h | Artes, Letras e IdeiasParasite – Money – O Vírus Humano Rui Filipe Torres - 11 Fev 2020 [dropcap]Q[/dropcap]uando o Festival de Cannes de 2019, presidido por Alejandro González Iñárritu, entrega a Palma de Ouro ao filme PARASITE, confirma de forma canónica a mestria do olhar cinematográfico sobre a espécie humana do realizador coreano Bong Joon-ho, olhar sem concessão a futuros radiosos nem finais felizes. — Sim, ter conhecimento, entrar no ensino superior, mas primeiro, ganhar dinheiro. É-nos dito, em jeito de frase de epílogo, por Ki-woo, interpretado por Choi Woo-shi, 29 anos, o personagem que ao longo do filme nos conduz neste labiríntico habitar subterrâneo, jardim armadilhado em que o Minotauro é o bezerro de ouro contemporâneo, a moeda e a acumulação de capital. É certo que a motivação para o traçar deste caminho prende-se com a necessidade de capital para libertar o pai do subterrâneo na casa milionária construção de arquitecto, e da experiência da sua vida com cheiro a pobreza entranhado na roupa, do em quotidiano vivido em cave de prédio em bairro periférico. Só comprando a luxuosa mansão, é possível o reencontro com o pai. É provável que a apetência para a acumulação presente no nosso estilo de vida seja ainda a continuação de necessidades arcaicas que se advinham facilmente no tempo distante em que habitávamos em pequenos grupos numa natureza sem mediação por vezes generosa e outras hostil. O certo é que não seja por vontade e consentimento humano, nem capitalismo , nem qualquer outro sistema/modelo de organização da sociedade se torna viável e possível. E hoje, money, money, é grito da multidão ávida do acesso ao prazer, à distinção, ao luxo, antes apenas vislumbrado nos castelos dos senhores, hoje anunciado de meia em meia hora nos canais tv, e mostrado nas montras dos artigos de luxo nas avenidas enfeitadas de colares eléctricos em todas as cidades do mundo. No filme “ Amar ou Morrer”, que o empenho zeloso da burocracia do ICA no ano de 2019 pontapeou para fora do concurso de apoio à produção, o que diz muito sobre como funciona , ou melhor, não funciona , a política pública de apoio ao cinema em Portugal, tema de muito interesse, mas que não é o nosso assunto neste texto, numa cena desse “filme”, diz o Pita, um personagem criado pelo Raúl Brandão: “ Quando a vida era uma passagem e a dor mais negra, maior era o prazer na vida eterna, a coisa andava. Destruíram essa ilusão e agora são milhões os ávidos de gozo.” Em Parasite, filme com um argumento magnífico e de igual adjectivação na realização, são os milhões dos muitos em escassez e dos alguns com vida sem faltas, o tema da história. Filmado com fina e radical ironia, numa verticalidade do visível e do invisível, materializada na visibilidade dos jardins e dos andares à superfície da mansão luxuosa, luminosa e modernista e no habitar do bunker subterrâneo da mesma mansão luxuosa. Na vida nas caves dos milhões disponíveis para o mercado de trabalho que permite o sonho do consumo, e que, no esgravatar constante na tentativa de ultrapassar o sufoco e a miséria, não negam a trapaça ou a faca, o sangue, o assassinato do igual, para a subida à mesa sem faltas dos herdeiros da sorte, da saúde, e da boa aventurança da conta bancária sem faltas, dos que habitam as zonas ricas da cidade. O crítico do The New York Times, descreve o filme como “filme extremamente divertido, o tipo de filme inteligente, generoso e esteticamente energizado que elimina as cansadas distinções entre filmes de arte e filmes de pipoca” Facto é que esta produção de 11 milhões de dólares rodada em aproximadamente dois meses e meio, sem estrelas do panteão de Hollywood e em língua coreana, conta já com uma facturação próxima dos 100 milhões de dólares. Em Toronto, em San Sebastian, em Sydney, em Munique, em todos os festivais onde esteve, foi premiado. Para o OSCAR de 2020, dia 9 de Fevereiro, está indicado para as categorias de; Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original, Melhor Montagem, Melhor Direcção de Arte, Melhor Filme Internacional. Não colherá, todas as estatuetas, há outros filmes na corrida com grande mérito, mas algumas, e muito merecidas, e com grande aplauso, serão suas. Este é um dos gigantes da produção cinematográfica estreada em 2019. Não perca. (Nota do editor: O artigo foi escrito antes da cerimónia dos Óscares. O filme sul-coreano viria a conquistar 4 estatuetas:: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original e Melhor Filme Internacional) * Rui Filipe Torres – Cineasta, Jornalista. Doutorando em Estudos Artísticos – Estudos Fílmicos e da Imagem – FL -Universidade de Coimbra Mestre em Estudos Culturais Aplicados em Cinema – Desenvolvimento de Projecto Cinematográfico – ESTC – Instituto Politécnico de Lisboa. Licenciado em Ciências da Comunicação – ISCSP – Universidade de Lisboa