Justiça | Rita Santos confirma que ATFPM foi utilizada para amealhar investidores para negócios do filho

No primeiro seminário na sede da ATFPM para promover as actividades de criptomoeda em que o filho estava envolvido, Rita Santos assinou um contrato de 200 mil dólares de Hong Kong e pagou em dinheiro vivo. Ontem, em tribunal, a dirigente da associação lamentou acreditar “facilmente nas pessoas” e ter sido enganada por Dennis Lau

 

Rita Santos afirmou ontem em tribunal ter conhecimento e autorizado as actividades para promover os negócios do filho, Frederico Rosário, na sede da Associação de Trabalhadores da Função Pública e Macau (ATFPM). A presidente da Assembleia-Geral da associação foi ouvida na segunda sessão do julgamento em que o filho e o parceiro de negócios, Dennis Lau, são acusados da prática de 48 crimes de burla.

Segundo Rita Santos, a associação realizou várias actividades de captação de investimentos em 2018 e 2019, antes de rebentar o escândalo com o negócio do filho e do parceiro, Dennis Lau, que terá lesado cerca de 71 pessoas num montante superior a 10 milhões de dólares de Hong Kong.

Ouvida na condição de testemunha, a mãe do arguido admitiu ser a pessoa responsável pelos eventos organizados na ATFPM, contudo, recusou ter beneficiado o filho. Rita Santos indicou ainda que a ideia de organizar vários seminários ao longo de 2018 na sede da ATFPM tinha partido de Dennis Lau, empresário que conheceu em 2017.

“Eu sou a responsável pela organização das actividades da ATFPM, por decisão da direcção”, começou por reconhecer a dirigente. “A associação organiza vários seminários e tem muitas actividades. Em 2017, houve 146 seminários, em 2018, mais de 100 seminários, sobre vários aspectos como investimentos”, afirmou a dirigente associativa.

No entanto, segundo Rita Santos, a ideia de organizar os seminários sobre os negócios do filho partiru de Dennis Lau, que terá entrado em contacto com a ATFPM através das secretárias. Nessa altura, a também Conselheira da Comunidades Portuguesas já tinha conhecido Dennis Lau, tendo sido convidada para um evento relacionada com as companhias do empresário em Hong Kong. De acordo com a mãe de Frederico Rosário, o encontro foi fundamental para que Lau tivesse requisitado a ATFPM para os seminários. “Quando fui ao evento em Dezembro de 2017 ofereci uma revista do 30.º aniversário da ATFPM. Ele guardou a revista e acho que foi assim que ele soube que fazíamos eventos e que podia organizar actividades na ATFPM”, justificou.

Investimento de 1,79 milhões

Com o primeiro seminário a acontecer a 14 de Janeiro de 2018, Rita Santos esteve presente e assinou logo um contrato de investimento inicial, com o pagamento de 200 mil dólares de Hong Kong, em dinheiro vivo. “No final do seminário perguntaram se alguém estava interessado em investir, e eu fui uma das pessoas que investiu. […] Paguei e recebi um recibo. O primeiro pagamento foi 200 mil dólares de Hong Kong, em cash”, admitiu.

A dirigente da ATFPM confessou também ir preparada para investir, uma vez que tinha levantado o dinheiro. “Eu sabia que podia ter um bom retorno do investimento, por isso já me tinha preparado antes com o dinheiro vivo”, relatou. Rita Santos foi ainda questionada se tinha investido à frente dos outros participantes, mas não deu uma resposta clara. “Eu tirei o dinheiro e entreguei na sede [da ATFPM], mas não sei se as outras pessoas estavam a ver”, respondeu.

Os investimentos não se ficaram por este montante. Ao longo de vários contratos assinados até Junho, Rita Santos disse ter pago 1,79 milhões de dólares de Hong Kong. Por outro lado, recebeu pagamentos como “retorno” do investimento de 580 mil dólares de Hong Kong, o que significa que sofreu perdas superiores a 1,2 milhões.

A Conselheira das Comunidades Portuguesas não foi a única a registar perdas e apontou que quando “Dennis Lau deixou de pagar os retornos” a sua família e amigos, que também tinham investido no negócio, tiveram perdas de quase 6 milhões de dólares de Hong Kong.

