Hong Kong | Apple Daily não consegue pagar salários depois de congelamento de bens

O jornal Apple Daily, em Hong Kong, indicou ontem que não consegue pagar os salários dos jornalistas, depois dos bens do grupo terem sido congelados, o que poderá levar ao encerramento. O proprietário do jornal, Jimmy Lai, está a cumprir actualmente uma pena de vários meses de prisão por instigação aos protestos de 2019 e enfrenta ainda acusações por “conluio com forças estrangeiras”, por defender sanções contra dirigentes de Pequim e de Hong Kong.

“O nosso problema não é falta de fundos, temos 50 milhões de dólares no banco”, explicou à cadeia de televisão CNN um conselheiro de Lai a viver no estrangeiro, Mark Simon. “O nosso problema é que o secretário responsável pela Segurança e a Polícia não nos deixa pagar aos jornalistas (…), ao pessoal (…) e fornecedores. Bloquearam as nossas contas”, disse.

O congelamento dos bens foi ordenado em 17 de Junho, horas depois de a polícia ter efectuado buscas ao jornal e detido cinco pessoas. Dezoito milhões de dólares de Hong Kong de bens detidos pelo jornal foram congelados ao abrigo da Lei de Segurança Nacional.

Dois responsáveis do Apple Daily, Ryan Law e Cheung Kim-hung, este último também director-geral da empresa-mãe do diário Next Digital, foram detidos e acusados de “conspirar com forças estrangeiras”, ao abrigo da lei de segurança nacional. Três outros responsáveis do jornal foram, entretanto, postos em liberdade sob caução.

De acordo com a polícia local, o Apple Daily publicou “dezenas de artigos”, entre os quais uma coluna de opinião assinada pelo proprietário do jornal, uma das figuras mais conhecidas da oposição pró-democracia de Hong Kong, que provariam que o diário conspirou com forças ou elementos estrangeiros.

Organizações não governamentais internacionais como a Amnistia Internacional consideraram rusgas e detenções como um “novo ataque à liberdade de imprensa” na antiga colónia britânica, mas as autoridades locais alegaram que a operação é parte de um “caso de conspiração” e não está relacionada “com o trabalho dos meios de comunicação ou dos jornalistas”.

“O trabalho jornalístico normal é realizado com liberdade e respeito pela lei em Hong Kong”, disse o secretário da Segurança, John Lee, que deixou um aviso aos jornalistas locais. “Façam o vosso trabalho jornalístico com a liberdade que desejarem, de acordo com a lei e assumindo que não conspiram ou têm a intenção de violar a lei de Hong Kong, muito menos a lei de segurança nacional”, disse.

Jornal poderá ser encerrado

Alguns advogados e peritos jurídicos em Hong Kong consideram a suspensão da operação do jornal e um encerramento completo como “uma medida legítima e necessária dada a sua má conduta por suspeita de violação da lei de segurança nacional”.

“A intenção do jornal é desafiar a lei de segurança nacional usando a ‘liberdade de expressão’ como ‘escudo’, mas nenhum direito ou liberdade, incluindo o de imprensa, pode atravessar a linha da segurança nacional”, disseram alguns peritos jurídicos que consideram ser a altura de encerrar o Apple Daily, pois “em vez de ser um meio de comunicação social, o jornal tornou-se uma ferramenta anti-governamental radical na divulgação de mentiras e ódio, ao fazer reivindicações atraentes e sediciosas com preconceitos para atingir objectivos políticos, e não abandonou as suas tentativas de conluio com forças estrangeiras desde que a lei de segurança nacional de Hong Kong entrou em vigor”.

“O que o Apple Daily fez é absolutamente claro: o jornal toma a lei de segurança nacional como nada e continua a violá-la, indo muito além dos padrões éticos e jornalísticos”, disse Louis Chen, secretário-geral da Hong Kong Legal Exchange Foundation.

“Há toneladas de provas que mostram o Apple Daily a conspirar com forças estrangeiras e a instigar à sedição, quer se trate da conversa ao vivo de Lai a pedir ajuda às forças ocidentais ou de alegações publicadas do chamado apoio de políticos ocidentais, todos eles suspeitos de violar a lei”, disse Chen, observando que as autoridades devem impedir a publicação do jornal.

Outro jornal de Hong Kong, o Oriental Daily, noticiou no domingo que desde que pelo menos 10 quadros superiores do seu sector editorial desistiram, o que tem dificultado o seu funcionamento. “O caso envolve o chefe e os seus quadros superiores, o que torna toda a empresa uma plataforma suspeita de pôr em perigo a segurança nacional, que deveria ser encerrada, pelo menos suspensa para cooperar com a aplicação da lei”, disse Lawrence Tang, membro da Associação Chinesa de Estudos de Hong Kong e Macau, no domingo.

De acordo com o artigo 31 da lei de segurança nacional de Hong Kong, um organismo incorporado ou não incorporado, como uma empresa ou uma organização que cometa uma infracção nos termos da lei, será multado, e o funcionamento da empresa ou organização será suspenso ou a sua licença ou licença de negócio será revogada se o organismo tiver sido punido por cometer uma infracção nos termos da lei.

“Há fortes indícios de que dezenas de artigos publicados pelo Apple Daily desde 2019 desempenharam um papel crucial na conspiração que forneceu munições a países e instituições ou organizações estrangeiras para impor sanções à China e à região de Hong Kong”, disse o Superintendente Sénior da polícia de Hong Kong, Steve Li Kwai-wah, aos repórteres após as detenções de quinta-feira.

Ex-Chefe do Executivo acusa jornal de conluio

O antigo chefe executivo do governo da RAEHK, Leung Chun-ying, publicou várias vezes no seu próprio Facebook, questionando o papel legítimo do Apple Daily como meio de comunicação social quando publicou anteriormente os slogans dos protestos anti-governamentais e quando alguns fundos de caridade relacionados com o jornal subvencionaram os tumultos em 2019.

Na sequência das últimas detenções e operações policiais, o Apple Daily publicou uma carta aos seus leitores dizendo que o seu pessoal se manteria fiel ao seu trabalho, o que Leung chamou de “vergonha até ao fim, vergonha de Hong Kong e vergonha dos meios de comunicação globais”.

Entre três directores independentes não executivos, Louis Gordon Crovitz é americano e a sua esposa Minky Worden, que trabalha para a Human Rights Watch, tem “apelado constantemente para que a comunidade internacional pressione a China e ataque o país sobre as suas políticas de Xinjiang e Hong Kong, bem como apelando a um boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno na China”, disse Leung num post, perguntando “quem mais se pode comparar ao Apple Daily sobre conluio com forças externas?

Carrie Lam adverte ‘media’

A chefe do executivo de Hong Kong advertiu esta terça-feira que os meios de comunicação social não devem incitar à revolta contra o Governo, numa referência ao caso do jornal Apple Daily. “Criticar o Governo de Hong Kong não é um problema, mas se existe uma intenção de organizar ações que incitem à subversão do Governo, então é claro que é diferente”, disse Lam.

“Os amigos dos meios de comunicação social devem ser capazes de distinguir entre os dois”, acrescentou, na conferência de imprensa semanal. Lam disse que o caso contra o Apple Daily não era um ataque ao “trabalho jornalístico normal”, mas acusou o diário de ter tentado minar a segurança nacional da China em artigos publicados.

Questionada sobre o que considera o Governo de Hong Kong “trabalho jornalístico normal”, Carrie Lam respondeu apenas: “Penso que está em melhor posição para responder a essa pergunta”.

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