adjunto do secretariado permanente do Fórum Macau, Paulo Rodrigues Espírito Santo não deixou de colocar o dedo na ferida das políticas restritivas de combate à pandemia. O responsável e antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidades de São Tomé e Príncipe lamentou que actualmente os cidadãos da África lusófona tenham sido excluídos da lista de países a cujos nacionais é permitida a entrada no território desde o início do mês. Paulo Espírito Santo afirmou que “a não inclusão na lista” dos países africanos lusófonos “não beneficia a cooperação”, até porque, alegou, estes Estados “têm a pandemia sob controlo”. Recorde-se que desde 1 Setembro é permitida a entrada de cidadãos de 41 países em Macau, incluindo o Brasil, ainda que obrigados a cumprir uma quarentena. O secretário-geral Adjunto do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidades de São Tomé e Príncipe pediu ainda às autoridades de Macau para reverem a decisão “para se ir ao encontro da mais elementar justiça”. “Assim, rogamos bons ofícios por parte do Governo da RAEM, no sentido do alto da sua sabedoria e elevado critério, reveja tal decisão… A plataforma não pode estar fechada em si mesma, sob pena de se tornar redutora, devendo ter a agilidade e perícia de interagir de forma mais dinâmica com os demais países e regiões vizinhos”, afirmou o responsável O tom do discurso, contudo, foi marcado pelo sublinhar das oportunidades que têm sido abertas à comunidade lusófona, pelo menos desde o início do século, com a criação do Fórum Macau, e pela necessidade de se continuar a reforçar a cooperação e a potenciar o papel de Macau enquanto plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. É preciso continuar “a atrair novos negócios diferenciados de base lusófona e “atrair investidores lusófonos”, salientou. Ideias para o futuro Seguindo a linha de raciocínio do dirigente do Fórum Macau, que afirmou não ser “perceptível o cabal aproveitamento pelos empresários locais da China e dos PLP” do “enorme esforço para conceber e materializar estas estruturas” feito pelo Governo da RAEM, José Luís Sales Marques e Rui Gama sugeriram alguns caminhos. O sub-director da Academia Sino-Lusófona da Universidade de Coimbra, destacou elementos de fomento de cooperação que vão além da balança de comércio externos e dos aspectos económicos. “Diria que a importância é maior do que a simples leitura dos dados, porque está associada à diversidade e complementaridade das economias, o potencial de especialização e vantagens competitivas que decorrem da inserção regional dos países, e do capital de conhecimento existente que está associado a este longo passado comum”, apontou o académico. O docente destacou as parcerias nos domínios científico, tecnológico e empresarial, mobilizando actores de diferentes esferas nos sectores estratégicos que têm sido associados ao papel de Macau enquanto ela de ligação. Podem ser criados projectos de investigação aplicada nas áreas de ciência de fronteira. “Se pensarmos na transversalidade do sector da saúde do ponto de vista das áreas científicas e o que são projectos em curso na universidade (Universidade de Coimbra) temos uma oportunidade única no que pode ser o avanço para outras áreas de futuro. Outra da valência a explorar seria a “formação e capacitação das pessoas para responder a estas mudanças societais em curso”, no sentido de “antecipar o futuro em áreas ainda desconhecidas”. José Sales Marques começou por apontar a recessão em que Macau está desde 2019 e o “impacto negativo para Macau”, que é extremamente elevado e para o qual contribuiu o peso do sector do jogo e a dependência quase exclusiva do turismo e do mercado chinês. Face à evidência de que a diversificação da economia de Macau não tem sido alcançada, o presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau sublinhou a importância do investimento na investigação, desenvolvimento e fabrico de produtos de medicina tradicional chinesa, sobretudo através de investimentos realizados na zona de cooperação aprofundada de Hengqin. Área em que o académico entende que Macau tem condições para ser referência. Outras áreas dignas de aposta é o sector das finanças modernas e as indústrias culturais e do desporto.