Liu pun e a versão d’ O Macaense

DR

A Biblioteca do Leal Senado, onde se poderia consultar os jornais antigos de Macau, encontra-se, segundo aviso na porta, encerrada desde Março e apesar de na Biblioteca Central existir o microfilme d’ O Macaense de 1892, em todas as páginas falta parte do texto e muitas são ilegíveis. No entanto, com as informações aí apresentadas conseguimos complementar e esclarecer muito do que escrevemos até agora sobre o vinho Liu-pun e por isso, nos próximos artigos recapitulamos a história.

Assim, começamos por transcrever d’ O Macaense de 7 de Abril de 1892 : “Circulou na cidade o boato de que ia haver greve dos chineses do bazar, fechando eles as suas lojas, e deixando de negociar. Tratámos de colher informações fidedignas a este respeito, e eis o que se apurou a limpo das nossas investigações. Dizem que há pouco mais de um mês que os lojistas do bazar terão estado a requerer ao governo local pedindo para não pôr em hasta pública o exclusivo do vinho liu-pun, que o governo da metrópole, pelo decreto de 1 de Outubro de 1891 criou (…). Os requerimentos não obtiveram deferimento e o exclusivo foi em 2 de Abril adjudicado a um chinês de Hongkong por $7,810, que era o preço mais elevado das três propostas apresentadas.

Os industriais chineses em vista desta amarga decepção, foram, logo depois da licitação, aos Paços do Concelho, onde os vereadores estavam reunidos em sessão ordinária, e pediram à câmara municipal para solicitar do governo da província, que fosse abolido o exclusivo; responderam-lhes o presidente que fizessem por escrito a sua petição.

Retiraram-se os chineses para fazer o requerimento, e consta que em 5 do corrente o entregaram ao mesmo presidente, rogando-lhe que conseguisse do Sr. Governador da província a graça de suster o exclusivo de liu-pun, até que o governo da metrópole desse uma decisão sobre o pedido da sua abolição. Ficou a questão nesta altura.

No entanto, têm havido muitas reuniões, bastante numerosas, dos chineses do bazar, para discutir a influência que esse exclusivo poderia exercer sobre o comércio deste porto, e chegaram à conclusão de que a reexportação do vinho que Macau costuma fornecer às povoações circunvizinhas, e aos barcos de pesca, viria a sofre muito, porque o imposto de 4 sapecas por cate importa em 11 a 20% sobre o preço do vinho, e por isso esse aumento de preço poria o mercado de Macau em grande desvantagem com relação a Hongkong, e aos portos chineses do distrito de Heungshan; do que resultaria que os antigos fregueses de Macau iriam fornecer-se do vinho em qualquer outro porto, e que ao fazerem este fornecimento se abasteceriam também de outros géneros, prejudicando assim o comércio desta cidade, que consiste principalmente na distribuição de géneros pelas povoações circunvizinhas.

Em vista desta influência nefasta que o exclusivo de liu-pun exercerá sobre o comércio de Macau, resolveram os negociantes empregar todos os esforços para conseguir a sua abolição e, quando isso não fosse possível, a única alternativa que eles adoptariam, era abandonar paulatinamente esta cidade, porque estão convencidos de que com esse exclusivo viriam as suas transacções a definhar e sofrer perdas.

Dizem-nos que foi essa a resolução a que chegaram os negociantes e mercadores chineses nas suas reuniões, que se efectuaram na casa do bazar conhecida pelo nome de Sam-kai-hui-cun (…), tendo as reuniões corrido sempre pacificamente.”

Análise dos factos

“Lamentamos deveras que se suscitasse este incidente desagradável, devido à excessiva centralização com que o governo português governa as colónias longínquas, decretando da metrópole medidas sem tê-las bem estudado, e sem atender às circunstâncias especiais da localidade.

Se o governo da metrópole se tivesse limitado simplesmente a criar o exclusivo de liu-pun, sem fixar a quantia que serviria de base à licitação, teria decerto o governo provincial a liberdade de taxar o consumo local do vinho liu-pun, deixando completamente livre o comércio de importação e exportação, como deve ser de direito, porque Macau é porto franco, e o seu comércio é livre de impostos na importação e exportação.

Mas infelizmente a quantia de $5,000 que o governo da metrópole exigiu como preço mínimo do exclusivo de liu-pun, não podia provir só do consumo local. Para restringir o imposto do vinho liu-pun só ao consumo local, não havia outro sistema fiscal a seguir senão o de licenças às lojas que vendessem este género a retalho. Suponhamos que houvesse 50 lojas de vender a retalho; e que lhes fossem exigidas 20 patacas por cada licença anual, o resultado não passaria de $1,000.

Vê-se, por tanto, que o governo provincial, compelido pela exigência do governo da metrópole, que impôs a cifra de $5,000 para a adjudicação desse exclusivo, teve de onerar o comércio de liu-pun com a taxa de 4 sapecas, ou 3 caixas de prata sobre cada cate de vinho liu-pun importado em Macau. Este imposto corresponde a 10 avos de patacas por cada boião de 24 cates de vinho, e é com efeito mui elevado, atendendo-se à barateza do liu-pun, cujo preço varia entre 50 a 90 avos por cada boião de 24 cates; vindo assim a importar em 20%, quando o preço é de 50 avos por boião, ou em 11% quando cada boião custa 90 avos.

Deve-se admitir que o imposto é caro, mas também não podia ser menor desde quando o governo fixou a quantia mínima para base da licitação.

Com franqueza, visto que os chineses não nos leem, diremos que o novo exclusivo é um grande mal para esta colónia. (…), porque é bom que digamos mais uma vez, alto e bom som que, por via de regra, fazemos sempre causa comum com os chineses, porque os interesses são comuns e recíprocos. Se eles continuam a habitar aqui, é porque incontestavelmente encontram um certo número de conveniências e de lucros nos seus negócios; e a nós convém a permanência deles para a sustentação das poucas indústrias que são ainda a seiva da colónia.

Mas ao governo de Lisboa pouco se lhe dá isso; quer só dinheiro, venha de onde vier, e não sabe ou finge não saber que os industriais chineses não são oriundos daqui e não lhes custa fazer o ablativo de viagem para Lapa, Oitem, Hong Kong e outras terras ao redor de Macau logo que assim reclamem os seus interesses.”

“Felizmente não se realizou a greve dos lojistas, graças à índole pataca dos chineses e aos bons conselhos que não lhes faltaram, tendo eles resolvido aguardar a decisão das representações que fizeram subir ao governo da província por meio da câmara municipal.

Cumprimos o dever de ponderar ao governo que é conveniente e necessário abolir o exclusivo de liu-pun, não somente para desafrontar a franquia do porto de Macau, mas para que o comércio não tome outro rumo e para que a distribuição do vinho chinês pelas terras circunvizinhas se não faça por Hong Kong.” Pel’ O Macaense ganhamos novas explicações para os acontecimentos expostos nos artigos anteriores e escritos na visão d’ O Independente.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários