“O Grande Domador”, de Dimitris Papionnou

Um dos primeiríssimos talentos da dança contemporânea, esteve no grande auditório do CCB no 2 e 3, integrado na programação DE ZEUS A VARAUFAKIS – A Grécia nos Destinos da Europa.

Neste séc. de reorganização geopolítica do mundo, que confirma o que desde os anos 60 do séc. XX se tornou a cada dia mais claro: “A path for redefinition and strengthening of diplomacy is assumed, in order to structure and consolidate active presence in the reformulation of World Governance; this implies the expansion of and independent Chinese policy towards the consolidation of peace”1 cuja liderança é cada vez mais a RPC, confirmando o que a 14 de Setembro de 2005 no discurso das Nações Unidas, o Presidente Hu Jintao, afirmava ; a adesão da diplomacia Chinesa ao multilateralismo, abandonando a diplomacia cautelosa e defensiva dos contactos bilaterais e pouco atuante nos fóruns internacionais que desde 1978, quando a RPC decidiu abrir-se ao mundo vinha praticado, a Europa precisa de forma urgente e decida de se repensar.

Cronos, filho de Urano – o céu estrelado e de Gaia – a terra, é de facto o grande domador e também aquele que na sua forma mais traumática representa o problema da terra do humano. É dito que Cronos, o mais iniciático e arquétipo edipiano, incitado pela mãe castrou o pai.

A Terra é desta forma separada do Céu. Podemos ver aqui um paralelismo com a expulsão do Paraíso, aí não pela castração, mas pela vivência do prazer e a ousadia da interrogação ficando para sempre impossibilitada a bem aventurada e pacata felicidade dos pobres de espírito. Cronos vive ele próprio um conflito entre a força do novo e a potencia que encerra e o saber e poder que não sendo néscio a permanência no discurso do tempo permite. Torna-se o canibal que devora os próprios filhos, o mais temível e repulsivo, mesmo que a clareza do espírito afirme que o crime não é menor se o sangue tiver outra filiação. Zeus, seu filho, foi dele escondido, cresceu, combateu o pai, expulsou-o do Olimpo e obrigou-o a vomitar os irmãos.

Mas ser expulso do Olimpo por mais doloroso que possa ser não é igual à morte. Cronos está ele próprio condenado ao tempo, outros, os Deuses não expulsos do Olimpo, tem outra imortalidade, um outro eterno, onde os lábios das abelhas é generoso no sugar e na produção do mel e o sol, é sempre quente, e no sangue nunca a anemia impede a ereção dos corpos, presume-se. Talvez vidas desocupadas em demasia. Mas deixemos os deuses dado que não temos outra possibilidade que não a de sermos homens.

Já avancei por algumas vezes a ideia da Europa pós-modernista, num modelo que retome a maturidade do pensamento clássico no contemporâneo, não um regresso ao renascimento, tempo maior na história recente da Europa com os erros hoje mais fáceis de reconhecer de um exagerado positivismo, mas um Pós- Renascimento, em que o eurocentrismo definitivamente de lugar a um olhar mais próximo do olhar de deus sobre o mundo, ou se quisermos uma referencia tecnológica, um olhar a partir do satélite, global, mas com as referencias humanistas da Grécia Antiga, sem desperdiçar toda a escola filosófica, artística, cultural científica, com que se materializa este enorme e imaterial património mundial que é o espaço europeu.

O Mestre Almada Negreiros, esse Português sem mestre, como a si próprio se definiu, viu na Ibéria a cabeça da Europa. Talvez que seja tempo de ultrapassar fantasiosas barreiras dos corpos, afinal pernas sem cabeça não passam de desenhos animados. A Europa constrói-se com o mediterrâneo no seu centro e não como hoje, com o mediterrâneo lugar de fronteira.

A Europa, ou melhor, os europeus, precisam com urgência de perceber que o tempo do Eurocentrismo terminou algures antes do meio do séc. XX , e que ser Europeu é um diálogo permanente com o mundo todo, e quanto mais em igualdade, mais feliz e produtivo.

O Grande Domador, The Great Tamer, é uma criação a todos os níveis notável. O trabalho performativo com os atores/bailarinos é um plano sequência brilhante onde o tempo é matéria e os corpos se reinventam e interrogam.