Defeito de acreditar

A forma como a sede da ATFPM foi envolvida numa actividade que parecia um negócio e corre o risco de ser qualificada como burla levou a advogada Sílvia Mendonça, que representa uma assistente do processo, a questionar a utilização do espaço para “contratos esquisitos”. “Na altura eu não achei que os contratos fossem esquisitos. O Dennis Lau parecia uma pessoa muito honesta”, retorquiu Rita Santos.

Sílvia Mendonça questionou também o facto de a dirigente associativa ter sido enganada, quando é uma pessoa experiente, com um percurso profissional por vários serviços públicos. Neste capítulo, a dirigente da ATFPM assumiu as culpas: “Embora tenha sido directora de serviços, sou uma pessoa muito emocional, acredito facilmente nas pessoas. Tenho esse defeito”, respondeu. “Não acreditei que um jovem como o Dennis estivesse mal-intencionado. […] Só depois de fazer uma análise às contas, e eu sou auditora acreditada, é que percebi que o Dennis não era uma pessoa séria”, acrescentou. “Foi um grande choque para mim que um jovem pudesse enganar as pessoas de idoneidade de Macau”, considerou. Rita Santos apontou também que, desde o início, Lau teria agido de forma a burlar as pessoas de Macau, inclusive o seu filho.

Ligações familiares

Na sessão de ontem, diversas testemunhas referiram que vários membros da família de Frederico Rosário amealhavam investidores, a quem eram propostos retornos mensais que variavam entre 18 a 52 por cento do montante investido. Porém, houve pessoas que reconheceram que o facto da ATFPM estar envolvida foi fundamental para a decisão. “Tínhamos confiança no investimento porque confiamos na ATFPM, por isso achamos que o risco era menor”, referiu Chan Ia Fei, que faz parte de um grupo de pelo menos quatro membros Corpo de Bombeiros burlados que participou nas reuniões na sede da associação.

Além dos seminários da ATFPM, Rosário atraía investidores para o negócio através da mulher, Manuela, que várias testemunhas referiram como tendo sido a pessoa a enviar as brochuras com o “plano de investimento” nas empresas de criptomoeda, assim como os contratos. Porém, o pai do arguido, também ele Frederico, desempenhou um papel igual, tendo convencido o irmão Filipe. A revelação foi feita pelo irmão, ouvido ontem em tribunal, que ilibou o sobrinho de qualquer culpa: “Não acredito que o meu sobrinho me tenha enganado”, vincou Filipe Rosário.

Até às 20h de ontem, tinham sido ouvidas 18 pessoas, que segundo os cálculos apresentados na sessão somavam perdas de 3,16 milhões de dólares de Hong Kong com o alegado esquema. No entanto, pelo menos cinco testemunhas pediram para desistir das queixas crimes e pedidos de indemnização, por considerarem que Frederico Rosário também tinha sido enganado por Dennis Lau, que está a ser julgado à revelia.

Dependendo dos montantes envolvidos, o crime de burla pode ser punido com uma pena que pode chegar aos 10 anos de prisão.

Planos de Investimento em Computadores

Segundo o plano de investimentos apresentado às testemunhas, apesar de a empresa montada por Dennis Lau e Frederico Rosário oferecer investimentos na área das criptomoedas, as pessoas não compravam moedas digitais.

Aos interessados eram oferecidos diferentes programas de investimento para a compra de computadores altamente desenvolvidos que, numa primeira fase eram alugados à empresa. Após o pagamento dos retornos, que variavam entre 18 por cento a 52 por cento, os computadores eram adquiridos pela
empresa.

Os computadores seriam, depois, utilizados pela companhia para “minerarem” criptomoedas. A mineração é um processo que regista e verifica as transacções feitas pelos utilizadores de moedas digitais, ou seja, é um processo que funciona como um livro de contabilidade entre os computadores interligados em rede. No entanto, o processo é altamente complexo e funciona com base em problemas matemáticos. Por isso, o primeiro computador a resolver o problema é compensado com um pagamento de criptomoeda. Era desta forma que a empresa iria compensar os investidores.

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