Marcus Schütz, professor ligado ao projecto “Silk and Road Explained”: “Queremos despolitizar esta iniciativa”

Desmistificar ideias e explicar os passos a adoptar para investimento e cooperação são os objectivos principais do projecto “Silk and Road Explained”, que conta com a colaboração de académicos de vários países associados à política chinesa “uma faixa, uma rota”. Marcus Schütz, professor universitário e especialista em investimentos chineses no âmbito desta política, é um dos responsáveis pelo projecto. Defende que, nesta matéria, Macau tem um papel cultural e diplomático, enquanto que Hong Kong não conseguiu inovar além do seu papel de centro financeiro

 

Como surgiu a ideia de criar este projecto?

A primeira ideia foi reunir um grupo de académicos e colaboradores que trabalham com projectos relacionados com a política “uma faixa, uma rota”. Cedo percebemos que havia diferentes entendimentos daquilo que é esta política. Para mim, é mais uma narrativa, é uma forma de coordenar fundos e projectos, e não apenas chineses. É um esforço multilateral, embora tenha tido origem na China. Diria que a visão ocidental desta iniciativa está muito politizada e queremos estar afastados disso. O nosso objectivo é desmistificar algumas das narrativas que há por aí em torno desta política, mas isso nem sempre é fácil. Queremos despolitizar esta iniciativa com as explicações que damos e convidar mais participantes da China para esta discussão. Queremos mesmo ter uma visão neutra.

Querem aproximar-se mais de uma visão económica, talvez?

O Global Policy Institute, em Londres, que é um dos nossos colaboradores, tem uma visão das políticas que levam a melhores relações comerciais, a uma melhor integração e ligação em matéria de importações e exportações. Olham para os sistemas financeiros onde estamos inseridos, temos o dólar americano, o euro, o renmimbi. Esta é a parte das políticas, mas depois temos o lado prático, da implementação, que visa responder à pergunta: “se eu quero fazer parte disto, se me quero candidatar ao financiamento de um projecto, que passos tenho de dar?”. E há depois uma terceira parte, relacionada com as oportunidades que esta política pode proporcionar. Agora olhamos sobretudo para as oportunidades das empresas ocidentais.

Coloca-se a questão da dependência financeira de alguns países em relação à China, graças aos empréstimos concedidos?

A dependência desenvolve-se sempre quando se tem um parceiro de negócios. Vemos muitas vezes o argumento de que a China deliberadamente empresta dinheiro a países com mais fragilidades para que haja dificuldades em pagar esse empréstimo, para aumentar o impacto nas políticas internas desses países. Por exemplo, nos países africanos, uma investigação recente da Universidade John Hopkins olha para os empréstimos concedidos aos países africanos e não foi encontrada uma evidência de que isto tenha sido feito para aumentar a dependência desses países.

Com a pandemia, acredita que a política “uma faixa, uma rota” enfrenta grandes mudanças na forma de como os investimentos são feitos?

Na área da construção civil, por exemplo, a coisa boa é que este sector conseguiu manter-se à parte e foi um dos poucos que não sofreu com a pandemia. Quando olhamos para os investimentos na área das infra-estruturas não há nenhuma mudança, as coisas continuam. O único obstáculo da política “uma faixa, uma rota”, que eu penso ser significativo, é que a média de financiamento que a China pode atribuir a outros países é relativamente baixa. Neste momento, quando olhamos para estes projectos, vemos que têm sido financiados na sua maioria por entidades chinesas, e há depois uma participação muito pequena de outros países.

Portugal é um parceiro importante da China nesta política. Como olha para o futuro desta relação bilateral? É um país suficientemente competitivo?

Penso que não é necessário ser-se competitivo para participar [nesta política], porque há muitos países diferentes a participar, com modelos distintos. Pode-se ser um parceiro de investimentos, um país que serve de trânsito ao comércio ou aos mercados europeus. Portugal, geograficamente, está um pouco afastado, então a questão que se levanta é que tipo de acordos é que o país está à procura. Portugal está integrado na União Europeia e depende um pouco de como a discussão decorre e de como os Estados-membros se posicionam em relação à política “uma faixa, uma rota”. Um exemplo é a Grécia e o porto de Pireu. Isto é uma narrativa e podemos ter o nosso papel nessa narrativa.

Qual o papel das regiões administrativas especiais chinesas nesta política? Macau não é um centro financeiro como Hong Kong, mas aparece bastante no discurso político pela relação que pode ter com os países de língua portuguesa.

Os papéis de Macau e de Hong Kong devem ser muito diferentes. Vejo Macau como uma ponte de ligação aos países de língua portuguesa devido à herança portuguesa. Hong Kong é diferente, é um centro financeiro e tem uma moeda indexada ao dólar americano. Mas, por outro lado, apesar de ser um centro financeiro, não tem muito para oferecer à política “uma faixa, uma rota”. Quando olhamos em termos logísticos, para o lugar dos portos de Hong Kong e de Shenzhen, o porto de Hong Kong já não é estratégico nesta matéria. Vou a Hong Kong uma vez por ano onde dou aulas numa universidade, precisamente sobre a política “uma faixa, uma rota”. E sinto que Hong Kong está a enfrentar dificuldades na sua participação. É um centro financeiro, mas quando falo com parceiros de lá noto muitas questões sobre aquilo que esta política deveria ser e qual o papel que devem assumir.

A situação política em Hong Kong também deverá contribuir para essas dificuldades.

Macau tem sido tratado com mais simpatia pela China do que Hong Kong devido a essa situação. Falo com os estudantes, sei o que sentem e sinto que em Hong Kong há um grande descontentamento pela forma como as coisas estão a acontecer. A Grande Baía pode ajudar a trazer alguma aproximação, mas não vejo esta política a ser parte da iniciativa “uma faixa, uma rota”. Hong Kong está sem dúvida a enfrentar dificuldades em várias frentes.

Mesmo em relação ao projecto da Grande Baía há constrangimentos.

Hong Kong, para mim, falhou no desenvolvimento de ferramentas e capacidades, para ser verdadeiramente útil fora do sector financeiro. Isso é algo difícil de conseguir. Não há tecnologia, inovação, todas estas coisas não acontecem e também não acontecem na área financeira, o que é mais ridículo.

Mas Macau também procura uma diversificação económica, por exemplo, porque continua sem mais nada além do jogo.

Ninguém está a pedir a Macau para ter uma função específica, porque não é possível. O que é pedido é que seja um elo de ligação em matéria cultural e diplomática com outras regiões. Não vejo ninguém a exigir que os casinos participem na política “uma faixa, uma rota”. Macau tem os seus próprios problemas, e um deles tem a ver com a dimensão do território.

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