Uma maquinaria cénica invisível cria a existência de 3 planos, a superfície ou crosta espaço da representação, o em baixo ou potencia de onde surgem corpos, terra, artefactos humanos, e o acima, o manto do ar respirável onde por vezes se voa e até a outros planetas de ar mais rarefeito e outra força de gravidade. A relação entre os três territórios é permanente, fluída e mágica.

Tudo acontece como num plano cinematográfico em sequência, sem cortes, numa sucessão continua de imagens que fluem com o encantamento de um discurso alicerçado na poética da imagem, construída na acção e respiração dos corpos na relação tridimensional com o espaço e o tempo da música de John Straus.

De alguma forma o que é dado a ver, continua a mais famosa elipse temporal da história do cinema, quando Kubrick, na abertura do 2001 Odisseia no Espaço, (1968), transforma o osso de fémur humano em artefacto, ferramenta e arma, em nave espacial. É uma elipse cinematográfica com o tempo da civilização, o tempo da descoberta e realização do humano.

Aqui, em The Great Tamer, o maravilhamento e a interrogação sobre o próprio, o outro, sobre o lugar, o território onde pode acontecer o maravilhamento, permanece e continua em sucessivos quadros de visualidade poética que convoca signos e quadros da história da pintura, e do cinema, como já referido.

Os corpos experimentam outras possibilidade de corpo, o género questiona-se a si mesmo, reinventa-se em novas possibilidades. O uno e o múltiplo é um movimento imparável, e o espanto, os caminhos em potencia, múltiplos. Somos confrontados com um criação artística rigorosa na execução de uma maquinaria cenográfica, na ocupação e desenho do espaço pelos corpos , na imagética conceptual performativa. Johann Strauss, na adaptação de Stephano Droussiotis, cria a dinâmica sonora perfeita para esta metamorfose e fluidez continuada dos corpos. Duas horas de grande fruição estética que terminaram com a sala do grande auditório do CCB em pé e em entusiásticas palmas.

Concepção e direcção por Dimitris Papaioannou

Com Pavlina Andriopoulou, Costas Chrysafidis, Ektor Liatsos, Ioannis Michos, Evangelia Randou, Kalliopi Simou, Drossos Skotis, Christos Strinopoulos, Yorgos Tsiantoulas, Alex Vangelis
Cenografia e direção de arte em colaboração com Tina Tzoka
Colaboração artística para os figurinos Aggelos Mendis
Desenho de luz em colaboração com Evina Vassilakopoulou
Colaboração artística para o som Giwrgos Poulios
Desenho e operação de som Kostas Micholoupos
Música Johann Strauss II, An der schönen blauen Donau, op. 314
Adaptação musical Stephano Droussiotis
Design de escultura Nectarios Dionysatos
Pintura de figurinos e adereços Maria Ilia
Produtora criativa executiva e assistente de direção Tina Papanikolaou
Assistente de direção Stephanos Droussiotis
Assistente de direção e ensaiadora Pavlina Andriopoulou
Direção técnica Manolis Vitsaxakis
Manager de palco Dinos Nikolaou
Engenheiro assistente de som Nikos Kollias
Assistente do cenógrafo e do pintor de cenários Mary Antonopoulou
Assistentes do escultor Maria Papaioannou, Konstantinos Kotsis
Assistente de produção Tzela Christopoulou
Manager da digressão e relações internacionais Julian Mommert
Assistente executivo de produção Kali Kavvatha
Produção Onassis Cultural Centre – Atenas
Coprodução CULTURESCAPES Greece 2017 (Suíça), Dansens Hus Sweden (Suécia), EdM Productions, Festival d’Avignon (França), Fondazione Campania dei Festival – Napoli Teatro Festival Italia (Itália), Les Théâtres de la Ville de Luxembourg (Luxemburgo), National Performing Arts Center-National Theater & Concert Hall | NPAC-NTCH (Taiwan), Seoul Performing Arts Festival | SPAF (Coreia do Sul), Théâtre de la Ville – Paris / La Villette – Paris (França)
Produtor Executivo 2WORKS
Com o apoio de Alpha Bank

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