Parte 6. Ang Lee: A doçura do vinagre

O Cinema é um formato belo e único. É simultaneamente um jogo e um transformador desse mesmo jogo. Nesta série, a autora e pensadora visual, Julie Oyang, apresenta 12 realizadores chineses, as suas obras e as suas invenções estéticas, que acabam por se revelar as invenções estéticas de antigos filósofos.

 

Surgiu como um dos realizadores mais versáteis, populares e aplaudidos pela crítica. Reconhecido pela capacidade de transcender fronteiras culturais e estilísticas, Ang Lee (n. 1954) construiu uma obra diversa, que inclui filmes que falam de choques culturais e globalização Eat Drink Man Woman, 1994, The Wedding Banquet, 1993), o drama de época Sense and Sensibility, 1995, o épico de artes marciais Crouching Tiger, Hidden Dragon, (2000), o filme a partir da banda desenhada Hulk, 2003, o western Brokeback Mountain, 2005, e a aventura mágica em 3D The Life of Pi, 2012.

Lee vai beber tanto à tradição filosófica oriental, como à tradição filosófica ocidental, para abordar as suas temáticas. Neste artigo vamos focar-nos na forma como ele “negoceia” os pontos de vistas orientais no universo do cinema e como de forma criativa trata questões sensíveis em Brokeback Mountain.

O filme, realizado em 2005, é uma adaptação do romance de Annie Proulx sobre a relação intensa entre dois cowboys, que se conhecem enquanto pastoreiam gado numa montanha do Wyoming, em 1963. Tanto o filme como o romance realçam a natureza complexa da relação emocional e sexual entre eles ao longo de vinte anos, durante os quais lutam contra a desaprovação social e tentam manter viva a chama do primeiro encontro.

Contudo, o filme de Lee interliga o género western com a filosofia oriental, o que permite que os espectadores vejam a homossexualidade sobre uma nova perspectiva.

A representação tradicional do cowboy no Ocidente corresponde ao arquétipo heterossexual. Esta representação vai sem dúvida colidir com o conceito “queer” de género e sexualidade. Mas em vez de reproduzir o arquétipo ocidental ou o conceito “queer”, Brokeback Mountain transporta o western numa direcção diferente e inovadora.

Em formato cinematográfico, Lee ajuda-nos a compreender a simbiose entre o conceito primordial de amizade e o conceito de ren: o ser humano enquanto ser social e não como um objecto que consome e é consumido pela sexualidade. Quando a noção de género pré-determinado está ausente, não existe necessidade de um conceito “queer” para explicar a homossexualidade.

Para ilustrar a ancestral tolerância chinesa em relação às preferências sexuais, que não coloca um rótulo na homossexualidade, vamos examinar uma conhecida pintura chinesa, os Provadores de Vinagre.

A composição alegórica leva-nos a compreender como o Taoísmo difere das outras crenças. Os Provadores de Vinagre reproduz três homens em torno de um barril de vinagre. Cada um deles representa um dos três pilares da sabedoria chinesa – o Confucionismo, o Budismo e o Taoísmo – e o vinagre representa a “essência da vida”.

Um dos homens, Confúcio, reage como se tivesse provado algo azedo, o segundo, Buda, reage como se tivesse provado algo amargo e o último, Lao Zi, reage como se tivesse provado algo doce. O Confucionismo considera a vida azeda, necessitada de regras para corrigir a degeneração humana. O Budismo diz-nos que a vida é amarga, cheia de dor e sofrimento, causados por uma ligação excessiva aos bens e aos desejos materiais. O Taoísmo vê a doçura da vida porque a considera perfeita no seu estado natural.

Citações famosas de Ang Lee para reter na memória:

• De facto, o medo torna-nos genuínos.
• Gosto de pensar que não sou categorizável.
• Um filme é pura provocação. Não é uma mensagem, não é a afirmação de um ponto de vista.
• Cresci pacificamente, à maneira oriental. Resolvemos problemas facilmente e acreditamos na harmonia. Reduzimos os conflitos, obedecemos a ordens até ao dia em que somos nós a dá-las.
• A luta de identidade representou um papel importante na minha vida.

A NÃO PERDER: 1993 The Wedding Banquet, 1994 Eat Drink Man Woman, 1997 The Ice Storm, 2000 Crouching Tiger, Hidden Dragon, 2005 Brokeback Mountain, 2007 Lust, Caution, 2012 Life of Pi

 

Julie Oyang é uma autora de naturalidade chinesa, artista e argumentista. É ainda colunista multilingue e formadora em criatividade. As suas curtas metragens foram selecciondas para o Festival de Vídeo de Artistas Femininas e também para a Chinese Fans United Nations Budapest Culture Week. Actualmente, é professora convidada da Saint Joseph University, em Macau. Gosta especialmente de partilhar histórias inesperadas, contadas a partir de perspectivas particularmente distintas. Divide a sua vida entre Amsterdão, na Holanda, e Copenhaga, na Dinamarca.

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mariatatao
mariatatao
12 Mar 2022 06:02

Belíssimo artigo