Manchete PolíticaEmprego | Ella Lei acusa o Governo de tolerar empresas que não pagam salários João Santos Filipe - 30 Ago 2022 Rómulo Santos A deputada considera que o Executivo favorece o patronato nos casos de salários em atraso, ao permitir que os diferendos sejam resolvidos, sem penalização para incumpridores. Por sua vez, Leong Sun Iok alertou para os impactos do desemprego na estabilidade social A deputada Ella Lei, ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), acusou o Governo de falhar nas suas funções e permitir que empresas fiquem longos períodos sem pagar aos trabalhadores, com total impunidade. As declarações foram prestadas durante uma intervenção antes da ordem do dia, em que a legisladora acusou o Executivo de falhar na missão de rever as leis actuais, permitindo abusos. De acordo com a deputada, várias pequenas e médias empresas não pagaram ordenados dos trabalhadores e nada fizeram para saldar essas dívidas, apesar de muitas promessas. Contudo, quando é apresentada queixa na Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), os casos são “resolvidos”, sem que as empresas sofram penalizações. “Receber o salário é o direito laboral mais importante, é a fonte de subsistência familiar dos empregados, e o atraso no pagamento de salários é ilegal. Porém, a prática demonstra que a lei em Macau não salvaguarda, de forma atempada e eficaz, a reivindicação dos salários em dívida”, começou por destacar a deputada. “O mais irónico é que desde que os empregadores paguem as dívidas antes de os casos serem entregues aos órgãos judiciais, ficam isentos de multas, independentemente de o atraso no pagamento dos salários ter sido de má-fé. Por isso, o custo da infracção é zero”, acrescentou. A deputada questiona mesmo se o Governo de Ho Iat Seng, influente empresário antes de chegar a Chefe do Executivo, está a implementar a lei de acordo com a intenção original. “Esta situação de extrema misericórdia para com os infractores, e a negligência em relação às dificuldades, e ainda o tratamento irracional sofrido pelos trabalhadores devido aos salários em atraso, será que foi intenção original do Governo e dos legisladores?!”, questionou. Pedidos de acção Ella Lei não se ficou pelas acusações de inutilidade do Governo e sugeriu revisões legais, de forma a reforçar a protecção de quem depende do salário para subsistir. “É de salientar que o Governo tem a responsabilidade indeclinável de melhorar os regimes, para reforçar a protecção dos trabalhadores. Insto uma vez mais o Governo a dar seguimento às queixas sobre salários em atraso, a proceder, séria e activamente, à avaliação da Lei das relações laborais e, em particular, a melhorar a regulamentação e os processos da reivindicação dos salários em dívida”, apelou. Ella Lei pediu também ao Governo para acelerar os apoios prestados pela DSAL, “alterar a prática actual de isenção de multa” para os incumpridores e “estabelecer mecanismos e estipular penalidades para combater eficazmente o atraso, de má-fé, no pagamento de salários”. Desemprego a bater recordes Também Leong Sun Iok, da bancada da FAOM, trouxe a situação do desemprego crescente, que cada vez mais afecta os residentes, para o hemiciclo. Segundo Leong, o desemprego terá mesmo chegado às concessionárias do jogo: “Recebi várias queixas de trabalhadores das PME e microempresas, alegando que foram despedidos devido às dificuldades de exploração dos seus empregadores, e alguns das concessionárias do jogo alegaram também que tinham sido despedidos”, revelou. Por outro lado, destacou que o fenómeno, com mais de 10 mil desempregados, está no ponto mais alto dos últimos 12 anos, ou seja, desde a crise financeira de 2008. “Segundo as recentes estatísticas divulgadas pelo Governo, a taxa de desemprego dos residentes atingiu 4,8 por cento, a percentagem mais alta em 12 anos, com mais de 10 mil desempregados”, vincou. Na mesma intervenção, Leong indicou que a DSAL merece reconhecimento por ter colocado 4.156 pessoas no mercado de trabalho, mas que na maior parte dos casos as vagas anunciadas são inconsequentes para os candidatos. “Segundo alguns residentes, são muitas as vagas afixadas na DSAL, mas, na maioria dos casos, depois da entrevista ou apresentação, nunca mais se ouve resposta, e mais, muitas das condições salariais oferecidas são baixas, salários com os quais dificilmente se consegue sustentar a família”, atirou. O deputado avisou também que neste cenário haverá um risco maior de criminalidade, e que as pessoas vão estar disponíveis para se envolverem em actividades de “comércio paralelo”. “Como a vida é difícil, alguns passaram a dedicar-se ao ‘comércio paralelo’. A PJ divulgou recentemente três pedidos de ajuda de trabalhadores suspeitos de terem sido persuadidos através de burla para trabalhar no Sudeste Asiático”, indicou. “A questão do desemprego, para além de afectar os indivíduos e as famílias, pode dar origem a muitos problemas sociais”, alertou.