Apoio ao consumo | Comerciantes pouco optimistas quanto à nova ronda de apoios

Os residentes inscritos no “Plano de benefícios de consumo por meio electrónico” já podem começar a utilizar o montante total de 8.000 patacas. Ao HM vários comerciantes revelam estar pouco optimistas, havendo, contudo, quem esteja a planear campanhas para a ocasião. Do lado dos consumidores, a ajuda é bem-vinda, com a maioria a preferir o cartão de consumo ao pagamento móvel. Cerca de 540 mil residentes já se inscreveram

 

No meio do deserto lá passa uma aragem. A partir de hoje, os residentes permanentes e não permanentes de Macau inscritos no “Plano de benefícios de consumo por meio electrónico”, podem começar a utilizar, por via digital ou através de cartão de consumo, os montantes destinados a apoiar a economia de Macau, no valor total de 8.000 patacas por pessoa.

Até ao meio-dia de ontem, aproximadamente 540 mil residentes já tinham efectuado a inscrição para obter o montante inicial de 5.000 patacas e outro, para desconto imediato, no valor de 3.000 patacas, sendo que, do total de inscritos, 405 mil residentes já receberam os valores do apoio, podendo começar a gastá-lo a partir de hoje. De referir ainda que, até ao momento, a maioria dos inscritos, ou seja 303 mil residentes, optou pelo cartão de consumo em detrimento da utilização de pagamentos móveis, ou seja 203 mil residentes.

Uma ronda por alguns estabelecimentos localizados no centro da cidade, revelou que a maioria dos comerciantes está pouco optimista relativamente aos efeitos práticos que o programa do Governo vai ter ao nível do negócio, apontando, contudo, que existem sempre alguns benefícios. Com o fantasma da pandemia a persistir, outra das preocupações reveladas pelos lojistas com quem o HM falou, prende-se com o facto de a maioria dos consumidores canalizarem grande parte dos gastos dos apoios para as grandes superfícies e supermercados.

Chang é responsável por uma banca de venda de carne, localizada no Mercado de São Domingos e vê com bons olhos a nova ronda de apoios, apesar de não ter grandes expectativas quanto à melhoria do negócio.

“Acho que o plano de benefícios ao consumo pode contribuir para melhorar o negócio, mas as vendas têm sido muito más [devido à pandemia] e, por isso, não estou a ver que o programa possa trazer assim tantos benefícios. Além disso, devido ao calor que se faz sentir agora, as pessoas preferem fazer compras nos supermercados em vez de vir aos mercados municipais”, partilhou.

Dois andares abaixo, na área da peixaria, Chao conta que na banca onde trabalha não houve despedimentos devido à situação causada pela pandemia, mas que o seu salário foi cortado. Sobre o plano de apoio ao consumo espera que “beneficie o negócio” e deixa elogios à utilização do cartão de consumo em detrimento dos pagamentos electrónicos, pois “só os jovens sabem utilizá-los”.

Às compras naquela zona está Lito, residente de Macau natural das Filipinas, que assegura já ter efectuado antecipadamente a inscrição no plano de apoio. Questionado sobre o meio de pagamento seleccionado, o residente de 59 anos revela ter optado pelo cartão de consumo por ter “medo de ser alvo de ciberataques”.

Uma cliente do mercado municipal de São Domingos de apelido Ieong confirma também a preferência pelo formato físico, revelando ter optado pelo cartão de consumo.

“Já me inscrevi no plano e fui carregar o meu cartão de consumo. Não tenciono gastar o montante em nenhuma área específica, até porque ao longo de meio ano é fácil gastar a totalidade do valor”, contou ao HM.
Recorde-se que, a partir do momento em que os valores são atribuídos aos residentes, os apoios poderão ser utilizados até ao final do ano, ou seja, 31 de Dezembro de 2021.

O “Plano de benefícios do consumo por meio electrónico” é uma das iniciativas que integram a estratégia do Governo de salvaguarda do emprego e estabilização da economia. O objectivo, passa por “aliviar as dificuldades da população” e estabilizar a economia”, salientou o director dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT), Tai Kin Ip, por ocasião da apresentação do programa.

É melhor aproveitar

Na rua o negócio já viu melhores dias e mais turistas, mas nem por isso, alguns comerciantes vão tentar capitalizar com o início do plano de apoio ao consumo para atrair clientela local.

O responsável de uma farmácia localizada na rua de São Domingos, de apelido Kuok aponta que, apesar de a maioria dos clientes serem do Interior da China e virem, sobretudo, à procura de comprar leite em pó, a partir de hoje vai introduzir descontos entre os 10 e os 20 por cento em todos os produtos. Até porque, nas rondas de apoio anteriores, o programa do Governo contribuiu para que o volume de negócios do estabelecimento aumentasse cerca de 20 por cento.

“[Nas rondas anteriores], a utilização do cartão do consumo fez aumentar em cerca de vinte por cento o volume total do negócio. Espero que o novo plano de benefícios ao consumo possa trazer um aumento semelhante. Os supermercados são os maiores beneficiários do plano, mas as pessoas acabam normalmente por comprar leite em pó nas farmácias. No ano passado, 10 por cento do consumo feito aqui na loja através do cartão de consumo foi para comprar leite em pó”, revelou ao HM.

