UM | Caso de violação sem resultados. Vítima fala de processo tendencioso e pede transparência

A ex-aluna da UM alegadamente violada por um doutorando foi informada que o caso foi encerrado, sem ter recebido qualquer relato sobre a investigação. Emon Yongyi Zhou acusa a UM de falta de transparência e de ter dirigido questões, do foro pessoal, com “tendências de culpabilização”. Deputados defendem sanções mais pesadas para dissuadir agressores e defendem o aperfeiçoamento de mecanismos de denúncia. A UM permanece em silêncio

 

O caso da alegada violação que envolveu uma ex-aluna e um doutorando da faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Macau (UM) foi dado como encerrado pela instituição, sem que tenham sido providenciadas conclusões ou informações sobre os resultados da mesma.

Quem o diz é Emon Yongyi Zhou, que no início de Dezembro de 2021 denunciou o caso numa carta aberta dirigida à UM, onde revelou ter sido vítima de maus tratos físicos e psicológicos por parte do doutorando. Mais precisamente, recorde-se, ao longo dos quatro anos em que namorou com o visado, terá sido violada, agredida e assediada presencialmente e nas redes sociais. Além disso, o assédio estendeu-se, mais tarde, a outros alunos da UM e amigos da vítima.

Contactada pelo HM, Emon Zhou fala de um processo “penoso e demorado” que começou a 7 de Dezembro de 2021, dia em que dirigiu a carta aberta e solicitou à UM para investigar o caso. Desde então, e aberta a investigação, o estabelecimento de ensino pediu informação à queixosa e a outros envolvidos e amigos próximos, através de email. Perante o envio da informação solicitada, a UM terá deixado de pedir mais informação e de responder a novas mensagens. Isto, até ao dia em que, por fim, Emon Zhou recebeu um novo email a informar que a investigação estava concluída e que não teria acesso a qualquer resultado ou informação.

“Por volta do dia 20 de Janeiro, deixei de ter notícias por parte da UM sobre processo de investigação. Entre o final de Janeiro e Março, questionei a UM acerca da investigação e não obtive respostas. Até que, recentemente, recebi uma resposta a dizer que a investigação estava encerrada e que não me iriam dar qualquer informação acerca dos resultados”, revelou.

O HM tentou confirmar junto da UM, ao longo de vários dias, se a investigação sobre o caso estava efectivamente encerrada e quais os motivos para não terem sido partilhados os seus resultados com a alegada vítima, mas não obteve resposta, apesar da insistência.

Dentro do segredo

Sobre a forma como decorreu a investigação, que contou, sobretudo, com o envolvimento do Comité para a Igualdade de Género (CGE na sigla inglesa) da UM, Emon Zhou fala em “falta de profissionalismo e transparência”, até porque, aberto o processo, a primeira solicitação que recebeu por parte do organismo foi um pedido para assinar um termo de confidencialidade.

“A primeira coisa que me pediram, antes de iniciarem a investigação, foi para manter o caso confidencial. Para mim, isto constituiu logo uma afronta até porque o caso já tinha sido denunciado através de uma carta aberta que incluía signatários”, começou por explicar.

“Essencialmente, queriam que assinasse um acordo de confidencialidade para manter o assunto apenas entre mim e a universidade, sob prejuízo de não iniciar a investigação”, acrescentou.

A vítima aponta ainda que, enquanto queixosa e perante um processo que envolveu a recolha de depoimentos de várias pessoas, “nada fez sentido”, até porque o acesso às suas conclusões está vedado.

“Com este tipo de reacção e o pedido para assinar um termo de confidencialidade, fico com a sensação de que não temos o direito de falar sobre estes assuntos. Considero que a transparência do processo é muito importante para proteger direitos fundamentais”, partilhou também a queixosa, que está a estudar na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos da América (EUA).

Recorde-se que, segundo Emon Zhou, tudo começou em 2016, altura em que os dois começaram a namorar, tendo-se seguido quatro anos em que o visado alegadamente terá sido “emocionalmente, fisicamente e sexualmente abusivo”. Exemplo disso, foi o dia 11 de Agosto de 2020, data em que Zhou afirma ter sido violada.

“Estava a enfrentar problemas emocionais e a sofrer de ansiedade e, por isso, não queria ter relações sexuais. No entanto, nessa tarde, depois de termos tido uma pequena discussão, ele agarrou-me com força (…) e violou-me, apesar de eu ter dito claramente que não queria ter relações sexuais. Comecei a chorar e pedi-lhe para parar. No dia seguinte, ele reparou que eu estava triste e perguntou, impacientemente, o que se passava comigo. Eu disse-lhe e ele respondeu que não sabia que eu estava a chorar e que não tinha ouvido nada”, revelou.

Emon Zhou chegou a apresentar queixa à Polícia Judiciária (PJ) em Dezembro de 2021. Na altura, as autoridades confirmaram ter recebido o relatório da denunciante, mas, porque se trata de uma acusação de violação e a queixosa não se encontra em Macau, não abriram o processo.

Questões duvidosas

Ao descrever como decorreu a investigação, Emon Zhou apontou ainda o dedo à UM quanto à forma como recolheu informações e colocou questões sobre o caso. Nomeadamente, a UM terá solicitado “informação desnecessária” sobre a sua vida amorosa e “formulado questões inapropriadas” que apontavam para “tendências de culpabilização da vítima” e a sua eventual “incapacidade mental”.

“A forma como as questões foram colocadas deu sempre a sensação de não terem acreditado no meu relato. Quanto às questões em si, acho que foram feitas perguntas perfeitamente desnecessárias como, quando é que iniciei o relacionamento com o meu actual namorado ou quantas publicações fiz no Instagram ao longo de um ano. Dirigiram também muitas questões aos meus amigos, onde basicamente sugeriam que sofria de perturbações mentais”, partilhou com o HM.