Por seu turno, a gerente de uma cadeia de lojas de cosmética, de apelido Tong, revela que no ano passado houve “pouco volume de negócio impulsionado pelo cartão de consumo”, embora tenha visto o consumo dos clientes locais a aumentar. Questionada se iriam ser aplicadas promoções a pensar na nova ronda de apoios, a responsável partilhou tal não vai acontecer, não só porque a maioria dos consumidores são habitualmente turistas do Interior da China, mas também porque desde o início da pandemia a maioria dos produtos já têm desconto.

Sol de pouca dura

Em Abril, durante a apresentação do “Plano de benefícios de consumo por meio electrónico”, Tai Kin Ip apontou que, através do programa, o Governo espera injectar mais de seis mil milhões de patacas, embora o efeito na economia possa ser mais abrangente.

Contactado pelo HM, Albano Martins revela que o plano apoia de facto a economia, mas de uma forma “fragilizada”, pois o valor a injectar no mercado representará apenas cerca de 10 por cento de um trimestre. Além disso, o economista aponta que depois dos incentivos acabarem “vão continuar a haver layoffs”, até porque o apoio não chega a todos os sectores e, ao contrário da primeira ronda de apoios, as medidas de retenção de trabalhadores não existem.

“Se o incentivo ao consumo não for feito de forma continuada não funciona e não tem significado na economia. Os valores representaram cerca de 4,0 por cento do PIB por trimestre ou, de outra forma, representa cerca de 10 por cento de um trimestre. Não estou muito convencido que é por aí que se vai dar a volta até porque grande parte desse consumo é feito, sobretudo, no mesmo tipo de empresas como supermercados e restaurantes. As outras PME não recebem esses apoios”, começou por dizer.

“Acabado o consumo, as pessoas são colocadas outra vez em layoff ou despedidas. Não há garantias nenhumas de que isso não vá acontecer. No passado, quando o Governo lançou o primeiro pacote de apoio, impediu que as empresas despedissem trabalhadores porque deu incentivos com a condição de não despedir. Não há nada disso neste momento. O que há é literalmente algo para alegrar a malta toda mas, na prática, quando acabar o consumo (…) empresas ficam na mesma”, rematou.

Ainda há esperança

Apesar de o plano prever originalmente a inclusão de trabalhadores não residentes (TNR), os actuais moldes em que o plano foi pensado após forte contestação da população, não incluem os trabalhadores migrantes.

O Governo já admitiu a possibilidade de o plano, ou pelo menos a vertente das 3.000 patacas em descontos, poder ser alargada aos TNR. Contudo o tema continua “em estudo”, de acordo com as palavras proferidas por Tai Kin Ip no passado mês de Abril.

Contactada pelo HM, a presidente da União Progressista dos Trabalhadores Domésticos de Macau, Jassy Santos, considera que, se tal vier a acontecer, seria uma “grande ajuda”, até por muitos trabalhadores migrantes estão actualmente a viver da caridade, por terem perdido os postos de trabalho.

“Temos esperança de ainda vir a ser incluídos no programa porque isso seria uma grande ajuda para os muitos trabalhadores não residentes que, actualmente, estão a viver apenas à custa da caridade. Espero sinceramente que o Governo venha a incluir os trabalhadores migrantes. Era uma grande ajuda”, referiu.
Sobre as razões da exclusão, Jassy Santos aponta que, em Macau, a classe que representa não é tratada com dignidade.

“Em Macau não somos tratados como trabalhadores. Na verdade, nem somos tratados como seres humanos. Devem pensar que não temos de comer ou que não consumimos. O Governo é realmente discriminatório em relação aos TNR. Nós também consumimos, na verdade, somos bons consumidores. O nosso salário apenas é gasto aqui”, apontou a responsável.

Fraudes | DSEDT e CC alertam comerciantes para cumprimento da lei

Dias antes do início da utilização dos “benefícios de consumo por meio electrónico”, a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT) e o Conselho de Consumidores (CC) deslocaram-se a vários bairros da cidade para apelar aos comerciantes para o cumprimento rigoroso das regras de utilização do programa. O objectivo, segundo um comunicado oficial passa, sobretudo, por proteger os direitos dos consumidores e evitar a utilização ilícita dos montantes afectos à nova ronda de apoio.

“Os comerciantes não podem aceitar, de forma ilícita, o pagamento com subsídio de consumo, nem praticar actos que prejudiquem os direitos e interesses dos consumidores, nomeadamente a prestação de informações enganosas sobre o preço ou o aumento do preço sem justa causa, devendo ainda os mesmos prestar plena cooperação”, pode ler-se na nota.

Caso se verifiquem irregularidades, lembra a DSEDT, o organismo pode, dependendo da gravidade da situação “fazer cessar, no prazo indicado, a aceitação do pagamento com benefícios de consumo por meio electrónico por todos ou parte dos estabelecimentos comerciais do empresário comercial ao qual pertence aquele estabelecimento”.

Relativamente a receios de eventuais oscilações de preço, a DSEDT revelou que entre 1 de Maio de 2020 e 28 de Maio de 2021, efectuou 7.500 inspecções a estabelecimentos comerciais, tendo sido inspeccionados aleatoriamente cerca de 75.000 unidades de produtos.

Por seu turno, o CC aponta que, nos últimos dias afixou a etiqueta do código QR e cartazes do serviço “Consumidor Online” em vários estabelecimentos comerciais, permitindo que, no momento da transação, os consumidores possam apresentar reclamações por via de texto ou fotografia.

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