Entre as questões enviadas no decorrer da investigação constam solicitações e perguntas como: “Providencie, por favor, a data exacta em que iniciou o relacionamento com o seu actual namorado”, “quantas stories publicou na rede social Instagram desde Agosto de 2020?” ou “Considera a possibilidade de outra pessoa além do Sr. Lou Chengkai [o ex-namorado] ter usado os mesmos métodos para a perseguir a si e aos seus amigos nas redes sociais?”

Por último, a denunciante revelou ainda não ter havido, além do email, outra forma de contacto, quer telefónica ou através de plataformas de videoconferências, para a ouvir e materializar assim as audições que foram prometidas no início da investigação.

Patriotismo em cheque

Segundo Zhou, depois de a história se ter tornado pública, começou a ser acusada pelo ex-namorado de “falta de patriotismo” em grupos de WeChat da UM, por ter redigido a carta aberta em inglês e numa altura em que já se encontrava a viver nos Estados Unidos da América.

De acordo com o relato da vítima, tratou-se apenas de uma estratégia para desacreditar o seu relato sobre a violação, perante quem estava a travar contacto com o caso pela primeira vez. Até porque, recorda a queixosa, “a língua oficial da universidade é o inglês” e todos os documentos da UM estão redigidos nesse idioma.

“Recebi acusações de teor nacionalista, a dizer que, por estar a viver nos EUA e já ter passado muito tempo, não tinha o direito de falar no assunto. Mencionaram também que as minhas crenças políticas eram demasiado progressistas, mas isso é totalmente irrelevante. Acho que aquilo que o meu ex-namorado estava a tentar dizer é que tenho ideias políticas incorrectas e que não era suficientemente patriota. Apesar de achar irrelevante, sublinho que não sou essa pessoa que me acusaram de ser”, referiu.

O lado bom

Apesar de considerar que a forma como decorreu todo o processo foi “revoltante” e uma “desilusão”, Emon Zhou não tem dúvidas que o facto de ter decidido tornar o caso público tem contribuído para que mais pessoas, em particular os actuais alunos da UM, tomem medidas “para se proteger melhor” e não tenham medo de falar sobre casos de violação, assédio sexual e violência doméstica. Até porque o caso tem colhido bastante apoio dos alunos e a carta aberta dirigida à UM tem actualmente cerca de 500 signatários.

“Muitas jovens que frequentam cursos na UM estão constantemente a perguntar-me o que podem fazer para me ajudar. Por isso, também tem sido um processo galvanizante (…) e um grande consolo receber apoio de pessoas que acreditam em mim. Pelo menos, desta forma, as pessoas sabem o que se passou, podem tomar medidas para se proteger melhor e vão ter cuidado com este indivíduo que frequenta actualmente a UM”, explicou.

A denunciante lembra ainda que existem muitos “obstáculos” em relação aos casos de assédio sexual entre os elementos de um casal e que em Macau existe uma “grande estigmatização”, quando estes tópicos são abordados. Assim sendo, considera que deve ser feita uma maior aposta na educação dedicada à igualdade de género e que a Associação Geral das Mulheres de Macau devia prestar mais apoio às vítimas de assédio sexual e violência doméstica através da promoção de grupos de debate ou sessões de terapia, para que as ofendidas não fiquem desamparadas e “possam partilhar sentimentos e histórias com quem as entende”.

Trabalho por fazer

Confrontada com o caso, a deputada e vice-presidente da Direcção da Associação Geral das Mulheres de Macau, Wong Kit Cheng sublinhou que, embora os estabelecimentos de ensino, como a UM, possuam os seus próprios mecanismos para lidar com casos de violação e assédio sexual, as dificuldades inerentes a este tipo de situações, tornam necessárias eventuais revisões legais.

“Caso o combate contra os crimes sexuais não seja suficiente, devemos considerar rever as sanções previstas na lei e melhorar os mecanismos de denúncia e prestação de depoimentos, sempre que existam dificuldades em recolher provas”, explicou ao HM.

Para a deputada, além do clima social de “tolerância zero” em relação a violação, abuso sexual e assédio sexual é fundamental, dada a natureza oculta da maioria dos actos, ensinar os mais novos a tomar medidas de auto-protecção, a reagir perante este tipo de situações e a denunciar os casos “em tempo oportuno”.
Wong Kit Cheng defendeu ainda que este tipo de agressões será “naturalmente reduzido” se a igualdade de género for uma realidade quotidiana nas várias dimensões da sociedade, desde os cargos de chefia ao desempenho das tarefas domésticas.

Por seu turno, o deputado Ron Lam acha que a UM deve fazer tudo o que está ao seu alcance para confirmar a ocorrência do caso, mas, essencialmente, “elaborar orientações específicas” que contribuam para evitar o assédio sexual no campus universitário.

Além disso, sugere que, à semelhança de Hong Kong, Macau crie uma Comissão para a Igualdade de Oportunidades (EOC na sigla inglesa), que seja responsável por incentivar instituições e organismos a elaborar orientações para prevenir o assédio sexual, bem como fazer divulgação sobre a matéria.

Segundo Ron Lam, devido ao facto de a maioria dos casos acontecer “à porta fechada” e a recolha de provas ser uma tarefa “muito difícil”, é necessário evitar, a todo o custo, chegar à fase da criminalização. Ao invés, devem ser estabelecidos critérios de dissuasão que evitem este tipo de agressões e permitam às vítimas “lutar por justiça”.

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Henrique
Henrique
5 Abr 2022 01:24

A UM preocupa-se com a sua própria reputação e não com a dignidade dos seus alunos.